O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 50

(50)

N.º 5. Sessão em 5 de Maio 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 55 Srs. Deputados.

Abertura — Ás 11 horas e um quarto.

Acta — Approvada sem discussão.

Expediente.

Officios. — Um do Ministerio da Marinha e Ultramar, acompanhando uma nota demonstrativa dos quadros dos cabidos das cathedraes do Ultramar, indicando as vagaturas que nelles existem, satisfazendo assim á requisição da commissão Ecclesiastica desta Camara. — Para a Secretaria.

Representações. — Uma da camara municipal do concelho de Gaia, expondo os grandes prejuisos, e inconvenientes que devem occorrer, se acaso fôr attendido um requerimento, que lhe consta terem dirigido a Sua Magestade alguns negociantes de vinhos das praças de Lisboa e Porto, para a exportação dos mesmos vinhos ser feita em garrafas. (Por ser dirigida a Sua Magestade, determinou-se que fosse remettida em officio ao Ministerio do Reino.)

O Sr. Cabral Mesquita: — Pedi a palavra para chamar a attenção da illustre commissão de Estradas, a fim de que apresente aqui os trabalhos, de que ella esta encarregada. Sr. Presidente, eu entendo que é altamente indecoroso para esta Camara que depois de se terem consumido onze dias de sessão na discussão do projecto da lei das estradas se feche esta sessão, sem que nada se tenha concluido a este respeito. Eu não sei até que ponto a illustre commissão de Estradas tem adiantado os seu trabalhos, o que sei, é, que tenho muito receio, de que a sessão se feche, sem que se faça cousa alguma a este respeito.

Não sei que máo fado persegue este projecto da lei de estradas: os Governos antigos consumiram sommas immensas em objectos de luxo, sem se lembrarem de fazer um palmo de estradas, e depois veiu uma revolução desgraçada destruir completamente os trabalhos encetados para esta importantissima obra, que o Governo, e o Parlamento daquelle tempo tinham emprehendido com muito vigor.

O anno passado apresentou-se aqui um projecto de lei de estradas, não se discutiu; e tendo nesta sessão, como já disse, estado por onze dias em discussão, foi retirado pela commissão, e são passados tantos, e tantos dias, e ainda não voltou. Por conseguinte eu peço a V. Ex.ª, em nome do bem publico, e da dignidade da Camara, que sollicite mesmo da commissão, encarregada deste trabalho, que apresente quanto antes este trabalho; porque realmente nós temos feito muito pouco, e se acaso nós não conseguirmos esta obra, eu não sei que contas devemos dar aos nossos constituintes. Espero pois, que V. Ex.ª inste com a commissão, encarregada deste trabalho, a fim de que o conclua quanto antes.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado, e a Camara sabem, o que tem havido a este respeito, e as recommendações, que a Mesa tem feito para se conseguir da commissão a apresentação do seu trabalho. Consta-me que os membros da commissão estão trabalhando nesse importante objecto, mas que ainda não puderam vir a um accôrdo; não vejo presente algum dos membros da commissão, a fim de lhe recommendar o pedido do illustre Deputado, e logo que esteja presente, novamente lhe será feita a recommendação pela Mesa.

O Sr. Costa Lobo: — Sr. Presidente, pedi a palavra para mandar para a Mesa uma representação do presidente, e mais administradores do seminario dos meninos desamparados da cidade do Porto, na qual pedem a esta Camara providencias ácerca do papel-moeda.

Sr. Presidente, por varias vezes tenho eu aqui fallado acerca deste objecto; acho-me mesmo já um pouco compromettido, por isso que desde 1846 tendo assistido ás reuniões que na cidade do Porto tem feito os possuidores desta moeda para requererem ás Côrtes medidas legislativas, e tendo já apresentado aqui varias representações sobre este objecto, eu sinto-me em difficuldade, quando, voltando para os meus constituintes, lhes não possa dar a nova da Camara se ter occupado a este respeito, ainda no ponto mais insignificante, quero dizer, desde essa época até hoje nada se tem tractado, nada se tem feito acerca deste objecto.

Sr. Presidente, esta moeda creada em 1797, creada com um juro de 6 por cento, a divida por conseguinte, mais antiga do paiz, quando em 1834, por decreto de 23 de julho e 1 de setembro foi extincta, prometteu-se o seu pagamento no 1.º de janeiro de 1838, esse praso chegou, e não só não foi pago, mas nenhuma providencia se tomou ácerca deste objecto: eu peço á illustre commissão de Fazenda, e ao Sr. Ministro da Fazenda, que tenha isto em toda a sua attenção.

Sr. Presidente, muitos estabelecimentos de caridade, e que fazem as vezes de bancos ruraes, tem grande parte do seu fundo neste papel: a Misericordia da cidade do Porto tem uma parte do seu fundo em papel moeda: no anno passado as portas do seu estabelecimento de caridade estavam a ponto de se fechar; os administradores d'aquella casa andaram de porta em porta pedindo recursos, para que o hospital de Santo Antonio da cidade do Porto não fosse fechado. A corporação de que apresento a referida representação e de que tracto, e um seminario que os filantropicos habitantes do Porto soccorrem e sustentam, onde se educam os meninos desamparados d'aquella cidade, tem este estabelecimento apresentado excellentes resultados, alguns dos meninos alli educados são mandados para o Rio de Janeiro, alli são recebidos, mesmo sem recommendação alguma, basta que se saiba que foram educados n'aquelle estabelecimento. Ora, Sr. Presidente, o papel moeda faz parte da dotação deste estabelecimento de caridade, do mesmo modo varias irmandades, e a santa casa da Misericordia do Porto tem nesta moeda uma boa parte de seus fundos, e note V. Ex.ª e a Camara que estes estabelecimentos são em tudo dignos da maior attenção, são entre nós os que fazem as vezes de bancos ruraes, o seu dinheiro é emprestado aos lavradores ao juro de 5 por cento; pois, Sr. Presi-

Página 51

(51)

dente, esta moeda que apenas é de 1:600 contos, e que esta na máo de pessoas miseraveis, como são as Misericordias e estabelecimentos de caridade, pessoas que devem merecer toda a nossa attenção, são passados nove annos, ainda não teve nenhuma providencia que se adoptasse a seu favor; já digo, peza-me em minha consciencia, por que não sei, como me hei de apresentar aos meus constituintes, tendo procurado constantemente desde 1846, que se tracte deste assumpto, estamos em 1849, e ainda se não apresentou uma só medida sobre este objecto. Peço desculpa ao Sr. Ministro da Fazenda e á commissão do calor que torno a este respeito; mas em fim o caso urge, por que os credores mais antigos do estado estão sem receber juros, nem cousa alguma: é verdade que são difficeis as circumstancias do paiz; mas ha pouco, o pouco deve ser para todos (apoiados). Por estas razões eu espero, que ainda nesta sessão, se apresente alguma medida a este respeito. Por esta occasião observo que fallando ha poucos dias ácerca do objecto, vejo-me obrigado a rectificar uma asserção inexacta que appareceu no Diario do Governo. Alli se diz ter eu aqui fallado no curso forçado que o anno passado se dera a varios papeis; isto seria uma asserção disparatada, e pouco depunha em meu favor, se eu a tivera enunciado.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, e louvavel o empenho que o nobre Deputado tem mostrado por alcançar alguma medida que satisfaça a estes credores, de uma divida tão sagrada: entretanto o nobre Deputado deve saber tambem que, a par deste negocio, ha outros tão sagrados como elle, que reclamam a mesma attenção. O nobre Deputado sabe, por exemplo, que ainda se não pagaram as indemnisações pelos edificios que se demoliram por causa da guerra da Usurpação; ha egualmente a divida sagrada das letras da Bahia, assim como muitas outras: e não é possivel attendei a todas actualmente. Se pois as circumstancias são como todos sabemos, como quer o nobre Deputado que se attenda a essa divida? O nobre Deputado deve ficar certo, de que o Governo não se esquece dessa divida, e d'aqui até á sessão que vem, o Governo estudará qual é o meio de poder satisfazer não só a esta divida, mas a outras tambem importantes, que estão nas mesmas circumstancias.

O Sr. Xavier da Silva — Como V. Ex.ª disse que este incidente acabou, não tomarei a palavra sobre elle; mas sómente direi, que a commissão de Fazenda não tem tido logar de se occupar deste negocio, entretanto acho muito louvavel o zêlo do illustre Deputado, sendo com tudo para lamentar, que tendo sido S. S.ª o anno passado membro da commissão de Fazenda, não se lembrasse de propôr algum remedio a esse mal, a fim de poder começar a tractar deste objecto, o que este anno não tem sido possivel, em consequencia dos immensos trabalhos, não menos importantes, de que a commissão se acha encarregada, os quaes não tem dado occasião a poder tractar desse assumpto, ainda que muito deseje remediar esse mal, e para isso seria bom, que o illustre Deputado usasse da sua iniciativa, indicando a maneira porque se ha de attender a este assumpto, porque serviria de esclarecimento, e para tambem servir de base á commissão para reflectir sobre o modo de resolver-se essa questão, em que tanto se empenha o illustre Deputado, e sobre o qual eu ainda

não perdi as esperanças de apresentar algum trabalho da commissão de Fazenda nesta mesma sessão.

O Sr. Costa Lobo — Peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara se me deixa fallar ainda sobre este objecto.

O Sr. Presidente: — Sobre este objecto não póde haver discussão, entretanto eu dou a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. Costa Lobo — É verdade que fui honrado com a nomeação de membro da commissão de Fazenda o anno passado; mas tambem é certo que eu vim nessa sessão no meio della, e que o anno passado havia a tractar a questão das notas, e a questão do banco, e ainda que estas não tivessem mais direito do que a do papel-moeda, com tudo urgiam mais porque os possuidores do papel-moeda já estavam esperando ha 6 ou 7 annos) e a outra questão das notas, senão se remediasse de prompto, os males que d'ahi viessem, seriam taes que não poderiam calcular-se; não foi por tanto que me esquecesse o papel-moeda; foi pelo interesse da causa publica que pedia, que se providenciasse com preferencia destes objectos banco e notas; entretanto, eu apresentei na commissão as minhas idéas, e o que eu pensava a este respeito; e sempre insisti em que era forçoso se definisse no anno corrente a sorte dos possuidores deste papel, e muitas vezes alli declarei que no proximo anno não largaria mão deste negocio.

ordem do dia

Discussão do Projecto n.º 42 — orçamento da despeza.

O Sr. Presidente: — Segundo o methodo adoptado deve começar a discussão pelo orçamento da despeza da Junta do Credito Publico.

O Sr. Vaz Preto — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se quer que o orçamento seja discutido por capitulos, como se tem feito em outros annos; acho eu, e a Camara tem entendido, ser o meio de II mos melhor nesta discussão, sendo por Ministerios do que por verbas; por tanto repito, peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara a que tome uma decisão a este respeito, para o que mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — Proponho que o orçamento seja discutido por capitulos. — Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

(Alguns Srs. Deputados pedem a palavra).

O Sr. Presidente: — No orçamento não costuma haver discussão na generalidade (apoiados), entretanto eu dou a palavra aos Srs. Deputados, mas observo que não tenho que consultar a Camara sobre isso, porque a discussão da generalidade acha-se dispensada segundo os precedentes (apoiados).

O Sr. Carlos Bento: — Sr. Presidente, julgo que por desempenho do meu dever, devo fazer uma proposta que vou mandar para a Mesa. Diz a illustre commissão do orçamento no seu relatorio o seguinte (leu).

O que se segue daqui é que o orçamento da despeza não se contem nos limittes da receita. Já se vê por conseguinte que vamos votar uma despeza, para a qual com conhecimento de causa sabemos, que não temos os meios de receita. Poder-se ha dizer, que ha despezas que são sempre indispensaveis, e que então

Página 52

(52)

este methodo de principiar por discutir as despesas, e um methodo logico, mas eu direi, que isso sei la verdade, se nós estivessemos no estado regular de um paiz, que satisfaz todas as suas despezas, mas peço licença para perguntar se no estado em que nos achamos, se pagam todas as despezas que são votadas pelo orçamento? Decerto que não, o que acontece todos os dias, e que ha uma distribuição da receita realisada pelas despezas, que se entende serem preferiveis, e neste caso pergunto eu tambem, o que significa a lei da despeza votada pela Camara, quando e sabido que as Administrações pela impossibilidade em que se acham para fazer face a despeza, que foi votada pelo Parlamento pela pouca receita que realizam, se vêem na necessidade de fazer a distribuição pela que julgam mais urgente 7 Este e o testemunho da experiencia que nos tem mostrado, que a despesa não e paga na na totalidade E perguntarei eu na occasião presente haverá mais esperança de sabermos que a despeza que havemos de votai, ha de ser satisfeita, e que não ha de ser augmentada 7 Decerto que não, por que por este orçamento se vê que ella augmenta em todos os Ministerios, e debaixo de todos os titulos de administração, por tanto para essa despeza conta-se com uma receita imaginaria, isto e muito facil de examinar

Sr. Presidente, eu peço licença para chamar a attenção da Camara sobre o relatorio deste projecto, porque aqui entram verbas de receita, com as quaes se conta, e que é receita imaginaria.

Eu vejo, por exemplo, no resumo, que vem no fim do orçamento, que a commissão reputa como receita realisavel, e como tal a considera, a reducção de 400 000000 no fundo especial de amortisação, quando nisto decerto ha uma exaggeração para mais de 300 contos, e o que se segue d'aqui, e que isto e mais uma daquellas doces illusões, em que nos temos comprazido de viver Pois quem ignora que é puramente imaginaria esta receita do fundo de amortisação, a commissão de Fazenda póde fazer os calculos que entender, e darem-lhe ainda um saldo positivo, mas o modo porque tem apreciado estas cousas, não e por certo o methodo infallivel, nem com o qual possamos contar para ter em conta os seus resultados, e alem da verba a que especialmente me referi ha muitas outras que podia ennumerar Por conseguinte a proposta que tenho a honra de mandar para a Mesa, e para que a discussão da lei da receita preceda a discussão da despeza, porque não temos certeza alguma de que a receita cubra a despeza que fôr aqui votada, antes temos a certeza do contrario, e por isso e indispensavel, que primeiro tractemos de saber a receita com que podemos contar, aliás estaremos votando uma cousa inutil e ociosa, e eu entendo que é ainda peior votar uma cousa ociosa, do que não votar nada, por conseguinte concluo mandando para a Mesa a seguinte

Proposta — Proponho que a discussão da lei da receita preceda a discussão da lei da despeza — Carlos Bento

Considerada como adiamento, foi apoiada, e entrou em discussão

O Sr. Ferreira Pontes — Sr. Presidente, na sessão passada fiz eu uma proposta identica a que agora se discute, que não mereceu ser approvada pela Camara, mas ainda estou convencido que este e o methodo que se deve adoptar, a fim de nos livrarmos dos embaraços em que nos vemos Uma triste experiencia deve ter-nos desenganado, que os rendimentos actuaes não chegam para satisfazer as despezas que se votaram no orçamento do anno corrente, e esperando eu que o Governo fiel ao seu programma, satisfizesse as solemnes promessas, que repetidas vezes tem aqui feito, de observar amais severa economia» apresentasse as reformas convenientes em todos os ramos de administração publica, donde proviesse uma glande diminuição dessa verba, pelo contrario alguma proposta que tem apresentado, de todas provirá um grande augmento de despeza se forem approvadas, e comparado aquelle orçamento com o do anno futuro, vê se que ha um accrescimo de 700 contos de despeza, sem que se diga ou se saiba d'onde hão de saír, alem disto insiste em conservar os empregados extraordinarios, que senão acham comprehendidos nos quadros legaes dos diversos Ministerios.

Porem se no presente anno não tem podido satisfazer metade dos encargos, d'onde e que o Governo espera tirar recursos para os do anno futuro 7 Quererá augmentar os tributos, ou aggravar os antigos que o mesmo 7 Nem uma nem outra cousa e possivel, e então para não continuar a mesma illusão, e para que todos saibam com que podem contar, não ha outro meio que reduzir a despeza, por muitas vezes aqui tenho enunciado esta opinião, e que debalde decretaremos novos impostos, que senão hão de realisar, porque excedem as forças dos contribuintes, a minha voz e muito fraca para ser ouvida, porem os factos desgraçadamente teem verificado as minhas prevenções, mas era melhor, era mais justo, e mais conveniente, que as reducções se estabelecessem por lei, e não se esperasse que a impossibilidade as viesse realisar.

Sr. Presidente, os impostos indirectos que fazem a maior somma dos rendimentos publicos, vão em progressivo abatimento, nem outra cousa se póde esperar, por ser esta uma consequencia necessaria da decadencia da riqueza individual, que é a que faz a riqueza publica, como o povo não tem meios para satisfazer as primeiras precisões da vida, e muito menos para os objectos de luxo, não póde deixar de diminuir consideravelmente o consumo de uns e outros, e a verba dos impostos lançados sobre elles

Não illudamos por mais tempo os servidores e credores do E«tado, sejamos francos, diga-se a verdade, affiance-se sómente aquillo que se póde cumprir, se a burra particular e um crime grave, a que pratíca o Governo e o Parlamento e gravissimo, porque tem mais funestas consequencias, e uma immoralidade que desconceitua o Governo, que allude pelos alicerces o credito publico, e priva o Estado dos recursos que delle se podem tirar em occasiões de apuro. E necessario ter o valor de fazer nas diversas repartições as reformas que as circumstancias exigem, conservar sòmente nos quadros o numero de empregados que forem indispensaveis para o expediente do serviço, e que estes, alem das boas qualidades moraes, tenham as habilitações necessarias para o desempenho das attribuições que lhes estão confiadas, que se se attender so ao merecimento, e se puzer de parte o espirito de partido, e de patronato, grande numero dos actuaes poderão ser dispensados, sem que o serviço soffre prejuiso algum, por muitas vezes tenho procurado trazer a Camara a este accôrdo, os meus esforços teem sido frustrados, e tambem não tenho

Página 53

(53)

esperanças de ser agora mais feliz, cumprindo porem o meu dever, fica-me a tranquillidade de consciencia que acompanha sempre a quem segue os seus dictames

Sr. Presidente, bem sei que se diz que o serviço publico senão póde dispensar, que depois de se saber quanto e necessario dispender com elle, se devem decretar os meios, e que se os actuaes não chegarem, se devem crear ou decretar outros, poem isto não e tão exacto, como se assevera, uma nação a respeito da fazenda, deve seguir as regras de economia que a prudencia aconselha para uma casa particular7 Que faz um bom administrador7 Sujeita as despezas aos rendimentos, para depois senão vêr em maiores embaraços As nossas circumstancias são extraordinarias, o nosso mal e gravissimo, não se cura com paliativos, são precisos remedios heroicos para se pôr termo a gangrena, que vai lavrando no corpo social, e não a deixaremos chegar ate ao ponto de que não tenha remedio, não nos assustemos da sua gravidade, nem desesperarmos do remedio, que se tivermos valor e prudencia para lhe applicar uma cura radical, ainda nos veremos livres delle Esta, entendo eu, não podér ser outra, senão o corte nas despezas inuteis, que não forem de primeira necessidade, e de se sujeitar a cifra da despeza a da receita, e não vice versa, como se pertende. Se se adoptar este principio, como norma das nossas deliberações, ainda poderemos organisar as finanças do paiz, aliás se continuarmos no systema das contemplações mal entendidas, ficaremos peior do que estamos, e os males publicos de dia em dia irão em augmento Por estas razões, e porque conservo as mesmas convicções, ou ainda mais fortes, que me levaram a apresentar a mesma proposta na outra sessão, approvo agora esta, e faço votos para que mereça a approvação da Camara

O Sr. Silva Cabral — Sr. Presidente, já aqui usei de uma palavra que desafiou a susceptibilidade de alguns dos meus illustres collegas e amigos, por effeito talvez de não meditarem a filosofia das palavras, ainda usarei novamente della para a applicar ao caso presente, direi a Camara que não queira na discussão do orçamento ser rotineira, como tem sido nos annos precedentes, direi a Camara que se por ventura adoptar esse caminho, que tem seguido ate aqui, não diga que quer «alvar o paiz, porque de certo não se salva por maneira similhante. Sr. Presidente, o objecto de que se tracta, deve ser apresentado a Camara debaixo dos seus verdadeiros pontos de vista, não e so rasoavel, e justa, e a Camara infringira uma lei, se por ventura não adoptar a proposta do illustre Deputado, a Camara não a póde infringir, ao menos moralmente fallando não póde, porque primeiro a ha de revogar Para que possa entrar em outro caminho differente do que aquelle que se indica na proposta, que primeiramente foi para a Mesa, eu peço que não queira ser rotineira, porque e preciso que por uma vez se deixem de seguir precedentes Quando se esta constantemente invocando daquellas cadeiras (indicando as da Ministerio) que se quer seguir uma nova era de justiça, e de economia, e quando sequer retrogradar désse caminho de justiça e de economia 7

Si Presidente, tractarei por agora da proposta do Sr. Deputado por Vizeu, quando se tractar da proposta feita pelo meu amigo Deputado pelo Porto,

então mostrarei a irregularidade a que tambem

Sr. Presidente, ha uma lei muito clara, que é a de 6 de novembro de 1841, que estabelece a regra invanavel de que o Governo não possa trazer despe/a alguma a Camara sem que traga logo, e apresente conjunctamente os meios com que ha de satisfaze-la Esta lei funda-se nos verdadeiros principios constitucionaes, porque e uma perfeita decepção estai uma Camara, um corpo qualquer, um particular a talhar despezas, sem ter os meios para satisfaze-las, e illudir-se a si proprio, o Ministerio que nos apresenta uma conta de despeza sem apresentar os meios para a satisfazer, illude a nação, e não satisfaz de maneira nenhuma á grande missão de governar O principio pois da lei e constitucional, e legal, mas fosse ou não fosse, existe elle? Existe Temos obrigação de nos conformamos como Corpo Legislativo com aquelle preceito7 lemos, porque não esta revogado Essa lei tem sido alterada nos art03 2 o, 3 o, 4o, e 5 º, mas nunca no primeiro artigo, porque as leis posteriores tem tractado dos objectos dos artigos subsequentes, mas nunca revogaram aquelle artigo, e estando o preceito em pé, convem saber se aquillo que se apresenta no orçamento da despeza, exíge que nos procedamos com circumspecção ou não Que e o que se nos diz no orçamento originario, no relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, e no parecer da commissão7 Diz-se no orçamento originario do Governo que ha um augmento de despeza de 700 e tantos contos de íeis, e no parecer da commissão reduz-se esse augmento a 652 contos Querendo pois mesmo considerai unicamente a cifra apresentada pela commissão, temos 652 contos a maior comparado o orçamento deste anno com o do anno passado, e a que é precizo satisfazer. Pergunto eu apresentou por ventura a commissão alguma maneira de satisfazer a este augmento de despeza? Não, e não só não o apresentou, mas tudo quanto vemos nas propostas do Governo são puras decepções, tudo quanto vemos são auctorisações, tudo quanto vemos e falto de reflexão, e de methodo, tudo quanto vemos não e constitucional, e inconstitucional, tudo quanto vemos, não e legal, tudo quanto vemos, e um empirismo perfeito, não e nem em conformidade com os principios da sciencia, nem com os principios da razão, tudo esta fora dos verdadeiros principios? Portanto, vê-se que não e possivel considerando unicamente o caso como se apresenta, da avultadissima despeza que se augmenta com o preceito da lei, não e possivel, digo, que se tracte deste negocio, que é inteiramente ligado com todas as partes do orçamento, porque se vê do mappa que vem junto ao parecer da commissão, que

Página 54

(54)

todos estes encargos, como a Junta do Credito Publico, encargos geraes, e todos os Ministerios trazem augmento de despeza; vê-se, digo, que não é possivel deforma alguma tractar-se deste negocio, sem se saber a maneira de satisfazer este augmento. Mas a mesma razão mostra que assim se deve fazer, e senão diga-se-me, em que parte do Mundo se discutem os orçamentos como se discutem no nosso paiz, ou como selem discutido até aqui? Que se me diga aonde se tracta primeiro da despeza do que se tenha tractado da receita? Veja-se do que se tracta primeiro nos parlamentos de França, e Inglaterra, e principalmente no parlamento francez que esta mais conforme com o nosso, e o que se fez agora mesmo em um caso especial, porque o caso da Assembléa Constituinte é especial, não se póde argumentar com ella por isso que é soberana, e como tal não se póde trazer como argumento o que lá se faz para nações, aonde existe o governo constitucional como em Portugal. Mas mesmo na Assembléa Constituinte, ahi se tractou na verdadeira ordem, e nem é possivel o contrario, porque a mesma razão o indica. Que nos diz o mesmo parecer da commissão? Diz que vem apresentar o orçamento da receita e despeza; por consequencia primeiro devemos saber o que temos, para sabermos o que se ha de gastar; primeiro devemos saber o que podemos ter, para saber o que havemos de votar; de outra sorte é contrariar o senso commum, e os principios da boa razão, e da realidade. Que importa que o pai de familia diga, ou ponha no seu caderno que quer gastar 20 ou 30 contos de réis, se os não tem para os gastar. Que importa que o Parlamento vote 12:000 contos de despeza, se a receita não dá senão 8, ou 9?

