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N.º 17. Sessão em 25 de Abril 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 58 Srs. Deputados.

Abertura — Meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada sem discussão.

EXPEDIENTE.

Officios. — Um do Ministerio do Reino, enviando duas relações, sendo a primeira dos empregos vagos, que foram providos por aquelle Ministerio no segundo semestre de 1848; e a outra dos empregos que deixaram de prover-se durante o mesmo periodo. — Para a secretaria.

Representações. — 1.ª Dos directores da companhia de seguros — Fidelidade — apresentada pelo Sr. Palmeirim, pedindo uma disposição legislativa para não ser obrigada a pagar as decimas, em que tem sido collectada desde a sua origem, e que no orçamento se insiram as disposições que aponta. — Á commissão de Fazenda.

2.ª Do presidente da sociedade dos Amigos das Lettras e das Artes, na ilha de S. Miguel, apresentada pelo Sr. Mexia, pedindo a concessão da cêrca do extincto convenio da Conceição, e a cêrca e ruinas da igreja de S. José, em Ponta Delgada, para uso da mesma sociedade. — Á commissão de Fazenda.

3.ª Do administrador e membros da Camara Municipal de Villa Nova de Foscôa, apresentada pelo

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Sr. Fonseca Castello Branco, pedindo a reabilitação de uma cadeira de gramática latina no seu concelho, a qual foi abolida pela lei da creação dos lyceus. — A commissão d'Instrucção Publica.

O Sr. Gorjão Henriques: — Participo a V. Ex.ª que hontem não assisti á sessão por estar muito incommodado de saude.

O Sr. Assis de Carvalho: — Parece-me, que entre os papeis d'importancia que os Srs. Deputados devem ter presentes, é um mappa das contribuições municipaes, que ha pouco foi remettido pelo Governo a esta Camara, convinha muito que fosse impresso esse mappa, por que é muito conveniente para a discussão de differentes projectos de lei que tem de se discutir nesta Casa.

Mando tambem para a Mesa uma rectificação ao extracto da sessão do Diario do Governo na parte que diz respeito á substituição que offereci ao art. 1.º do projecto n.º 35, onde se diz até ao anno de 1850, deve dizer-se até ao 1.º de janeiro de 1850. Lembro a V. Ex.ª que, ou consultando a Camara ou não, seria muito conveniente a impressão do mappa das contribuições municipaes, porque é de muita importancia.

O Sr. Presidente: — Eu consulto a Camara, mas não sei, se o Governo costuma mandar imprimir por sua conta esses mappas; proporei á Camara a impressão, no caso do Governo a não publicar.

Resolveu-se neste sentido.

O Sr. Presidente: — Quanto á rectificação manda-se inserir: e por esta occasião devo dizer, que a Mesa tem, póde-se dizer, quasi ultimados os seus trabalhos em quanto aos extractos, e talvez ámanhã já principie a vir a sessão com mais exactidão; não direi com toda a exactidão, porque é impossivel, e mesmo o Diario da Camara não se póde dizer exacto, por isso que eu tendo examinado a parte que tem relação com algumas observações feitas pela Mesa, vejo que não ha a exactidão necessaria na parte a que se referem essas observações. Fica pois a Camara inteirada, de que a possivel exactidão dos extractos póde conseguir-se, por que a Mesa tem dado o desenvolvimento necessario a este objecto.

O Sr. Moraes Soares: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se permitte, que retire por parte da commissão da redacção do Diario da Camara o projecto, que apresentou ha dias a respeito dos amanuenses da repartição Tachygrafica.

A Camara annuiu.

O Sr. Pereira dos Reis: — Mando para a Mesa o seguinte

Requerimento. — Requeiro que pelas secretarias d'estado competentes seja pedida uma cópia dos seguintes documentos:

1.º Da conta dada ao Ministro da Fazenda pelo visitador do Thesouro Publico, Manoel Tiberio Nunes, quando se recolheu da visita que fez á ilha de S. Miguel.

2. Dos officios do ex-delegado do Thesouro, Manoel Pinto d'Araujo Cardoso de Mendonça, datados de 21 de setembro e 22 de dezembro de 1848, e de 5 e 14 de janeiro ultimo, dirigidos ao Ministerio da Fazenda.

3.º D'outro officio do mesmo ex-delegado, com data de 11 de janeiro preterito, dirigido ao tribunal do Thesouro Publico, e relativo ao procedimento que com elle houve o governador civil D. Pedro da Costa Macedo.

4.º Do officio que o ex-delegado, Pinto de Mendonça, dirigiu ao mesmo governador civil em data de 10 de janeiro deste anno.

5.º Do officio n.º 67 do referido governador civil, dirigido em 11 de janeiro proximo passado ao ex-delegado do Thesouro n'aquella ilha.

6.º Do officio que no mesmo dia escreveu o governador civil ao commandante da sub-divisão militar, pedindo-lhe a captura do ex-delegado.

7.º Do regulamento da secretaria d'aquelle governo civil, mandado cumprir pelo respectivo magistrado em data de 4 de janeiro proximo passado.

8.º Da conta da despeza feita com os quartos da residencia do governador civil; exigindo-se a este respeito a necessaria individuação.

9.º Finalmente, da nota das exigencias feitas á repartição de fazenda pelo governador civil em data de 7 de janeiro ultimo. — Pereira dos Reis.

Peço a urgencia.

Foi julgado urgente, e approvado sem discussão.

O Sr. F. A. da Fonseca: — Participo a V. Ex.ª que faltei á sessão de hontem por incommodo de saude.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Em 21 de março passado fiz um requerimento, para que o Governo, pela repartição competente, indicasse qual o seguimento que se tinha dado a um convite que a academia real de Londres tinha enderessado á nossa academia; digo isto, porque talvez já tenha vindo esta informação, mas póde ser que eu não tenha prestado toda a attenção á leitura da correspondencia, por isso pedia que V. Ex.ª me informasse a este respeito.

O Sr. Presidente: — O officio foi dirigido logo no dia immediato á approvação do requerimento ao Governo; mas parece-me que até hoje ainda não respondeu cousa alguma a esse respeito.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Então peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de mandar renovar o meu requerimento.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — No principio desta Sessão requeri pelo Ministerio da Fazenda um mappa dos thesoureiros e recebedores de concelho, e em summa de todos os exactores de fazenda, que estivessem alcançados: quando veio á discussão a impossibilidade de se satisfazer este meu requerimento, eu apresentei á Camara uma portaria impressa no Diario do Governo, e expedida pelo Sr. Ministro da Fazenda daquelle tempo, que era o Sr. Falcão, ao tribunal do Thesouro sobre o mesmo objecto. Tenho por mais de uma vez renovado o meu pedido, e vejo, com bastante pesar, que elle não é satisfeito: ultimamente pedi que fosse impresso o mappa do visitador do districto de Lisboa; o Sr. Ministro da Fazenda disse, que o mandava imprimir, com a condição, de que se declarasse — não havendo inconveniente — eu logo vi, que era o mesmo que dizer, que não se publicava. Sr. Presidente, dentro em pouco devemos entrar na discussão da lei da despeza e de meios, e como preciso dos esclarecimentos, a que alludi, mando para a Mesa um requerimento, e peço a urgencia.

Requerimento. — Requeiro com urgencia, visto não se terem publicado os relatorios do visitador do districto de Lisboa, que pelo Ministerio da Fazenda se remetta a esta Camara um mappa do alcance dos

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recebedores deste districto (de Lisboa); com declaração da importancia do alcance, e nome dos recebedores alcançados, quando teve logar a primeira visita; quaes os recebedores que, estando alcançados, foram reconduzidos, e exercem actualmente esses cargos; quaes as quantias relaxadas, e as sommas das execuções, que estão suspensas. — Cunha Sotto-Maior.

Aproveito a occasião para mandar para a Mesa tambem a nota de uma interpellação que desejo fazer ao Sr. Ministro da Fazenda.

Requerimento. — Requeiro que seja avisado o Sr. Ministro da Fazenda para responder a uma interpellação sobre a inexactidão dos annuncios dos pagamentos das differentes classes. — Cunha Sotto-Maior.

O primeiro requerimento foi julgado urgente, e approvado sem discussão; e mandou-se communicar a nota da interpellação ao Sr. Ministro da Fazenda.

SEGUNDAS leituras.

Proposta. — Proponho a suppressão da publicação do extracto das sessões no Diario do Governo. — Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Depois da declaração que V. Ex.ª fez já nesta sessão, relativamente aos extracto?, peço licença á Camara para retirar a minha proposto.

O Sr. Presidente: — A proposta do Sr. Deputado ainda não tinha sido admittida, e por consequencia póde retira-la, não precisa resolução da Camara,

Considerou-se retirada.

O Sr. Palmeirim: — (Sobre a ordem) Por parte da commissão de Guerra vou ler e mandar para a Mesa o parecer sobre a proposta do Governo relativa á auctorisação para poder collocar nas differentes secções do exercito os officiaes da convenção de Evora-Monte. (leu-o)

Mandou-se imprimir, e delle se dará conta, quando entrar em discussão.

PRIMEIRA parte da ordem do dia.

Leitura de pareceres de commissões.

Parecer. — N.º s3 — B. — A commissão de Misericordias examinou attentamente o requerimento da Misericordia de Estremoz, a qual considerando como donatarias da Corôa todas as do Reino, tem receio de lhes serem applicaveis as disposições da lei de 22 de junho de 1846 para a remissão e reducção dos seus fóros, ficando assim estes pios estabelecimentos sem os meios necessarios para satisfazerem os fins da sua instituição. Entende porém a commissão, que pelo decreto de 15 de março de 1800 foram incorporados na Corôa, não todos os bens das Misericordias, mas só aquelles que naquella data estavam devolutos por serem possuidos com offensa das leis da amortisação. A respeito destes ultimos verificada a circumstancia do commisso, devolução e incorporação, não póde duvidar-se de que estão comprehendidos na citada lei de 22 de junho para o fim de serem admittidas as reducções e remissões de fóros, se os foreiros provarem que taes bens eram no dia 15 de março de 1800 possuidos pelas Misericordias contra as leis da amortisação.

Não succede outro tanto ácerca dos demais bens das Misericordias, excepto quando se provasse a sua origem da Corôa por doação dos Soberanos.

A consideração que merecem taes estabelecimentos pelo seu fim humanitario, não é motivo sufficiente para fazer-se excepção na referida lei de 22 de junho, a qual se encaminhou a conseguir não só um fim politico, mas tambem a libertar a terra dos embaraços que impediam a agricultura, e a facilitar a divisão da propriedade agglomerada, e por isso quasi sempre inculta.

Se a favor das Misericordias se fizesse uma lei para exceptua-las daquella de 22 de junho, outras corporações haveria em identicas circumstancias, e desta sorte se destruiria o generoso pensamento do decreto de 13 de agosto de 1832.

Parece por tanto á commissão, que a pertenção da supplicante não póde ser attendida.

Sala da commissão, 24 de abril de 1849. — João Elias da Costa Faria e Silva, (Presidente) João de Deos Antunes Pinto, João Chrysostomo Freire Corrêa Falcão, Joaquim Manoel da Fonseca Castello Branco, Bispo Eleito de Castello Branco, Estevão Jeremias Mascarenhas, Antonio Bernardo da Silva Cabral.

Foi approvado sem discussão.

Parecer. — N.º 43.º — C — A commissão de Misericordias examinou as tres representações da camara municipal de Estremoz, a qual, sendo obrigada por decisões tanto da junta geral, como do conselho de districto a concorrer para a creação dos expostos com a quantia annual excedente a um conto e quatro centos mil réis, pertende que este encargo passe para a misericordia da mesma villa, a quem antigamente incumbia, e de que se acha aliviada, concorrendo para elle apenas com a quantia annual de 113600 réis por virtude das mesmas decisões. Attendendo porem a que o systema da creação dos expostos é uniforme, e pertence ás camaras municipaes, não só por disposição das leis antigas, mas positivamente pelo decreto de 19 de setembro de 1836, — e pelo codigo administrativo (artigos 129, 133, n.º 7, e 216, n.º 7;) entende a commissão que não ha motivo para revogar estas leis, fazendo-se excepção nellas a favor da camara supplicante, a qual não tem aliás direito a exigir da misericordia senão aquelles rendimentos, que expressamente ou pelas instituições ou por contractos tenham sido applicados para a creação dos expostos.

Sala da commissão em 17 de abril de 1849. — João Elias da Costa Faria e Silva, Presidente. Bispo eleito de Castello Branco, Joaquim Manoel da Fonseca Castello Branco, João de Deos Antunes Pinto, Estevão Jeremias Mascarenhas Freire Falcão

Foi approvado sem discução.

Parecer. — N.º 43 — A — A commissão de Petições foi presente um requerimento de José Avelino dos Santos Neffe, tenente quartel mestre do Exercito: allega que no anno de 1837, fazendo parte da divisão do commando do Marechal Duque de Saldanha, na qualidade de sargento quartel mestre do regimento de infantaria n.º 10, fôra pelo dito Marechal promovido em nome de S. Magestade ao de tenente quartel mestre, e não lhe sendo este posto garantido, por virtude da convenção de Chaves; conclue pedindo, que quando opportunamente forem deferidas as pertenções de outros officiaes em identicas

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circunstancias, se lho conte a antiguidade deste posto de 23 de julho de 1837.

A commissão é de parecer, que este negocio não compete á Camara.

