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N.º 10. Sessão em 12 de Maio 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 52 Srs. Deputados.

Abertura — Aos tres quartos d'hora depois das onze da manhã.

Acta — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officio. — Do Sr. Antunes Pinto, datado de hontem, participando que por ter de assistir a um conselho de familia no inventario da Senhora D. Carlota Joaquina, talvez não podesse assistir ao principio da sessão de hontem. — Inteirada.

O Sr. Presidente: — Este officio chegou hontem a tempo em que se estava já na ordem do dia; por isso não se fez presente á Camara.

Tambem se mencionou na Mesa.

Representações. — 1.ª Dos escrivães dos juizes de paz dos districtos de Santo Thyrso, S. Thiago do Bougado, S. Mamede do Coronado, e Santa Eulalia de Lamelas, apresentada pelo Sr. Corrêa Caldeira, expondo a miseria em que se acham por effeito da reforma da tabella dos emolumentos judiciaes, e pedindo sejam annexadas a seus officios algumas attribuições que melhorem a sua sorte. — Á commissão Especial de Tabellas, e á de Legislação.

2.ª Dos escrivães dos juizes de paz da cidade de Braga, apresentada pelo Sr. Ferreira Pontes, no mesmo sentido da antecedente. — Ás mesmas commissões.

Pelo que toca a outras representações, apresentadas hontem pelo Sr. Correa Caldeira, de differentes camaras municipaes, e juntas de parochia do districto administrativo de Vianna do Castello, em que pedem a conservação daquelle districto na reforma que se houver de fazer na divisão do territorio, disse

O Sr. Presidente: — Estas representações, como são dirigidas a Sua Magestade, remettem-se ao Ministerio do Reino, porque não póde a Camara tomar conhecimento dellas.

O Sr. Palmeirim: — Tenho a honra de mandar para a Mesa uma representação da camara municipal da cidade de Vianna do Castello, em que mostra a importancia local daquella cidade, bem como a conveniencia que resulta para toda aquella localidade da conservação do governo civil, que tem a sé de em Vianna do Castello, e pedem a conservação do districto de Vianna na nova reforma administrativa que ora se discute.

Mando tambem outra representação de varios empregados das repartições extinctas, que servem no Supremo Tribunal de Justiça, em que pedem que no orçamento se attenda aos seus vencimentos. Já que estou em pé aproveito a occasião para pedir á illustre commissão de Administração Publica que, logo que lhe seja possivel, dê a sua opinião ácerca do projecto apresentado pelo Sr. Deputado por Traz-os-Montes, o Sr. Ferreira Pontes, relativo aos Sanctuarios de Braga, e de Nossa Senhora da Abbadia.

O Sr. Presidente: — Quanto á primeira representação, é remettida ao Governo, por isso que é dirigida a Sua Magestade; quanto á segunda, manda-se extractar; e relativamente á recommendação feita á commissão de Administração Publica, ella a ouviu, e lhe dará a attenção devida.

O Sr. Cerdeira: — Mando para a Mesa uma representação dos escrivães dos juizes de direito, e dos de paz do districto de Lamego, em que pedem providencias contra os prejuisos, que lhes causa a reforma da tabella judicial. — Ficou para seguir os termos regulares.

O Sr. Pereira dos Reis: — Sr. Presidente, vai-se verificando, o que eu previ do meu desgraçado projecto sobre a livre importação do chá: foi remettido ao Governo, para que ouvisse ácerca delle, não só a Alfandega Grande de Lisboa, mas as associações commerciaes de Lisboa e Porto: a Alfandega cumpriu, e na secretaria existe a informação a este respeito, que é muito a favor do meu projecto, mas não ha nada a respeito das associações de Lisboa e Porto. Limito-me a referir o facto, não direi mais nada a este respeito.

Aproveito tambem a occasião para pedir á illustre commissão de Commercio e Artes, que haja de apresentar o seu parecer sobre o projecto, que offereci para a extincção do monopolio do sabão.