Quer ver a Camara a consequencia immediata? É a imposição de novos impostos; porque o Ministerio depois de se lhe votar a despeza ha de reclamar a receita para ella, o aonde se ha de ir buscar? Hão de impor-se novos impostos, ou fazerem-se novos córtes; e a consequencia que ha de resultar, se se lhe votar a cifra que aqui se propõe, porque o Ministerio não sabe sair das difficuldades por outro modo, senão apresentando córtes, ou novos tributos, e não sei mesmo se as idéas de estabelecer um novo tributo sobre o vinho, e a carne foram de todo abandonadas pelo Ministerio, porque sei que andavam muito na lembrança para esse fim. Mas em quanto eu vir a maneira, porque estão organisadas as repartições, em quanto eu vir que senão reforma por outra maneira a administração civil, estou certo que não é possivel que Deputado nenhum da nação queira dar o seu voto para lançar novos impostos. Não é possivel que Deputado algum da nação possa apresentar justificados motivos para dar o seu voto para novos tributos sobre o povo, no estado de miseria em que elle esta; (apoiados) e quando da parte do Governo senão tem apresentado medida alguma de interesse publico.

Por tanto, não é possivel, ou se sigam os preceitos da lei, ou da Carta, que se possa deixar de approvar a proposta do illustre Deputado por Viseu. Para a Camara poder approvar esta despeza é preciso que seja coherente comsigo mesma, que saiba primeiro se ha meios para a satisfazer, porque se os não ha, é inutil estar com este trabalho. É preciso mais, saber a maneira, porque se ha de satisfazer; se é por novos impostos ou novos córtes. Por consequencia não posso deixar de votar pela proposta do illustre Deputado, porque é necessario entrarmos no caminho da regularidade, e a regularidade é votar sim todas as despezas, como estou disposto a votar para o serviço publico, mas uma vez que haja meios de as satisfazer; de outra sorte havemos remediar-nos de outra maneira, mas não por novas contribuições, nem por novos impostos, porque são nocivos no estado em que esta o paiz. (apoiados)

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, eu sinto sinceramente ter de combater a opinião do illustre Deputado, que acabou de fallar, porque S. Ex.ª me faz justiça de acreditar que eu respeito o seu saber e patriotismo como merecem, e que ainda hoje me lembro com saudade de quando tive a honra de ser membro da commissão de Fazenda, de que S. Ex.ª era digno Presidente; (O Sr. Silva Cabral: — Peço a palavra) mas, Sr. Presidente, com quanto o nobre Deputado apresentasse muito boas razões para sustentar a proposta, permitta-me S. Ex.ª, que com as minhas debeis forças eu apresente mui breves reflexões para dizer o motivo, porque me parece ser mais util para a causa publica, começar pela discussão da lei da despeza, e concebo ainda a esperança de que heide ver a meu lado o illustre Deputado pelo Douro cheio do zêlo (que lhe é proprio) pelo bem da causa publica, para nos coadjuvar neste grande interesse da organisação da fazenda publica, porque é impossivel que acima de todas as cousas não esteja o desejo dobem da causa publica, que S. Ex.ª tanto respeita.

Sr. Presidente, a commissão de Fazenda apresentou a lei da despeza separadamente (e creio que sempre se tem feito o mesmo, pelo menos fez-se o anno passado), porque ella lhe foi apresentada em primei, no logar; era então Ministro da Fazenda o Sr. Deputado pela Estremadura Joaquim José Falcão; S. Ex.ª apresentou a lei de despeza em janeiro de 1849, e depois o actual Sr. Ministro da Fazenda apresentou o seu relatorio com a lei de meios. Já estavam os trabalhos bastante adiantados a respeito do orçamento da despeza, quando esta Camara resolveu que uma grande commissão denominada — de orçamento — fosse encarregada deste exame. A nova organisação da Administração deu logar a que este trabalho se demorasse, porque era necessario que cada um dos novos Ministros verificasse a despeza da sua repartição, e além disso igualmente a nova organisação da commissão tambem deu logar a delongas, mas apezar disso o parecer veio na mesma época em que foi apresentado o anno passado.

Ora, Sr. Presidente, será mais regular que se comece pela lei da receita? Permittam-me os nobres Deputados que lhes diga, que me parece que não. Se me dissessem que era conveniente, que as duas cousas estivessem presentes conjunctamente, para que se apreciasse uma e outra cousa, e se votasse a despeza á vista da receita que tivessemos, não duvido que fosse conveniente; mas os nobres Deputados sabem já pouco mais ou menos quaes os meios que temos, porque o relatorio do Sr. Ministro da Fazenda aqui foi distribuido, e quando não fosse distribuido, todos o podiam ignorar, menus o illustre Deputado, cujo saber é reconhecido de todos. Mas, Sr. Presidente, qual é o primeiro dever do Parlamento segundo a Carta Constitucional? A Carta Constitucional no artigo lo, § &\º diz o seguinte, (leu)

Página 55

(55)

Que faz a commissão de Fazenda7 Apresenta as despezas que julga indispensaveis, e se a Camara as votar, tem de proporcionar ao Governo os meios necessarios para as satisfazer; mas sem saber quaes são as despezas indispensaveis, como ha de saber quaes os meios que são necessarios? É verdade que a lei de 6 de novembro de 1841 determina, que não se apresente verba alguma de despeza nova por parte do Governo, sem que ao mesmo tempo se apresente uma verba de receita para lhe fazer face; mas se porventura a lei de despeza tiver uma despeza nova, quando essa despeza se discutir, se por acaso não se apresentar a receita propria para lhe fazer face, os nobres Deputados com muito direito poderão pedir, ou a eliminação dessa despeza, ou o seu adiamento em quanto não se apresentar a receita.

Sr. Presidente, todos nós estamos animados do desejo de concorrer para o bem do nosso paiz; o modo de ver as cousas póde levar-nos por caminhos diversos, mas devemos fazer justiça uns aos outros, e como Deputados da Nação Portugueza, é do nosso dever concorrermos para fazer aquillo que melhor entendermos para a causa publica: porém, Sr. Presidente, qual será melhor para a causa publica? Será começar pela lei de meios? Eu digo que não. Qual é o nosso primeiro dever como Representantes do Povo? Não será fiscalisar a despeza publica? Não será determinar ao Governo a despeza publica a que deve applicar a receita do Estado? Por consequencia parece-me mais rasoavel que se discuta primeiro a lei da despeza; sempre assim se tem feito, e eu não quero habilitai o Governo com meios sem saber em que os ha de applicar.

Porem, Sr. Presidente, toda a Camara sabe que os nossos meios são poucos, e que a nossa receita precisa de ser muito fiscalisada e muito reduzida. Para se equiparar a receita com a despeza não ha senão dois meios; ou cortar a despeza, ou crea receita nova, e eu espero do patriotismo da Camara, que ella irá ainda alem dos desejos do Governo e da commissão, reduzindo ainda mais a despeza; mas, uma vez reduzido aquillo que se reconhecer que é indispensavel, então e do nosso dever habilitar o Governo com os meios necessarios para a satisfazer, porque um Governo a quem se marcára despezas, e não se dão meios para as satisfazer, não póde ser Governo; se o Parlamento fixou a despeza, deve habilitar o Governo com os meios necessarios para a satisfazer, e se o não faz, não cumpre com o seu dever, e não tem direito a exigiu do Governo o cumprimento daquillo que elle não ficou habilitado para cumprir. Sr. Presidente, o anno pagado disse eu na commissão, já o disse este anno e hei de dize-lo sempre — os nossos meios são poucos, e é preciso que a nossa despeza seja limitada, e quando não fizermos isto, o mal ha de ser um dos dois, ou havemos de recorrer á bôlsa dos contribuintes, o que é sempre doloroso, mas quando for necessario ha de se fazer, ou havemos de consentir que aos pobres empregados publicos não sejam pagos os seus pequenos vencimentos, e não é possivel que o empregado publico seja obrigado a satisfazer religiosamente as suas obrigações, todas as vezes que o Governo não tiver meio? para satisfazer aquillo que se comprometteu a dar-lhes: os empregados publicos tem direito a receber do estado o subsidio que selhès prometteu; e so não se lhes póde dar, então é melhor que se despeçam, por que elles procurarão outro1 meios de se sustentarem e ás suas familias.

Entendo pois, em minha consciencia, que o methodo a seguir é começar pela lei de despeza; é o que se tem feito nos outros annos, e quando porventura se entendesse que seria conveniente seguir outro caminho, sigamos este anno o caminho rotineiro, por que os males que resultarão de se não discutir nem uma cousa nem outra, serão muito maiores de que os que por ventura se podem seguir, de se discutir primeiro a lei de despeza, e vermos depois quaes são os meios que ha para fazer face a esta despeza. Voto contra a proposta do illustre Deputado.

O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Sr. Presidente, eu voto pela proposta do illustre Deputado, e realmente parecia-me que o Sr. Ministro da Fazenda devia ser o primeiro a admitti-la. O Sr. Ministro da Fazenda entrou para o Ministerio, e desde que esta no Ministerio até hoje, tanto em portarias como no seu relatorio, não fez mais do que criminar e censurar a Administração transacta. Eu tenho aqui o relatorio de S. Ex.ª e vejo as palavras severas que S. Ex.ª lança sobre a Administração que foi substituir. A Administração que S. Ex.ª foi substituir, tambem quiz que se discutisse primeiro a lei da despeza, do que a lei de meios, e eu entendo, que antes de sabermos como havemos de existir, é necessario primeiro saber se existimos realmente. A Camara deve estar lembrada de que depois devotado o orçamento o anno passado, todos os dias os Srs. Ministros se apresentavam pedindo não só novas verbas mas novos creditos supplementares, e por essa occasião o illustre Ministro da Fazenda que então se sentava nos bancos da opposição, criminou e censurou este proceder; por consequencia não me parece racional que S. Ex.ª venha hoje exigir o mesmo que então censurou. Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda, no seu relatorio, pede nada menos de que todas estas auctorisações: pede ser auctorisado para reformar o actual lançamento da decima e impostos annexos: pede mais ser auctorisado para rever os direitos de mercê e sello e de transmissão de propriedade: pede mais ser auctorisado para rever todos os impostos indirectos, e muitas outras que alli vem mencionadas.

E como é que S. Ex.ª quer, á vista da miseria publica, á vista da irregularidade de pagamentos, á vista da nenhuma confiança no Governo, á vista de um augmento na despeza de 700 contos, que este Parlamento, que deve conhecer as difficuldades da situação, tracte de ir approvar um augmento de despeza não menos de 700 contos? Sr. Presidente, quando e indefinida a situação em que nos achamos, quando se vê que o estado de pagamentos esta na maior irregularidade, que a certas classes do exercito já se pagou o mez de dezembro, a outras o de novembro, a outras o de outubro, e a outras o de setembro, e ás classes inactivas de não consideração a quinzena de julho; quando as finanças estão de tal maneira cahoticas, não é possivel que o Parlamento tracte de discutir o orçamento sem primeiro fixai com que ha de fazei face ás despezas. Não se tracta de saber quanto o povo póde pagar, e sim quanto o povo deve pagar; querem lhe tirar a camisa das costas, e para que? Não sei. O anno passado disse-se aqui: lançai 25 por cento sobre os vencimentos dos empregados

Página 56

(56)

publicos, lançai 25 por cento sobre os juristas, dai-nos os 500 contos da dotação da Junta do Credito Publico, votai todos estes sacrificios, que se pagará em dia. O Sr. Ministro esfalfou-se a dizer isto primeira, segunda, e terceira vez, o Parlamento votou todos os sacrificios, e qual foi o resultado? Não se pagou tal em dia; a situação é mais precaria; nós não podémos sair della, sem saber primeiro os meios que temos para satisfazer às despezas; não basta só dizer será a despeza de 12:000 contos, e preciso primeiro saber, se se podem pagar, é preciso primeiro saber se o paiz na situação em que esta, póde produzir esses 12:000 contos; e preciso saber primeiro se os paiz os póde pagar. De que serve avaliar a verba da receita em tantos mil contos para a comparar á despeza, se se prova que não existe? Este systema de discutir primeiro o orçamento da despeza, que a lei de meio tem feito melhorar o nosso credito? Tem sido melhor para a situação, em que se acham os empregados publicos? Andam elles mais bem pagos? Tem o Ministro da Fazenda inspirado mais confiança? Não, Sr. Presidente, eu apezar de estar na opposição, quasi que desejo que não haja mudança ministerial, porque sempre que ha mudança ministerial a cousa vai para peior O actuai Sr. Ministro da Fazenda entrou para o Gabinete com o fim d'organisar as finanças, mas eu digo que estas finanças que S. Ex.ª prometteu organisar, estão cada vez peior. A Camara esta a braços com estas difficuldades, a Camara não póde faze-lo. Voto pela proposta.

O Sr. Avila: — Eu entrava na sala na occasião em que fallava o nobre Deputado que primeiro defendeu, com muita energia, a proposta em discussão, oppondo-se a qu se discutisse primeiro o orçamento da despeza que a lei da receita.

Sr. Presidente, eu declaro que concordo com os principios apresentados por S. Ex.ª, mas não me parece que haja agora motivo para a Camara deixar de seguir a marcha, que sempre tem seguido neste ponto; pelo menos desde 1842 para cá; apezar dos esforços da opposição, de que eu fazia parte, para que se discutisse primeiro a lei de receita que a lei de despesa, e o nobre Deputado sabe que não foi por falta desforços seus que esta opinião deixou de vingar: isto é, a opinião contraria áquella que hoje sustenta, foi a que vingou por muitos annos, pois se tem seguido esse systema até agora: e não houve nada novo que leve o Parlamento agora a adoptar uma decisão contraria, as circumstancias não mudaram de tal fórma que levem o Parlamento a adoptar o methodo contrario, isto é, o que esta na proposta em discussão.

Sr. Presidente, esta questão é muito importante para ser tractada n'uma questão d'ordem; é a questão financeira, é necessario que seja discutida com toda a largueza possivel, e com toda a serenidade; effectivamente eu, sem estar d'accordo com as consequencias, estou d'accordo com os principios que S. Ex.ª apresentou.

Sr. Presidente, o orçamento tem duas partes, uma é o orçamento da despesa, outra é o orçamento da receita; se nós começassemos a questão pela segunda dizia-se — saiba-se primeiro quanto o povo deve pagar; se pela primeira dizia-se — saiba-se quanto o povo póde pagar, e assim estariamos sempre num circulo vicioso, donde não seria facil sair. Eu o que

digo é, que visto que as circumstancias não são differentes, a commissão de Fazenda e a Camara andaram convenientemente seguindo o mesmo, que se seguiu nos de mais annos anteriores.

Sr. Presidente, eu peço aos nobres Deputados que prestem attenção a quanto monta a cifra deste anno, e a quanto montava a cifra da despeza proposta nos orçamentos anteriores, principalmente nas épocas de 42 a 46, e depois de feita esta comparação hão de vêr que a cifra deste anno é menor, é inferior á cifra da despeza proposta nos orçamentos de 42 a 46: não hão de comparar a cifra em geral, é preciso descer a um exame especial, e vêr os motivos porque ha augmentos onde os ha. Ha por exemplo um augmento nos juros da divida consolidada, porque essa divida augmentou: ha o augmento no Ministerio da Guerra, que não é cousa nova, porque essa despeza fazia-se, e só não vinha descripta no orçamento, como o declarou o Sr. Ministro da Guerra. Feitas essas deducções, e outras semilhantes, vêr-se-ha, que o orçamento da despeza deste anno é inferior ao daquelles annos de que já fallei.

Sr. Presidente, a verdade é que é preciso que nós nos affastemos do caminho em que temos andado até aqui: eu não quero declinar de mim a responsabilidade que tenho até certo ponto; mas eu já algumas occasiões tenho apresentado á Camara a minha opinião sobre o estado em que se acha o paiz: eu sustentei sempre que não era possivel haver melhoramentos materiaes no paiz, em quanto houver deficit: (apoiados) por isso mesmo que em quanto houver deficit, ha de o Governo fazer operações ruinosas, os empregados hão de descontar, e os capitaes ou hão de esconder-se, ou hão de correr ás operações de grande lucro que lhes offerece o Governo; por tanto em quanto houver isto, que sustenta a agiotagem, a industria e commercio não esperem pelos capitaes, que serão todos absorvidos por essas operações, (apoiados) a agiotagem não se mata senão pagando o Governo os seus encargos, (apoiados) a agiotagem não se mata á força de pontos, ou de bancas rotas: (apoiados) os pontos e bancas rotas é que lhe dão vida. (apoiados) Portanto, digo outra vez, a agiotagem não se máta senão pagando o Governo, e em quanto o Governo tiver de recorrer a emprestimos, e os empregados forem obrigados a descontar os seus vencimentos, uma parte dos capitaes ha de esconder-se com medo da banca rota, e a outra parte ha de preferir aquellas operações, e assim não se esperem nenhuns melhoramentos materiaes do paiz: sustentei estas opiniões sempre aqui, e desgraçadamente os factos vieram demonstrar que eu tinha razão: não se espere fazer cousa alguma de melhoramento do paiz, em quanto não se fizer desapparecer o, deficit que existe.

Ha tres meios para restabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza — augmentar a receita, diminuir a despeza, recorrer a operações de credito: com estas é facil mostrar que não vamos senão complicar a situação: reduzir a despeza, cerceando os ordenados dos empregados, e reduzindo os juros de divida fundada, tambem não me parece que produzirá o resultado que se deseja: não aconselho que vamos cortar mais os vencimentos dos servidores do Estado, porque com isso não se lucra, perdesse; pois que o serviço se fará peior: é preciso pagar bem os empregados publicos; de contrario, ou não ha quem exerça

Página 57

(57)

os empregos, ou se ha quem os acceite, esta muito arriscado a deixar-se corromper, porque diante da fome ninguem resiste, Cartões não se encontram aos milhares. Reducções nos juros da divida consolidada? Sr. Presidente, eu concebo como meio de organisação da fazenda a reducção de juros, mas não quero reducção de juros senão na alta dos fundos publicos: operações de credito só na alta, e não como nó» temos feito: nós temos feito essas operações na baixa, por consequencia não temos feito senão operações de agiotagem; estas operações feitas na baixa produzem constantemente um augmento de descredito, e aquillo que o Governo ganha por uma parte, um cento, ou dois centos de contos que o Governo ganha por um lado, deixando de pagar aos possuidores da divida consolidada, perde-os no duplo, ou no triplo nas operações que faz, porque não as póde fazei senão com lucros muito mais consideraveis para os prestamistas. Eu bem sei que se póde dizer — mas temos outro meio, que é simplificar os methodos do serviço, simplificar os methodos de lançamento, os methodos de arrecadação. Convenho, sim, Senhor, e acho que isso e necessario e absolutamente indispensavel; mas nós devemos ser primeiro que tudo homens practicos para fazer estas reducções, e pergunto, produzem ellas já amanhã? Porque é preciso fazer desapparecer o deficit. Habilitam o Governo no anno economico seguinte para fazer frente ás suas despezas? Peço aos Srs. Deputados que com a mão na consciencia me respondam, sobretudo aquelles que foram já Governo; é impossivel que SS. Ex.ª s8 me digam que sim, porque então eu, e o paiz temos direito de lhes perguntar-se vós porque não fizestes isso n'uns poucos de annos em que fostes Governo? Não o podem respondei; e como dizer, esta questão não havemos de tracta-la methafisicamente, com generalidades, devemos tracta-la sobretudo como homens ptácticos, e práctica devemos nós ter, aos os que já tivemos a desgraça de ser Governo. Parece-me que tenho dado garantias sufficientes ao paiz, de que quero reformas, todos os logares que vagaram nas repartições dependentes do Ministerio que tive a hora a de gerir, não foram providos, eu entendia por consequencia que &e podia diminuir o pessoal do serviço das nossas repas lições publicas: dos meios ha para diminuir esse pessoal, o primeiro e supprimir os logares, mas eu reputaria a maior de todas as immoralidades demittir os empregados, que entendesse que o serviço podia dispensar, e manda-los para o meio da lua morrer de fome: o outro meio e a simplificação dos methodos; essa simplificação não póde tambem produzir senão com o tempo, por consequencia nem um, nem outro methodo é proficuo para fazer já frente á despeza; logo o que nos resta, Sr. Presidente,? Não nos resta outra cousa senão crear receita; e acceito a luva que lançou o nobre Deputado, quando perguntou — se se queriam crear contribuições novas — sustento que sim, tenho a coragem de dizer ao paiz — sim, é preciso crea-las.