Sala da Commissão 19 de abril 1849 — Freire Falcão. F. J. P. Brandão, F. L. P. da Costa Bernardes, Silva Fevereiro.

Foi approvado sem discussão.

Parecer — N.º 63.º — E — A commissão de Petições foi presente um requerimento de José Bernardo Gonçalves Ferreira Pinto da Cunha, Juiz de direito da comarca dos Arcos: expõe a conveniencia de construir-se uma ponte nas Caldas do Gerez, entre a localidade das Caldas e a serra do mesmo nome. refere os meios porque, esta obra se póde levar a effeito, sem encargo do Thesouro. A commissão intende que este objecto não e da sua competencia, mas que deve o requerimento ser remettido ao Governo, para ser tomado na consideração, que merece.

Sala da commissão 19 de abril de 1849. — Freire Falcão, F. J. P. Brandão, Silva Fevereiro, F. L. P. da Costa Bernardes

Foi approvada sem discussão. Parecer. — N.º 43.º — B — Foi presente a commissão de Administração Publica a representação da camara municipal de Coimbra expondo os embaraços, que tem encontrado na execução do que dispõe os artigos 120, 136 do codigo administrativo, portarias de 5 de março e 29 de setembro de 1814, a lei de 10 de julho de 1813, classe 4.ª tabella n.º 2 no que respeita a fazer effectivo o pagamento do imposto do sello nas licenças para vender em loja, e pedindo que a legislação referida reja alterada pelos meios que indica, ou outros que melhores pareçam.

A commissão tendo examinado attentamente esta representação, e merecendo-lhe a maior consideração o pedido de uma camara municipal que tão solicita se mostra pelos interesses do municipio que a elegeu, não se julga ainda sufficientemente habilitada, sem ulteriores informações, a propôr-vos com a prudencia e cautella que exige a revisão das leis, uma alteração da legislação vigente.

Parece por tanto a commissão que a referida representação da camara municipal de Coimbra deve ser remettida ao Governo para dar a esta Camara todos os esclarecimentos que tiver obtido, ou que possa obter a este respeito, ouvindo, se o julgar necessario, as outras camaras municipaes do reino.

Sala da commissão em 20 de abril de 1849. — Luiz Augusto Rebello da Silva, José Silvestre Ribeiro, Albano Caldeira, José de Mello Gouvêa, M. de Soma Lobo, Z. T. Cabral de Mesquita, A. V. Peixoto, A Emilio Corrêa da Sá Brandão Foi approvado sem discussão. O Sr. Pereira de Barros — Participo a V. Ex.ª e a Camara que a Deputação nomeada por V. Ex.ª para ír assistir ao funeral da Sr.ª Viscondeça de Campanhã, cumpriu o seu dever, e acompanhou o cadaver ate ao cemiterio: o nosso collega o Sr. Visconde de Campanhã agradece muito á Camara a distincção com que o honrara.

Segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Presidente: — Devem continuar a discussão do projecto n.º 35. se estivesse presente o Sr. Ministro do Reino, mas S. Ex.ª previniu-me de que tinha de assistir ao Conselho d'Estado, e que talvez não podesse estar presente, por tanto vai entrar em discussão o projecto n 0 38. É o seguinte

Relatorio. — > Senhores Foi presente á commissão de Legislação a proposição de lei, vinda da Camara dos Dignos Pares do Remo, sobre as attribuições das commissões Mixtas.

O sabio proposito daquella Camara foi fixar, por via de uma lei clara e terminante, a intelligencia do art. 54. da Carta Constitucional, e prover convenientemente a sua verdadeira observancia.

Grande impressão fez por certo no anímo da commissão de Legislação o respeito, que tributa á subida illustração da Camara dos Dignos Pares. A commissão, porem, para igualmente cumprir com o seu dever, qual o de fazer por acertar com a verdade, empenhou maduro e reflectido exame ácerca da doutrina contida no citado artigo, submettendo-o ás solidas regras da hermeneutica e da critica, e, em resultado, compenetrou-se da persuasão de que as novas disposições, pela Camara dos Dignos Pares procuradas para desenvolverão preceito da lei fundamental em similhante assumpto, e promover sua fiel execução, transcendem a sentença do mesmo artigo, significada pelas suas palavras e pelo seu espirito.

Por quanto, aí conferindo sem reserva o legislador constitucional á commissão, mixta de igual numero de Pares e Deputados, o poder de decidir, isto é, de resolver e terminar a questão pendente sobre remendas ou addições, exclusivo objecto da discussão e deliberação, prescreve em termos precisos o verdadeiro e unico processo, que havia a seguir; findo o qual, só resta a consequencia ordinaria e immediata da approvação, ou rejeição de um projecto de lei, no caso presente constitucionalmente subdelegada.

A commissão entende, que, assim achando-se tão terminantemente, neste ponto, outorgada ás duas Camaras a faculdade de delegar, e implicitamente definido o objecto e a natureza das attribuições destas commissões Mixtas, de nenhum outro elemento mais se carece, segundo os principios do nosso direito publico constitucional, para constituir uma proposta de lei em circumstancias de ser submettida a Sancção Real, e que, por isso, ficam excluidas todas e quaesquer distincções, ampliações, ou restricções em contrario.

Demais, Senhores, tem sido esta a practica constante e inalteravel, coeva com a existencia da Carta Constitucional; e nós devemos cingir-nos ao sentido declarado pelo uso, que, em caso de obscuridade, tem sido reputado, desde a mais remota antiguidade até nós, como o melhor interprete da lei. Nem a commissão encontra solido fundamento para no presente se desviar de uma intelligencia, que por longo tempo ha parecido justa.

A commissão, pois, movida por estas razões, que considera ponderosas, afóra outras, que exabundanti se poderiam produzir, tem a honra de offerecer á illustrada deliberação desta Camara o projecto com as emendas e addições, que entendeu dever fazer-lhe, e pensa, que com ellas esta nas circumstancias de ser approvado.

Projecto de lei. — Artigo 1.º As resoluções das commissões Mixtas de Pares e Deputados são definitivas, em conformidade do art. 54 da Carta Constitucional

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Art. 2.º Quando a Camara dos Deputados não approvar as emendas ou addições da dos Pares, ou vice versa, e todavia a Camara recusante julgar que o projecto é vantajoso, terá logar a commissão Mixta.

Esta decisão será competemente participada á outra Camara.

Art. 3.º A commissão Mixta será composta de doze membros effectivos e de quatro supplentes, de cada uma das Camaras, eleitos por escrutinio.

§ unico. Os supplentes serão chamados pela ordem da votação, e, em caso de igualdade de votos, preferirá o mais velho em idade.

Art. 4.º O Presidente da Camara dos Pares, o Vice-Presidente, os supplentes á presidencia, serão por sua ordem presidentes da commissão Mixta, quando para ella tiverem sido eleitos. Na falla de qualquer dos sobreditos, presidirá o Par mais velho em idade, que for membro da commissão Mixta.

§ unico. Os trabalhos da commissão Mixta serão regulados pelo respectivo regimento, e provisoriamente pelo interno da Camara dos Pares, na parte, em que for applicavel.

Art. 5.º Compete ao Presidente da Camara dos Pares designar e fazer constar a ambas as Camaras o dia e hora da primeira reunião da commissão Mixta, que terá logar na Casa das sessões da Camara dos Pares, em quanto não houver uma sala destinada para a reunião das Côrtes Geraes; e servirão de secretarios um Par e um Deputado, que a commissão eleger, ou á encolha do presidente da commissão.

Art. 6.º A discussão da commissão Mixta versara sòmente sobre as emendas ou addições, em que não tiverem concordado ambas as Camaras; a sua approvação servira para se fazer ao Rei a proposta de lei.

§ 1.º O empate na votação sobre qualquer das emendas ou addições importa a rejeição de todo o projecto de lei.

Poderá com tudo o assumpto votado, sob proposta feita por algum dos membros da commissão Mixta, «por esta approvada, tornar a entrar em discussão n'outro qualquer dia; e, se ainda ficar empatado na votação, reputar-se-ha definitivamente rejeitado.

Art. 7.º O projecto de lei rejeitado na fórma do artigo antecedente, ou outro qualquer, que lhe fôr analogo, não podéra ser proposto na mesma sessão da Legislatura.

Art. 8.º O presidente da commissão Mixta remettera a cada uma das Camaras copia da acta da mesma, cujo original, depois de assignado por todos os membros da commissão, será guardado no archivo da Camara dos Pares.

Art. 9.º A proposta de lei será apresentada ao Rei por uma deputação da Camara dos Pares.

Art. 10.º É por este modo regulado o art. 54.º da Carta Constitucional.

Sala da commissão, 16 de abril de 1849. — Bento Cardoso de Gouvêa Pereira Côrte Real, Eusebio Dias Falcão, Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos, João de Sande Magalhães Mexia Salema, José Maria Pereira Forjaz, Antonio do Rego de Faria Barbosa, Antonio de Mello Borges e Castro, Joaquim José Pereira de Mello, João Elias da Costa Faria e Silva.

Proposição de lei (n.º 20 B) que veio remettida da Camara dos Dignos Pares, e a que se refere o Projecto antecedente.

Proposição de lei. — Artigo 1.º As resoluções das commissões Mixtas de Pares e Deputados, em conformidade com o art. 54.º da Carta Constitucional, são consultivas ou definitivas segundo os termos declarados na presente lei.

Art. 2.º Quando a Camara dos Deputados não approvar as emendas ou addições da dos Pares, ou vice versa, e todavia a Camara recusante julgar que o projecto e vantajoso, terá logar a commissão Mixta, composta de doze membros e de quatro supplentes de cada uma das Camaras, eleitos por escrutinio. O que será competentemente participado á outra Camara.

Art. 3.º O Presidente da Camara dos Pares, o Vice-Presidente, e os supplentes a presidencia, serão por sua ordem presidentes da commissão Mixta, quando para ella tiverem sido eleitos. Na falta de qualquer dos sobreditos presidirá o Par de maior idade, que for membro da commissão Mixta.

§ unico. Os trabalhos da commissão serão regulados pelo respectivo regimento, e provisoriamente pelo interno da Camara dos Pares.

Art. 4.º Compete ao Presidente da Camara dos Pares designar, e fazer constar em ambas as Camaras, o dia e hora da primeira reunião da commissão Mixta, que terá logar na Casa das sessões da Camara dos Pares, emquanto não houver uma sala destinada para a reunião das Côrtes, e servirão de secretarios um Par e um Deputado, que a commissão eleger, ou á escolha do presidente da commissão.

Art. 5.º A discussão da commissão Mixta versara sobre os artigos, emendas, ou addições era que não tiverem concordado ambas as Camaras, e bem assim sobre quaesquer alterações, additamentos ou emendas, que forem offerecidas na mesma discussão, com tanto que sejam materia analoga ao mesmo objecto.

§ unico. O que a commissão Mixta decidir, por pluralidade de votos, servirá ou para ser inserido no projecto de lei, ou para ser logo recusado: o empate na votação equivale sempre á rejeição.

Art. 6.º As resoluções que a commissão Mixta approvar, serão de novo discutidas, approvadas, ou rejeitadas por cada uma das Camaras; a sua discussão começara na Camara em que teve origem o projecto, para cujo effeito lhe serão communicadas pelo presidente da commissão

§ unico. Não podem ser objecto de nova discussão aquelles artigos em que ambas as Camaras tiverem concordado.

Art. 7.º Se em qualquer das Camaras for desapprovada a proposta da commissão Mixta, ficará ella rejeitada; e não poderá apresentar-se de novo a discussão durante a mesma sessão da Legislatura.

Art. 8.º É por este modo regulado o art. 54.º da Carta Constitucional, e ficam em pleno vigor os actos até agora praticados pelas commissões Mixtas.

Palacio das Côrtes, em 16 de março de 1849. — Duque de Palmella (Presidente), Visconde de Gouvêa, Par do Reino, (Secretario), Marquez de Ponte de Lima, Par do Reino, (Vice-Secretario)

O Sr. Silva Cabral — Sr. Presidente, este objecto e importantissimo, e ainda que a primeira vista pareça que a illustre commissão de Legislação vai conforme com o parecer dos differentes corpos collegislativos, que tem funccionado debaixo dos auspicios da Carta, tenho todo o sentimento em dissentir della Parece-me que a sua opinião e absolutamente insustentavel na presença da Carta, que é insusten-

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tavel na presença de todo o direito publico constitucional da Europa, que é insustentavel na presença da razão, que é mesmo anti-liberal, e que a opinião apresentada pela Camara dos Dignos Pares sobre este ponto é a mais conforme com o espirito da Carta.

Eu sinto, digo, não poder conformar-me com este projecto, porque existem na commissão de Legislação membros, a cujos conhecimentos eu presto a devida homenagem. Mas quando se tracta de um objecto tão serio como o presente, que tem de dar cunho aos actos que sáem de uma e outra Camara; quando se tracta de attribuições constitucionaes, como aquellas que effectivamente se tractam neste projecto, eu não podia ficar silencioso, e não dizer francamente a minha opinião.