Sr. Presidente, a nossa obrigação é dizer a verdade ao paiz, nenhum de nós veio aqui para o lisonjear; eu reputo mais criminoso o homem que lisonjea as turbas, do que o que lisonjea os poderosos da terra.

Sr. Presidente, o paiz não nada na miseria, quem esta em miseria são os empregados publicos, quem esta em miseria e o Thesouro, mas o paiz não esta nessa situação miseravel para que se tem appellado Vol. 5. — Maio — 1849

constantemente. Sr. Presidente, este é o maior de todos os erros que se póde apresentar n'um Parlamento, o paiz não esta em miseria, pelo contrario esta hoje mais rico do que estava em 1834; (O Sr. Faria Barbosa: — Apoiado.) hei de demonstra-lo, e vou demonstra-lo agora, e espero que a Camara não entenda que as considerações que apresentarei a este respeito, não são cabidas agora, esta é a questão, a questão importante, para a qual convido o paiz, e todos os homens que amam sinceramente o seu paiz.

Sr. Presidente, qual era a situação da velha sociedade — chamo velha sociedade á sociedade que precedeu o anno de 34? Sr. Presidente, nessa época pagavam-se contribuições enormissimas que desappareceram; não se póde calcular, não se póde avaliar o que produziam as contribuições dos foraes em vexames o em contribuições, por que os vexames são a mais pesada de todas as contribuições. Mas, Sr. Presidente, nó» podémos calculai o que era o dizimo que se pagava então, ha um grande numero de dados estatisticos que provam que esta contribuição não ía longe de 600 contos. Sr. Presidente, por que foi substituida esta contribuição? Peço aos Srs. Deputado) que vejam isto Foi substituida pela contribuição que se tem lançado nas parochias para a congrua dos parocho., contribuição que, segundo o mappa estatistico que ahi esta na mão de todos os Srs. Deputados, não excede 300 contos de réis. Foi substituida pelo augmento na decima: mas esse augmento, comparando a decima de 1828 com a Cifra que esta no orçamento que é de 1:600 contos, dá um augmento os 600 contos, a 600 com 300 são 900 contos paio preencher a 5acuna de uma contribuição de 6:000 contos! Sr. Presidente, mas que resultou daquo51a medida? Resultou que a producção do paiz augmentos consideravelmente; e os embaraços em que esta o pai, são um resultado do augmento da producção, no excesso da producção; quem disser o contrario, não falla verdade ao paiz; não ha genero nenhum ao paiz cuja producção não tenha augmentado consideravelmente, felizmente eram essas as consequencias que se deviam esperar das leia beneficios da Dictadura do Immortal Libertador, dessa revolução economica que se fez no paiz, que fará lembrar sempre o Principe generoso que teve a coragem d a fazer5 e o Ministro que teve a coragem de a aconselhar, e que jaz já na campa, talvez arrastado á sepultura arais cedo pela desconsideração com a que foi tractado: mas faça-se-lhe agora justice, porque a posteridade começou para elle. Sr. Presidente, o homem a quem se deviam levantar estatuas em todas as terras, esse homem teve precisão algumas vezes para se vir sentar aqui do apoio de pessoas, que estavam muito longe da consideração que elle devia merecei ao paiz! Sr. Presidente, essas leis não podiam deixar de produzir as consequencias que produziram, e, torno a dizer, os embaraços em que hoje o paiz &e encontra, são filhos das consequencias dessa legislação altamente importante. É preciso que eu faça a Camara uma outra ponderação. Eu procurei saber no Terreiro Publico (e chamo toda a attenção da Camara para este ponto, que é muito importante) quaes eram as importações de cereaes que se faziam no pôrto desta cidade desde 818 até 1834, essas importações davam têrmo medio por anno para cima de 40.000 moios de cereaes e desde 39 a 41 não entrou nem um

Página 58

(58)

grao: e porque? Porque a producção augmentou, e por consequencia todos os capitaes que saíam para pagar esses generos, ficaram no paiz Sr. Presidente, não ha o a falta de importação, ha tambem já uma consideravel exportação de cereaes (apoiados), ha a exportação de azeite, e um grande augmento na do vinho! Pois e possivel avaliar ate que ponto chega a producção do vinho entre nos? Peguei hontem no mappa do arrolamento do subsidio litterario de 45, esse mappa dá-nos en resultado uma producção de 615 mil pipas de vinho Ora o subsidio e lançado sobre a pipa de 125 almudes de vinho em mosto, que produz m 23 almudes e meio de vinho cozido, isto e, mais do que a pipa ordinaria alem disto ha muito vinho, que se subtrahe ao pagamento do subsidio, podemos pois calcular a producção, pelo menos, em 800 mil pipas a producção de 45- E era esta a producção de 34? Eu, Sr. Presidente, atrevo-me a asseverar, nem poso deixa de asseverar, porque e claro que havendo um augmento espantoso de promoção e de subsistencias, devia tambem augmentar a população, que desde 34 ale hoje este augmento deve montar a um milhão de habitantes, e não o posso asseverar pelas estatisticas, porque são imperfeitas, mas estou convencido disto, e todos os Srs. Deputados que me ouvem, se forem examinar nas suas localidades a população actual, e a combinarem com I que existia em 31, hão de ver que a nossa população cresceu um quarto sobre a existente nessa época, quer dizer, que o numero dos contribuintes augmentou na mesma proporção Por esta regra, se em 34 as contribuições montavam a 9$000 contos sobre uma população de tres milhões de habitantes, hoje sobre uma população devem montar a 13$000 contos sem o menor augmento Portanto não estejamos aqui a dizer ao paiz — o paiz esta em uma miseria horrorosa, estão em uma miseria horrorosa os empregados publicos, esta em uma miseria horrorosa o Thesouro Publico, porque não se tem querido organisar as finanças Oh1 Si Presidente Que fazem as Camaras Municipaes7 As Camaras Municipaes lançam contribuições para fazer frente ao suas despezas Quer-se sabei o que teem feito algumas? Ahi estão na Secretaria, ou já na imprensa os trabalhos apresentados pelo Governo: houve Camara Municipal Sr. Presidente, que lançou 200 por cento sobre o lançamento da decima, quer dizer, se se fosse dizer a todos concelhos — pagar 50 por cento de decima mais para as despezas do Thesouro, diria — não posso, mas entretanto pagou tres decimas, uma para o Thesouro, e dna3 para as despezas municipaes.

Fez-se aqui allusão a um impo to sobre vinho, eu lembrarei ao Sr. Deputado que fez esta allusão que pelo M misterio que S Ex.ª apoiou, ou de que S. Ex.ª fez parte, foi assim proposto um imposto sobre vinho, e o imposto de 3 réis por arratel de carne foi lançado nessa época, e tambem o do sal, mas, Sr. Presidente, nessa época nos tinhamos outro meio de regularisar as finanças, outro meio de attenuar o deficit que cri o credito havia esse elemento que não existe hoje Pois nos hoje que não ternos esse elemento que o Ministerio de então tinha, havemos de dizer ao paiz — não façais sacrificio nenhum para fazer saír da desgraça em que se acha o Estado? Sr. Presidente, pois não e o paiz o primeiro interessado em fazer se sacrificio? Essa contribuição que se lançar o paiz para acabar o deficit, e a mais productiva em proveito do paiz que é possivel, porque, Sr. Presidente Pôr que por essa contribuição, uma vez que não anniquille as fontes de producção, (que esta e que é a regra que o legislador deve terem vista) por essa contribuição, que estabelecermos aqui nesta Camara, acabamos com uma das causas mais poderosas das commoções, porque o paiz tem passado, porque desenganemo-nos, as crizes financeiras porque temos passado, são causadas pelo desarranjo da Fazenda. Então hade ser possivel redusir o exercito, o empregado publico cujos ordenados forem pagos com pontualidade, ha de os consummir, porque não póde fazer peculio, e ahi estão esses capitaes alimentando a industria, as operações da agiotagem cessarão, e ahi estão por consequencia os capitaes voltando primeiramente para os fundos da divida consolidada, o que hade produzir um augmento de credito, e por consequencia uma diminuição no preço do dinheiro, e por consequencia na deslocação dos capitaes para a emprezas, e hão de tambem vir as economias que o Governo hade fazer nas materiaes que comprar, que os ha de comprar necessariamente por uma somma muito mais moderado que aquella por que os compra hoje.

O paiz tem precisão de estradas, e esta necessidade e imperiosissima, pois bem eu declaro ao paiz com a força da convicção de que é sou capaz, que em quanto a Fazenda estiver no estado em que esta hoje, nunca se ha de fazer nem um caminho, nem um atalho, mas uma vez resolvida a questão da Fazenda, uma vez acabado o deficit do Thesouro, uma vez postos em liberdade todos Os capitães, de que o paiz pód3 dispor, os trabalhos das estradas hão de começar, e desta maneira, torno a dizer, não ha contribuição nenhuma mais importante, pelo augmento de prosperidade queira ao paiz, do que aquella que fôr necessario pedir ao povo para resolver os embaraços em que se vê o Estado Todos fazem sacrificios, fazem nos o, empregado, fazer-nos os possuidores de titulos de divida fondada, mas o paiz pedi sua parte concorra tambem com o que puder, e tenhâmos a coragem de lho dizer.

Eu sinto ter fatigado a attenção da Camara sobre este objecto, ao qual não dou agora mais desenvolvimento por que esta questão ha de voltar a Camara, e acabo dizendo que não vejo motivo nenhum para nós ir-mos hoje alterar o methodo que é tem seguido ate aqui na discussão do orçamento, que as despezas fixadas pela commissão de Fazenda para o serviço publico não são mais consideraveis, este anno do que aquellas que se votaram no orçamentos anteriores de 12 e 46, e qu r se adopte este ou outro methodo, em qualquer dos casos ha de haver um circulo vicioso, por que se se for discutir a lei de receita, ha de perguntar-se quaes são as despezas do serviço para que nos proporcione nos os sacrificios do paiz para occorrer a estas despezas e se va mos começar pela lei da de peza e preciso saber-se até quanto, e como, o paiz póde soffrer novos sacrificios, ora eu que tenho a convicção que para resolver a questão de Fazenda não basta — senão querer — acho que podémos entrar na questão da despeza como se tem feito ate aqui (apoiados), e quando vir a discussão o parecer da commisão sobre a receita, então darei maior desenvolvimento a estas considerações que acabo de apontar

O Sr. Carlos Bento — Se nas propostas que faço

Página 59

(59)

nesta Camara não tivesse em vista, senão satisfazer o meu amor proprio, eu devia estar satisfeito, qualquer que seja a resolução que tenha a minha moção, porque saí victorioso, ale pela declaração que fizeram os nobres Deputados que tornaram parte na discussão combatendo a proposta, invocou-se o argumento de auctoridade, e invoca-se constantemente este argumento para impedir todos os melhoramentos, e toda a extensão de recursos. Não e argumento que possa produzir força o dizer-se que se deve agora fazei uma cousa, porque se tem feito ate aqui. Pois se ate aqui se tem feito mal, porque não se ha de agora fazei o bem? Que tem feito os pai tidos, e a nação, senão commettermos? É isto que se quer agora, é um eu o. Eu peço perdão ao nobre Deputado que me precedeu, e que ninguem respeita mais do que eu, para lhe dizer, que S. Ex.ª, sem querer, fez um máo serviço a esta discussão, queixou se da politica respectiva a ceita occasião, e ao mesmo tempo veiu citar-nos o que se tinha passado nes3a época para mostrar que então se entendeu sei preferivel o methodo de discutir primeiramente a lei da despe/a de que a lei da receita. Ora se nessa época se seguiu este methodo, era porque a despeza então não estava sujeita, como hoje esta, a todas as reducções Pois que é a lei da receita? A lei da receita e a diminuição da despeza, que se tem de considerar, e que espera a Camara que venha dizer a commissão de Fazenda na occasião de apresentar essa lei? Espera ouvir dizer que os juros terão de verificar-se na sua totalidade, que os empregados receberão os seu1, vencimentos tambem na sua totalidade? De certo que não. logo a lei de receita e a alteração de lei de despeza: porque o que se segue, e que o» empregados não receberão os seus ordenados na proporção sufficiente para satisfazer aos seus encargos, f que os juros não se hão de pagai nessa totalidade, e então cáem pela base todos os argumentos, e bellas considerações que S. Ex.ª fez Permitta-me tambem o nobre Deputado odiar-lhe, que esta sua prelecção talvez não tenha toda a applicação na questão presente; prejudica-a ate certo ponto sem chegar a nenhum resultado vantajoso. Si Presidente, quando eu fallei a primeira vez, já disse — que, nesta mesma lei de despe/a, se abria um horisonte d'uma presumpção de receita; e que esta presumpção era uma diminuição no rendimento do fundo de amortisação, isto é, que se consideravam 400 coutos de réis, que ate aqui se consideravam na totalidade do rendimento para o fundo de amortisação, como applicados á amortisação do excesso de despeza feita no Ministerio da Guerra, pelo prejuiso que o Estado soffria com o debate das notas: ora esta receita e puramente illusoria, porque senão tem cobrado, e como quer o nobre Deputado com uma receita, que senão cobra, ir matar uma despeza que se faz? Isto parece-me que não tem resposta, e se as outras reducções apresentadas pela commissão forem desta natureza, o que vejo é que temos de votai uma inutilidade, principalmente seguindo-se o methodo contrario áquelle que eu proponho.

Os nobres Deputados, que me precederam, combateram a proposta de fórma tal, que me parece que as razões que eu apresentei, teem ficado sem resposta. Eu já declarei duas cousas: já declarei que o dizer-se — que devemos fazer hoje o que temos feito até aqui — não e argumento, que para isto ser apresentado como tal era necessario ser acompanhado das seguintes explicações, em primeiro logar mostrar que o que se tem feito até aqui e bom, e optimo, e tem dado os melhores resultados; e em segundo logar, mostrar que as circumstancias em que hoje nos achamos, são correspondentes as circumstancias em que nos achavamos, quando este methodo era applicavel: alem de que ha a razão que nessa occasião o nobre Deputado era de opinião contraria áquella que hoje sustenta Eu não quero com isto fazer uma accusação ao nobre Deputado; o que quero e comparar o direito de podér ter sempre as opiniões que quizer segundo lhe parecerem justas, e fundadas. Eu já disse e repito, ainda que os precedentes fossem exactos, a questão financeira do nosso paiz nunca foi tão má como actualmente, até mesmo porque n'outro tempo na questão financeira, como hoje se conhece, haviam illusões; e quem acredita em illusões, vive sofrivelmente: porem hoje que não ha illusões, hoje que ninguem acredita em illusões, é que havemos de ir invocar os precedentes para se adoptar um methodo que se seguia quando haviam illusões? É hoje que havemos de invocar a practica do tempo em que acreditavamos que estavamos illudidos? Como se póde decidir isto? Se naquella época viviamos illudidos, como se quer hoje seguir o mesmo que então se adoptava, quando hoje não ha os mesmos motivos para nos enganarmos7 Por ventura naquella época tinha havido banca rota, ou o Governo tinha necessidade de sustentar um estabelecimento á custa de tantos sacrificios? Foi acaso os empregados tinham obrigação de pagai uma quota parte destes mesmos sacrificios para a sustentação deste estabelecimento? De ceifo que não; e é claro que as circumstancias mudaram a todos os respeitos.

Além de todas estas reflexões, é necessario considerar que a lei da despeza não é uma lei definitiva, senão depois que a commissão de Fazenda trouxer a esta Casa a lei da receita, pois a lei da receita não tem sido, nem ha de sei outra cousa senão a reducção das verbas desta lei de despeza: logo senão nos occuparmos deste trabalho, é inutil, e ocioso o resultado do methodo que se pertende seguir.

Outro illustre membro da commissão disse — «Se a proposta pedisse a simultanea discussão dos dois projectos, isto é. considerai-se a receita á vista da despeza, então ainda a proposta podia ser adoptadas — Pois se isto assim é, eu concordo com o nobre Deputado, e convidaria S. Ex.ª a mandar para a mesa uma proposta neste sentido; porque é indispensavel que saibamos qual a idéa da commissão do Orçamento sobre a lei da receita, e que tenhamos por menos á vista os recursos com que o Governo conta, e de que a commissão dispõe. Se quedem reduzir a minha proposta a estes termos, eu não tenho duvida nenhuma em concordar nisto, porém assim com os olhos vendados, considerar uma despeza que excede a que se votou no anno anterior, vai conduzir-nos isso a uma pura decepção.

Disse tambem o illustre Deputado que combateu a minha proposta — que havia uma diminuição de despeza no anno actual, com relação á despeza votada no anno de 42 e 46. — Ora eu peço perdão a S Ex.ª; isto póde significar erudição financeira, mas não significa nada para o caso actual, porque nós não temos a comparai a despeza deste anno com a despeza dos annos anteriores, nós o que ternos a fa-

Página 60

(60)

zer, é considerar a despeza deste anno com relação a despeza votada no anno passado. Para que havemos de dizer — que houve um anno da historia financeira do nosso paiz em que se pagou mais? O que imporia saber é que no anno passado nas circumstancias que então nos achavamos, pediram-se menos 600 contos de despeza ordinaria, do que se pede hoje: esta e que me parece que é a questão. E necessario mostrar que as nossas circumstancias do anno passado para o anno presente, mudaram para se puder trazer um augmento de despeza: isto é, que é necessario saber-se, e não que em 42 ou em 43 se tinha consumido, e feito mais despeza. O nobre Deputado até disse por esta occasião, que havia augmento de despeza, por exemplo, no Ministerio da Guerra, mas que os Ministros tinham pedido este augmento, e todos tinham ficado calados, e ninguem tinha respondido.

Peço perdão ao nobre Deputado, parece-me que neste momento a sua memoria lhe foi infiel: eu combati o argumento da despeza a respeito da força militar, e não posso deixar de carregar com a responsabilidade que me tira da parte, que tomei nesta questão. Disse o nobre Deputado que ninguem se tinha opposto ao augmento por que se julgou que era necessario, e que agora, quando se vê que esta despeza é effectiva, nós não podemos deixar de votal-a. — Ainda peço perdão ao nobre Deputado para lhe notar que não me parece que este modo de argumentar seja muito proprio dos seus talentos. Pois quando o Ministro de uma repartição não pede mais que a despeza que é necessaria, deve logo suppôr-se que póde ter razão. — Neste caso não haveria nunca razão alguma para combater quaesquer propostas, que aqui se apresentassem. — Pois póde apresentar-se como um verdadeiro motivo, o dizer-se que é uma despeza necessaria, para que se vote? Isto não prova nada para um Deputado; o que provava alguma cousa era demonstrar que a nossa situação variou completamente; era demonstrar que depois do anno passado os encargos augmentaram de tal forma, que não póde deixar de reconhecer-se que a situação d'então era differente da actual; o que era necessario era demonstrar que as paixões politicas se desencadearam por tal forma, que não foi sufficiente para as reprimir uma força como a que foi votada, e que hoje é necessario augmental-a, e que tenha maior desenvolvimento de despeza.. Mas dizer o nobre Deputado que o Sr. Ministro da Guerra apresentára u sua opinião, e que não foi combatida, por consequencia deve dar-se-lhe o augmento que pede, não me parece que esta maneira de argumentar seja muito conforme com os principios já aqui ennunciados por S. Ex.ª

Disse mais o nobre Deputado, essa despeza faz-se effectiva agora. — E sabe o nobre Deputado, se estabelecimentos que tinham a fazer grandes sommas de economia teem feito as economias que devem fazer? Sabe o nobre Deputado se se diminuiram as despezas das repartições, dependentes do Ministerio da Guerra, e das da Marinha? Se se diminuiu essa quantidade immensa de operarios e empregados? Sabe a quanto ascendem todas as economias que se poderão fazer nestas repartições? Sabe se era possivel fazerem-se essas economias, sem condemnar esses individuos, a que dizem respeito, á mizeria e á morte, que necessariamente sobre elles havia de acarretar uma privação repentina e absoluta de todos os meios de subsistencia. Sabe o nobre Debutado, se se proveram as vagatura dos outros estabelecimentos? Examinou isso? E se o não sabe, como póde dizer que essa despeza é effectiva este anno? — Peço perdão ao nobre Deputado para lhe dizer que esse não é o modo de examinar as questões desta ordem; — é improprio do talento do nobre Deputado.

Ha outra theoria com que não posso conformar-me. — Diz-se, é preciso sair das difficuldades em que nos achamos; é preciso fixar por uma vez as sommas que o Sr. Ministro da Fazenda deve unicamente pôr á disposição dos outros Ministerios, além das quaes nenhum Ministerio póde ir. Mas eu tenho a observar ao nobre Deputado: — todos os Srs. Ministros podem pedir ao Sr. Ministro da Fazenda o que se lhe vota para occorrer ás despezas do seu Ministerio. — Colloquemos assim a questão; o Ministerio A pede ao Ministerio B todos os fundos que são necessarios para occorrer ás despezas que lhes foram votadas. — Esta é a proposição absoluta que se deve fazer, é aquillo que se tem feito; mas agora o que ha a fazer em primeiro logar? E saber, se ha meios para occorrer a todas as despezas votadas. Pois não podemos caminhar alguma cousa no systema até aqui seguido da nossa administração financeira? Pois o nobre Deputado incumbiria a outra pessoa a realisação d'um systema querido, para o desempenhar com zêlo, do qual entendesse que era sufficiente garantia a confiança que esse individuo deve merecer? Pois o nobre Deputado encumbrira a outra pessoa o indicar as sommas que entendesse eram necessarias para levar a effeito esse systema? Pois o primeiro individuo que se chegasse ao nobre Deputado parecendo habil como Ministro da Fazenda tinha logar a sua confiança para pôr em pratica esse systema? O nobre Deputado dava-lhe as sommas que pedisse para satisfizer essas obrigações? O nobre Deputado não vê que esta em contradicção com os seus principios, não observa as difficuldades que essa confiança acarretaria áquelles mesmos em quem se depositassem?