Tenho visto constantemente que desde 1826 se tem interpretado erroneamente a Carta, e uma interpretação erronea não póde de fórma alguma sustentai um acto qualquer, e nem se póde argumentar com as practicas e costumes, porque nós como Corpo Legislativo só temos a attender aos principios; e não devemos de maneira nenhuma sujeitar principios de tão grande importancia ás regras da hermeneutica juridica. Seria isso um êrro, e um êrro crasso. O legislador tem funcções muito latas, muito mais amplas; e quando estes principios obrigassem a seguir uma vereda qualquer, nunca deve ligar-se áquillo que outras corporações tem feito, deve seguir unicamente o que é mais conveniente.

Sr. Presidente, é impossivel olhar sem prevenção para a Carta Constitucional, e deixar de se conhecer que as commissões Mixtas não são verdadeiramente proprias para concluirem aquillo a que se chama decreto, a fim de ser levado á Sancção Real. E impossivel, combinando cada um dos seus artigos, interpretando devidamente cada uma de suas palavras, que se possa deduzir em contrario um similhante absurdo.

Ha differentes hypotheses marcadas na Carta no artigo 54. e precedentes; estas hypotheses são as seguintes: — 1.ª Um projecto qualquer, ou uma proposta, porque tem o nome de proposta ou projecto segundo e apresentado pelos Deputados ou pelo Governo; um projecto ou proposta qualquer, digo, de uma das duas Casas do Parlamento é approvado pela Casa em que se fez a sua apresentação; remette-se para a outra Casa; ou e approvada e segue-se o ser levada á Sancção Real, pela maneira que esta marcada na Casta Constitucional; ou é rejeitada, e esta e a 2.ª hypothese, e então não tem a seguir nenhum outro termo; acabou por sua naturesa, e apenas a Camara aonde houve a rejeição absoluta e plena, tem a communicar á Casa do Parlamento, aonde teve iniciativa o projecto, que elle não póde ter logar naquella occasião.

Se em vez destas duas hypotheses, a Camara approvou o projecto com emendas ou alterações, reverte este á Camara, aonde teve a iniciativa; e uma de duas: ou estas emendas e alterações são adoptadas, e neste caso tambem acabou o negocio, porque os dois ramos do Poder Legislativo estão conformes na these legislativa, ou ha discordancia (que é a nossa hypothese) e nesse caso se a Casa aonde teve iniciativa o projecto, insta e não o retira, tem logar a commissão Mixta.

Mas para que é a nomeação da commissão Mixta? É preciso que se entendam as palavras do art. 54.º

Em quanto este objecto passou por estilo, podia guardar-se silencio, mas desde que em um dos ramos do Corpo Legislativo se levanta uma voz, e diz — tenho duvida na interpretação que se tem dado á Carta Constitucional — é preciso que o Corpo Legislativo estabeleça uma regra fixa e invariavel a este respeito, e não e possivel continuar nesse silencio» Para que é a commissão Mixta? É para dizer se concorda ou discorda. Se discorda, acabou a lei, não ha mais nada a fazer; mas se concorda, será para levar o decreto á Sancção Real? Não; e quem o dissesse, dizia um absurdo; mas para que é? É para ou fazer a proposta de lei daquillo que ella decidir, ou para ser recusada; isto vem marcado na Carta Constitucional muito explicitamente no art. 54. O negocio e muito claro; se fosse para levar o decreto á Sancção Real, devia exprimir-se pelos termos verdadeiros, isto é, pela palavra decreto, porque e justamente o decreto — aquella expressão de que se serve com relação ao Corpo Legislativo mas não, Senhores, e para fazer a proposta ou para ser recusada. Por consequencia o mais que se póde fazer na commissão Mixta é concordar em certas bases, estas bases tem de voltar á Camara aonde teve a iniciativa a proposição, e ahi tem outra vez a commissão respectiva de dar o seu parecer, e depois e que hade discutir-se novamente. E tanto é assim, que o art. 55.º que é muito claro, abrangendo esta hypothese marca logo a maneira, porque se hão de levar á Sancção Real. Diz o artigo (leu.)

Não era possivel outra cousa, e é preciso que os membros da commissão de Legislação tivessem um veo diante dos olhos, e não quizessem combinar os differentes artigos da Carta, para não verem que não era possivel outra cousa; e senão, abram a Carta, o vejam o que o primeiro artigo désse titulo lhes diz. Aqui esta o artigo. A proposição, opposição, e approvação dos projectos de lei compete a cada uma das Camaras. A proposição aqui é exactamente ou projecto, ou proposta; são termos synonimos, porque em todos os artigos subsequentes a Carta Constitucional se expressa sempre da mesma maneira. Ora pergunto eu, á vista do primeiro artigo deste titulo poderá dizer-se que a commissão Mixta e uma das Camaras? Poderá dizer-se, que é alguma dessas Camaras, de que fallam os art.ºs 15.º, e 16.º da Carta Constitucional? Poderá dizer-se que estes corpos, que são unica e absolutamente os que tem de fazer as leis, estejam comprehendidos na commissão Mixta? Como e que se póde dizer? Em objecto de attribuições não se póde exceder aquillo que esta marcado na Carta Constitucional. É fóra de duvida o que se diz nos art.ºs 15 e 16, e lá se diz que as Cortes são compostas de duas Camaras: falla em especial das duas Camaras, falla das suas attribuições, e em qual dos pontos diz que a Camara dos Pares ou Deputados possa delegar a qualquer commissão as suas attribuições? Em nenhum; e quando a Carta o não permitte, podémos nós dizer — transferimos ou delegamos estes poderes? Em quem? A Carta só estabelece a commissão Mixta no art. 54.º, para se combinar em bazes, mas essas bazes hão de voltar ao Corpo delegante, para ver se hade approvar ou não os actos do delegado, e o contrario era um perfeito absurdo, porque era conferir attribuições, que não vem de maneira nenhuma, nem no sentido nem no espirito da Carta. Isto esta fóra de toda a contesta-

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ção para todas as pessoas, que tem bem estudado os principios constitucionaes de todos os paizes do Mundo; e a illustre commissão póde-se gabar de que apresentou um principio inteiramente fóra de todas as Constituições do Mundo. É preciso sempre que se entendam os principios, que estão na Carta, pelos verdadeiros principios constitucionaes: é preciso que se não queira estabelecer um principio cerebrino, e é exactamente aquillo que fez a commissão.

Presentemente nos principios de direito publico universal ha tres systemas inteiramente differentes sobre este ponto. Ha o systema de não poder passar a lei sem a concorrencia absoluta dos tres Poderes, e é o systema francez, consignado tanto na Carta de 1814 como na de 1830; alli se diz que a lei não possa ser feita senão pela concorrencia dos tres Poderes, e accrescenta que quando fôr rejeitada por um delles, não pessa propôr-se mais nessa Legislatura; é o que dizem os art.ºs 15.º, 16.º, e 17.º da Carta Franceza de 1830, que nesta parte não alteram a Carta de 1814.

Ha outro systema que é a reunião das duas Casas do Parlamento, este é o systema do Brazil. Quando alli apparece um caso, em que as emendas não são acceitas pelo Corpo Legislativo, e comtudo se insiste pela conveniencia da lei, por uma Deputação de tres Membros se pede a reunião das duas Casas do Parlamento, e o que alli se decide, então é lei e passa á Sancção Real nos termos marcados na Constituição; são os art.ºs 61, 62 e 63 da Constituição do Brazil.

Ha o terceiro systema, é o de Inglaterra, que é o systema das commissões Mixtas, que esta hoje estabelecido tambem na Constituição da Prussia, e que é inteiramente conforme com o nosso. Que se faz pois na Inglaterra por este systema? A commissão concorda nas bases, e depois a lei volta ao Parlamento, para ser discutida; a commissão não é senão uni meio de conciliação entre as Casas do Parlamento, a fim de se combinar nas bases, e a lei passar mais facilmente, este é tambem verdadeiramente o nosso systema; e tem tanto o caracter só de commissão, que nem publico é, e cá devia ser o mesmo, porque é só para combinar e concordar, e conforme a este systema é o da Prussia ultimamente estabelecido; la se diz que se nomeie a commissão Mixta de numero igual de Senadores e Deputados, e que aquillo que nella se decidir, formará a base para se estabelecer um novo projecto de lei, o que será discutido nas duas Camaras para se fazer uma proposta de lei; e proposta ninguem dirá que possa ter outra significação grammatical no sentido da Carta; e tanto é assim que quando a lei falla da assistencia dos Ministros, veja-se o art. 3.º desse titulo, e ahi se verá que diz: que elles podem assistir, discutindo a proposta, (aí vem outra vez o nome de proposta) que fizeram, mas não podem votar, ainda que assistam á discussão da proposta, salvo se forem Pares; ahi teem a palavra proposta novamente applicada no verdadeiro sentido. Ora não havemos seguir um absurdo, dizendo que o Legislador queria entender por isto uma cousa differente do que se entende juridicamente. Vê-se pois que nem pela Carta Constitucional, nem pelos principios de direito publico, nem pela practica universal, segundo o nosso systema, póde admittir-se outra idéa do que aquella que a Camara dos Pares deu ao art. 54 da Carta Constitucional (apoiado). Eu declaro que sempre fui desta opinião, e consequentemente em uma sessão de commissão Mixta, tractando-se de fazer uma proposta de lei para ser levada á Sancção Real, disse que me conformava com o costume, mas disse logo que era contra todo o direito, e accrescentei que sendo Chefe do Poder Executivo, indo-me um decreto procedente da commissão lhe denegaria a Sancção, por que reconhecia que era um erro gravissimo pertender que as leis sahissem de outro Corpo que não fossem os Corpos Collegislativos, e nunca uma de delegação destes Corpos.

A Camara dos dignos Pares no projecto que fez, consignou o verdadeiro principio, mas qualquer que fosse a opinião da Camara dos Pares, e ainda mesmo que fallasse na Carta Constitucional uma disposição terminante a este respeito, por que a Carta não considerou que fosse possivel ninguem pensar que a commissão Mixta era sufficiente para produzir um Decreto, era preciso fazermo-nos cargo de que, para que houvesse um poder delegado entre o mandante e mandatarios, para que haja um exercicio desse poder de que resultasse a factura das leis, era preciso, digo, que a Carta Constitucional determinasse que a Camara dos Deputados, assim como a Camara dos Pares podiam delegar o seu Poder Legislativo em tantos membros, e este corpo em virtude dessas attribuições ficaria considerado Camara para este effeito. Ora isto não se diz. Como pois pela natureza da delegação, applicando-lhe mesmo os principios de direito publico, como é possivel digo, dizer-se que a commissão tem direito de alterar, emendar e fazer leis, direito que unicamente a Carta Constitucional concede ás duas Camaras!

Sr. Presidente, torno a dizer que na presença da intelligencia, e da logica dos principios, não é possivel sustentar a proposição contraria; e é preciso, Sr. Presidente, recorrer a principios rotineiros, ou a razões de rábula, como os que estão no parecer, para se poder sustentar a opinião contraria; é preciso desconhecer o que ninguem se recusaria a conhecer; é preciso desconhecer o que são practicas consuetudinarias; e ignorar que em direito é preciso que essas practicas tenham mais de 100 annos, para poderem produzir effeito, para neste caso se invocar a practica, que de nenhuma maneira póde ser adduzida para esta questão, que deve ser tractada mais latamente, e não se deve invocar a hermeneutica juridica para procurar a intelligencia da Carta Constitucional. É por isso, é porque a lei tinha dado tanta larga a este principio que estabeleceram os principios exarados na lei de 18 de agosto.

Sr. Presidente, a Camara não póde entender doutra, maneira differente o art. 54 da Carta Constitucional senão do mesmo modo que o entendeu a Camara dos Pares, e tudo o que fôr contra essa interpretação, é lançar o embaraço na carreira dos trabalhos parlamentares; é para assim dizer substituir o capricho ao direito, substituir a razão, e evidencia a uma intelligencia cerebrina. Entendo que a Camara não ha de fazer nem uma, nem outra cousa (apoiados — muito bem.)

O Sr. João Elias: — Sr. Presidente, como vejo que o relator da commissão não esta presente, e hontem ao sair da Casa medisse que tinha motivos para não poder assistir hoje á sessão, e apesar de não ser

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membro ordinario da commissão, porque fui a ella aggregado, não posso deixai comtudo de dai as razões, porque annui, e assignei o parecer da commissão que por ora sustento.

A commissão reconheceu que a questão e grave, e gravissima (apoiados), e muito mais grave, porque e agora a primeira vez que se sujeita ao Parlamento (apoiado) Já a commissão de Legislação estabeleceu no seu relatorio o principio de que a practica constante, e inalteravel das leis, e sempre a melhor regra a seguir em caso de obscuridade, e na observancia da Carta Constitucional no seu art. 54 todos os Corpos Legislativos desde 1826 ate hoje, todos os Parlamentos, o mesmo de 1836 cuja origem não dimanou da Carta Constitucional, não teem duvidado dos resultados das commissões Mixtas, ainda nenhum poz em duvida esses resultados (apoiado); ao contrario todos teem feito obra pelas leis que dimanam das commissões Mixtas, e que por via dellas subiram á Sancção Real; e é dellas que tantos decretos, e íeis teem estado em vigor, e essas regras, esses principios que teem constituido direitos em consequencia das resoluções das commissões Mixtas, ainda ate hoje ninguem duvidou da sua legalidade, nem podia duvidar (apoiado.) Assim como ha de reconhecer-se que a commissão Mixta tem toda a auctoridade para rejeitar, e de cuja decisão ficam annullados os projectos que se submettem á sua attenção, e discussão, uma vez que não concorde com a materia desses projectos, assim tambem se tem entendido na practica que a commissão Mixta (em quanto era duvidosa esta opinião) linha a auctoridade sufficiente da sua parte não só para reformar, emendar ou alterar o projecto que lhe era submettido, mas para sobre a sua decisão recaír a Sancção Real.