Eu acredito que ha homens sensatos, homens publicos dotados de um caracter de probidade tal, em quam se póde ler todo a confiança, mas tambem reconheço que ha outros que não podem inspirar a mesma confiança. — Não sei pois como é que vem o nobre Deputado dizer que o principal argumento por que vota a proposta, é por que realmente ha de pagar-se essa despeza -estou conforme em que se vote o que se ha de pagar, mas quero que se pague com receita certa.

Tambem nos disse o nobre Deputado que havia prosperidade no paiz: que o paiz estava mais rico hoje do que em 1834! O Sr. Presidente, não sei como póde asseverar-se que ha prosperidade n'um paiz, aonde não ha credito, aonde não ha recursos, aonde não se procura restabelecer o credito de fórma alguma, aonde não se empregam meios alguns para animar o commercio e a industria; n'um paiz aonde não se realisa capital algum menos de 10 e 12 por cento!... E diz-se que o paiz esta mais rico por que em logar de pagar os fóros e decimas que eram avaliadas em 6:000 contos de réis, apenas paga hoje 300 contos de réis para as congruas dos parochos, e que a produção do genero leu. augmentado, e por isso se devem lançar novos tributos, como unico meio de organisar as nossas finanças! O

Página 61

(61)

Sr. Presidente, o paiz esta rico quando o preço dos generos diminuem consideravelmente?.... Vote-se um imposto por que o paiz esta rico. mas não se vê que a abundancia de generos deprecia o seu valor, o que a falta de commercio annulla a vantagem dessa abundancia, e que por isso escaceem todos os meios de prosperar o paiz?

Sr. Presidente, esta questão não o uma questão de pai tido; não o uma questão d'amor proprio, é uma questão de principios financeiros, e principios economicos (apoiado) Disse-se aqui já uma vez que todas as vezes que se abria o Parlamento, os credores do Estado estremeciam ao receio da banca rota. Ora este paiz tem feito muita banca rota com o Parlamento fechado, e com a imprensa agrilhoada, têem-se feito bancas rotas desta maneira, e desse modo é que a devem respeitar os credores do listado; e se fosse verdade vão á abertura do Parlamento infundia esses receio.) (n'essa banca rota se verificasse, não deveria dizer-se se era do Parlamento que provinha, porque o Governo tinha na sua mão os meios de obstar a isso, que era a dissolução do Parlamento. Poderia vir a ser uma realidade essa desconfiança, mas não livrai ia o Governo da responsabilidade, porque uma Camara póde mudar, mas o systema representativo o immutavel.

Disse-se, não ha senão tres meios, pelos quaes se póde reorganisar a fazenda publica — lançamento de impostos, reducção effectiva na despeza, ou operações. — Mas eu ouço fallar em reducções de ordenados, empregos ou operações de credito, e diz o nobre Deputado que não ha senão um destes tres meio«, mas nos attendemos a todos tres, quando confessamos que as circumstancias obstam ao emprego de cada um delles, fazêmos operações de credito, quando dizemos que o Governo não tem credito nenhum, e o nobre Deputado que acabou de dizer que é preciso votar ao Governo os meios necessarios para o tirar do estado em que se acha, a fim de poder satisfazer a todos os encargos, não póde ignorar que estas operações continuam, e que hão de continuar, e que é desses emprestimos ruinosos, que tem vindo a desorganisação des nossas finanças Ora eu entendo que este systema e caro, e que o Governo por este modo não virá apagar dividas que deveria ter pago, os juros das dividas dos credores do Estado. Faço justiça a esses credores do Estado, que negociaram um emprestimo, que pagou um juro dos capitaes, com que entraram para esse emprestimo. Ora quanto aos tributos diz o nobre Deputado que o paiz póde pagar, porque a industria tem-se desenvolvido, tem augmentado a producção Já fallei neste ponto, mas torno a fallar nelle, porque o nobre Deputado insistiu que era este o unico meio de matar o deficit, e de chegarmos á organisação da fazenda, e eu digo, que esse e o grande inconveniente que tem (apoiado) Com este meio o Governo não remedeia nada, porque a machina dos tributos tornou-se improductiva (apoiado.) Remover-se-hão com o tempo alguns embaraços, mas não se segue daqui que se possa remediar o mal na sua totalidade

Mas o nobre Deputado para sustentar a sua proposição não teve nada mais que dizer, senão que este paiz esta muito rico, que ha muito vinho, que o vinho dava 200 por cento da sua producção, cahi teve o nobre Deputado motivo para entendei que se deve lançar um imposto sobre este genero. Sim, Senhor, aqui esta um imposto bastante productivo, um imposto lançado em um genero que tem augmentado 200 por cento deve ser um imposto bem forte! E diz-se isto, quando todos os dias se estão ouvindo clamores de que o paiz esta sobrecarregado de impostos, que o paiz não póde pagai as contribuições, e que a respeito do vinho ainda em uma das sessões passadas aqui ouvimos dizer que estava muito sobrecarregado, e que era necessario alliviar o imposto, que pesava sobre este genero! Sr. Presidente, digo que é altamente contrariar todas as douctrinas aqui apresentadas o lembrar os impostos para resolver esta questão (apoiado) Se o nobre Deputado tivesse essa confiança em si, se estivesse á testa dessa administração que propozesse um systema tal... mas ha certas confianças que ninguem póde ter senão em si, ou em pessoas a quem estamos intimamente ligadas, que nos revelam todos os seus planos a toda a hora, a todo o instante; mas uma confiança em pessoa que não esteja nesta situação, e na presença de circumstancias tão calamitosas, uma confiança em objectos de similhante natureza como se póde dizer que se tenha7

Sr. Presidente, reflicta a Camara, que não remedea nada com a discussão do orçamento da despeza, a Camara cuida que vota a despeza, e não vota, porque ha de vir a commissão de Fazenda com a serenidade que costuma, dizei-lhe a apezar dos 20, 25, e 30 por cento tirados aos empregados e juntas, e apezar de todas as mais reducções não póde deixar de haver falta nos pagamentos, porque ha ainda um deficit de tanto. 55 E por conseguinte, quero que me digam o que é faz a Camara? Não faz nada, porque não ha systema financeiro, e por tanto a vista desta difficuldade não póde deixar o Governo de ir buscai certas pessoas, que se chamam financeiras, desses que não servem a ninguem, mas que se servem a si, para entrarem em alguma transacção de emprestimo

Sr. Presidente, é preciso realmente saír deste methodo, e por isso e que eu pedia que antes se discutisse o orçamento da receita, ou ao menos nos fosse presente, porque póde sei que eu á vista delle modificasse as minhas opiniões, venha elle, podamos vêr se são reaes ou imaginarias essas verbas, como tem sido muitas das que se tem apresentado. A Camara ha de estar certa sobre uma verba que se apresentou para desconto de notas, a qual depois do relatorio do Si Ministro da Fazenda ficou desmentida, por tanto o mesmo póde acontecer agora, e preciso notai, que estes factos não diminuem o caracter do individuo que assignou esses documentos, mas revelam os seus multiplicados enganos, e faz com que não possa havei confiança para se votar a despeza, sem se saber qual e a receita. A vista destas razões digo eu, que nós não podemos deixar de ter presente, ao menos impresso, um mappa com as sommas da receita com que a commissão de Fazenda conta, porque de outra foi ma não se vota senão uma decepção, vota-se uma despeza, que o Governo não póde pagai, e quando foi interpellado pelo atraso dos pagamentos, ha de responder com a impossibilidade de haver os seus redditos, o que não pagou esta ou aquella verba, porque não tinha dinheiro, e porque as receitas falharam.

A vista disto tudo entendo que a Camara vai discutir uma inutilidade, e que era mais conveniente adiar este projecto ate se apresentar a lei de meios; e não se admirem os Srs. Deputados do adiamento

Página 62

(62)

deste negocio, porque projectos importantes, precedidos com relatorios em que se diz — sem este projecto a administração não póde dar um passo; — projectos em que se diz — sem esta lei não podemos ter eleições; — projectos em que se diz — sem as disposições desta lei não podémos ter estradas para baixo, estradas para cima, estradas para a direita, estradas para a esquerda, e em todos os cantos, e em todo o sentido, e depois de tudo isto não voltam todos estes objectos ás commissões para ellas os reconsiderarem? Por tanto digo eu que se adie este projecto ate que se apresente o mappa da receita, que temos para fazer face á despeza; ao contrario votando-se este projecto nestas circumstancias não se consegue nada.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, pedi a palavra quando ouvi uma accusação que se me havia dirigido de contradictorio, e não para defender a proposta que se acha sobre a Mesa, porque realmente ella não é do Governo, mas sim do dominio da Camara, e tem sido defendida por um illustre membro da commissão. Eu já esperava esta censura de contradictorio, porque é este um dos meios mais faceis de fazer opposição e de combater o Governo; mas o que admiro, é que esta censura me fosse dirigida pelo illustre Deputado, que a fez, porque além de eu não ter sido aquelle que o anno passado fiz a proposta para que o orçamento se discutisse por capitulos, ainda que a tivesse sustentado em parte, de certo não estou em contradicção, antes em contradição estai ía eu, votando pela proposta do illustre Deputado, assim como S. Ex.ª o esta combatendo essa proposta, porque no anno antecedente, como membro da maioria da Camara, e como membro da commissão de Fazenda instou pelo contrario, e effectivamente os orçamentos se discutiram por Ministerios. O que não esta em contradicção é a Camara approvar uma proposta para que a discussão seja por capitulos; a Camara votando esta proposta não esta em contradicção, porque já assim tem votado, assim como tem seguido sempre a regra de discutir primeiro o orçamento da despeza publica.

Mas, Sr. Presidente, diz o illustre Deputado que eu estou em contradicção, porque sendo Deputado da opposição apresentei uma proposta, e agora tenho differente opinião. Sr. Presidente, não hei de ser eu aquelle, que sendo membro da administração me opponha a uma opinião que tem sido constantemente seguida pela Camara, e que tem servido como de regra para regular a discussão do orçamento. Estimo muito que uma accusação desta ordem me seja dirigida sobre um objecto tão insignificante, ao passo que em toda a minha vida parlamentar, occupando uma cadeira da opposição nesta Casa desde 1842, e estando fazendo parte da maioria por espaço de 2 mezes, segui invariavelmente uma conducta regular, sem me envergonhar muitas vezes de apresentar um voto singular, no meio dos Deputados que se oppunham ao Governo; e, Sr. Presidente, já nesta legislatura, o anno passado não tive duvida para estes principios achar-me com o mesmo enthusiasmo nas fileiras do illustre Deputado, que me fez uma accusação sobre o methodo de uma discussão, que aliás é conforme com a maioria da Camara, com as indicações apresentadas pelo illustre Deputado, e por elle apoiadas. Por consequencia não só me honro da accusação que me foi dirigida de contradictorio sobre um objecto tão insignificante, mas porque nenhuma outra me póde ser dirigida desta ordem.

A questão porém de que se tracta, é de saber se por ventura se ha de discutir o orçamento da despeza primeiro; e tem-se dito que não se deve discutir o orçamento da despeza primeiro que o da receita. Não só isto é contra todos os precedentes desta Camara e contra todos quantos a Camara tem adoptado a este respeito, mas de mais a mais é contra todos os principios. Pois qual é a primeira necessidade do Parlamento? Não é saber quaes são as despezas do serviço publico, para votar aquellas despezas que são indispensaveis para a existencia da sociedade? Primeiramente é preciso saber o que temos que gastar, e com o que não podemos passar; e a Camara que representa a Nação, porque esta nunca morre, tem obrigação de votar ao Governo todos os meios para satisfazer a essas despezas. O que é preciso saber é se no orçamento se acham ou não despezas excessivas; discuta-se o orçamento; saiba-se se as ha, e aonde ellas apparecerem, os Srs. Deputados tem a liberdade de fazer todas as propostas que entenderem para as reduzir, se forem excessivas; mas não póde alterar-se a pratica seguida por esta Camara de se discutir primeiramente a lei da despeza. Que difficuldade póde haver tanto para o Governo, como para a Camara de votar a despeza, quando entende que se deve sair da situação difficil em que nos achamos? Por ventura depois de se saber quaes são as despezas indispensaveis e inevitaveis deve haver duvida em Votar todos os meios necessarios para satisfazer essas despezas? Eu lamento que se viesse tocar neste objecto, porque este não é o logar proprio; e se eu não confiasse na boa fé dos illustres Deputados, certamente havia ter razão para sentir que se viesse apresentar um objecto antes de tempo, um objecto que é delicadissimo e muito importante pelas circumstancias em que o paiz se tem visto, e em que todos se acham com facilidade dispostos a indispor as massas, e a todos aquelles a quem essas apreensões podem affectar para haverem acontecimentos de grave importancia para a ordem publica, e que difficultem as circumstancias, em que nos achamos de poder organisar o paiz e a fazenda.

Mas seguirei o exemplo do illustre Deputado e meu amigo o Sr. Avila; direi com franqueza; se fôr necessario lançar impostos, ha de o Governo recuar diante dessa necessidade, ou o Parlamento. Ainda bem que falla nesta materia um homem que não vive só do orçamento, um homem a quem esses impostos podem tambem tocar em alguma parte. Pois não se sabe que os sacrificios que o estado da Fazenda Publica tem exigido até hoje, tem apenas tocado em algumas classes, deixando outras intactas? Não se sabe que as classes dos empregados publicos e juristas são aquellas que tem soffrido todos os sacrificios para tirar as finanças do estado em que estão? Pois se as circumstancias mostrarem que ha necessidade de prover algum deficit, o Governo e o Parlamento devem recuar diante dessa necessidade, e conveniencia de recorrer ás outras classes, que ainda não tem sido chamadas para soffrerem os sacrificios, que já as outras tem soffrido? Sr. Presidente, estimo muito ter occasião de me apresentar na presença do Parlamento e do paiz com aquellas opiniões, que são verdadeiramente as que nos podem conduzir á organisação do mesmo paiz.

Página 63

(63)

Mas porque não vieram o anno passado estes escrupulos para se discutir a receita antes da despeza? No anno pasmado que o orçamento da despeza apresentava um augmento de 400 contos para mais do que o anno anterior, não appareceram esses escrupulos, e só hoje e que apparecem. No anno passado que se apresentou aqui a divida dos 1:010 contos, que se sobrecarregou a divida do Thesouro em mais 27 contos, não appareceram escrupulos, e só hoje e que apparecem? Pois não estão hoje muitos Srs. Deputados apresentando reclamações justissimas, por se não ter satisfeito a divida do papel moeda, e a das letras da Bahia, que deviam ter toda a preferencia á dos 1:010 contos? Pois só hoje é que ha todos estes escrupulos?

Foi consequencia pelo que pertence á materia, esta dito pela minha parte o que tinha a dizer. Mas, Sr. Presidente, se estas censuras que se me fazem, são por dizer a verdade ao paiz, eu tenho muita honra nisso, e lenho-a pelo modo, porque me explico no meu relatorio; porque alli faço ver bem a necessidade que ha de organisar por uma vez a fazenda, exijam-se os sacrificios que se exigirem; e eu estava tão longe de julgar que teria esta accusação, que quando apresentei o meu relatorio, fui honrado com apoiados de ambos os lados da Camara.

Disse um illustre Deputado que as finanças estavam cada vez mais cahoticas; e que eu não perdia occasião de censurar os actos do meu antecessor. Esta allusão vem tão fóra de tempo, que eu sempre que se tem apresentado accusações contra o meu illustre antecessor, tenho levantado a minha voz, e tenho-me apressado, mesmo sem ser por insinuação de ninguem, a vir repor os factos em toda a sua verdadeira luz; até em uma occasião em que se lhe dirigiu uma accusação forte por ter distrahido dinheiros, eu vim aqui passados um ou dois dias restabelecer a verdade, e prestar homenagem á honra, que sempre reconheci no illustre Deputado, e tenho muito prazer em lhe poder dar outra vez este testemunho publico.

As finanças não estão cahoticas; eu já tive occasião de dizei em uma reunião respeitavel, que os serviços que estava prestando na repartição de fazenda haviam de ser em auxilio d'aquelle que me succeder; e, Sr. Presidente, não só neste ponto, mas a respeito de tudo o mais; eu quando sahir do Ministerio tenho muita satisfação que o meu successor, e outros vão examinar os meus actos, dos quaes não hade apparecer um só que me envergonhe.

Não tenho mais nada a dizer.

O Sr. Lopes de Lima — Sr. Presidente, eu não estava na Camara, estava trabalhando em uma commissão, quando se fez a proposta, por isso é que, quando V. Ex.ª me perguntou se pro ou contra, eu não sube responder; porque verdadeiramente não sabia o que tinha dado origem á discussão. Pelo que tenho ouvido desde então para cá, vejo que se tem divagado bastante; tem-se empregado além dos argumentos que podiam vir a proposito para a discussão, outros inteiramente alheios a ella, argumentos de precedentes, e argumentos ad hominem: nestes ultimos, nem se quer lhes tocarei; tanto mais que não são comigo, porque não tive nunca a honra de me sentar naquellas cadeiras; esses argumentos ad hominem vibrados sobre os illustres Deputados que foram

Ministros, lá ficam a elles para responderem, que estou persuadido que o farão melhor do que eu.

Quanto aos precedentes; já nesta Camara se tem dicto muitas vezes que é um modo de argumentar vicioso; porque os precedentes quando delles tem vindo máos resultados, só devem servir para corrigir o mal que temos feito, e tambem é preciso ver se as circumstancias são hoje as mesmas que eram quando se deram esses precedentes. O illustre Deputado por Vizeu disse que eram os mesmos, e eu parece-me que não; parece-me que as circumstancias financeiras do paiz na situação actual são muitissimo differentes do que eram as de 1845, oxalá que hoje podessemos dizer que eram as mesmas! O mesmo illustre Deputado me deu um argumento a favor desta minha opinião, porque disse que então existia o elemento de credito, e que significa o elemento de credito? Significa o estado de prosperidade. (O Sr. Avila — Apoiado.) O credito não existe em vão, cria-se no estado vantajoso mais ou menos da situação financeira do paiz; e além disso, pergunto á Camara toda, se por ventura estavam nesse tempo os empregados publicos com o atraso de nove mezes, e obrigados a pagar uma imposição de 35 por cento, 25 que se coita nos ordenados, e mais 10 por cento do agio das notas? Havia esse flagello? Estavam os juristas atrasados tres semestres? Soffriam o imposto de 35 por cento? De certo que não. E não se diga que a miseria dos empregados publicos não tem nada com a miseria publica; a miseria dos empregados publicos affecta a todas as classes da sociedade. (O Sr. Avila: — Apoiado.) Mas a respeito dessa miseria, não serei eu que venha aqui exaggera-la: não sei mesmo a quem o nobre Deputado respondeu comparando a época actual com a do Usurpador anterior a 1834; quem é que nesta Camara se atreveu a dizer que a situação do paiz então era mais prospera do que hoje? Eu não sei que isto seja resposta senão a um jornal que ahi anda que se intitula a Nação do largo do Intendente; estou persuadido de que o paiz tem prosperado muito por essas instituições, que oxalá se conservassem intactas, do Grande Homem — do nosso Libertador — do Senhor Dom Pedro, que como disse o illustre Deputado — desceu ao tumulo pela desconsideração com que foi tractado: e mal haja quem lhe deu essa desconsideração, e quem a capitaneou..... faço aqui uma pausa, porque não é

nunca sem commoção que fallo desse Grande Homem. É necessario que fallemos a verdade á nação segundo o exemplo, que o nobre Ministro da Fazenda acaba de dizer que nos deu; é necessario que não seja um privilegio o fallar a verdade á nação; e fallando a verdade á nação eu digo, que as circumstancias financeiras do paiz hoje, são muito peiores do que eram em 43, 44, 45, e 46; (O Sr. Avila: — Apoiado) mas vamos ao ponto em questão. Quando eu pedi a palavra foi para apoiar a necessidade de nós lermos conhecimento dos meios que o Governo tem para supprir o deficit, que já se nos apresentou em mais de 2:000 contos, antes de tractarmos devotar a lei das despezas; de outro modo não sei como nos havemos de regular. Um Estado, assim como uma casa particular, tem duas qualidades de despezas; despezas indispensaveis, ás quaes não póde faltar, e despezas dispensaveis; as vezes de luxo; conforme as suas faculdades: a respeito das indispensaveis é necessario que cada pai de familia tracte de

Página 64

(64)

haver os meios para occorrer a ellas; ninguem póde passar sem comer e beber, vestir, e calçar; e mesmo nesta segunda parte, quem não póde andar bem vestido, anda roto; mas ha outras despezas dispensaveis; quem não póde andar de sege, anda a pé; quem não póde morar n'uma casa de maior custo, mora n'uma casa de menos preço; e assim em proporção. Ora, no orçamento tambem se dá isto; ha despezas indispensaveis, e ha despezas que talvez se poderão reduzir. Diz-se — a A força de mar e terra esta votada, e é preciso votar a despeza correspondente» —: d'accordo; essa despeza é das que eu classifico na ordem das despezas indispensaveis; mas porque a força de terra. por exemplo, esta votada, e se deve votar a verba correspondente, não se segue que não haja nada que reformar no Ministerio da Guerra, porque é um daquelles em que ha muito em que cortar despezas. As despezas da administração tambem são necessarias até ao ponto em que são indispensaveis; resta saber se se póde fazer a administração tão bem feita ou melhor com menos despezas. Dir-me-ha alguem que tudo quanto esta no orçamento, e indispensavel? Haverá alguem que tenha a coragem de sustentar que não ha aqui que cortar, e muito? Não sabem todos que ha muito que reformar em varias repartições? (apoiados) Não são susceptiveis de uma grande reforma os arsenaes? Não e susceptivel de grande reforma o Tribunal do Thesouro, e as repartições delle dependentes? As mesmas repartições do Ministerio da Guerra, e do Reino, não são tambem susceptiveis de reforma? As despezas diplomaticas serão o que devem sei? Pois tudo isto que aqui esta (no orçamento) será indispensavel para nós existirmos como nação? Não é, Sr. Presidente, e o primeiro dever do Governo nos apuros em que ha tanto tempo nos achamos, e quando fallo do Governo, fallo do Ministerio, que já o anno passado mostrou glandes desejos de fazer reformas; pelo menos patenteou-nos esses desejos; o primeiro dever do Governo, digo, era reduzir a despeza ao indispensavel, porque então talvez senão apresentasse uma differença tamanha entre a receita, e a despeza.