Sr. Presidente, reconhece a commissão que é gravissimo este negocio; que é objecto que demanda muito exame; mas na falta de expressa disposição da Carta Constitucional, declara que não tem duvida em affirmar que as attribuições das commissões Mixtas são deliberativas. Ate hoje não se tem duvidado sobre este ponto, e por isso a commissão entendeu que devia seguir-se a practica ate aqui adoptada, ate mesmo para não pôr em duvída todos os actos praticados em virtude de leis que tem dimanado do resultado das decisões das commissões Mixtas; e até mesmo nos termos do decreto de 1834 em que se estabelece esta mesma disposição, de que as commissões Mixtas são chamadas a resolver aquelles negocios em que as Camaras Legislativas não poderem concordar. Por todas estas razões é que a commissão de Legislação não póde conformar-se inteiramente com a intelligencia que se acaba de dar ao art. 54 da Carta Constitucional.

O Sr. Rebello da Silva: — Todas as vezes que eu nesta Camara vir invocar em vez da razão, em vez da claresa, e em vez da justiça, que deve presidir a feitura das leis, a rotina cega, como argumento preponderante nas decisões da Camara, não posso deixar de pedir a palavra, e de protestar, quanto em mim estiver, contra similhante fórma de proceder no Parlamento. Disse um illustre Deputado — que a pratica é o melhor principio que se póde tomar para base das leis — de maneira que, se tivermos uma pratíca viciosa, uma interpretação falsa, um sofisma continuado, havemos de abraçar essa pratíca viciosa, essa falsa interpretação, esse sofisma!... Peço licença ao ilustre Deputado para lhe reflectir, que por esta nova maxima, havemos de chegar muito proximos do absurdo. Estou pasmado como os illustres Deputados, dotados de tina hermeneutica, hermeneutica que apparece em quasi todas as questões, que se suscitam na Camara, não notassem a disposição da Lei, que, longe de ser obscura, como se quer figurar, e a mais clara, a mais terminante e a mais positiva que póde haver. A Carta no art. 54, depois de estabelecer o principio, diz use nomeara uma commissão, etc. (leu).

Por consequencia não entendo, nem ninguem póde entender, que uma proposta de lei e um decreto (apoiados), decreto sanccionado por ambas as Casas do Parlamento. O que teve a Carta em vista por meio da commissão Mixta? Foi fazer a conciliação, foi simplificar a» difficuldades que se offerecessem para uma lei passar mais breve; eis aqui o principio que a Carta teve em vista, mas nunca teve nem tem em vista, que as Camaras delegassem na commissão Mixta o poder fazer a lei, nem apparecem na commissão Mixta todas as formalidades que se estabelecem como garantia da approvação das leis: portanto, Sr. Presidente, se a pratíca tem sido constantemente aquella que se nos indica, sinto muito que essa pratíca dominasse os illustres Deputados aponto de que ainda a venham propôr, e especialmente quando a outra Casa do Parlamento elevou a sua voz contra esta interpretação, que se tem dado, e apresenta um projecto de lei, que me parece o mais claro e mais evidente que se póde apresentar. Permittam-me os illustres Deputados que accrescente, que não falla disposição; a disposição existe, é clarissima; e o art. 54 da Carta; o que tem faltado até hoje tem sido a iniciativa de chamar este negocio aos verdadeiros principios, e de fixar a verdadeira interpretação da Carta. Por tanto, Sr. Presidente, por em quanto limito-me a votar contra o projecto da illustre commissão de Legislação, e desejarei muito ver destruidos os argumentos, com que o illustre Orador que ha pouco fallou, o impugnou, o que me parece ha de ser um pouco difficultoso.

O Sr. Mexia: — Sr. Presidente, difficil é a minha posição neste momento, por ter que responder a ião conspicuos Oradores, que impugnam o projecto. Esta linguagem não e movida pela modestia, a que sempre desejo prestar homenagem, é a expressão da verdade, que sinto no coração.

Não sou o relator da commissão, e por ser provocado á discussão, tômo sobre mim forçadamente um onus grave, superior ás minhas forças, até desalentadas pelos muitos trabalhos desta Camara, que pesam sobre mim, e outros deveres, a que não posso faltar. O nobre Deputado, que primeiro fallou, tem razões, por si mesmo, para saber, que eu não tive tempo para recentemente estudar a materia em fórma que essas idéas, que possuo a respeito della, possam apparecer em boa ordem, e d'uma maneira condigna do assumpto, e da illustração do adversario a quem respondo. A Camara sabe que outro projecto, o de Administração, estava dado para a primeira parte da ordem do dia, cuja discussão encetei, e em que ainda tenho a palavra.

Deploro muito, que o illustre relator não esteja presente; não posso supprir os seus elevados conhecimentos nos ramos da jurisprudencia, e a sua proficiencia no assumpto de que se tracta Farei no en-

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tanto da fraqueza força, a fim de justificar o parecer da commissão, a que tenho a honra de pertencer.

O primeiro eximio Orador, que abriu esta discussão com tanto estrépito, gritou (permitta-se-me dize-lo) gritou aqui d'el-rei contra a hermeneutica juridica, invocada para interpretar a lei politica, e alcunhou de rotineiros os principios em que suppoz fundar-se a commissão para as conclusões que adduziu. Inculcou á Camara, como incrivel, a opinião contraria á sua, seguida pela commissão.

Sr. Presidente, é forçoso confessar, e sirva isto de justificação reciproca. Para que o homem conheça e avalie devidamente uma instituição, sem receio de cega impressão, precisaria muitas vezes estar fóra della. Parecerá em verdade ser um absurdo este asserto. A experiencia porém mostra a cada passo que o não é. Eu me explico. A commissão, que absorveu a sua attenção no exame do art. 54, sujeitando-o a uma severa analyse na presença dos principios, os quaes devia procurar na mesma Carta Constitucional com preferencia aos outros, a que o legislador se mostrou estranho, a commissão, que observou a intelligencia seguida desde a inauguração da mesma Carta, não por ignorantes, mas por muitos sabios, concebeu no espirito a impossibilidade de ser verdadeira a opinião contraria á sua. O nobre Deputado pelo contrario, que foi sempre de parecer diverso, como agora declarou, que andou pelas nações estranhos, que leu Publicislas, e encontrou commissões Mixtas com attribuições sómente consultativas, com sessões secretas, etc, ficou fortemente impressionado, attendeu á sua opinião, e a essas theorias; e suppoz um sonho o que é uma realidade na Carta Constitucional, pois o legislador adrede se apartou do em tal caso seguido no Brazil e em Inglaterra.

Sr. Presidente, pela minha parte confesso, que á primeira vista, antes de entrar na discussão, parece-me muito clara a douctrina, indo procural-a, como devia, á Carta Constitucional. Descemos á discussão; e tomou-se então duvidoso o que o não parecia. Lembra-me a vedade do que dizia Cicero — Rem minime dubiam, dubitando, dubiam facimus. Tivemos cinco prolongadas sessões; examinámos mui attenta e minuciosamente a materia; ponderámos as razões, que podiam sustentar as duas sentenças oppostas; e, finalmente, o resultado da nossa profunda convicção foi esse parecer, que o relatorio justifica sufficientemente. Creia V. Ex.ª e creia a Camara, que fizemos toda a diligencia, intellectualmente fallando, por nos convencermos do contrario, porque os nossos vehementes desejos eram abraçar a douctrina do projecto da Camara dos dignos Pares, o qual nos parecia admissivel, se não fosse contrastar a disposição do art. 54.

Disse o nobre Orador, que a hermeneutica juridica era mal chamada para o presente caso. Oh! Sr. Presidente, que outra estrada deviamos nós trilhar senão aquella, por onde marchou a Camara dos dignos Pares? Se esta Camara, cuja illustração não é suspeita, tivesse elaborado um projecto de lei, que não fosse subordinado á Carta Constitucional, e adstricto pelo art. 54; se esta conspícua Camara tão sòmente se elevasse á altura dos principios, e entendesse legislar só em conformidade delles, algum motivo podia ter uma tal arguição. Porém a commissão observou, que tanto pelo relatorio, como pelo contexto, será expresso, que se fixava a intelligencia do art. 54.º, cuja observancia era ao mesmo tempo regulada; embora em harmonia com esse sentido, que a sabedoria da mesma Camara entendeu dever-lhe dar. A Camara dos dignos Pares, e a commissão consultaram igualmente a hermeneutica; a differença foi nos resultados diversos, que ambas colheram do uso das regras, que a hermeneutica lhes offereceu, e que foram aproveitadas por variado modo na applicação.

A hermeneutica não devia aqui ser invocada!... Os principios, donde a commissão dedusiu a consequencia do seu parecer, são rotineiros!.... Oh! Sr. Presidente, é para mim ponto de fé, que a Camara me fará justiça, acreditando, que não sou eu um daquelles cegos amadores da rotina; tenho compulsado muitos livros de Direito Publico, e em tempo cultivei com diurna e nocturna devoção este vasio ramo dos conhecimentos humanos; sei o que ha de douctrina a tal respeito, mas nós temos, primeiro que tudo, a Lei Portugueza Constitucional.

A hermeneutica, Sr. Presidente, é commum a todas as sciencias, tanto positivas, como naturaes; desgraçada da intelligencia humana, se não houvesse esta arte, que nos ensina a penetrar o sentido do particular ou do legislador. A hermeneutica tem principios, como os tem as outras sciencias, e não são menos elevados na importancia, e tambem segundo a sciencia a que servem, do que os da politica. O direito publico universal, ou direito publico de cada nação, bem como o direito das gentes tambem teem as suas regras de interpretação. Não criminemos pois os outros como rotineiros, porque usam dellas na intelligencia d'uma lei politica.

Foi mal avaliada a commissão, porque deu importancia ao costume, a que antes lhe chamarei observancia, ou pratica; e como que se quiz accusa-la pela falta dos requisitos, que devia ter á invocado no relatorio — ser conforme á boa razão — não ser contraria á lei, e ter 100 annos — Quem de nós ignora os requisitos, que a lei de 18 d'agosto exige para a legalidade do costume? Mas o nobre Deputado (com o respeito devido ao seu vasto saber, que todos lhes reconhecem) devera estar certo, que não é esse costume, de que aqui se tracta; esse costume, a que allude, é propriamente lei na falta della. Nós invocamos, como razão secundaria e exabundante, a intelligencia fixada pelo uso desde a inaugaração da Carta Constitucional até nossos dias, como se vê do fim do relatorio; não recorremos ao costume, como lei, mas como fonte de interpretação.

Sr. Presidente, muito mais sensivel me é neste momento a falta nesta occasião do illustre relator da -commissão, porque tencionava elle trazer os livros, onde apresentasse á Camara a auctoridade insuspeita dos Srs. Borges Carneiro, e Silvestre Pinheiro. Eu não quero, que nós digamos — nossos pais assim o fizeram, e entenderam, nós assim o devemos fazer e entender — Longe vá de mim uma idéa tão estacionaria. Sempre porém ficou bem a todos, quando convencidos d'uma opinião por motivos fortes, que julgam justifical-a, invocar tambem o testemunho dos grandes homens, e muito mais, quando não são juízes de momento na questão. A commissão submetteu o artigo ás regras da hermeneutica e da critica; avaliou, pelas suas palavras e pelo seu espirito,

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a sentença do mesmo; deduziu a consequencia; e pareceu-lhe que com a razão se accordava a auctoridade de tantos eximios politicos e jurisconsultos, os quaes sentiam do mesmo modo. Que ha aqui a notar?...

Disse o nobre Orador, a quem me refiro, que a douctrina seguida pela commissão era contra a natureza do mandato. Oh! Sr. Presidente a sociedade não póde viver sem mandato; o systema das delegações é o systema dos governos representativos. Pois que somos nós aqui, senão delegados da Nação?... Mas replica-se — Nós devemos cumprir o mandato nos termos, em que nos foi conferido. — E pergunto eu, pois acaso ignoravam os nossos constituintes, quando nos deram as suas procurações, que na Carta Constitucional se achava consignada essa subdelegação, e que della usaram as Camaras desde a existencia da Lei Fundamental? Por essa theoria do nobre Deputado nullas eram todas as leis, feitas por ambas as Camaras, embora com Sancção Real, porque, sendo filhas d'uma delegação, deviam ter o consentimento posterior, exprimido expressamente pela Nação, a quem as Camaras deviam dar contai», cumprindo o mandato. Eu sei que escriptores progressistas pertendem que uma Constituição, ainda feita por ornas Côrtes Constituintes, não póde produzir direito obrigatorio, sem que a Nação seja consultada subsequentemente, e preste o seu consentimento expresso. O argumento pois do nobre Deputado prova de mais; leva-nos mais longe. Avalie bem S. Ex.ª as consequencias....

Continuou o mesmo illustre Orador mostrando por uma uma deducção de idéas tirada de algumas palavras de artigos da Carta, que as attribuições das commissões Mixtas são meramente consultivas. Aqui tem a Camara como S. Ex.ª aconselhando a fugirmos da hermeneutica nesta questão, que inculcou ser toda de principios, insensivelmente recorreu a essas regras, que alcunhou de rotineiras. Pois que outra argumentação e essa senão aquella que recommenda a hermeneutica pelo que pertence á interpretação grammatica? Em verdade encontrou-se embora por differente via no ponto, donde marchou a commissão.