Eu não faço com isto increpação alguma á commissão de Fazenda; a commissão andou perfeitamente regular; deu o seu parecer sobre os objectos que se apresentaram primeiro, e ha de da-lo depois sobre os que se apresentarem mais tarde; mas tambem não e culpa nossa de que venha tão tarde aquillo que devia vir mais cedo; a culpa nem é da commissão de Fazenda, nem é nossa; a culpa é do Governo, que nos devia apresentar primeiro que tudo os seus projectos de reformas, e algumas ha que nem precisavam de mais medidas legislativas para as fazer: em segundo logar a lei de despezas já reduzidas, e esta não o esta: e em terceiro logar, logo a par com a lei das despezas, a lei de moios. E quando fallo de reformas, não se entenda que fallo dessas miseraveis reducções que continuamente se estão lançando sobre duas classes do Estado, ilhotas da nossa sociedade, saxónios do nosso Portugal!... Nesta parte estou d'accôrdo com o Sr. Ministro da Fazenda, quando lamentou a sorte dos empregados publicos, e folgarei multo de o vêr animado desses mesmos sentimentos, quando alguma vez aqui se tractar dessa classe hoje onerada com 35 por cento de imposto, imposto que não paga nenhuma classe nos paizes mais prosperos do Mundo, e nos mais tributados; nunca se viu lançar sobre uma classe da sociedade nada menos que 35 por cento; 25 por cento sobre os seus mesquinhos vencimentos, e mais 10 por cento, pelo menos, provenientes do agio das notas.

O illustre Deputado por Vizeu disse que não havia senão tres meios de equilibrar a receita com a despeza, que eram as reducções, as contribuições, e as operações de credito (operações de descredito, lhes chamarei eu, como ellas se fazem no nosso paiz), pois eu acho que ainda ha um quarto meio. Creio que o illustre Deputado quando falla em reducções, entende as reducções que se tem feito até aqui, as reducções nos ordenados dos empregados; mas eu quando fallo em reformas e reducções, não me refiro a estas (O Sr. Avila: — Apoiado) refiro-me a cortar aquillo que é superfluo, e a simplificar os methodos Disse S. Ex.ª — que o effeito destas reformas só havia de vir com o tempo; — então não se comece nunca; isto é um adiamento indefinido; mas eu estou persuadido, que feita uma boa reforma em certas repartições, os seus effeitos seriam immediatos.

Disse o illustre Deputado, e disse muito bem — que o meio de matar a agiotagem, é pagando —; apoiado; e sou dessa opinião; ma«, Sr. Presidente, nós vamos pelo caminho opposto, approvando uma despeza sem saber se teremos meio» para a pagar, porque por fim de contas havemos de crear meios fantasticos, e vamos dar pasto a agiotagem, porque não havendo depois com que pagar, vamos crear esse mesmo incentivo á agiotagem, que o illustre Deputado quer destruir; vamos votar uma despeza de 12 mil contos, quando apenas poderemos ter de receita 9 a l0 mil contos: lá foram 2 mil contos para manter a agiotagem, e para manter a agiotagem a custa dessas mesmas classes já oneradas, a custa do Thesouro Publico, e á custa dos contribuintes, que hão de pagar as differenças dos deficits, accumuladas com as usuras.

Mas diz-nos o Sr. Ministro da Fazenda — em se vendo no orçamento despezas excessivas, discutam-se — para que? Tem-se aqui estabelecido (e viu-se o que aconteceu o anno passado), que quando um Deputado levanta a sua voz, e dl/, por exemplo ti o tribunal do Thesouro carece de reforma» diz-se-lhe logo — para isso é preciso que venha uma lei; no orçamento não se póde fazer essa reforma, é necessario que venha uma lei ad hoc, uma lei especial para isso. — «E necessario reformar um arsenal» tambem se diz logo — venha uma lei para essa reforma, porque o orçamento esta secundem legem as suas verbas estão bem alinhadas, estão bonitas, estão arranjadas; não se podem alterar sem uma lei; — de forma que estamos n'um circulo vicioso, e então é escusado discutir-se; digo de veras, eu até acharia que era melhor pegar V. Ex.ª nisto tudo, e dizer — os Senhores que approvam isto que aqui esta, tenham a bondade de levantar-se — e estava concluido; o effeito ha de ser o mesmo, com a differença talvez de que se ha de fazer muita bulha por amor de 20 ou 30 mil réis; mas não vale a pena essa minudencia, as grandes economias não hão de vir d'ahi. Sr. Presidente, se acaso nos apresentassem essas reformas; se acaso em virtude dellas visse a Camara um orçamento de despeza já reduzida ao indispensavel, se eu estivesse persuadido de que as necessidades do paiz exigiam nem mais nem menos do que alli estava, e visse que a receita não dava para

Página 65

(65)

cobrir esta despeza, então eu não teria duvida em votar por contribuições, mas contribuições, repare bem o illustre Deputado, que não tivessem o defeito que elle mesmo apontou, de destruir as fontes de producção. Perguntarei eu ao illustre Deputado: não receia S. Ex.ª que uma contribuição sobre o vinho destrua esta fonte de producção? Ainda não ha muito tempo que um illustre Deputado, que se senta ao meu lado, e que foi apoiado por muitos outros, fez vêr que uma pipa de vinho que custa 3 mil réis lá fóra, paga lo mil réis para entrar em Lisboa (O Sr. Avila: — Nesta provincia). Nesta provincia mais, e nas outras tambem muito. Nenhuma ha talvez aonde o vinho pague menos de cento por cento, talvez em parte nenhuma o vinho esteja como entre nós tão sobrecarregado, e isto ao tempo que o preço porque se vende este e outros generos, não compensa as despezas que com elles se fazem. A nossa agricultura em geral esta em mas circumstancias pelo baixo preço dos seus productos, e carestia dos salarios.

Eu tambem faço a mesma profecia que fez o nobre Deputado a respeito das estradas, muito mais depois do que se tem aqui passado; e objecto sobre que já não fallo nesta Camara, estou persuadido que não havemos ter nem um caminho. Mas diz-se: não se tem querido organisar as finanças. Eu quero que ellas se organisem; se senão tem querido, é preciso que se queira, (apoiados)

Perdôe-me o nobre Ministro da Fazenda, eu vi que no seu relatorio não nos apresentou serião o sudario dos nossas miserias financeiras; mas a fallar a verdade não apresentou nem uma proposta tendente a remediar esses males, não vi nem uma base de organisação de fazenda; apenas vejo que a organisação das finanças limita-se a pedir algumas auctorisações para continuar um tributo, impôr algumas penas pelo que diz respeito ao lançamento da decima; e que hajam cobradores nomeados pelas camaras municipaes, e os recebedores responsaveis por quem não escolhem: estas são as bases de organisação de fazenda que eu vi apresentar; póde ser que hajam algumas outras, eu tenho estado a espera dellas; continuarei a estar; mas por ora o Sr. Ministro conserva incognito o seu grande segredo, e parece-me que desde já posso dizer que as minhas esperanças não terão effeito; isto é que não apparecera outra base de organisação de fazenda; que esperaremos de balde por esse elixir maravilhoso, que ha de curar tudo. Notou o Sr. Ministro da Fazenda que se suscitassem apprehensões a respeito de novas contribuições; S. Ex.ª, não deve admirar-se, porque todas as vezes que um Ministro apresenta uma despeza com o augmento de 700 contos, e não apparece a receita para a satisfazer, todo o Mundo fica sempre receiando que venham logo em resultado désse desequilibrio novos encargos sobre o povo.

Ouvi com muito gosto dizer ao Sr. Ministro da Fazenda que as finanças não estão cahoticas, ainda bem, e eu espero que S. Ex.ª o demonstre, pelas suas medidas que apresentar; e algum segredo que tem S. Ex.ª; espero pela revelação para ver os meios de supprir as despezas; mas em quanto elle não apparece, não posso votar despezas para as quaes não vejo receita. Sr. Presidente, e preciso reduzir a despeza ao indispensavel, e saber primeiro quaes os meios que temos para satisfazer a despezas dispensaveis aqui creadas; portanto entendo que devemos começar a discutir a lei de meios antes da lei de despeza.

O Sr. F. A. da Fonseca — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se a materia esta discutida.

Julgou-se discutida, e foi rejeitada a proposta do Sr. Carlos Bento.

O Sr. Presidente — Continua a discussão da proposta do Sr. Vaz Preto.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, principiarei por declarar que faço toda a justiça as boas intenções do illustre Deputado auctor da proposta, e que só os desejos de dar um mais prompto andamento a esta discussão, o levaram a offerece-la á deliberação da Camara; porém não posso conformar-me com ella, nem deixar de a impugnar. Este trabalho, em que vamos entrar, é sem duvída o mais espinhoso, e por ventura tambem o mais importante de todos os que a Camara tem de se occupar, porque delle depende haver a igualdade possivel na distribuição dos rendimentos publicos, de maneira que sejam applicados proporcionalmente aos seus servidores, e á satisfação dos encargos, e obrigações a que estiverem sujeitos, e não aconteça como até agora, que ao mesmo tempo que se pagam com mãos largas serviços imaginarios ou ficticios, se deixam no esquecimento os verdadeiros e effectivos, e applicando-se grandes sommas para a solução de dividas a companhias poderosas, e a individuos de conhecida influencia politica, nenhuma attenção se teem prestado a outros, que tem igual ou melhor direito, e se deixam em abandono classes inteiras, que pelas circumstancias particulares em que se acham, mereciam ser attendidas com preferencia.

Sr. Presidente, é tambem esta a occasião propria de se supprimirem as despezas, que se entender poderem dispensar-se, sem prejuiso do serviço publico, e de se crearem outras que se julguem indispensaveis ser uteis; bem se vê pois que o exame do orçamento contém uma revisão geral de todos os ramos de administração, que não póde ser feito como convem aos interesses do paiz, sem que se lhe preste a mais séria attenção, e que não ha objecto que exija dos legisladores mais socego, mais vagar, e mais independencia, aliás e melhor po-lo de parte, e não nos occuparmos delle. Eu sinto que não fosse este o primeiro trabalho que occupasse a attenção da Camara, e que esperasse pelo ultimo mez para setra/er á discussão, digo isto sem animo de fazer censura a alguem, e só como uma manifestação do meu sentimento: assim mesmo confio em que esta circumstancia não ha de influir para que deixe de ser discutido com o vagar que elle demanda, e que -em um objecto de tamanha monta, senão ha de regatear o tempo, assim como tambem espero senão ha, de desperdiçar com discussões inuteis e estereis. Não se diga que não e aqui que se deve tractar das reformas, que agora se devem abonar todas as despezas que se acharem decretadas por lei. Se assim fosse, nenhuma alteração se poderia fazer, mas eu observo que algumas se propõem, e as attribuições do Parlamento limitar-se-iam a umas simples operações arithmeticas, de caixeiro, ou a fazer-se a comparação de umas com outras verbas, e declarar-se depois que estavam conformes, não, as nossas attribuições são mais elevadas; é este o principal e mais importante objecto para que as Côrtes são convocadas periodicamente, esta é uma lei que todos os annos esta sujeita á re-

Página 66

(66)

Visão, para nella se fazerem as alterações, que a experiencia e as precisões do serviço tornarem necessarias; senão, fosse a precisão de«te exame, o du outra lei, a de meios, que tem com esta uma intima connexão, talvez que as reuniões dos Parlamentos podessem ser menos frequentes.

Sr. Presidente, estas considerações que faço sobre a importancia deste projecto, tendem só a fazer sentir á Camara a necessidade de se prestar a mais séria attenção á discussão em que vamos entrar, e que um assumpto de tanta importancia, não póde ser levado de assalto, que precisa ser tractado com muito vagar, madureza, e reflexão, que mal se compadece com a discussão e votação por capitulos, como se propõe; o que é necessario attender ás justas reclamações que se fizerem, e ás emendas que se offerecerem, a fim de que senão falte á justiça, e se estabeleça a possivel igualdade na distribuição dos rendimentos publicos.

Tanto mais isto é preciso, quanto é certo, que no paiz voga a opinião de que a Camara, por ser na maioria composta de funcionai ios publicos, não quer que as reformas penetrem na lei da despeza, e que por isso é interessada em que se vote á pressa e sem exame; apprehensões estas que convem destruir, por que nada faz tanto mal a um Corpo Collegislativo, como a opinião de que é dominado pelo interesse proprio, ou pelo espirito de partido, ou de classe. A discussão e votação por capitulos equivale a não haver discussão, então é melhor haver uma só discussão e uma só votação. Diz-se que não é possivel o votar-se por verbas por falta de tempo, eu já disse que sentia que tão tarde fosse trazido á discussão este assumpto, e não sou eu responsavel por não ter vindo ha mais tempo, mas se não é possivel esta votação, então diga-se tambem que a Carla quando no art. 15 § 8.determinou que ao Poder Legislativo compete o fixar annualmente as despezas publicas, decretou um impossivel, por que não entendo como se possam votar despezas differentes, como se contem em cada capitulo dos diversos Ministerios, por uma só vez, isto é uma verdade tão palpavel, que seria ocioso e pueril o demorar-me a demonstra-la. Concluo votando contra a proposta.

O Sr. Vaz Preto: — Sr. Presidente, não me parece que o nobre Deputado tenha razão para combater a minha proposta, nem eu creio que com ella se priva a Camara de toda a liberdade, para deliberar sobre cada uma das verbas, que compõem um capitulo. Eu não recorrerei a costumes; todos nós sabemos o que se tem feito; a Camara póde em outras occasiões, em outros annos, e em outras circumstancias, ter decidido que se discuta o orçamento conforme eu agora proponho, e não querer agora decidir do mesmo modo; é uma questão que ella ha de decidir (apoiado). Mas, Sr. Presidente, que propuz eu que faça tanto receio?... De tres modos se póde discutir o orçamento: por Ministerios, capitulos e verbas; eu estabeleci um meio termo entre o primeiro e o ultimo; propuz que fosse por capitulos, e note-se que eu este anno quero o mesmo que se quiz o anno passado, quando se fez identica proposta. Logo disse que era licito a cada um dos Srs. Deputados, quando entrasse em discussão um capitulo, fallar sobre cada um dos seus artigos ou verbas, e propor a respeito de cada uma destas cousas, as emendas ou propostas que julgassem convenientes (apoiados). Por tanto, Sr. Presidente, eu fiz uma proposta que tenho por justa, e mais conforme para a discussão (apoiados). Sr. Presidente, eu não digo mais nada, a proposta ahi esta; ella é bem clara; eu proponho que se discuta o orçamento por capitulos; não tenho intenção de privar, e Deus me livre disso, cada um dos Srs. Deputados de fallar em cada uma das verbas que compõem um capitulo, e fazer as propostas que quizerem (apoiados), portanto approvo a minha proposta, a Camara faça d'ella o que bem lhe parecer, que tambem não me mortifico com isso (riso).

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, é muito notavel que o Sr. Ministro da Fazenda transporte para aquellas cadeiras (apontando para as dos Ministros) o mesmo systema que tinha como Deputado: é muito notavel, Sr. Presidente, que o nobre Ministro da Fazenda, que hoje tem uma missão inteiramente differente, ou pelo menos muito mais vasta do que tinha na qualidade de Deputado, continue a interter tanto a Camara com a sua pessoa e com as suas opiniões! Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda foi infelicissimo, quando tentou de escusar-se da contradicção que eu lhe notei, e quando apresentou a contradicção em que imaginou eu ter incorrido. Se o Sr. Ministro da Fazenda conhecesse bem os principios constitucionaes, havia de ver que a força do argumento era inteiramente contra S. Ex.ª; eu não me posso persuadir de que n'uma questão qualquer, e muito especialmente a respeito d'uma questão tão transcendente, como esta, a maioria possa ter outros principios que não tem o Governo, por que então não era maioria, ou o Governo deixava de ser Governo; por consequencia quando eu vi trazer, da parte da maioria, uma proposição para que se discutisse unicamente o orçamento por capitulos, devia immediatamente concluir que o Sr. Ministro tinha sido ou era contradictorio, ou que, pelo menos, linha mudado de opinião, por que se examinarmos esta questão bem, acharemos que, na sessão de 19 de maio de 1848, apparece uma proposta do Sr. Lopes Branco nos seguintes termos. — Proponho que a discussão do orçamento se faça por artigos, e quando estes tiverem secções, ella tenha logar tambem por secções. — Não queria S. Ex.ª que esta discussão tivesse logar por Ministerios, nem por capitulos ou artigos, e sim unicamente por secções; já lhe não servia a discussão por artigos, e queria que se descesse a ella por secções. Ora o pensamento que se exprime da parte da maioria, é o do Governo, que deve estar á lesta dessa maioria, ou vice1-versa f A opinião ou foi da maioria, ou do Sr. Ministro; se foi do Sr. Ministro, então não tem systema de governar, e quem o tem, é a maioria.

Sr. Presidente, eu não fui, nem podia ser contradictorio, o que eu então defendi é o que hoje ainda defendo. O Sr. Ministro adiantou-se muito, quando quiz julgar das minhas intenções; não ha nenhuma contradicção; eu não apresentei ha pouco a minha opinião definitiva, não disse qual ella era; disse ao contrario, que a reservava para a manifestar em logar opportuno. O que então segui, é o que ainda hoje sigo, quero dizer, não me importa que a proposta seja adoptada, mas com tanto que seja adoptada com a segunda parte da emenda, que na occasião da apresentação da proposta se não fez, mas que o Orador precedente offereceu, e vem a ser, que

Página 67

(67)

seja licito a cada um dos Deputados mandar para a Mesa as emendas que lhe parecer aceitadas, a respeito de cada uma das verbas (apoiados); as quaes serão previamente votadas ás verbas sobre que ellas recaírem (apoiados). Por tanto digo que a contradicção não esta da minha parte, e por isso digo que o Sr. Ministro andou muito apressadamente, quando me suppoz opinião contraria áquella que eu então segui. Não, Sr. Presidente, não se me nota em tempo algum nenhuma dessas contradicções, porque os principios que tenho como Deputado, hão-de ser os mesmos principios como Ministro.

Mas, Sr. Presidente, o fim que eu quiz alcançar, consegui-o: o que é que eu queria fazer?... Era levantar desde já o veo á maioria da Camara dos Deputados, á Camara dos Deputados, á Nação, de que o que se lhes preparava, era muito differente do systema que o Sr. Ministro da Fazenda apresentou no seu relatorio, se systema se póde chamar. Sr. Presidente, neste systema apparecem duas theses — administração — e reforma do systema tributario, — e disse-se que destas duas theses desenvolvidas havia de nascer logo o credito; accrescentou-se que a fazenda até ahi caminhava desbaratada, que nós eramos reputados, o que, Sr. Presidente? Uma Nação perdida, são proprias palavras daquelle relatorio; mas que uma vez que a Camara decidisse aquillo que se pedia, devia renascer uma nova época para o paiz, e tudo estava remediado! E com tudo que se nos pedia, Sr. Presidente? Havemos de entrar nesse exame, e veremos que o que se nos pede, como já disse, não é só uma decepção continuada, mas materia inteiramente inconstitucional! E então não podia eu deixar de concluir que se quem ali se senta (apontando para as cadeiras do Ministerio) deve ter um systema; se o que se apresentava não era um systema; havia outra cousa em mente, e que isso que havia em mente, era alteração do systema tributario, contra o que o Sr. Ministro mesmo se declarava no proprio relatorio, e ír lançar novos impostos. Não sei qual será a minha opinião a respeito de uma e outra cousa; mas já previno a Camara de que ha de ler a repartição de contribuição, contra a propria opinião do Sr. Ministro, e nisto esta o bom systema, quando elle fazia consistir o bom systema de fazenda n'uma cousa inteiramente differente, e hade ter novos impostos, e veremos quem tem a coragem de votar uma ou outra cousa segundo as necessidades do paiz.

Sr. Presidente, depois do reinado de Luiz 14 as finanças ficaram estragadissimas, porque todos sabem que este monarcha ou pelas guerras com que se involveu, ou pelo luxo demasiado da sua corte trouxe para á França nada menos de 3 milhares de milhões de divida; era este justamente o estado em que ficou a França. Reuniram-se os Estados Geraes em 1678, e então o braço do povo pediu que se lhe mostrasse qual era o modo de remediar aquelle estado ruinoso, ameaçador em que se achava a França, e sabe V. Ex.ª o que se lhe respondeu? Quer sabe-lo a Camara? Foi o braço ecclesiastico que se incumbiu da resposta, e disse que assim como os nervos estavam dentro da carne, assim tambem as finanças deviam estar occultas, e não devia ser conhecido do povo o segrêdo das finanças, e accrescentou-se com um texto da Escriptura que o Sanctus Santorum devia ser só conhecido do Grande Sacerdote, e que os Sacerdotes inferiores deviam ficar fóra deste conhecimento, por tanto que as finanças deviam tambem ficar occultas em, uma boceta de ouro. Mas como na Bíblia ha textos para tudo, succedeu que o braço do povo tambem, lhe respondeu com um da Sagrada Escriptura, e disse que Jesus Christo tendo vindo ao Mundo tinha recebido a missão de ensinai a todos as verdades, que seu Eterno Pai lhe tinha dito, e por consequencia que o povo não podia ficar privado dessas verdades, e que da mesma maneira o Monarcha não devia querer que o seu povo ficasse privado dessas mesmas verdades.

Sr. Presidente, para não sermos. privados destas verdades, responderei eu tambem com este mesmo texto, que nós devemos discutir; que uma discussão quando não fôr circumstanciada, quando não se poder entrar em cada uma das parcellas, não é discussão, e que por consequencia tome bem sentido a Camara, que não é por maneira alguma, como muitas vezes tem succedido, que se deve fechar similhante discussão nas presentes circumstancias, e sinto do fundo do meu coração que um meu amigo e illustre Deputado seja aquelle que desta vez embarace a discussão.

Mando para a Mesa um additamento no seguinte sentido

Additamento.» Podendo fazer-se e mandar-se emendas para a Mesa a cada uma das verbas, votando-se estas primeiro que a materia do capitulo.»» — » Silva Cabral.

Foi admittido á discussão.

O Sr. Presidente.: - É um additamento á proposta. Ha de ter uma discussão especial.

O Sr. Xavier da Silva: — Peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de consultar a Camara, se esta sufficientemente discutida § proposta apresentada pelo Sr. Deputado Vaz Preto.

Julgou-se discutida, e foi approvada,

O Sr. Presidente: — Fica em, discussão o additamento do Sr. Silva Cabral.

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Peço a V. Ex.ª que pergunte á Camara se a materia esta discutida.

Julgou-se discutida, e foi approvado o additamento.

O Sr. Presidente: — Na conformidade da resolução da Camara vai principiar a discussão do projecto por capitulos; salvo o direito que foi consignado na proposta do Sr. Silva Cabral. Principia pela Junta do Credito Publico, que se vai ler.