Sr. Presidente, dois preceitos, a meu ver, ha na Carta, certos e definidos, pelo que pertence á iniciativa das leis, quando procede do Governo, e quando de algum Deputado; no primeiro caso, o Governo exerce a iniciativa apresentando uma proposição de lei, que só póde ser discutida depois de convertida em projecto de lei, tendo precedido o previo exame d'uma commissão; no segundo caso, cada Deputado exerce a iniciativa, offerecendo á Camara um projecto de lei. Assim tem sido entendida a Carta Constitucional, que razão offerece para isso na douctrina, que apresenta. E certo todavia, que a Carta Constitucional, fóra esta hypothese, que nella apparece saliente, usa indifferentemente da palavra — projecto, proposta, e proposição — E não menos certo é, que não usa invariavelmente da palavra — decreto — para designar o projecto approvado por ambas as Camaras em estado de ser apresentado.

Logo, Sr. Presidente, ou a significação das palavras — projecto, proposta, e proposição — ha de ser deduzida do espirito do Legislador de combinação com a materia sujeita, a que as applica; ou essas palavras nos não podem dar norte seguro, que nos guie na intelligencia da lei constitucional. No primeiro caso, eu entendo que a proposta de lei de que usa o final do artigo, se refere ao projecto de lei, resultado da commissão Mixta em estado de ser submettido á Sancção Real. No segundo caso, eu opino, que se esse vocabulo — proposta de lei — não póde servir para designar essa idéa, tambem não deve servir para estabelecer por argumento idéa em contrario. Se o nobre Deputado liga importancia á palavra — proposta — eu tambem peço á Camara, que attenda bem a que o Legislador quiz ligar-lhe mais força, pois que diz — da lei.

Não sei em verdade, que tenha sido destruido o argumento, que a commissão adduziu das palavras terminantes e significativas do art.54 — e o que ella decidir combinadas com as antecedentes — emendas ou addições, pois que não se devem presumir inuteis, ou ociosas, e nem jámais desvial-as do sentido natural,.obvio, e appropriado á materia de que se tracta. Diz a commissão logicamente — «Por quanto aí conferindo o Legislador constitucional á commissão Mixta de igual numero de Pares, e Deputados, o poder de decidir, isto é, de resolver e terminar a questão pendente sobre as emendas ou addições, exclusivo objecto da discussão e deliberação, prescreve em termos precisos o verdadeiro e unico processo, que havia a seguir: findo o qual, só resta a consequencia ordinaria e immediata da approvação ou rejeição a um projecto de lei no caso presente constitucionalmente subdelegada. — Onde esta aqui a falsidade do raciocinio? Onde pecca o argumento? Onde estão aqui os principios rotineiros, que devem ceder o logar aos principios sublimes.

Deve ainda depois dessa decisão da commissão Mixta ir o projecto procurar a sancção de ambas as Camaras; diz o illustre adversario, que é este o expediente a seguir.... De que artigo da Carta Constitucional se deduz essa consequencia? Do silencio do Legislador?.. Do art. 55 por maneira nenhuma porque outra é a hypothese, e a referencia é aos artigos, que precedem ao art. 53. Do silencio tambem não, porque as palavras finaes do art. 54, combinadas com as antecedentes, fallam o sufficiente, ao que sobreleva a razão de que, se essa fosse a mente do Legislador, elle, que tão minucioso foi em numerar todos esses elementos constitutivos d'uma lei, não devera ter esquecido mais este, se o julgasse importante e indispensavel. Mas insta-se para depreciar a força da argumentação: então porque julgou a commissão a proposito supprir o silencio do Legislador, prescrevendo a fórma de ser essa proposta de lei ou antes decreto levado á Sancção Real? Essa é uma consequencia natural, e necessaria, é uma formalidade accidental e não substancial. Clama-se, umas vezes fazendo-se pouco caso das palavras, outras ligando-se inteiramente as palavras — as Côrtes não são commissões Mixtas, e ás Côrtes, e não ás commissões Mixtas pertence fazer leis... Uma facil resposta resolve essa difficuldade; as commissões Mixtas representam as Côrtes, da mesma fórma que as Côrtes representam a Nação; o art. 13 designa um direito, bem como o 54 designa outro igual, que não destroe aquelle.

Sejamos francos. Sr. Presidente, e digamos a verdade em toda a sua simplicidade. Se as razões da commissão são triviaes, que outra natureza têem as daquelles, que impugnam o seu parecer? Ambos pro-

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curam entender o artigo para o regular em conformidade com o sentido, que nelle divisam, e para esse fim, demandam as fontes da interpretação na mesma Carta; em resultado o ponto cardial da questão esta sobremodo ligado á letra e espirito da Lei Fundamental portugueza. Se esta é a verdade patente a todos, e até observada durante este debate, porque se increpa a commissão, por haver menospresado os principios de legislação constitucional estranha, principios, que aliás lhe foram presentes? Pois ignorava-os acaso o Augusto Outorgante da Carta Constitucional? Não saberia elle o que era seguido em Inglaterra, e o que dispunha a sua propria Constituição Brasileira? Não será uma inducção forte a favor da verdade a sua douctrina exarada no art. 54 o limitada a elle? Ligar maxima importancia a este ponto (e com razão) e suppôr ao mesmo tempo presumivel uma disposição essencial, e que altera totó calo a theoria do artigo é ser inconsequente, e fazer aggravo á sciencia do Soberano Legislador.

Não curamos de constituir direito constitucional. Se assim fôra, e se se tornasse possivel, talvez agradasse mais a douctrina da Carta Brasileira, sujeitando a decisão pendente sobre as emendas ou addições ás duas Camaras reunidas. Porém, assim mesmo, seria isso compativel com a organisação da nossa Camara dos Pares sem numero fixo, e podendo este ser augmentado (e quem sabe se na occasião da discrepancia) pelo Poder Moderador. A favor do systema Inglez militam as razões, que todas lhe são proprias.

Não direi mais; a minha missão esta cumprida; justifiquei, conforme pude, o parecer da commissão, respondendo ás razões em contrario, que ouvi, e que tenho na memoria; esta já presente o nobre relator da commissão, e outros collegas illustres têem pedido a palavra: a defeza do parecer lucra na minha substituição, e para as suas luzes appello.

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, reconheço que o projecto em discussão é de grande importancia, mas tambem não é de menor o que diz respeito á reforma administrativa, que já hontem começou a ser discutido, e hoje não continuou essa discussão, logo no principio da ordem do dia, por que o Sr. Presidente do Conselho, em consequencia de objectos de serviço, não podia estar presente no principio da sessão; porém agora acha-se S. Ex.ª presente, e como eu entendo que o projecto n.º 35 é de grande importancia, e que a sua discussão não deve soffrer interrupção, por isso peço a V. Ex.ª que consulte a Camara sobre se quer passar á discussão do projecto n.º 35 relativo á reforma administrativa.

O Sr. Presidente: — Parece-me mais conveniente e regular, deixar terminar a discussão na generalidade deste projecto n.º 38, e depois desta passar-se á discussão do n.º s5 (apoiados) no entretanto, como ha um requerimento do Sr. Deputado Xavier da Silva, para se passar á discussão do projecto o. 35, eu vou consultar a Camara.

Consultada a Camara decediu que se continuasse na discussão do projecto n.º 38.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, não posso crer que o illustre Deputado não tivesse estudado esta materia, e admirou-me de lhe ouvir esta declaração, porque na verdade não esperava eu que o illustre Deputado quizesse fazer injuria á sua propria

Intelligencia; e por outro lado não posso persuadir-me de que o illustre Deputado subscrevesse este projecto sem o ter estudado longamente, para vir dar a sua opinião: logo tudo quanto é lançar máo da escusa dos seus trabalhos, reverte contra a sua propria posição, ainda mais porque se eu posso conhecer do estylo do relatorio, que precede este projecto, elle pertence á penna do illustre Deputado. Não se tracta pois de saber quaes são os motivos que nos levam a estar ou não preparados sobre o objecto, porque eu hei-de considerar sempre o illustre Deputado summamente preparado para entrar nestas questões, e sómente posso attribuir á sua modestia essa especie de satisfação que deu á Camara.

O negocio disse eu que era importante, mas não pela sua difficuldade; unicamente disse que era importante, por que esta ligado com os Poderes do Estado, por que esta ligado com aquillo que ha de mais nobre na sociedade, que é a auctoridade das leis; disse mais que era negocio importante pelas consequencias que poderia acarretar uma decisão precipitada; é só neste sentido que eu o podia considerar importante; e afóra isto, eu principiei por dizer que bastava ler sem prevenção os differentes artigos da Carta Constitucional, e combina-los uns com os outros, para tirar em conclusão que a opinião da illustre commissão não podia de fórma alguma prevalecer.

Sr. Presidente, o illustre Deputado, apezar de toda a sua habilidade, não póde responder a nenhum dos argumentos que eu apresentei, e se por ventura eu usei da palavra rotineiro para mostrar que não deviam regras de interpretação de direito civil, (note-se bem) ser applicadas a factura ou confecção das leis, é porque o illustre Deputado no seu mesmo parecer, no seu relatorio, me deu occasião para eu combater este principio; por isso mesmo que n'um dos seus periodos, elle apresenta esse uso, esse costume como o melhor interprete das leis. Ora isto e que eu não posso admittir na presença dos principios constitucionaes, porque se por ventura até ao estabelecimento do Governo Constitucional no nosso paiz, poderia ter logar essa regra de interpretação, applicada pelo juiz a uma hypothese dada, depois de estabelecido o direito constitucional, o systema representativo é impossivel. E porque? Porque a interpretação das leis não pertence a outro corpo que não seja o Corpo Legislativo. E diz o illustre Deputado no seu parecer, que o uso é o melhor interprete das leis! Eu nego, nego-o com os principios constitucionaes, por que é inteiramente opposto aos genuinos principios do direito representativo. Não confundamos as épocas, Sr. Presidente, não cuidemos que estamos além de 29 de abril de 1826, não cuidemos que estamos em uma época anterior ao Governo Constitucional!

Então, sim entendo eu que o illustre Deputado ainda poderia trazer essa regra, poderia trazer mesmo como juiz essa má regra; mas para um Corpo Legislativo o que convem saber é se por ventura na genuina intelligencia da Carta Constitucional, se nessa genuina intelligencia (e mesmo quando não fosse clara, haviamos de procura-la nos principios da sciencia) estava ou não a interpretação que a illustre commissão tinha dado ao art. 54 da Carta Constitucional. Já vê pois que eu fiz a differença verdadeira que todo o legislador, que todo o homem politico deve

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fazer entre interpretação de direito civil, e interpretacão geral. A interpretação geral quem a podia excluir? Era preciso que se excluisse a razão, porque a interpretação geral não é senão a applicação dos principios da razão, e do senso commum as disposições geraes. Segundo este principio de interpretação é que eu mostrei a impossibilidade de se adoptar o parecer da commissão, não por argumentos extraordinarios á Carta Constitucional, mas por argumentos tirados dos mesmos principios da Carta Constitucional. Disse eu: será possivel que se se supponham os artigos da Carta Constitucional (isto é regra de interpretação geral) em desharmonia, em contradicção uns com os outros? Deveremos nós dar (aqui vem outra regra de interpretação) a um artigo qualquer uma interpretação da qual se siga um absurdo, da qual se siga a destruição dos principios fundamentaes desta mesma lei? Agora, disse eu, vou mostrar, e repito mais extensivamente, que a interpretação que a illustre commissão deu a este art. 54, mesmo pondo de parte por um momento a sua letra clara, involvia uma serie de absurdos, destruindo muitos principios fundamentaes do nosso direito politico. Primeiro principio destruido. — A Carla diz que os representantes da Nação são o Rei, e as Côrtes Geraes, as Côrtes Geraes (note-se bem); di-lo no art. 13: depois tractando do modo como são constituidas as Côrtes diz — as Côrtes são compostas da Camara dos Deputados, e da Camara dos Pares — perguntei eu com razão ao illustre Deputado: a commissão Mixta e essa Camara dos Deputados, e essa Camara dos Pares? Não; logo não é possivel que saiam as leis, que possam sair as leis de outro ponto, que não seja a Camara dos Deputados, e a Camara dos Pares, não é possivel; porque só á Camara dos Pares, e á Camara dos Deputados, quero dizer ás Côrtes, é que pertence fazer as leis. Ainda mais, Sr. Presidente, o art. 24 da Carta Constitucional diz que os negocios nas duas Casas do Parlamento serão decididos por maioria absoluta; eu agora digo, se se desse o caso de se admittir que a commissão Mixta podia fazer a lei, qual era a consequencia logica A consequencia rigorosa é que as leis eram feitas pela minoria do Parlamento, porque o eram por 12 Pares, e 12 Deputados, eram 13 membros unicamente do Parlamento, que podiam fazer a lei. Aqui teem violado profundamente um artigo fundamental da Carta Constitucional. Diga-me o illustre Deputado em que paiz do Mundo viu que a minoria de um corpo politico qualquer possa decidir? Não é possivel segundo os artigos fundamentaes da Carta, do direito politico portuguez, e não só do direito politico portuguez, mas do direito politico de todo o Mundo; não e possivel, digo, dizer-se que uma fracção de um corpo qualquer possa constituir a maioria politica desse corpo.