É o seguinte

Página 68

(68)

JUNTA DO CREDITO PUBLICO.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Página 69

(69)

Foram lidos separadamente cada um dos capitulos, e foram approvados sem discussão os capitulos 1.º, 2.º, e 3.'; — e sobre o 4.º disse:

O Sr. Assis de Carvalho — Peço a palavra. O Sr. Presidente: — É pro ou contra? O Sr. Assis de Carvalho: — Nem é contra, nem é a favor, é para fazer algumas reflexões. O Sr. Presidente: — Tem a palavra. O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, segundo o systema que se tem adoptado para a discussão do orçamento, a discussão não póde reduzir-se senão a este pequeno circulo, que é a examinar se as despezas votadas nesta lei estão conformes com a lei, a saber se o que esta em cada um destes capitulos esta conforme com a legislação actual; de maneira que não podémos nem diminuir, nem augmentar senão no caso que as verbas destinadas em cada um dos artigos não estejam conformes com a lei Eu estou persuadido que ha de haver occasião de mandar muito poucas emendas para a Mesa; como se não podem alterar as verbas senão por uma proposta de lei, e como quasi todas ellas estão em conformidade com a lei actual era ate conveniente poupar tempo á Camara votando o orçamento em globo.

Sr. Presidente, em quasi todos estes capitulos em que se comprehendem os encargos da divida externa e interna vem uma linha em que se diz — excede á fixada na carta de foi de 22 de agosto, em tantos contos. (leu)

E na recapitulação diz-se. (leu) Este excesso não procede senão das differentes leis que nós approvámos já depois da publicação Jacarta de lei de 22 de agosto de 1848, e eu acho que este excesso esta muito conforme com as disposições dessas leis promulgadas depois da publicação dessa carta de lei; mas será agora occasião de eu fazer reconhecer á Camara a necessidade que temos de parar neste caminho, de ir fundando divida tão precipitadamente, que de 1833 até 1849 temos augmentado a divida fundada interna na razão da differença que vai de 12000 e tantos contos a 31000 e tantos contos; de maneira que temos augmentado a nossa divida interna fundada na quantia de 19000 e tantos contos!

E tambem ponderarei a necessidade que ha de fazer estas votações com circumspecção, porque uma vez votada esta despeza não é como as outras despezas ordinarias, que de anno para anno podem ser alteradas, até por uma proposta de lei, ou mesmo sem ella; mas uma vez fundada a divida nós não temos direito de diminuir a despeza nesta parte, temos unicamente o direito de reduzir o juro, e não sei se de muito boa fé. Os juros só podiam ser reduzidos propondo-se a alternativa de receberem os interessados o valor do capital, ou de se sujeitarem á reducção dos juros.

Mas uma vez que nós decretamos a fundação de divida como fazemos todos os annos, e não sei se no fim deste anno esta reservado algum projecto de lei a este respeito, quero fazer ver á Camara as consequencias de votar estas verbas precipitadamente; e são, que uma vez fundada a divida não ternos direito mais de a eliminar, senão quando a amortizarmos, excepto por medidas geraes quando reduzamos os juros, mas por medidas especiaes que digam respeito a essa divida fundada, não temos direito algum. É este um encargo que é muito differente da natureza dos outros, os quaes todos os annos temos direito de alterar conforme fôr de justiça ou conveniencia publica, mas neste caso não é assim.

Por tanto o systema a seguir daqui por diante segundo a minha opinião, deve ser outro qu»» aquelle que se tem seguido. Eu não me proponho votar contra estas verbas de despeza que estão votadas, nem reconheço direito para não se votarem, esta votado que esta divida fundada deve vencer estes juros, e. ha de se votar a despeza para elles, mas pareceu-me dever ponderar que é necessario caminhar em sentido opposto, e que daqui por diante deve haver todo o rigor em approvar propostas de lei, que tenham por objecto fundar divida; eu não admitto dividas privilegiadas para se fundarem, e entendo que o methodo a seguir é amortisar dividas, porque se vamos nesta progressão excedendo do anno passado para este os juros em 205 contos, que representam no capital correspondente que ao juro de 5 por cento é de 4.100:000$000 réis, se vamos nesta progressão, se de 1834 a 1849 em 15 annos augmentámos a divida fundada na razão de 19 mil contos de réis, e se doutros 15 annos a augmentarmos com outros 19 mil contos, estamos em dissolução social.

Era para fazer estas ponderações á Camara, que eu pedi a palavra, mas voto pela despeza do capitulo.

O Sr. Presidente — Para bem da ordem devo observar, que quando vierem as propostas especiaes á discussão, é que tem cabimento todas as ponderações que fez o Sr. Deputado, mas aqui no capitulo 4.º e outros assim em que se tracta, é dever se averba votada esta conforme a lei; parece-me que a discussão é mais limitada, e são perdidas todas as considerações, que se fizerem fóra desta áiea: por tanto o Sr. Deputado tem razão de reservar as suas considerações, para quando houverem propostas, porque para haver augmento de despeza são necessarias estas propostas especiaes; mas quando se tracta dever, se a despeza que se vota, esta conforme á lei, a discussão que sair desta area, é inteiramente perdida. Tem a palavra o Sr. Silva Cabral.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, como eu heide combater todos os pontos, em que intender que ha excesso de despeza, desejo por isso toda a regularidade na discussão, e é n'esta intelligencia verdadeira que eu tambem suppuz que o melhor methodo a adoptar era aquelle que foi rejeitado pela Camara. Mas quando eu vi avançar pelo illustre Deputado uma proposição tendente a fazer ver, ou ao menos a mostrar a contradicção em que estavamos, de que no orçamento senão podia fazer alguma alteração, julguei que era preciso dizer aquillo que em verdade é theoria, e aquillo que tem sido practica do Parlamento. Para mim não valia nada a practica do Parlamento, senão fosse conforme com os verdadeiros principios: é preciso que se diga isto por uma vez, e neste sentido direi ao illustre Deputado, que tudo aquillo que esta ligado com o orçamento, como lei annual póde ser alterado, e tudo aquillo que é privativamente fixado por lei, não póde ser alterado, senão por lei especial. Portanto as verbas que são consideradas annualmente, não podem deixar de soffrer a alteração que o Parlamento lhe apresentar. É neste sentido que procedem todos os Pai lamentos, e o illustre Deputado não póde duvidar, que tendo sido estabelecido por uma lei da dictadura franceza um

Página 70

(70)

ordenado a favor do commandante em chefe da guarda nacional, e das forças de linha estacionadas em París, o general Changarnier, o Parlamento não se importou com isso, e deitou-lhe com o ordenado a terra. Podem dizer que não colhe o argumento, porque além ha a soberania do povo; mas é certo que aquillo que se praticou em França, e aquillo que se pratica em todos os Parlamentos, e é aquillo que é mesmo conforme com os principios da nossa Carta Constitucional; porque o orçamento não serve para nada, senão fôr feito em conformidade com o § 8.º do art. 15, onde se diz, que é da competencia das Côrtes fixar annualmente as despezas que não estejam fixadas por lei. Portanto eu quero inhibir, que no orçamento appareça uma despeza que não esteja fixada por lei, e sem ter passado todos os tramites competentes, e todas as vezes que haja alguma despeza que não seja fundada em lei, não quero, digo, inhibir de propôr a sua eliminação. Por isso quiz fazer sentir á Camara os verdadeiros principios que se conformam, ou que se tem conformado sempre com a practica do Parlamento. Não tenho mais nada a dizer.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se a materia discutida, e approvou-se o capitulo 4.º Seguidamente approvaram-se sem discussão os capitulos restantes do orçamento da Junta do Credito Publico.

O Sr. Presidente: — Passa-se ao orçamento dos encargos geraes,

É o seguinte

ENCARGOS GERAES.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Página 71

(71)

[VER DIARIO ORIGINAL]

Seguidamente foram approvados sem discussão todos os capitulos do orçamento dos encargos geraes.

O Sr. Presidente — Devia passar-se ao orçamento do Ministerio do Reino, mas como o Sr. Ministro do Reino não esta presente, passa-se ao do Ministerio da Fazenda.

É o seguinte:

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Página 72

(72)

[VER DIARIO ORIGINAL]

Página 73

(73)

[VER DIARIO ORIGINAL]

Página 74

(74)

[VER DIARIO ORIGINAL]

Seguidamente foram approvados sem discussão os capitulos 1.º, 2.º e 3.º; e sobre o 4.º disse

O Sr. Assis de Carvalho — Sr. Presidente, não é para me oppôr ao que vem consignado neste capitulo que eu pedi a palavra, mas, é para fazer algumas considerações sobre o expediente e organisação desta repartição. A procuradoria geral da fazenda, como se acha actualmente estabelecida, tem grande inconveniente ao serviço publico, e mesmo alguns perigos. Os papeis de maior importancia, que nunca devem sair dos archivos publicos, onde ha sempre uma guarda de segurança publica, andam continuamente da Secretaria para casa do procurador geral da fazenda, conduzidos por um homem de pouca importancia, com a pasta aberta, e que muitas vezes se demora em partes onde os negocios podem sei vistos por pessoas a quem deviam ser inaccessiveis, mas isto ainda não e tudo, ainda que é já de muita importancia, porque para estes papeis e que se formaram, e que se conservam os archivos publicos, guardados por uma força publica; mas é que pelo methodo em que actualmente esta o expediente dos negocios pertencentes ao procurador geral da fazenda, desgraçado daquelle pertendente que tem algum requerimento, que tenha de ir a informar ao procurador geral da fazenda, porque tem de esperar largo tempo pela resposta, ainda que seja uma cousa a mais insignificante; mas isto supponho que não e por falta de dedicação do procurador da fazenda ao serviço publico, mas sim depende da mesma falta que eu fiz notar á pouco, isto e, depende do methodo seguido pelo procurador geral da fazenda, em dar expediente a todos os negocios em casa. O procurador geral da fazenda devia dar expediente em um gabinete, que lhe pertence na Secretaria da Fazenda, e devia fazer parte do Conselho nas sessões do Tribunal do Thesouro Publico, e no Tribunal Fiscal de Contas, afim de dar logo expediente a uma grande parte dos negocios que

podem ser respondidos verbalmente, e os negocios que fôssem de muita importancia, e que precisassem ser meditados, e estudados, fossem então conduzidos para sua casa com muita segurança, em uma pasta fechada.

Já se vê que os papeis em casa do procurados geral da fazenda devem estar muito bem guardados, mas ainda mesmo não os considero tão seguros como nas repartições publicas. O» papeis em casa do procurador geral da fazenda são sujeitos a falta de segurança, produzida por um roubo, um fogo, e sujeitos ate a serem vistos pelos familiares da casa.

Estas ponderações que eu faço, não podem terminar por uma proposta no orçamento, já se vê por tanto que tenho de votar ou rejeitar a verba que vem na procuradoria geral de fazenda, mas como não tinha outra occasião de fazer estas observações, foi a razão por que fallei neste sentido.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra mais para defender o illustre procurador geral da fazenda da censura que lhe é dirigida pela demora que se diz que elle tem no andamento dos negocios das partes, do que para responder ao resto das observações do nobre Deputado. Todos sabem quanto e trabalhoso o encargo de procurador geral da fazenda, e muito principalmente á tempos a esta parte, por que não só são enviados áquelle magistrado os negocios da repartição de fazenda, mas o são tambem de todos o Ministerios, e ainda ha mais alguma cousa, por que o governador civil esta tambem varias vezes consultando aquelle magistrado sobre negocios de interesse publico. Por tanto, já se vê que este magistrado em todos os negocios que se podem considerar de interesse da fazenda, elle e consultado.

Sr. Presidente, tem-se amontoado, e tem-se augmentado tanto o serviço da procuradoria geral da fazenda, que não admira que alguns negocios soffram

Página 75

(75)

uma certa demora; mas que ella seja tanto como por ventura sequer accusar a este magistrado, e que eu não supponho, por que eu não supponho que este magistrado tenha concorrido por sua parte para que os negocios se demorem a um ponto tal sem ter já pedido providencias a este respeito, porque na verdade ainda as não pediu. Mas eu tenho a dizer ao nobre Deputado, para descansar a sua consciencia, que desde que tenho a honra de occupar a Pasta da Fazenda, em muitos negocios que eu tenho precisado ouvir o procurador geral da fazenda, elles tem sido respondidos promptamente, e por tanto parece-me que a accusação não via tão longe como o nobre Deputado parecia indicar.

Agora em quanto ao que pertence á segurança com que os papeis devem ser levados a este magistrado, eu concordo Com esta conveniencia que o nobre Deputado lembrou, e certamente a tomarei em consideração e recommendarei na Secretaria a meu cargo que todos os papeis que hajam de ser mandados a este magistrado, sejam remettidos por um homem que não se entretenha em parte alguma, e que na pasta, onde elles hajam de ser levados para onde este magistrado exerce as suas funcções, haja toda a cautella, para que elles não possam soffrer descaminho na sua conducção. O nobre Deputado tambem reconheceu que casos occorrem em que é absolutamente necessario que esse» papeis sejam levados para casa, porque não podem ser estudados na repartição; isto acontece a todos os Ministros e mesmo a alguns empregados, por consequencia nesta parte não tenho que dizer nada ao nobre Deputado, e esteja o nobre Deputado certo que eu tomarei em consideração tudo o que acaba de dizer, e farei quanto possivel para que se evitem os males que indica.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, as reflexões que eu fiz, não tinham por fim fazer censura ao procurador geral da fazenda; eu fi/ vêr que haviam factos que dependiam de causas, que o procurador geral da fazenda não podia remover, senão se mudasse o methodo do serviço. Eu disse que seria conveniente que o procurador geral da fazenda assistisse ás sessões dos tribunaes, mas não quiz fazer censura ao actual procurador geral da fazenda, nem mesmo pela demora do expediente, porque está visto que tendo o procurador geral da fazenda de responder a todos o Ministerios, aos tribunaes de fazenda, e a todos os governadores civis do Reino, é claro que ha de demorar esse expediente; demora que S. Ex.ª diz que não é tão grande como eu tinha dito, mas eu direi que tive um negocio a responder no procurador geral da fazenda, ainda na sessão do anno passado, tive occasião de fallar algumas vezes a este empregado aliás de muita probidade e muito respeitavel, e sabe V. Ex.ª quando tive resposta, foi em fevereiro deste anno, e a pertenção foi antes de agosto do anno passado. Ora se isto acontece comigo que me acho em uma posição social que não é muito baixa, qual é a de Representante da Nação, o que acontecerá com um pobre provinciano que não tenha protecção? Há de demorar-se na razão do seu desvalimento, não quero com isto dizer que o procurador geral da fazenda poria de parte o negocio de pessoa que me diz respeito, para responder a outras, mas pertendo mostrar que ainda mesmo por escala tem de ficar demorado sete ou oito mezes.

O Sr. Silva Cabral: — Eu não tinha tenção de fallar sobre este objecto; mas uma vez que elle veiu á discussão, pondo de parte pessoas que nunca considero, quando se tracta do serviço publico, não posso deixar de emittir francamente a minha opinião sobre o objecto importante que tocou o illustre Deputado. Não é só a organisação da procuradoria geral da fazenda, é tambem a da procuradoria geral da Corôa que estão summamente viciosas (apoiados) não se queira desconhecer aquillo que é evidentissimo, não se queira occultar ao publico aquillo que elle esta sentindo diariamente. Aqui não se tracta nem da probidade, nem da capacidade dos empregados a que me refiro; tracta-se dos factos, e os factos são incontestaveis, que tanto n'uma como n'outra repartição os processos são extremamente demorados (apoiados); o que é fóra de duvida e que tem havido processos de mais de dois annos de demora em alguma destas repartições, e que não tem sido possivel arranca-los de lá com os pareceres respectivos.

Estes factos são innegaveis; portanto ha vicios radicaes na organisação daquellas repartições; porque um dos primeiros caracteres necessarios das repartições do procurador geral da fazenda, e do procurador geral da corôa, é que sejam breves os seus conselhos, para que as partes possam alcançar justiça ou do Governo ou perante os tribunaes, a quem requerem (apoiados.) O illustre Ministro da Fazenda, sem querer, apresentou nos uma das causas viciosas desta demora dos processos; porque nos disse — que o procurador geral da fazenda estava hoje tão sobrecarregado de trabalho que até o governador civil de Lisboa o mandava ouvir sobre taes e taes processos. Ora, quando o procurador da fazenda responde a processos que vão do governador civil de Lisboa, entenda-se que faz um acto de mero favor, porque elle governador não tem auctoridade nenhuma para o ouvir, nem elle procurador obrigação de lhe responder. Em 45 enviei eu uma portaria, sendo então Ministro da Corôa, a todos os agentes da ministerio publico pelo procurador geral da Corôa, para que senão occupassem com objectos estranhos ás suas funcções, nem respondessem a outras auctoridades senão áquellas, que as podessem consultai. É desta maneira que se desembaraça o serviço publico, e que as cousas marcham devidamente; e não estarem assim a confundirem inteiramente as attribuições daquelles empregados, porque o procurador geral da fazenda, assim como o procurador geral da Corôa tem funcções privativas, e não é para que todos os Ministros tenham ás suas ordens aquelles conselheiros natos: não é assim, porque os Ministros devem saber dos seus deveres, assim como tambem os empregados, e sómente em caso grave, em que póde haver duvida sobre a intelligencia que se lhe possa dar, é que se devem mandar ouvir aquelles fiscaes, o da fazenda, e da corôa.

De mais não sabe o Ministerio as leis do paiz? Qual é a razão porque se veem todas estas duvidas, e se vê uma confusão tal? É porque nós aqui fazemos as leis, mas nunca são executadas. O Governo deve saber que existe a lei de 16 de julho de 45 que organisou o Conselho d'Estado, o qual tem funcções privativas; e ahi tem o Governo as commissões proprias tanto de fazenda, como de diplomacia, e administração, para poderem ser consultadas sobre taes e taes objectos. Mas pergunto, a qual destas commis-

Página 76

(76)

soes ou secções, mandou o Governo, em tempo devido, qualquer objecto destes? Parece que alli esta o espectro que persegue o Ministerio, porque foge sempre das secções do Conselho do Estado para se ir lançar aonde senão deve lançar! Pois alli estão organisadas aquellas secções, não sómente para se confeccionarem os projectos que hão de vir ao Parlamento sobre cada um dos differentes pontos de administração em geral, mas tambem sobre qualquer ramo em especial. Pergunto, o Ministerio já mandou a algumas destas secções, um trabalho qualquer? Sobre este objecto entendo que me compele dar explicações, como membro da secção administrativa, e direi, que para a secção administrativa foram mandados negocios de vinhos; mas quando foram elles mandados para alli? É preciso que se saiba que a secção administrativa não trabalha secretamente, trabalha publicamente, é necessario não confundir o Conselho d'Estado com a secção administrativa, uma cousa é muito differente da outra. A respeito do objecto de vinhos é verdade que foi para alli mandado; mas é claro que a secção administrativa devia considerar o ponto em toda a vasta extensão que elle envolve; porque o objecto de vinhos não é só respectivo ao Douro, deve considerar-se com relação a todo o paiz, deve ser considerado como lei de utilidade geral, e não como lei de favor para esta ou aquella provincia (apoiados.) Mas a secção administrativa só ainda recebeu o mez, passado este objecto; e uma questão desta natureza é questão que se resolva como aqui deu a entender o Sr. Ministro do Reino? Não se sabe que só o processo envolve uma somma de documentos, que um homem por mais assiduo, que seja, não o póde ver senão em oito dias, tendo de mais a mais de passar por todos os conselheiros? Logo não esperem que este negocio venha aqui nesta sessão legislativa, porque é materialmente impossivel; e se os nobres Deputados do Douro entendem que o Douro precisa de providencias especiaes, não estejam a esperar pelo resultado do negocio nesta sessão, porque isto é materialmente impossivel. Neste ponto entendo que a secção administrativa do Conselho do Estado, á qual preside o digno Duque de Palmella, ha de proceder como deve; ha de considerar a questão em toda a sua extensão, e por isso mesmo não se póde comprometter em dar a sua opinião, para que ella venha ao Parlamento nesta sessão. Ora sendo este negocio tão grave, como realmente é, para que senão lhe mandou logo desde o principio da sessão legislativa? Se este negocio não podia deixar de ser conhecido pelo Ministerio, qual a razão porque não tinha este trabalho preparado? Se o Ministerio conhecia a gravidade deste negocio, porque o não apresentou desde logo, a fim de se tractar delle devidamente? De maneira que apresentam-se as cousas inopportunamente, e depois vem dizer-se ao Parlamento — que esta nomeada uma commissão para tractar do objecto —; mas não basta nomear a commissão, é preciso tê-la nomeado opportunamente (apoiados.)

O Sr. Corrêa Caldeira: — Vejo-me obrigado a usar da palavra para dar uma explicação sobre um incidente, que tocou o illustre Deputado que acabou de fallar. Eu sou o primeiro a conhecer a intelligencia e zêlo do digno magistrado, que occupa o logar de procurador geral da fazenda: todos reconhecem que as obrigações, que lhe estão commettidas, são de tal natureza complicadas, que é quasi impossivel dar-se o expediente com aquella promptidão que o bem do serviço exige: mas o que eu não desejo é que fique na Camara a impressão de que estas obrigações são exacerbadas pela quantidade de consultas, que o govêrno civil de Lisboa lhe manda. O governador civil reconhece muito bem, que não tem supremacia nenhuma sobre o conselheiro procurador geral da fazenda, para exigir delle informações; mas se acaso tem consultado a sua opinião é quasi excepcionalmente, e isto sobre negocios graves, a bem do serviço e dos interesses da fazenda; e quando tem consultado a opinião deste magistrado, tem-o feito sempre nos termos, com que costuma dirigir-se a uma auctoridade superior: e tem sido tão raras estas consultas, que talvez tenham havido apenas quatro ou cinco no anno.

Por tanto o governador civil de Lisboa conhece, que não tem supremacia alguma sobre o procurador geral da fazenda; e quando tem pedido a sua opinião, tem sido sempre a bem do serviço; mas não sei que por isto se possa irrogar censura alguma ao governador civil de Lisboa, e ainda menos se acredite, que por este modo se tem chamado sobre o procurador geral da fazenda maior numero de trabalhos, alem daquelles que lhe estão commettidos por lei. Entendi dever dar esta explicação, (apoiados)

O Sr. Presidente: — Tendo-se feito uma allusão ao procurador geral da corôa, a Camara me permittirá dar uma simples explicação, (apoiados) Esta procuradoria tem tres empregados superiores; e ordinariamente estão em exercicio só dois; e agora dá-se a circumstancia especial de estar só um: porque o seu digno chefe esta gravemente doente, e o outro empregado esta no exercicio das funcções legislativas; por consequencia esta carregando sobre um empregado o trabalho de tres. Mas declaro mais, que não ha negocio algum de qualquer repartição publica, por menos importante que elle seja, e principalmente dos Ministerios, que não vá áquelle tribunal. Além disso aquelle tribunal tem durante a semana muitas vezes quatro e cinco sessões; mas é tal a affluencia dos negocios, que ainda mesmo que os tres empregados estivessem em effectivo serviço, não era possivel estar o serviço em dia em consequencia do methodo, que alli se tem adoptado.

A7ão havendo quem mais pedisse a palavra, foi julgada discutida a materia, e approvado o capitulo 4.º

Passou-se ao capitulo 5.º

O Sr. L. Moniz: — Sr. Presidente, levanto a rainha voz a bem d'um empregado: o anno passado foi averba respectiva a este empregado omittida neste capitulo, não sei porque, parece-me que foi por defeito introduzido no seu titulo: o que é certo é que este individuo é muito digno empregado, e que exerceu o logar de juiz d'uma alfandega por mais de-30 annos, e que esta hoje muito perto de 80 annos, (se o«não tem já) reduzido ao ultimo estado de miseria. Nós procuramos o anno pasmado, se por algum motivo dado por este individuo, é que não tinha sido contemplado, e soubemos que elle não teve culpa alguma de que o Governo não houvesse tomado em consideração a sua sorte. Este empregado é um benemerito, e por isso merece que se faça uma proposta para emendar o defeito do seu titulo, se acaso existe, porque eu não o vejo.

Página 77

(77)

Peço portanto algumas informações á illustre commissão do Orçamento, porque não vejo que esta verba fosse restabelecida (Uma voz: O Governo não fez a proposta) Ouço dizer, que o por falta de proposta da parte do Governo; se isto e exacto, desejava saber do Sr. Ministro da Fazenda, se tem alguma medida) a propor a respeito deste desgraçadissimo empregado, porque na verdade e um mal pagar aos servidores do Estado depois de 30, ou 40 annos de serviço, e de estarem em avançada idade, colloca-los em maneira por causa de um simples defeito de formulas, não as supprindo quem as póde supprir, o que se fazer com uma proposta do Governo, e deixando ficar em mizeria este empregado, a esgotar ate ao ultimo trago o cálix da amargura, e obrigando-o a viver dos soccorros dos seus amigos

O Sr. Visconde de Castellões — Sr. Presidente, o anno passado retirou se a este empregado a verba do orçamento, porque vinha como uma ajuda de custo, que não estava auctorisada por lei, o que foi uma medida geral, que se adoptou a respeito de todos os vencimentos não auctorisados por si. Este homem continuou a prestar serviços na commissão da> Pautas, e sou obrigado a dizer, que merece mais do que elle tem, que é um titulo de renda vitalicia, dimanei! a porque elles são pagos, e eu entendia que elle devia merecer que lhe pagassem o titulo de renda vitalicia por inteiro Mãis de uma vez tenho dicto, quando se tem tractado deste negocio, que esse empregado ainda póde prestar grandes serviços, sendo collocado em uma alfandega, que é o que elle merece, porque a fallar a verdade foi deitado fóra do logar no turbilhão das demissões, sem ser merecedor disso, eis-aqui esta a razão porque elle não apparece no orçamento, nem a commisão o póde inserir sem que haja uma proposta do Governo, ou resolução da Camara

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Sr. Presidente, eu não posso seguir a Camara neste caminho de ferro, que ella vai talhando, porque temos estado ha perto de cinco mezes sem fazer nada, e hoje em menos de meia hora já temos votado quatro mil contos de despesa — Permitta-me V. Ex.ª que eu faça uma relação.

A commissão das Pautas foi creada em 18 (6, Um 13 annos de existencia, eu não sei para que é essa commissão permanente, supponho que é para corregir alguns defeitos das pautas, porem em 13 annos era tempo mais que sufficiente para se fazerem essas conexões O que eu digo e, que esta commissão foi nomeada para fazer uma reforma nas pintas das alfandegas, e que não tem feito nada, que se estão pagando todos os annos 700 e tantos por réis para (sua tribuneca, que não faz nada, porque eu vejo todos Os dias portarias explicatorias sobre differentes addições das pautas. Sobre este negocio existe um dilemma, do qual e necessario saír, ou e, ou não e precisa aquella commissão para a reforma das pautas se e precisa essa reforma, tracte de se fazer quanto antes, se não e necessaria, então acabe-se com essa commissão Eu não mando a suppressão desta verba, porque não e esta a occasião, mas seria bom que o Sr. Ministro da Fazenda tomasse em consideração, ao este negocio

O Sr. Ministro da Fazenda — O Sr. Deputado concluíu dizendo que não era esta a occasião de eliminar a verba que por elle tem sido combatida, e eu digo que não póde ser eliminada. O objecto a se dedica commissão das Pautas, não é de alterar as pautas, mas sim explical-as quando estejam obscuras, porque quando ella é clara, a alfandega cumpre os seus deveres, mas quando se suscita alguma duvída entre o empregado e o despachante, sobre o direito que deve pagar tal ou tal genero, a commissão toma conhecimento da questão, da o seu parecer, com o qual o Ministro da Fazenda manda ouvir o tribunal do Thesouro Publico. Por conseguinte não e o Ministro por seu arbitrio quem lhe diz o direito que se deve pagar, procede em virtude da consulta que sobe ao thesouro para dar o seu parecer

Ora o illustre Deputado ate certo ponto tem alguma razão, a commissão dura ha muito tempo, e de certo seria bom estabelecer um direito permanente, mas nem nos estamos nessas circunstancias, nem o Governo tem podido dar a attenção ao negocio como elle merece, em consequencia dos muitos outros de que -e tem occupado — Pelo que pertence ao empregado, eu não tenho perfeito conhecimento désse caso, se elle se acha nessas circumstancias, e digno de attenção do Governo, e o Governo terá para com elle aquella consideração que elle merecer

O Sr. Visconde de Castellões — Eu levantei-me para dar uma explicação ao Sr. Deputado, mas depois do que acabou de dizer o Sr. Ministro da Fazenda, pouco tenho a dizer, entretanto notarei que a commissão das Pautas e uma repartição creada por lei, que tem trabalhado muitissimo bem, tem feito excellente serviço no objecto de que esta encarregado e a fazenda publica, e entendo que não póde prescindir se desta commissão, em quanto senão der uma nova organisação ao Thesouro. Eu entendo que estas trabalhos deviam ser da competencia do Tribunal do Thesouro, esta e a rainha intelligencia, no entretanto digo, que é indispensavel que ella exista como a lei me trocou, porque não e para decidir das duvidas dos deputados, porque nas pautas estão marca las as verbas, que cada genero ha de pagar; mas e porque constantemente estão a apparecer novas fabricações que vem destruir toda a protecção que as nossas pautas dão a industria nacional, e é necessario fixar um direito que esteja em relação com as manufacturas, e que se sustente essa mesma protecção Ora como acontece virem essas novas fazendas a despacho, os vendedores vão vêr a pauta aquella mercadoria com que ellas tem tal ou qual analogia, e dizem, isto V I tanto, se a parte concorda, bem, mis as mais das vezes não concordam, porque os verificadores vão sempre pela maior avaliação e então estabelece-se uma questão, e faz-se uma especie de aucto de aprehensão na mercadoria, e esta contestação sobe a (ommissão das Pautas, que é a competente para isso: ella toma as informações, examina as amostras, vai vêr o genero, e disto sobe consulta ao Governo, e o Governo resolve, porque e I auctoridade competente pela disposição do art. 22.º da lei das Pautas — Ora eu estimaria que as nossas pautas fôssem perfeitas, talvez o desejo que tenho de as vêr reformadas, como entendo que devem ser, fosse motivo para se dizer que eu estou vendido aos fabricantes de Manchester, e sobre este ponto digo, que se o Governo não tomar a attenção que merece este assumpto, em breve tempo ficára destruida a protecção da nossa industria, eis aqui a ra-

Página 78

(78)

zão porque digo, que aquella commissão deve continuar, e porque de mais a mais, é uma commissão que trabalha de graça e que reune immensos conhecimentos praticos, com os quaes faz um serviço excellente.

O Sr. Moniz: — Pelo que pertence á pessoa que o illustre Deputado acabou de referir-se, parece-me que ha equivocação, em razão de serem dois os empregados que existem quasi similhantemente no mesmo caso, e parece-me que em igual grao de merecimento, ou muito proximo; ha um que foi juiz de uma alfandega das provincias, não do Reino, mas das maiores que temos nas Ilhas, e ha outro empregado que é esse a que se refere o illustre Deputado. Ora se acaso nós estivessemos em liberdade para fazer propostas, eu talvez a tivesse feito sobre este caso; ruas segundo a regra que se adoptou o anno passado, ainda que me não repute todavia inhibido de a fazer, parece-me que mais proprio será vir do Governo, porque elle esta mais ao facto das razões, porque foi ou não excluido esse empregado. A respeito mesmo do que esta empregado na commissão das pautas, eu pediria ao Governo que houvesse de reconsiderar esta materia; porque não ha maior desgraça que é vêr um homem que servio o paiz por longos annos honradamente, que esteve já empregado com proveito da fazenda naquella repartição, vendo o Governo que elle póde ser vantajoso, que este homem fique lançado á margem, e na maior mizeria, e isto nos ultimos dias de sua vida. Peço instantemente ao Governo que tenha a bondade de indagar sobre este negocio, e fazer a proposta como melhor entender, e no caso de não o poder fazer, não terei remedio senão usar da minha iniciativa.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, eu estou conforme tom o illustre Deputado que diz que a commissão das Pautas tinha sido creada por uma lei, ou antes por um decreto que depois foi convertido em lei; mas não estou d'accordo em quanto S. Ex.ª disse que este era um dos objectos que não podia ser alterado, senão por uma lei; este objecto é daquelles, quanto a mim, que devia ate ser essencialmente revogado. Todos sabemos de que data é a lei, ou decreto que creou a commissão das Pautas; todos sabemos que é de janeiro de 1837; todos sabemos que nesse tempo era muito bem estabelecida essa, commissão; porque se tinha abolido o Tribunal do Thesouro Publico; portanto competia a uma lei ou a um decreto, depois convertido em lei, dirigir a maneira, porque se haviam de decidir as questões, que por ventura muitas vezes se suscitam sobre a classificação dos differentes artigos, que entram na pauta; mas é fóra de duvida que desde que se promulgou a Carta Constitucional, se devia julgar completamente revogado aquelle decreto; porque o art. 136 da Carta é muito explicito quando diz (leu.)

Se pois existe a commissão permanente das pautas, é uma excrescencia; é perfeitamente um corpo que esta fóra da letra da lei; porque uma de duas: ou a havemos de considera-lo uma secção do Tribunal do Thesouro, o que é impossivel, porque o decreto de 18 de setembro de 1844 que regula o Tribunal do Thesouro, de certo não dá essa entidade, como parte do Thesouro, e neste caso e um corpo anomalo, ou então devemos suppôr, como não podémos deixar de suppôr pelo art. 136 da Carta Constitucional que pertence isso ao Tribunal do Thesouro Publico. Logo a existencia da commissão permanente das pautas não póde justificar-se com a lei antecedente, porque é sabido, que quando se promulga qualquer lei, se suppõe sempre revogadas aquellas que se oppoem á sua providencia, e cessam de existir; isto é da natureza das cousas.

Diz-se que com a commissão senão gasta cousa alguma; pois então para que veem aqui estes 600$039 réis de despeza? Póde dizer-se que os seus membros não têem nada, concedo; mas para que é então esta despeza? E este anno ainda vem mais augmentada em 39$600 réis! Por consequencia ha effectivamente uma despeza com esta commissão, despeza que não póde ser approvada; porque ao Tribunal do Thesouro Publico é que trompete conhecer do objecto, de que ella esta encarregada; isto é o que se determina na Carta Constitucional, e que o Tribunal do Thesouro póde fazer só por si, sem augmentar a despeza. Portanto proponho a eliminação desta verba, e mando para a Mesa uma proposta neste sentido.

Emenda. — Proponho a eliminação do capitulo 5.º — Silva Cabral.

Foi admittida, e ficou em discussão com o capitulo.

O Sr. Presidente: — Antes de tudo vai dar-se conta da ultima redacção de dois projectos, que hontem foram approvados, para poderem ir para a outra Camara.

Leram-se as ultimas redacções dos projectos n.ºs 45, e 46, as quaes foram approvadas sem discussão.

O Sr. Presidente: — Aproveito esta occasião para lembrar á commissão das Estradas que o Sr. Cabral de Mesquita, hontem no fim da sessão, chamou a attenção da mesma commissão sobre o objecto importante das estradas, e como senão achavam presentes os membros da commissão, eu disse ao Sr. Deputado que logo que estivessem presentes, a Mesa lembraria á commissão este importante objecto,

Continua a discussão sobre o capitulo 5.º

O Sr. Visconde de Castellões: — Eu conformo-me com a opinião do illustre Deputado, auctor da proposta de eliminação. E certo que ao Tribunal do Thesouro é que devem pertencer estas attribuições, e conhecer de todo o trabalho commettido á commissão das Pautas; no entretanto, eu votei pela sua conservação porque entendo que é uma repartição informadora, que não faz despeza ao Estado, e que talvez sirva de apoio a estes receios, que ha a respeito da reforma das pautas, e em quanto ella existir, não póde recaír sobre mim alguma cousa que me possa ser suspeita. Portanto é do meu interesse particular votar pela permanencia da commissão das Pautas, porque não faz despeza alguma ao Estado, e o illustre Deputado, é verdade, que vê aqui um empregado com 600:000 réis de ordenado, mas é necessario que o illustre Deputado saiba que este empregado pertence ás repartições extinctas, e como tal vence aonde estiver; creio que até recebe pelo Tribunal do Thesouro. Portanto a commissão das Pautas não recebe nada por este trabalho, e apenas este anno vem aqui esta verba de 39:600 réis, que é para a despeza do papel, que se consome com as consultas. Por consequencia entendo que, nas circumstancias actuaes, não é possivel, não é conveniente mexer nada em pautas, porque se levantou já, ha poucos dias, um terror tamanho, julgando que se queriam alterar as pautas, que eu recebi em minha casa

Página 79

(79)

muitos fabricantes, pedindo-me que concorresse por todos os modos para a conservação das pautas como estão; e por consequencia, neste caso eu desejo bastante que se lhe não mexa, apezar de ter dito o contrario nas minhas representações ao Governo, porque sempre impugnei a sua existencia como estão; mas agora não quero que se alterem.

Creio tambem que o illustre Deputado esta enganado; parece-me que já depois do restabelecimento da Carta houve uma resolução que mandou continuar a commissão permanente das Pautas, e até se lhe mandou fazer um regulamento, o qual eu rejeitei, porque continha disposições que não podiam ser approvadas. Por consequencia nestas circumstancias, eu quero a conservação da commissão permanente das Pautas, porque me livra de muitas suspeitas que me podiam vir; é uma commissão de informação, que não faz despeza ao Estado, e que é muito conveniente que exista. Voto pois pela sua conservação.

O Sr. Lopes de Lima: — Não tinha feito muito caso desta verba, mesmo porque os taes 600:000 réis são para um empregado que tem serviços; porém resolvi-me, por outro motivo, a impugna-la, do que aquelle porque a impugnou o illustre Deputado que primeiro fallou.

Impugno esta verba pelo medo que tenho deste augmento dos 39:600 réis; e eu me explico melhor; impugno-a porque me parece conhecer na linguagem muito commodida e bem calculada de S. Ex.ª, que a commissão das Pautas póde servir de instrumento a esse gráo de pensamento de que ha muito tempo se deu idéa, e que causou um grande susto á classe industrial, e que foi naturalmente em consequencia disso que se parou no seu andamento. Tenho pois medo que esta commissão permanente seja instrumento, talvez innocente, para que, dando-se como pretexto os novos inventos industriaes que apparecem -de novo, se queira mexer no que ha de velho. Deos nos livre, no estado actual, de se mexer nas pautas ainda mesmo concedendo que ellas tenham alguns defeitos; isso produzirá menos mal, do que havia de produzir sòmente a idéa de uma reforma de pautas. Como pois me pareceu na lingoagem muito bem calculada de S. Ex.ª que a commissão permanente das Pautas póde servir de vehiculo para se chegar a algum resultado, neste sentido sou de opinião que tal commissão não exista, muito mais depois das judiciosas ponderações pelo illustre Deputado que se senta neste mesmo banco, de que as suas attribuições podem muito bem ser suppridas, e até mais legalmente por uma secção do Tribunal do Thesouro com a responsabilidade devida Por estas razões, voto pela proposta do illustre Deputado.

O Sr. Xavier da Silva. — Eu sinto ter de apresentar uma opinião diversa da do illustre Deputado, que acabou de fallar, e pelas mesmas razões que o illustre Deputado apresentou. Sr. Presidente, a commissão de Pautas é uma garantia para o commercio, garantia que ha de servir de grande embaraço ao Governo, se elle tiver em vista alterar as pautas.

O decreto de 10 de janeiro de 1837 creou a commissão das Pautas; na occasião em que se adoptou a pauta geral das alfandegas não havia o Tribunal do Thesouro; é verdade que depois se creou esse Tribunal, logo se instaurou a Carta Constitucional, porque se aproveitaram logo as consequencias para esse fim, que não era dos mais necessarios.

Depois da Carta restaurada, e organisado novamente o Tribunal do Thesouro, temos nós o decreto de 31 de março de 1845, que o Sr. Deputado referido ha pouco, mas que senão lembrava da data, e que tracta de crear e organisar a commissão de Pautas com as attribuições, que entendeu que lhe deviam ser dadas, ficando subordinadas ao Tribunal do Thesouro Publico. O nobre Deputado lendo este decreto (O Sr. Silva Cabral: — Esse decreto não serve para o Carpo Legislativo) o Orador: — senão serve para o Corpo Legislativo, serve para o nobre Deputado; porque no anno de 1845 S. Ex.ª era Ministro, e senão era Ministro, era membro do Tribunal do Thesouro Publico, quando se publicou este decreto, e era Deputado da Nação Portugueza, e deixou existir esta commissão de Pautas pela maneira como esta constituida por esse decreto. Mas vamos a outro caso; o que é a commissão de Pautas? É algum tribunal creado para julgar ou para exercer attribuições como as de algum tribunal ou repartição creada segundo a Carta Constitucional? Não, Senhor. E uma commissão encarregada de consultar aquelles objectos, que lhe estão submettidos, e que lhe estão determinados, e é uma commissão que informa para o Governo decidir; a commissão consulta, e não decide. A commissão de quem é composta? E composta de todos os elementos, que podem ser necessarios para bem poder informar o Governo em questões desta ordem, e o Tribunal do Thesouro que não póde, por muita que seja a sciencia dos membros que o compõe, attender a tantos ramos do serviço, consulta a commissão das Pautas nestas questões, e a sua consulta serve-lhe de guia, e approva-a ou rejeita-a. Eu pela minha parte tenho já tido presentes bastantes consultas da commissão de pautas, quando já tive a honra de ser membro da commissão de commercio e artes, e na occasião que se tractou de se alterar as pautas, e apezar da pouca experiencia que tinha do commercio, eu vi, por varias vezes, o bom serviço que essa commissão de pautas esta praticando, cuja commissão até póde servir para quando se quizer alterar as pautas, e o Tribunal do Thesouro o não puder fazer com tanta facilidade. Eu da minha parte tendo como devo ter, toda a consideração com o Tribunal do Thesouro, comtudo fica um pouco mais descançada a minha consciencia, quando neste objecto tiver de ser ouvida uma corporação que representa interesses de diversas classes da sociedade, e ainda que o Governo queira resolver o objecto de pautas de uma maneira que não seja favoravel aos interesses do commercio e da industria, não o poderá fazer com muita facilidade, porque lhe obsta, e sempre lhe hade obstar qualquer consulta da commissão.

Ora trouxe-se aqui o caso do ordenado do secretario. Eu posso dizer, e posso asseverar ao nobre Deputado que o secretario da commissão de Pautas é um empregado da extincta junta real do commercio e artes, o que é facto é que esse empregado tem um titulo de renda vitalicia, e que se acaso não estivesse na commissão de Pautas, tinha esses 600$000 réis, estando elle em sua casa, e não julgue a Camara que faz economia em tirar este ordenado; e devo dizer que não me parece que seja para tractar aqui de incidente, na occasião de se discutir o orçamento, o dar á commissão de Pautas esta ou aquella organisação, e nem ao Tribunal do Thesouro esta

Página 80

(80)

ou aquella attribuição. Se se entende que não deve haver a commissão de Pautas, isso ou é negocio que pertence ao Governo, ou é negocio que pertence ao Corpo Legislativo; faça-se o projecto, discuta-se, e maduramente examine-se o negocio, mas não entendo que por incidente se deva dizer = desappareça daqui a commissão. = A commissão de Pautas é uma garantia para o commercio e para a industria. Eis o quanto eu posso dizer, resultado da experiencia que tenho tido. Os vogaes desta commissão são todos gratuitos, e os seus vogaes são tirados das differentes classes da sociedade, e em qualquer occasião que se tracte de alterar a Pauta, dão uma garantia segura á sociedade de que o seu parecer será sempre favoravel a essas classes que representa, e é preciso que haja um Tribunal de homens practicos, e que sejam ouvidos os seus conselhos, e, Sr. Presidente, em Portugal o que lemos menos é, repartições consultivas; antigamente haviam bastantes e muito boas, e quando os negocios tinham de sair, appareciam sempre com mais conhecimento de causa: por tanto rejeito a emenda, e voto pelo artigo.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, eu é que abri esta discussão, e não mandei para a Mesa a proposta que fez o illustre Deputado, porque me pareceu que não era necessario; mas depois que ouvi fallar os nobres Deputados que defendem o artigo, estou muito bem convencido da necessidade da suppressão da verba. SS. Ex.ª disseram, que o Thesouro não se aggravava com a verba deste empregado, portanto sendo da extincta junta do commercio, tinha um titulo de renda vitalicia, e se lhe dava egual ordenado, sendo ou não sendo empregado na commissão de Pautas, lendo um titulo de renda vitalicia que lhe dá 600$000 réis. Se assim é, não merecia a pena de uma explicação tão calorosa para provar a necessidade da verba; tenho aqui o orçamento e nelle vejo: Presidente com, 10 vogaes com, e o secretario é um que tem 600$000 réis, e que se não estivesse aqui, estaria em qualquer verba; mas não posso conformar-me com o que disse S. S. permitta o illustre Deputado que lhe diga que ás vezes avança heresias: disse agora S. S.ª: — não é aqui a occasião de discutir e propor a suppressão da verba ou não suppressão. — Peço ao nobre Deputado que tenha a bondade de dizer-me para que passamos revista ao orçamento? É para um fim; é para approvar ou para rejeitar; parece que isto é tão logico que não merece a mais pequena resposta; se é para rejeitar ou para approvar que passamos em revista o orçamento, não deve vir com a questão de que a verba tanto faz vir aqui, com n'outra parte. Diz-se constantemente nesta Camara que não e occasião agora para propôr isto ou aquillo.