Continuemos a analysar ainda os artigos da Carta. Nesse mesmo artigo, em que parece que o illustre Deputado ficou um pouco engasgado, o art. 45, a lei diz claramente — a proposição, a opposição, a approvação dos projectos de lei (note-se que aqui refere-se a todos os projectos de lei) pertence ás Côrtes, ás duas Camaras. Se ella quizesse que pertencesse á commissão Mixta, havia de dizer que a Commissão Mixta, no caso que haja discordancia, póde exercer estas attribuições; mas não o diz, por consequencia não só a proposição, mas a opposição, e a approvação, que é aquillo de que nós tractamos, deve ser feita necessariamente peloso corpos legislativos que teem sido definidos no art. 13, e no art. 15.º Logo não se podendo dizer que a commissão seja nem a Camara dos Deputados, nem a Camara dos Pares, assim como senão póde dizer que uma commissão qualquer, a commissão de Legislação, por exemplo,. ou a commissão de Poderes seja a Camara dos Pares, a consequencia é, que seguindo-se os verdadeiros principios da Carta, nos quaes não póde deixar de julgar-se o art. 54, não podia dizer-se que a commissão ficava auctorisada para fazer leis, e para decidir leis.

Mas continuemos; no mesmo art. 45.º, o que é que nos diz a Carta? — A proposição, opposição e approvação dos projectos de lei compele a cada uma das Camaras.» — Vê-se por tanto que o direito de iniciativa de projectos só pertence ás duas Camaras. E no art. 46. marca tambem a iniciativa que póde ter o Poder Executivo, e diz assim (leu.)

Ora aqui tem como a Carta designa — projectos de lei — os que são da iniciativa das duas Camaras, e — proposição — o que é da iniciativa do Governo; e daqui veja o illustre Deputado como a Carta entendeu bem que a proposição, proposta, ou projecto não designava uma e outra cousa, quer dizer, a proposta designava o principio da iniciativa do Governo, e o projecto designava o principio da iniciativa da parte dos dois corpos legislativos; isto não póde sofismar-se de maneira nenhuma. A Carta não era obrigada a conservar sempre a mesma frase, até por uma especie de bom estylo devia mudar, quando não significava a mesma cousa; a legislação não deve estar fóra do estylo, assim como o não deve estar nenhum dos termos empregados, porque elles devem ser harmonicos, porque é melhor ser harmonico do que rotineiro.

Ora depois da Carta ser tão explicita a este respeito, ainda continuou marcando todas as hypotheses que eu já hoje apresentei, e é que ou ambas as Camaras approvam o projecto, ou uma o desappro-va, e então para isso é que é a commissão Mixta, e no caso de haver commissão Mixta o que diz o art. 54.º? (leu)

Ainda se serve da fraze — projecto — e diz que no caso della o rejeitar, não é lei; isso esta claro, porque lia de haver a mesma razão que dá em resultado, que não se quer que elle produza o seu effeito. Diz o art. 54. por ventura que aquillo que se decidir, ou accordo que se tomar, ou com emendas ou com alterações servirá para ser levado á Sancção Real? Não por certo; e se a Carta quizesse que assim fosse, diria — «a commissão nomeará uma deputação, a qual o levará á Sancção Real» — mas antes pelo contrario continua no artigo seguinte, fallando em todas as hypotheses, quer dizer, que quando as Camaras o approvem, já senão dá o caso da commissão Mixta, e note bem o illustre Deputado, que isto é muito claro em regra de hermeneutica e de grammatica.

Sr. Presidente, tenho pois demonstrado por argumentos intrínsecos á Carta, e por argumentos deduzidos não só dos principios de direito politico portuguez, estabelecido no art. 13., e nos outros artigos da Carta, mas tenho demonstrado tambem que pelo mesmo systema estabelecido nos art.08 45.º até 56.º da Carta, que não é possivel a nenhuma Camara dar a faculdade ás commissões Mixtas, para levarem a effeito qualquar proposição. Eu já hoje trouxe á me

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meria da Camara os tres systemas politicos que existem em todas as nações do Mundo civilisado, em que ha systema representativo come o nosso, e aonde existem as duas Camaras, e quando apresentei os tres systemas foi para mostrar ao illustre Deputado, que se quizesse seguir as regras de interpretação hermeneutica, as que seguisse a commissão eram muito contrarias, porque as regras da practica, neste caso, deviam ser interpretadas pelo direito politico das nações mais civilisadas.

O illustre Deputado referiu-se á lei de 18 d'agosto, e julgou dar-me um quináo; porém eu leio em todos os publicistas, que é applicavel ao direito politico o que o illustre Deputado restringiu; e veja o illustre Deputado o proprio Watel, e lá verá essa regra de interpretação, e mesmo na lei de 18 d'agosto, até certo ponto, lá esta consignada esta douctrina, ainda que devo dizer, que eu não sigo muitas vezes as douctrinas dos Acursios e dos Bartholos. Digo pois, Sr. Presidente, que quando me referi aos tres systemas usados entre outras nações, foi para mostrar que em nenhum Governo constitucional em que haja instituições analogas ás nossas, existe um que se conforme com a interpretação que a commissão deu ao art. 54.º A illustre commissão ha de saber tudo quanto se tem escripto e seguido a este direito, tanto em França, como em Inglaterra, e no Brazil; e ainda que a nossa Carta seja quasi toda copiada da Carta Brazileira, comtudo neste ponto aparta-se della, assim como se apartou na parte do voto: mas a commissão entendeu que devia apresentar-nos de seu motu proprio um systema inteiramente differente de todas as outras nações, e que nó» não podemos adoptar, porque é contra a Carta. As commissões Mixtas não podem dar outro resultado, senão do que ella resolver formar o projecto de lei, que deve ser apresentado á Camara, onde teve origem o projecto, para aí ter o andamento ordinario. Tudo quanto não fôr isto, é seguir um systema contrario a tudo quanto existe no Mundo constitucional.

Eu sei o que se tem seguido entre nós; porem a minha opinião tem sempre sido a mesma, e ainda quando fui membro d'algumas Mixtas, ahi disse eu aos meus collegas, que me conformava com a pratica de se julgar que as resoluções das commissões Mixtas eram deliberativas, porem que considerava isso um êrro gravissimo; por que as commissões Mixtas não podiam ter attribuições, que só competem ás Camaras. Por outro lado o negocio é ainda importante, porque toca com attribuições; e não é por uma lei que se póde dar estas attribuições; por que as attribuições pertencentes ás Camaras estão designadas no art. 44.º da Carta; e por consequencia não póde dizer-se de maneira nenhuma, que as attribuições da commissão Mixta sejam definitivas, por que isso seria constituir um outro podér fóra das Camaras, e dar attribuições a este poder para ferir um objecto inteiramente constitucional. Note-se que se tracta de fazer leis; e na confecção das leis não se póde sair dos termos marcados na Carta; e estes ou são expressos na letra da mesma Carta, ou tendo duvida hão-de seguir os tramites marcados no art. 144.º e seguintes; quer dizer, ha de ser por uma proposta especial para se reformar a Carta (apoiados). Por tanto de qualquer modo que se considere e.>te negocio, não é possivel deixar de seguir a opinião da Camara dos dignos Pares, por que a

opinião contraria traria comsigo graves inconvenientes.

O Sr. Presidente: — Vai lêr-se a ultima redacção do projecto n.º 40.º hontem vencido.

Foi lida e approvada sem discussão,

O Sr. Pereira de Mello: — Coube-me a sorte de um duplicado infortunio neste momento: o primeiro infortunio é ter de fallar depois do discurso d'um eximio jurisconsulto, homem abalisado em conhecimentos, e de mais a mais dotado do feliz dom da persuasão (quero dizer a eloquencia), dom que eu não tenho, nem possuo; e o segundo infortunio é fallar debaixo do pezo d'uma qualificação dada aos membros da commissão de Legislação, a de rotineiros e de rábulas, que por certo não mereciam do nobre Deputado, de quem eu tenho a honra de ser amigo (O Sr. Silva Cabral: — Peço a palavra). Estou intimamente convencido de que o nobre Deputado por certo não teve intenção de querer injuriar cada um dos membros da commissão com este epithetos; com tudo na força do discurso escaparam-lhe estas palavras — era melhor interpretar d'uma outra maneira do que ser rotineiro e rábula. — Eu preso-me muito, e muito me honro de ter exercido a profissão de advogado ha 30 e tantos annos; mas ser advogado não é ser rábula; prezo-me mais, de em todo o decurso da minha vida, não ter praticado uma acção na qualidade de advogado que mereça o nome de rábula (apoiados). Espero pois que o nobre Deputado faça justiça aos membros da commissão de Legislação, dos quaes alguns são seus amigos e respeitadores, e por consequencia não mereciam ser acoimados de taes epithetos (apoiados).

Agora entrando na materia direi, que a commissão olhou para a letra da Carta Constitucional, para os precedentes que sobre este artigo tinham dado os corpos collegislativos em Portugal, desde que ha systema representativo n'este paiz; olhou tambem para a opinião de jurisconsultos eximios, nada menos inferiores em conhecimentos e literatura ao nobre Deputado; entendeu que tractando-se de jure constituio sobre um ponto que estava sujeito a direito constituido da Camara, não podia alargar-se fóra da esfera deste direito constituido, interpretando-o segundo os principios do nobre Deputado. Direi ao nobre Deputado que não me agradou a sua opinião sobre a interpretação de direito publico constitucional; tambem não entendo que os corpos collegislativos tenham direito de interpretar a Lei Fundamental do paiz, sem serem aquelles que a tenham feito; esta é a opinião dos jurisconsultos mais abalisados, é a opinião do celebre e muito eximio jurisconsulto que foi aqui já nosso collega, cujas Obras respeitamos e veneramos, o Sr. Silvestre Pinheiro; a sua opinião é — que nenhum Corpo Legislativo tem direito de interpretar a Carta ou a Lei Fundamental do paiz. E certo que a interpretação d'uma Lei Fundamental só deve competir a quem a faz; este é o rigor dos principios, mas como o nobre Deputado me chamou para o campo de que aos Corpos Legislativos pertence interpretar a Lei Fundamental do paiz, lá vou para esse campo. Desde que em Portugal houve a ventura de se dar a Carla, em virtude della reuniram-se as Côrtes, e desde a primeira commissão Mixta que houve até hoje, nem uma só obrou em sentido contrario áquelle em que a commissão de Legislação é de opinião no parecer que

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emittiu: por ahi estão nas colleções de leis, não direi que muitas, mas ha algumas approvadas na commissão Mixta que representava ambas as Camaras; e por ventura ainda não houve uma só voz que se levantasse contra essas leis, dizendo que ellas não tinham a letalidade devida, e que não tinham dimanado de fonte, donde deviam emanar.

Sr. Presidente, na primeira commissão Mixta que houve em virtude da Carta Constitucional, ouça a Camara qual a opinião do jurisconsulto portuguez Borges Carneiro, opinião contra a qual senão levantou o auctor deste projecto na Camara dos Dignos Pares do Reino, porque era então membro da commissão Mixta, (leu) Este jurisconsulto membro desta commissão ainda ía com a sua opinião mais adiante: opinava que a commissão Mixta podia discutir, e formar novas emendas, e nomear uma commissão d'entre sr. que désse o parecer sobre estas emendas, e depois formar-se um projecto de lei e approva-lo. Tambem era membro desta commissão Mixta o auctor deste projecto na Camara dos Dignos Pares o Sr. Serpa Machado, comtudo não fallou contra esta opinião, antes foi de accôrdo. Aqui esta o que elle disse, (leu)

Ora em 1827 teve logar outra commissão Mixta, em que fôra tambem membro della o Sr. Serpa Machado; comtudo nem uma só voz se levantou para negar a esta commissão Mixta, o poder de vir a um accôrdo sobre as emendas em que ambas as Camaras estavam em desaccôrdo. Desde então até agora quantas commissões Mixtas se fizeram? E em algumas dellas se approvaram leis, que são hoje leis do paiz, e comtudo ninguem veio a qualquer das duas Camaras reclamar contra isto. Ora á vista destes exemplos, não será este o modo de interpretar a Carta? Modo de interpretação que deriva dos corpos co-legislativos, e por consequencia parte legitima na opinião do nobre Deputado para interpretar a Carta? Não terá tambem algum pêso para a Camara a opinião do illustre publicista, Silvestre Pinheiro, no seu pequeno opusculo — observações á Carta Constitucional de Portugal? Não sabia elle o que estava disposto na Carta do Brasil no art. 61.º? Quer a Camara ouvir o que diz este illustre publicista sobre o art. 54. da Carta? (leu) É necessario fazer differença entre a opinião deste varão illustre, e a interpretação que elle dava á Carla; a interpretação que elle dá á Carta é — que a commissão Mixta podia, uma vez que as duas Camaras conviessem, fazer leis. Ora eis aqui tem a Camara qual foi a interpretação authentica, e quaes as opiniões em que a commissão de Legislação se fundou para emittir a sua opinião no parecer que trouxe a esta Camara, e o espirito do artigo interpretado por todos os corpos legislativos, que tem havido em Portugal, desde que existe o systema representativo em virtude da Carta Constitucional.

Ora, Sr. Presidente, além destas regras de interpretação, ha para mim uma razão mui forte de que tanto era esta sempre a interpretação dada á Carta Constitucional, que sendo, como disse o illustre Deputado, quasi toda ella derivada da Constituição do Brasil, feita pelo mesmo auctor, e tendo mediado tão pouco tempo entre uma e outra, qual a razão que teve o legislador em se affastar neste artigo da disposição da Constituição do Brasil? Não podia ser outra, senão a dos inconvenientes que nasciam, seguindo-se o methodo que o illustre Deputado propoz, como melhor; e esta foi a razão porque a Constituição de 18.38 se affastou desta legislação do art. 54.º da Carta Constitucional, que é em verdade mais explicita do que o parecer que veio da Camara dos Dignos Pares. Eis aqui tem a Camara as razões, e razões de muito pêso, que a meu vêr nenhuma dellas foi destruida pelos argumentos aliás eloquentes do illustre Deputado, mas que não vi, que destruissem estas razões que são as que a commissão de Legislação teve presentes, quando elaborou este parecer. E note-se bem que este parecer foi elaborado e assignado em conformidade dos principios que S. Ex.ª proclamou, de que a interpretação da Carta Constitucional não podia pertencer senão aos corpos colegislativos, os quaes, desde que ha a Carta Constitucional em Portugal, lhe deram sempre esta interpretação; por consequencia a commissão de Legislação emittindo o seu parecer nesta conformidade não foi rotineira; todos esses argumentos que o illustre Deputado apresentou, todos foram presentes á commissão; e cada um delles, e todos esses artigos da Carta Constitucional foram examinados. Póde ser que o illustre Deputado tenha uma intelligencia demasiadamente superior a todos os membros da commissão de Legislação; pela minha parte confesso que S. Ex.ª é superior á minha intelligencia; mas não e possivel que todos accordemente fôssem para um êrro, tendo aliás, como disse o meu amigo o Sr. Mexia, desejos de seguir a opinião contraria, com quanto não deixem de reconhecer que a opinião contraria ha de ter grandes inconvenientes na practica, sendo o maior o de talvez senão poder fazer essa lei durante uma Legislatura. Apezar disso a commissão não deixou de vêr que era um pouco mais conforme com os principios, a base adoptada pela Camara dos Dignos Pares do Reino.

Sr. Presidente, disse o illustre Deputado que este art. 54.º da Carta, mesmo segundo as regras da hermeneutica, não podia ser interpretado senão pelos principios da mesma Carta, e, fazendo applicação destes principios, começou a dizer quaes eram os artigos aonde o illustre Deputado ía buscar a sua interpretação; e o primeiro artigo que foi buscar foi o 13.º que diz assim (leu.)

Parece-me que o art. 54.º interpretado pela fórma que o interpretou a commissão de Legislação, segundo a sua letra, não está em desharmonia, nem em contradicção com este art. 13.º Primeiramente a commissão não nega nem póde negar, antes reconhece, que o Poder Legislativo compete ás Côrtes, com a Sancção do Rei; agora resta provar se a commissão Mixta nomeada pelas Ca orar as, póde representar estas Côrtes; este é que é ponto de direito; por conseguinte resta saber se qualquer das Camaras tem ou não o direito de delegar em uma fracção o podér, de que ella é revestida. E agora pergunto ao illustre Deputado; ha algum artigo da Carta que prohiba a qualquer das Camaras o delegar em uma fracção sua todas as attribuições, de que ella esta revestida?... Eu não vejo lá similhante cousa. O legislador procurou este meio, como uma especie de arbitrio, para que os Camaras concordassem nas emendas apresentadas em cada uma das Casas; e entendeu por consequencia que ellas deviam voltar novamente á discussão, talvez para assim remover os inconvenientes, que de certo lhe apresentou na practica a provisão

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que contém a constituição do Brasil, e talvez viesse para este meio, como o mais facil, para que as Camaras viessem a um accôrdo sobre as emendas, que se tivessem apresentado nos differentes corpos.

Por consequencia não vejo que o art. 54 esteja em contradicção com o art. 13, porque não vejo que se negue a qualquer das Camaras o direito de poder delegar em uma fracção da mesma Camara, nomeada pela sua maioria absoluta e por escrutinio secreto, as attribuições de que ella é revestida. E diga-se o que se disser, o direito publico constitucional não póde de maneira nenhuma deixar de se derivar dos principios fundamentaes de todo o direito civil; é de lá que elle traz a sua origem; o direito publico constitucional tem todo a similhança com todos os direitos civis de cada um dos ramos em particular, e nós vemos a cada passo, que á excepção de aquelles pontos politicos, em que ha a differença, em tudo mais são homogeneos os principios de um e outro direito; todos elles respeitam o direito de propriedade, todos elles respeitam os direitos da segurança individual; por consequencia não é ião absurdo, como o illustre Deputado quiz fazer reputar, que se fossem buscar exemplos ao direito civil, para fazer applicação delles ao direito constitucional; não é tão absurdo, porque eu vi ha pouco S. Ex.ª fazer uso de uma regra de direito civil, que foi buscar ao principio da lei de 18 de agosto de 1769 para o applicar ao direito constitucional. (O Sr. Silva Cabral: — Faz muita differença). É exactamente a mesma cousa.

O outro artigo citado, foi o art. 24 (leu).

Sr. Presidente, a commissão e eu, entendemos que este artigo era relativo a cada uma das Camaras, para a resolução dos negocios; mas não póde ser applicavel para a reunião das duas Camaras em uma commissão Mixta. Neste artigo tracta-se do modo porque se hão de fazer as votações dos negocios, que se tractam em cada uma das Camaras; o artigo é claro, e note-se, que debaixo da palavra negocios, estão incluidos os projectos e outros muitos assumptos de diversa natureza; por consequencia esta é a fórma da votação que esta determinada para cada uma das Camaras, mas não póde ter comparação com o art. 54, nem dizer-se, que está em contradicção este artigo com o art. 24.º — O outro artigo tambem citado, foi o art. 45, que diz elle? Diz o seguinte (leu).

Mas que tem este artigo com o da commissão Mixta. Quem nega que a cada uma das Camaras compete a proposição das leis? As hypotheses são muito diversas, não ha identidade de razão para que se possa applicar o mesmo direito. Agora sobre as palavras proposta, proposição, projecto, direi que a Carta Constitucional não conserva uniformidade, porque áquillo a que o Sr. Deputado deu o nome de proposta, o artigo chama projecto; aqui temos por conseguinte a Carta chamando proposta a um projecto, e eu vou lêr á Camara o art. 46, para que se não diga, que a commissão de Legislação, que elaborou o parecer com a melhor boa fé, não quia sustentar a letra, e espirito da Carta Constitucional, em cuja observancia é tão forte como o nobre Deputado. Se o nobre Deputado não quer, que se altere um só ponto ou virgula da Carta Constitucional, a commissão tem os mesmos desejos e ardor, e nenhum dos seus membros cede um palmo de terreno ao illustre Deputado neste campo. Sr. Presidente, diz o art. 46 (leu).

Note a Camara que este artigo já chama projecto de lei á proposta da commissão (leu). Diz o art. 48 (leu).

D'aqui se vê que o que já foi proposição, o que foi proposta, que é o resultado do parecer da commissão no art. 46, no art. 48 já é projecto. Ora se a Carta Constitucional apresenta esta diversidade de palavras para exprimir a mesma idéa, como era possivel que a commissão se regulasse por essas palavras da Carta Constitucional? A commissão de Legislação não quiz entrar na moralidade da disposição; entendeu que lhe não competia, e por isso divergiu da opinião da Camara dos Pares, que até hoje, desde que ha Carta Constitucional em Portugal, nem uma só vez se levantou contra as commissões Mixtas, e veja a Camara qual é o resultado que d'ahi nasce? E que todas as leis, que se tem decidido neste sentido devem ser revogadas, porque são feitas por um principio dimanado de fonte illegal, e foi por isso que a commissão entendeu que devia tambem eliminar as ultimas palavras do projecto da Camara dos Pares, pelas consequencias que d'ahi podem vir ao publico.

Sr. Presidente, altere-se a Carta Constitucional como mandam as leis; mas não vamos nós hoje dar-lhe outra interpretação differente da que lhe tem dado todos os corpos legislativos, desde que ella é lei do paiz. Attenda bem a Camara a isto. Eu quero conceder que os principios emittidos pelo illustre Deputado sejam os melhores, mas não são os que até hoje se tem seguido. Será optimo o que propõe o illustre Deputado, mas não o é segundo os principios estabelecidos na Carta Constitucional; é esta a convicção em que estou, e os membros da commissão.

Diz-se: é contradictorio que querendo a Carta Constitucional que todos os negocios se resolvam pela maioria de ambas as Camaras, se faça uma lei por uma minoria de cada uma dessas Camaras. Isto assim encarado de certo que hade parecer a todos um absurdo; mas é preciso acompanhal-o das outras rasões, pelas quaes essa minoria é convertida em maioria de ambas as Camaras. Sr. Presidente, pois a Nação Portugueza, a população activa de Portugal não esta aqui representada por nós? E por ventura dir-se-ha que os Representantes não são os que estão sentados neste recinto pelo voto unanime de todos os que tem direito de votar em Portugal? E comtudo nós somos uma delegação da Nação, e essa delegação veio para aqui por unanimidade de votos? Não, Senhores, veio pela maioria, e porque? Porque o direito entende que a maioria é mais poderosa que a minoria, e que aonde esta a maioria, a minoria não póde ter representação nem logar, e que por consequencia uma cede os direitos á outra. Ora pergunto, que representa a commissão Mixta das duas Camaras? Não se póde deixar de pensar que a maioria que abraçou o projecto, é que vai representar a maioria de cada uma das Camaras, e leva em si os poderes de que ellas estão revestidas; é uma especie de delegação que ellas escolhem para ver se vai mais facil, e se não prejudica tanto os negocios do estado, e ver se é possivel fazer que as duas Camaras venham a um accordo, em que até alli tinham estado discordes.

Eis aqui o que tinha a dizer por parte da commissão. Sr. Presidente, a commissão póde estar de

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boa fé; porque entende que é melhor renegar as suas proprias convicções, do que alterar uma soletra da Carta Constitucional, e o que até hoje tem feito todos os corpos legislativos a este respeito.

O Sr. Mexia: — Sr. Presidente, volto de novo á discussão, e contra minha vontade. Fui directamente provocado, não ha remedio.

O meu illustre amigo, que se senta ao meu lado, acaba de responder, e, ao que penso, triunfantemente, a todas as razões, produzidas em contrario do projecto, que defendo. Hei de responder tão sómente áquellas, que formal e pessoalmente me foram dirigidas; mas, antes de cumprir esse dever, a que sou chamado, sinto ser forçado a apresentar á consideração da Camara, o que nem quizera lembrar, quão graves e assustadoras são as consequencias da douctrina, que agora se quer inaugurar.

Sr. Presidente, alterado o systema, seguido desde 1826 até agora, definidas como meramente consultivas, as attribuições das commissões Mixtas, quem duvida, que estão nullas por defeito d'origem todas essas leis, que foram resultado de commissões Mixtas, as quaes exorbitaram das suas attribuições, usurpando as das Côrtes? Quem inhibiria ao juiz de não applicar a lei, que o não era, como feita na parte vital contra o disposto na Carta, e ao contendor em juiso de fazer essa mesma allegação? A consequencia immediata, logica, e legal do principio, que o nobre Deputado, a quem respondo, se esforçou por demonstrar, de ser o parecer da commissão expressamente contrario á Carta, é que nós, sem essas chamadas leis correrem os tramites, agora julgados pela Carta necessarios, não podemos expurgal-as desse defeito. Como poderão essas leis ser confirmadas, sem que venham a uma discussão? Quem negará o direito a qualquer membro do Corpo Legislativo suscitar largo debate a respeito de cada uma dellas? Com uma só expressão — ficam em pleno vigor — sanam-se tantos actos nullos?! Por mais profundo, que seja o saber de S. Ex.ª, por mais extensa que seja a sua experiencia nos negocios do Estado, eu não vejo, que seja capaz de dar uma resposta, que satisfaça, e que desvaneça todos os escrupulos. Pondere bem a Camara estas consequencias

Agora respondendo com toda a placidez de espirito ao nobre Deputado, que se dirigiu a mim com tanta vehemencia no seu fallar com franqueza e cordura, a elle e a toda a Camara, que me não alteram essas expressões, que poderiam offender o amor proprio ainda o mais mediano, e nem me excitarão a seguir tal exemplo, participando em igual voragem. Estou na melhor boa fé; o meu afan é acertar com a verdade; e esta procura-se com mais segurança pela fria reflexão: são as razões, e nada mais, as que nos hão de convencer. Tambem faço justiça ao nobre Deputado de estar em muito boa fé, de ser levado pela sua profunda convicção, e da excitação da sua lingoagem proceder muitas vezes do temperamento, que lhe é natural.

Não levo por tal motivo em linha de conta a expressão do nobre Deputado, lealmente mal cabida no Parlamento, de que ficára eu engasgado com o argumento, que S. Ex.ª quizera deduzir do art. 45 da Carta Constitucional. Em verdade o caso era para menos.... Confesso que ainda agora depois de muito o ter lido, e já meditado (permitta-se-me a expressão, que tambem é inferior ao Parlamento) ainda não sei acertar com a finura desse bello argumento, bem recôndita esta a sua força!