Sr. Presidente, V. Ex.ª hontem quando fez a proposta para haver mais uma hora de sessão, mostrou que não tinhamos feito nada, hoje já temos approvado 4 mil contos de réis; mas esta proposta que V. Ex.ª fez, não é para as discussões irem a correr; eu já disse e repito, que não posso acompanhar a Camara neste caminho de ferro, em que vão as suas decisões; já senão póde dizer que o Parlamento não tem questões importantes para resolver, a questão importante da lei das estradas, e lei eleitoral, e objectos de commercio, não se tractou, agora no fim da sessão vem discutir-se o orçamento; nós temos 15 dias de sessão, e em cada sessão mais uma hora, tem assim mais 16 horas, e em 16 horas havemos decidir o que não pudemos decidir em 4 mezes, o que não e possivel! Ha pouco tempo o Sr. Ministro da Fazenda declarou que não se adiava o projecto administrativo, mas poz de parte o projecto administrativo para depois de votado o orçamento, temos a discutir a lei de meios, temos a discutir a lei adminÍ9-.traliva, e tudo em 15 dias, isso é impossivel. Concluo votando pela proposta de eliminação.

O Sr. Presidente: — Não disse eu hontem que a Camara não tinha feito nada, mas disse que tinha feito bastante, e que tinha muito para fazer, e por isso era preciso que durassem as sessões 5 horas. Devo dizer que nesta verba já tem fallado 11 Oradores; em algumas tem fallado 2 ou 3, e n'outras não tem fallado ninguem, porque não tem pedido a palavra; não se tem querido abafar as discussões (apoiados)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, eu não posso concordar com o illustre Deputado que me precedeu no sentido de defender o artigo, nem com a razões do nobre Deputado. Uma das primeiras razões que o nobre Deputado apresentou, e que parece ser a fundamental do seu discurso, foi que existe um decreto que tinha creado a commissão de Pautas, o qual tem a data de 45; nós não devemos aqui guiar as nossas decisões por aquillo que tinha sido feito por um decreto, mas pelo que esta feito segundo a Carla. Permitta o illustre Deputado que lhe diga, que não é mais forte o decreto que creou a commissão de Pautas, do que aquelle que tractou da reorganisação do Tribunal do Thesouro, e das leis organicas; é o que manda a Carta expressamente que exista, quando fallou das attribuições do Thesouro, e em segundo logar o decreto não póde, pela sua propria natureza, ir contra as decisões da Camara, quando tracta da fiscalisação da despeza do Estado.

Mas ouvi dizer que esta commissão não faz despeza ao Estado, e não faz despeza ao Estado, porque apenas apparece uma verba de 39 mil e tantos réis para expediente, e diz-se que o secretario ainda que traz marcado 600/000 réis, esse objecto faz já parte do ordenado ou vencimento que tem como pertencendo ás classes inactivas. É porém notavel o zêlo que tem este empregado, estando a exercer esse logar pelo mesmo ordenado que podia comer tranquillamente em sua casa, realmente é esta uma daquella» virtudes difficeis de encontrar, e é para essas virtudes que se deve prestar toda a attenção! Entretanto permitta-me o nobre Deputado que note que deve haver alguma differença na fórma de pagamento para compensar este empregado por este zeloso serviço (Uma voz: — Ha, lia). O Orador: — Então diga-se que ha, que ha uma differença entre o funccionario que recebe um titulo de renda vitalicia, pago com atraso, e aquelle que recebe integralmente. Mas, Sr. Presidente, note-se que além dos 600$000 réis pagos integralmente, vem mais a gratificação de 39$600 réis passa expediente; ora parece que esta despeza não esta sufficientemente justificada, por isso que pertence á repartição do Thesouro o expediente, e direcção de taes negocios. Eu quero repartições com responsabilidade, quero a responsabilidade effectiva de todos os funccionarios do Estado, não quero repartições anómalas, e sem responsabilidade, sem attribuições fixas e determinadas, que sirvam de escudo

Página 81

(81)

a qualquer excesso; quero que cada um responda por aquillo que fizer no exercicio de suas funcções.

Diz-se que ha uma grande utilidade na conservação desta commissão de Pautas, que resulta da respeitabilidade dos individuos que a compõem, e que esta no caso de poder dar um e mil conselhos ao Governo, por isso que reconhece melhor os interesses que representa. Mas pergunto ao illustre Deputado: aonde esta o mandato dessa commissão? Qual e a lei que a auctorisa? E porque o tribunal do Thesouro Publico, que é o competente, não ha de ser o que tracte dessa negocio, pedindo os esclarecimentos necessarios, levantando todos os inqueritos, para elle decidir com conhecimento de causa? Para que ha de recorrer ao voto de uma commissão, que não serve senão para nos apresentar mais esta galeria decifras, muito concisa, mas que sempre é despeza?

Diz o illustre Deputado que lhe tem passado pelas mãos diversas consultas desta commissão; mas creio que o illustre Deputado concordará que não e isso razão sufficiente para mostrar que esse corpo deve continuar a existir, quando não ha lei que o auctorise, e quando a mesma Carta Constitucional se oppõe á sua conservação.

Por consequencia voto pela eliminação proposta pelo illustre Deputado.

O Sr. Silva Cabral: — O illustre Deputado convidou-nos já hoje para o acompanharmos na reducção das despezas, quando se tractava da questão previa, e vejo com sentimento, que na primeira reducção que se apresenta, o illustre Deputado vai contra o seu proprio sentimento. Sr. Presidente, o illustre Deputado póde considerar muito valiosos os serviços da commissão permanente das Pautas; mas a questão hoje é outra, e como eu a apresento tanto não tem replica, que o mesmo illustre relator ou presidente da commissão disse que era inteiramente legal e conforme com a lei a rainha proposta, e que só por melindre elle deixava de votar por ella. Nós devemos respeitar o melindre do illustre Deputado para dirigir o seu voto como entender melhor; mas o que não podemos como Camara de Deputados, é sujeitar o nosso voto a melindres, mas unicamente á lei (apoiados).

É verdade que a commissão das Pautas, for creada por decreto de 10 de janeiro de 1837? E verdade, É verdade que o foi em consequencia de não existir o Tribunal do Thesouro, porque pela Constituição de 1838 não havia Tribunal do Thesouro? E verdade. É verdade que a Carta Constitucional existe hoje, e que á vista da sua letra esta commissão não póde continuar a existir? É verdade. Como pois, nós, Camara dos Deputados que temos obrigação de velar pela observancia das leis, podemos deixar continuar a existir esta commissão, sómente porque existe um melindre do presidente da commissão, que reconhece que aquellas attribuições são do Tribunal do Thesouro Publico? E porque um Sr. Deputado diz que convém que haja a commissão para auxiliar o presidente da commissão, ha de a Camara ir contra as leis? De certo que não. Pergunto eu: o Tribunal do Thesouro não dá mais garantias ao estado e ao commercio? De certo que dá, porque não é possivel deixar de attender a todas as classes, não é só a uma ou outra, como acontece com a commissão das Pautas, tem obrigação de attender a todas as classes, commercial, industrial, etc., e se o Tribunal proceder de outra maneira, é responsavel por isso; mas não se póde dizer que se conserve um corpo para auxiliar um tribunal, quando esse tribunal não pede essa conservação.

Disse-se por outro lado: — não se faz despeza com esta commissão. Supponhamos que não ha despeza nenhuma; ainda assim não póde continuar a existir, porque não ha nada mais irregular do que conservar no orçamento uma cousa que é repugnante com a Carta Constitucional; mas é que ha effectivamente essa despeza, e o illustre Deputado conhece muito bem a differença, que faz um individuo das classes inactivas estar em serviço activo, ou não estar; isto não importa nada menos do que metade do ordenado; quero dizer, tem 600 mil réis, em quanto que, se estivesse nas classes inactivas, tinha só 300; a differença é só de metade, e fóra os 39:600 réis. Ora nós não estamos tão ricos que devamos despresar todas estas pequenas quantias, porque depois de juntas fazem uma somma grande, que serve para ajudar a satisfazer aos verdadeiros encargos publicos.

Não se póde fazer argumento com o decreto de 2 de março de 1845, artigo 2.º, § unico; eu disse, quando o Sr. presidente da commissão de Fazenda lembrou que havia uma providencia posterior, eu disse que não, porque realmente a não ha, a lei estava na lei de 1837; um decreto não é senão um regulamento do Poder Executivo. E claro que o Governo lhe devia dar um regulamento, mas este regulamento não é lei, e por isso não se póde argumentar com elle. O decreto foi dado em 2 demarco; ora é visivel que desde que se apresentou esta data, ficou destruida a imputação que se quer fazer, de que pertence ao Ministerio de que fiz parte, mas ainda que assim fosse, isso não era argumento, porque pelo facto de uma cousa se fazer mal feita, não se segue, que se não reconheça para se emendar convenientemente (apoiados), e para isso estamos nós aqui. Não ha lei que auctorise a conservação desta commissão; nós não devemos conservar senão o que é indispensavel; a commissão não é necessaria, por consequencia não deve ser conservada.

O Sr. Xavier da Silva: — Quando alludi á data do decreto com referencia ao illustre Deputado, não foi com a menor intenção de o tachar de contradictorio; foi só para mostrar que este negocio me parecia tão ligado com a legislação actual, que S. Ex.ª que é tão austero, se não poderia oppôr. Mas, Sr. Presidente, vamos segundo o decreto de 10 de janeiro. O que é esta commissão das Pautas? Diz o decreto de 10 de janeiro de 1837 (leu). Depois daquelle decreto creou-se o Tribunal do Thesouro em conformidade com a Carta, e depois de já estabelecido é que veiu o decreto de 2 de março de 1845; e ninguem dirá que esta commissão, se por ventura se julgasse que era contra a Carta, o Tribunal do Thesouro, como tal, não reclamasse contra estas attribuições novas, que se lhe davam. E o que diz este decreto? Diz (leu). De maneira que o Governo entendeu em 1845 que continuasse a commissão das Pautas para preparar trabalhos para serem presentes ao Parlamento, que é o trabalho principal da commissão das Pautas, porque o Governo não tem auctoridade para poder alterar as pautas, isso pertence ao Poder Legislativo, e todas as vezes que isso se faça, a commissão tem de apresentar os trabalhos preparatorios para o Corpo Legislativo dar o seu parecer sobre elles; e para não cançar a Camara,

Página 82

Veja-se o que diz esse decreto desde o primeiro artigo até ao decimo.

O illustre Deputado por Vizeu, com os conhecimentos que lhe são proprios, tractou o meu argumento como quasi sempre costuma tractar tudo quanto eu digo; não sei se esse e o melhor modo de argumentar nesta Casa; o nobre Deputado entende que argumenta bem quando ridicularisa os outros, eu respeito a S. Ex.ª, é o unico modo porque lhe posso responder, e não só como Deputado da Nação Portugueza, mas porque sou sinceramente seu amigo, e admirador da sua illustração, e da sua sciencia.

Sr. Presidente, eu disse quando se tractou da discussão — que esperava que o nobre Deputado pelo Douro me havia de auxiliar, e a commissão toda, na occasião da discussão — e já tenho a fortuna de ver que S. Ex.ª, mais de uma vez, tem tomado parte na discussão, e que por ultimo se lembrou de propôr uma economia, porque lhe pareceu que era possivel existir sem prejuizo do serviço. Eu combati a proposta de S. Ex.ª por me parecer que era contraria á Carta, e ás instituições de Portugal, emquanto porém a ser possivel ou não reduzir-se essa despeza, parece-me que a questão não consiste nisso; o que é facto é que a commissão é composta de dez cidadãos tirados das differentes classes industriaes e commerciaes, estes cidadãos reunem se uma ou duas vezes por semana n'uma casa proxima da alfandega, aonde se reune a commissão das Pautas, este empregado, que é aquelle de que se tracta para se fazer a economia, tem um titulo de renda vitalicia, creio eu, e estou persuadido que pelo facto de estar em exercicio recebe por inteiro o seu titulo; por conseguinte toda a economia que os illustres Deputados apresentavam era 300$000 réis, mas pergunto eu — quererá a Camara prescindir dos conhecimentos e dos trabalhos deste empregado pelo pretexto unicamente de que se elle não estiver em actividade, lhe não serão dados os 300$000 réis? Parece-me que a questão não vale a pena, mas muito menos vale a pena a questão da despeza do expediente, porque entendo que a Camara não quererá que aquelles que vão servir de graça, ponham de mais a mais da sua algibeira para a despeza do papel e pennas, e que tenham um escrevente a quem paguem, visto que se reunem, e fazem um serviço certamente muito util á sociedade em darem o seu voto.

Agora, Sr. Presidente, direi que a commissão das Pautas não limita a jurisdicção nem as grandes attribuições do Tribunal do Thesouro, é meramente consultiva, o Tribunal tem na sua máo o approvar ou deixar de approvar as consultas da commissão das Pautas, uma vez se conforma, outras não se conforma com ellas; nós temos visto destes exemplos sem numero todos os dias. Por conseguinte entendo, que o artigo se deve approvar, e que a emenda se deve rejeitar; a Camara faça o que entender.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se a materia discutida, e depois de rejeitada a emenda de eliminação do capitulo 5.º, foi approvado este capitulo.

Passou-se ao capitulo 6.º

O Sr. Pereira dos Reis: — Não presumi que fossemos hoje tão longe nesta questão, por isso me não aparelhei com alguns documentos, que poderiam esclarece-la em parte: infelizmente tenho a quasi certeza da inefficacia das minhas palavras; mas embora; devo em desempenho desta triste obrigação que me cabe, dizer sempre o que entendo; mas eu entraria mais na questão, se soubesse que este objecto entrava hoje em discussão, por que então viria munido com os documentos competentes.

Sr. Presidente, eu não impugno a verba, mas assevero á Camara que se ella fosse rigorosamente esmerilhada, a Camara havia de admirar-se, havia de pasmar. Existem trabalhos, de que o Governo tem conhecimento, feitos por pessoas que visitaram as localidades, e que não soffrem, não admittem a menor contestação, e que comtudo jazem cobertos de poeira! Para ver que este negocio das alfandegas corre mal, basta correr pelos olhos este orçamento. Ha uma alfandega importante (citarei apenas um exemplo, não quero cançar a Camara) que devia dar ao Thesouro 20 ou 30 contos, e o Thesouro gasta com essa alfandega 200 a 300 mil réis por anno! Sr. Presidente, eu tremo das providencias que se adoptam entre nós, a respeito de certos negocios; esses negocios depois das providencias dadas, ficam geralmente fallando, peiores do que estavam. A collocação das alfandegas menores do Reino e uma collocação barbara. Eu fallarei apenas daquellas que me são mais conhecidas: bastará notar que em 36 legoas de raia temos apenas cinco alfandegas com uns poucos de registos perfeitamente inefficazes, com uns poucos de registos, que ou protegem o contrabando, ou servem de obstaculo á liberdade de commercio. Sr. Presidente, de Caminha a Melgaço creio que distam 7 legoas, nessas 7 legoas aonde a fiscalisação é muito mais facil, por que depende apenas de um rio, temos 5 alfandegas; no espaço de 17 legoas de raia secca nâó ha uma só alfandega, ha uns poucos de registos miseraveis, cujos guardas se acham no estado, em que se acham quasi todos os empregados dependentes do Thesouro, e que portanto são facilmente subornados. Mas para que se veja a desordem deste systema, bastará tambem notar que nessas 5 alfandegas que temos n'uma das margens do Minho, a fiscalisação é feita com 5 botes podres. É preciso ainda notar que existe alli uma perfeita inutilidade, que são os guardas a cavallo. Não se olha por isto, e digo que não se olha por isto, por que as representações em que se reclamaram providencias sobre o negocio, jazem, como disse, cobertas de pó. Um homem honrado, um funccionario dignissimo, benemerito do emprego que exerce, fez um plano para a reforma dessas 6 alfandegas; fez um plano para a melhor collocação das alfandegas do Minho, e com esta reforma lucrava o Thesouro, e a collocação era muito mais perfeita; lucrava o Thesouro, porque redundava em beneficio delle uma economia de mais de 1 conto de réis. A proposta subiu por um dos Ministerios ao conhecimento do Governo, o Governo respondeu á auctoridade que a enviou, que a trouxe ao seu conhecimento — o Governo ha de ponderar o negocio e resolver a respeito delle com verdadeiro conhecimento de causa, depois de ouvir Os homens competentes! Sr. Presidente, estas reformas feitas a distancia das localidades, são quasi sempre imperfeitissimas, estudamos aqui em Lisboa sem conhecimento algum topografico, sem conhecimento das localidades, o que só alli póde aprender-se, o que só ali póde conseguir-se. E reconhecido por todas as pessoas que teem entrado neste assumpto, que os dire-

Página 83

(83)

dores de circulos são entidades desnecessarias, porém a este respeito e a respeito de outras cousas similhantes de perfeita sinecura, não existe máo de ferro; para ahi é que são as contemplações, por isso os negocios de fazenda estão nas circumstancias em que os vemos.

Sr. Presidente, eu não fallo nem pro nem contra o capitulo, e se faço estas ponderações, se faço estas observações, é em desempenho de um dever que me incumbe, é porque ainda não perdi de todo a fé, é porque entendo que o actual Sr. Ministro da Fazenda depois de as ouvir, depois de ouvir um homem practico, não fará o que fez algum dos seus collegas, por que effectivamente depois de um facto que eu denunciei ha dias, estranhei que no dia seguinte, no mesmo dia se possivel fosse, não apparecesse a providencia conveniente. Este esforço que fazem os homens independentes, é coberto de sarcasmos no dia seguinte, por quem neste logar não tem anímo para levantar a voz, e para combater o supposto adversario.

Sr. Presidente, esse negocio não morreu, e protesto mil vezes que eu hei de interpellar o Sr. Ministro da Fazenda n'um dos dias seguintes; hei de perguntar (perdoe-se-me, se esta interrupção vem um pouco fóra de proposito) se S. Ex.ª foi ouvido para que a commissão Administrativa da casa da Misericordia faça loterias, que annullam perfeitamente a loteria do Governo.

Mas voltando a este negocio, e pedindo á Camara desculpa de lhe ter tomado o tempo, eu peço instantemente ao Sr. Ministro da Fazenda, que olhe pela questão em que eu toquei, como deve, que veja se organisa por uma vez este serviço das alfandegas menores. Posso asseverar a S. Ex.ª, pelos conhecimentos praticos que obtive, que essa organisação é pessima, e quando eu me explico assim, Sr. Presidente, não tenho duvida de correr com toda a responsabilidade das palavras que pronuncio nesta Camara. Votarei por agora por este capitulo na parte a que me referi, mas peço e confio em que o Sr. Ministro da Fazenda, a quem não considero ainda eivado de certa indisposição, que olhe pelo mesmo como lhe incumbe.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, eu agradeço ao nobre Deputado a prova de confiança com que acaba de honrar-me, e á qual sou bastante reconhecido, e correspondendo-lhe posso assegurar a S. Ex.ª que a reforma das alfandegas é um dos objectos que occupa a minha maior attenção, e que se eu continuar a exercer o cargo de Ministro da Fazenda, assim que as Côrtes acabem de exercer as suas funcções, é esse o primeiro negocio de que me hei de occupar. Reconheço com o nobre Deputado, que da organisação actual das alfandegas veem gravissimos inconvenientes, e que em logar da fazenda se fiscalisar, muitos de seus direitos se lhe desencaminham. Eu neste pouco tempo que tenho de exercicio

como Ministro da Fazenda, tenho reconhecido praticamente que effectivamente em muitos pontos, era logar de se fiscalisarem os direitos, desencaminham-se, e por consequencia a receita diminue consideravelmente, havendo em algumas das alfandegas esse facto singular a que o nobre Deputado se referiu, de não renderem para as suas despezas. Por consequencia esteja certo o nobre Deputado, esteja certa toda a Camara de que uma promessa que eu já aqui fiz, respondendo a uma interpellação de um nobre Deputado que se senta nos bancos superiores, ha de ser fielmente cumprida, tanto quanto estiver nas minhas fôrças.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, no art. 21., classe 2. veem as verbas respectivas ao circulo das alfandegas maritimas do Algarve. Todos os directores das alfandegas deste circulo teem do ordenado 300:000 réis á excepção do director da alfandega de Faro que tem 250:000 réis. Não posso comprehender a razão da differença para menos, seria mais rasoavel a razão de differença para mais, porque Faro é a capital do Algarve ecclesiastica e administrativamente fallando, e Faro é a alfandega de maior importancia do Algarve, tem tres barras que precisam ser fiscalisadas, que teem relações mais directas com praças, com as quaes se póde entrar em relações por contrabando, isto é pela alfandega de Faro sáem as embarcações de pequeno lote, que teem relações com Gibraltar, e Cádis. Não vejo portanto que haja razão sufficiente para se dar ao director da alfandega de Faro 250:000 réis, em quanto que ao director da alfandega de Lagos se dão 300:000 réis, ao director da alfandega de Portimão que é uma villa, 300:000 réis, ao de Olhão que é uma pequena villa, que fazia parte antigamente da comarca de Faro, dão-se tambem 300:000 réis, ao de Setubal 450:000, aos da Figueira, Vianna, etc. mais de 300:000 réis, em summa todos teem 300:000 réis no Algarve, e só o de Faro tem 250:000 réis. Por todas estas razões mando para a Mesa a seguinte

Emenda. — Proponho que o ordenado do director da alfandega de Faro seja igualado ao ordenado de todos os outros directores do Algarve. — Assis de Carvalho.

Foi admittida, e ficou em discussão com o capitulo 6.º

O Sr. Presidente: — É um additamento; ficará considerado como emenda ao capitulo, para se podér votar em separado.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma; porém na primeira parte hão de ser lidos alguns pareceres que se acham sobre a Mesa. Está levantada a Sessão. — Eram cinco horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×