O nobre Deputado justificou o Augusto Redactor da Carla, quando usou indifferentemente no mesmo sentido das palavras — projecto, proposta, e proposição de lei — dizendo, que assim o devia fazer por belleza de estilo. Oh! Sr. Presidente, sacrificar a disposição d'uma lei, em que as palavras tanta influencia podem ter, á belleza de estilo (e neste caso tão mesquinha) é para mim uma novidade. Alguma cousa tenho lido em sciencia de legislação; sempre encontrei como preceito, como regra sem excepção, que a lei deve ser clara, e que, para o ser, as palavras devem ser genuinas, e que indiquem a significação, que é propria da sciencia, e do objecto de que tractará; sempre que uma palavra designa uma idéa, sempre a mesma na sciencia, e adequada, deve ser inalteravelmente empregada pelo Legislador, embora muitas vezes repetida; para que têem todas as sciencias o seu technismo particular?... A este respeito lembra-me o que dizia Madame de Stael (O Sr. Silva Cabral. — Não e jurisconsulto). Não a invoco como tal, e nem o nobre Deputado quer para aqui as douctrinas dos jurisconsultos. É conhecida pelas suas muitas obras em muitos ramos dos conhecimentos humanos, e com especialidade em litteratura e em politica. Madame de Stael, formando juizo do estilo de alguns escritores, diz d'um muito eloquente em frazes — que muitas vezes sacrificava um bom pensamento a uma bonita expressão. — Que diria então se agora fosse chamada a emittir o seu parecer relativamente á asserção, de que o Legislador por belleza de estilo devia empregar differentes termos, aliás capitaes, para uma e a mesma significação?

Allegou o nobre Deputado em seu favor, que, se o resultado da commissão Mixta devesse logo subir á Sancção Real, o Legislador usaria no final do art. 54 da palavra — decreto — e não proposta. Já respondi a este argumento de palavras, agora de novo produzido. Porem para que se desengane; peço-lhe, que leia o art. 57, onde se diz manifestamente projecto de lei por decreto, pois que é já o resultado da approvação do projecto das duas Camaras, reduzido a decreto.

Recorreu á theoria do mandato, julgando nella encontrar uma força irresistivel a favor da sua opinião. Peço á Camara, que attenda a que o mandato da commissão Mixta é restricto, a que a delegação da Camara é limitada. A commissão foi logica: por quanto guiada pela douctrina da Carta, e para ser coherente, não deu á commissão Mixta outra attribuição, que não fosse a de decidir a questão pendente sobre as emendas ou addições. Se a commissão lhe tivesse consignado a faculdade para fazer novas alterações, introduzir materia nova, embora analogas, então podia colher o argumento adverso; nesse caso, pela natureza do mandato, e em objecto de tanta gravidade, deviam voltar as novas emendas ou addições ás duas Camaras, a quem não tinham sido presentes. Note-se bem: é um mandato restricto a objecto, já ventilado por ambas as Camaras, e outorgado por ellas a membros dos mesmos corpos collegislativos, que as representam.

Não me canso em respondei á porfiada asseveração de que o art. 55 tem referencia ao 54. Se assim fóra, nunca houvera questão; a douctrina era inconcussa. Eu peço a cada um dos Collegas, que leia esses

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artigos, e não «necessaria muita reflexão para conhecer-se, que as hypotheses d'ambos são totalmente differentes. Este art. 55, sem a menor duvida, refere-se ao art. 53, e aos antecedentes a este. E quem não se maravilhára, lendo o art. 55, da connexão delle com o art. 54 feita pelo nobre Deputado, que tanto se azedou de no meu áparte dizer que — a hypothese delle era differente?...

Sr. Presidente, não sei que haja razão contra o parecer da commissão, a qual não tenha sido antecedentemente rebatida, e contrastada por argumentos de grande força. Posso asseverar com verdade á Camara, que essas reflexões aqui produzidas para a impugnação do parecer, foram por mim offerecidas, e ainda mais algumas, á consideração dos meus collegas. (O Sr. Pereira de Mello: — É verdade.) Colloquei-me na opposição para melhor formar uma verdadeira convicção; e, depois de mui extensa discussão, foi intima a nossa persuasão de que a verdade estava pela intelligencia, até agora dada e seguida. Quando eu disse, pois, que não estava de momento preparado, não foi porque não tivesse pleno conhecimento do assumpto; disse-o, porque vai grande differença do homem, que no gabinete, e não de fresco, examinou o objecto, e concebeu idéas verdadeiras a respeito delle, áquelle, que, no Parlamento, tendo de se exprimir em ligado discurso com uma linguagem adequada a fazer-se entender, e attender dos outros, precisa para esse fim estar preparado; disse-o, porque realmente, para responder ao nobre Deputado, precisa-se estar sempre de vespera preparado, e muito preparado; finalmente, porque sempre são poucas todas as precauções da modestia, muito mais, para quem avalia a difficuldade de orar no Parlamento; a ignorancia é que é atrevida e orgulhosa. Nas minhas respostas não tomei o calor e a vehemencia, que seguiram o discurso do illustre Orador, a quem me refiro, porque a linguagem da razão, e não a da paixão, deve ser o melhor motor da convicção. Em verdade, quem aqui entrasse de repente, e presenciasse a excitação de S. Ex.ª, dirigindo-se á commissão, julgaria que ella teve pensamento reservado no seu parecer: juro por Deos, que o nosso estrénuo desejo foi acertar com a verdade, e evitar os gravissimos inconvenientes da nova intelligencia.

Deixo em silencio a resposta aos epithetos de rabulas e rotineiros. Honrar-me-ia de pertencer á classe da advocacia, tão avaliada em outras nações, e que tão grandes homens teem produzido. Nunca pertenci a essa nobre classe, e não tenho experiencia dessa rabolice.

O Sr. Pereira dos Reis: — (Sobre a ordem) Segundo minha lembrança a commissão de Administração Publica pediu varios esclarecimentos a respeito do negocio do carvão de pedra das minas de S. Pedro da Cova; um dos esclarecimentos mais essenciaes, creio eu que é a demarcação do terreno, e essa falta esta supprida n'um trabalho que vou mandar para a Mesa. É de presumir que a commissão ámanhã queira vêr de novo este negocio, e então tenho a honra de offerecer a V. Ex.ª, a fim de que a mande para a commissão respectiva, a planta do terreno carbonifero daquella freguezia: o possuidor deste excellente trabalho pede a sua restituição, logo que não seja necessario.

O Sr. Presidente. — Remette-se á commissão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: —: —

Sr. Presidente, constando-me que hontem se affirmára nesta Sala, que um dos Ministros tinha mandado á Imprensa, fóra d'horas, buscar o discurso de um dos Srs. Deputados, e que o tinha destruido ou emendado á sua vontade; sem embargo da intima convicção que no momento tive da inexactidão deste facto, procurei saber o que havia a este respeito, e vim no conhecimento de que, não tendo logar a publicação de extracto algum sem ser assignado pelo respectivo tachygrafo, um Sr. Deputado tinha, ás duas horas da noite, mandado o seu discurso para a Imprensa, e que o Director da Imprensa não o vendo assignado pelo tachygrafo, como era necessario para que elle fosse publicado, a essa mesma hora mandou um empregado da Imprensa levar esse extracto, ou discurso a casa do tachygrafo, o qual depois de o ter examinado e feito as alterações correspondentes ás notas que tinha tomado, o assignou e reenviou para a Imprensa para ser publicado, o que se effectuou. Eis o que se passou a este respeito. Julguei não dever deixar pesar por mais tempo sobre 09 Ministros uma accusação tão seria, (apoiados)

O Sr. Pereira dos. Reis: — Sr. Presidente, não esta presente o nobre Deputado, a quem o Sr. Presidente do Conselho se referiu, e eu na sua ausencia, devo dizer alguma cousa a este respeito. O discurso de que se tracta, foi um proferido por mim em uma das primeiras sessões da Camara. (O Sr. Presidente do Conselho: — Apoiado). Devo esclarecer este facto com a franqueza, que me é propria. O discurso a que se allude, foi proferido por mim sobre a questão do padroado da India na discussão de resposta ao discurso do Throno; tive empenho grande que o extracto apparecesse com summa exactidão, porque o negocio era grave, e podia resultar alguma consequencia menos conveniente de qualquer alteração ou inexactidão do extracto. Não escrevi o extracto, revi-o, e depois mandei-o directamente para a Imprensa. No dia seguinte admirou-me não ver publicado o extracto tal como eu o havia remettido, procurei indagar o motivo disto, e soube que o administrador da Imprensa tinha cortado a parte mais essencial do discurso em virtude de ordem geral. (O Sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra). Este e o facto, pelo qual eu respondo, e espero que se não tornará a repetir.

O Sr. Presidente do Conselho: — Sr. Presidente, o nobre Deputado fez allusão ao honrado Chefe da Imprensa Nacional, e disse, que tinha sido elle que cortara parte do extracto do seu discurso. Peço licença ao nobre Deputado para dizer, que não foi exacto. Eu sei positivamente que o mesmo tachygrafo, que tinha trabalhado naquella noite, foi quem só por si, e sem insinuação alguma, cortou do extracto o que entendeu dever cortar. O mesmo tachygrafo me esta dizendo com a cabeça que sim, nem elle era capaz de ser inexacto em objectos tão serios; (apoiados) portanto o nobre Deputado esta completamente enganado, (apoiados)

O Sr. Presidente: — Quando hontem o Sr. Deputado Cunha alludiu ao facto, de que se tracta, facto bastante serio, a Mesa entendeu desde logo que não devia ficar sem tomar providencias a este respeito; tractou de averiguar o facto, e achou que effectivamente o Sr. Deputado Pereira dos Reis tinha desejado, que o extracto do seu discurso viesse com extensão e exactidão no Diario do Governo; o empre-

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gado respectivo da tachygrafia, encarregado do extracto das sessões, annuiu nos desejos do Sr. Deputado, e que o Sr. Deputado preparou esse trabalho, e o mandára alta noute directamente para a Imprensa; e o Administrador para cumprir com as ordens que tinha, mandou o extracto do discurso ao respectivo empregado da tachygrafia, e este, segundo as ordens geraes, e segundo as determinações recebidas da Mesa para observar inteira imparcialidade, afim de que não apparecessem discursos quasi na íntegra, e outros pouco ou nada desenvolvido, e para pôr esse extracto tambem em harmonia com os apontamentos que se haviam tirado, entendeu que devia cortar parte désse extracto, que o Sr. Deputado tinha mandado directamente para a Imprensa, e deste modo harmonisa-lo convenientemente. E devo dizer á Camara e ao nobre Deputado, que neste facto não entrou outra pessoa, que não fosse esse mesmo empregado da tachygrafia. É esta a explicação que a Mesa dá para conhecimento da verdade, (apoiados) O Sr. Pereira dos Reis: — Ninguem respeita mais que eu o Administrador da Imprensa; conheço o ha muitos annos, fui seu collega, estou certo da sua honra; é exemplar em tudo. (apoiados) Quando invoquei o seu nome, não foi para lhe fazer accusação alguma. O extracto que eu mandei para a Imprensa, não era extenso; ao contrario eu omitti muitos pontos do meu discurso; appello para o testemunho dos proprios tachygrafos. O que é verdade, é que nessa mesma noute, o Administrador da Imprensa disse, que não publicava o extracto do meu discurso, não só porque eu era Deputado da opposição, mas tambem porque costumava ser muito forte na minha frase; ora, alem disto dava-se a circumstancia da ordem geral, que tinha para zelar este negocio; dizendo-se até que não publicava o extracto como estava, porque o Deputado áquem elle dizia respeito, tinha o Estandarte aonde podia publicar o seu discurso por inteiro. Este é o facto; o Administrador da Imprensa tem ordens para zelar este objecto da publicação de extractos; elle cumpriu os seus deveres co-me empregado subalterno; não trago esta questão nem para duvidar da probidade de individuo algum, nem para que possa recair a responsabilidade sobre alguem. Esta é a verdade, verdade pela qual respondo em todas as suas partes.

O Sr. Presidente do Conselho: — Sr. Presidente, parece-me que a Camara esta perfeitamente esclarecida com o que eu disse, e V. Ex.ª affirmou (apoiados) asseguro pela terceira vez á Camara, que o facto se passou tal como eu o referi, (apoiados) E declaro mais que o Administrador da Imprensa não tem ordem ou insinuação alguma no sentido que o Sr. Deputado pareceu querer indicar.

O Sr. Pereira dos Reis: — Este negocio não é com V. Ex.ª; as ordens existem no sentido que disse, dadas pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que é quem inspecciona a publicação do Diario.

O Sr. Presidente: — A Mesa chamou o empregado encarregado dos extractos das sessões desta Camara, e, com referencia ás informações que obteve, referiu á Camara o facto como teve logar; a Camara já sabe que providencias estão dadas para que este negocio do extracto marche regularmente, (muitos apoiados).

Agora eu entendo que, visto o atraso em que estão as discussões dos projectos já impressos, seria mais conveniente que ámanhã houvesse sessão, e não para haver commissões, (apoiados) Eu vou consultar a Camara sobre se dispensa que ámanhã hajam trabalhos em commissões, (apoiados)

Consultada a Camara decidiu affirmativamente.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão do projecto n.º 38, e a mesma que estava dada. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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