O Sr. Presidente: — A commissão de Commercio e Artes tem dois negocios do Sr. Deputado affectos a ella, dos quaes na verdade pouco se tem occupado. É uma commissão eleita pela Camara, e que deve dar conta dos objectos que ella lhe remette. A commissão reconheceu já a urgencia desses objectos, e se a commissão precisa de esclarecimentos, peça-os, porque o Governo tem obrigação de dar as informações necessarias.

O Sr. Passos Pimentel: — Sr. Presidente, tendo eu tido a honra de ser o primeiro que encetei a discussão sobre estradas, e tendo varios Srs. Deputados clamado por esses trabalhos, eu tenho estado mudo, vendo que a commissão tem dado respostas satisfactorias, e rasoaveis a essas reclamações; mas, Sr. Presidente, a verdadeira satisfação é apresentar-se aqui esse projecto, que é reclamado por todo o paiz, para

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vermos se ainda podémos utilisar esses onze dias, que houve de discussão. Eu não lanço censura de maneira nenhuma á illustre commissão; não sei o estado em que se acha esse objecto, nem o trabalho que ha preparado; o que lhe rogo, como Deputado, e que apresente um trabalho a esse respeito; e oxalá que elle seja tão bom, e tão adequado ás circumstancias do paiz, e agradavel á maioria desta Camara, que possa inda nesta sessão ser discutido. Parece-me que posso perder toda a esperança de levar este projecto em lei para a minha terra; e todas as palavras que eu podesse dizer, por muito bem alinhavadas que fossem, de certo não o consignariam; mas não obstante isso eu rogo a V. Ex.ª que peça a illustre commissão queira apresentar o seu trabalho sobre este importante objecto, para ser convertido em lei, porque é talvez a primeira necessidade do paiz.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente a commissão de Estradas, como ainda ha poucos dias tive a honra de participar á Camara, procurou chegar a um resultado dos seus trabalhos; estão já redigidas as bases, eu e o Sr. Palmeirim estamos de accôrdo, e o Sr. Lopes de Lima, da sua parte, não tem duvida de annuir a ellas, com algumas modificações; mas a commissão não póde progredir daqui para diante, porque precisa de ter uma conferencia com o Governo, por ser um objecto altamente governativo, a que o Governo não póde ser estranho; e que «) Sr. Ministro do Reino declare, se acceita a responsabilidade do que vier á discussão. A commissão tem reduzido a discussão ao menor numero de artigos possivel; nos seus membros não póde haver dissidencia nenhuma, o que nos resta é saber qual é a opinião do Sr. Ministro do Reino sobre este negocio, e que S. Ex.ª designe o dia, em que quer vir a uma reunião; porque a commissão não póde por mais tempo, nem mais um dia, supportar esta responsabilidade em presença da Camara, e em presença do paiz.

O Sr. Palmeirim: — É sempre com muita desagradabilidade que me levanto para fallar sobre este negocio das estradas; porque como Deputado que, tendo levantado a sua voz em favor das estradas do Reino na sessão do anno passado, tendo sido membro da commissão interna e externa, e tendo sido relator de um projecto destinado para este fim, e depois disso, tendo-se retirado o projecto da discussão, por delicadeza para com o Governo, e para com os meus collegas, e amigos, não tenho dito aqui toda a verdade: arrependido estou de o não ter feito. Não é por caprichos, nem resentimento, devo ter outro proposito mais nobre, que é o sentimento do paiz: nesta situação, Sr. Presidente, dei-me ao trabalho de redigir um projecto de bases para o negocio das estradas. Pedi ao sr. presidente da commissão das Estradas, que se reunisse um dia desta semana (e peço perdão aos meus collegas, e amigos da commissão de dizer esta verdade; porque já não e tempo de continuar a ser victima expiatoria) deram-se as 10 horas da manhã para a reunião da commissão: estive aqui, e trouxe esse tal ou qual trabalho das estradas, mas achei-me só. Tenho exposto toda a verdade: o sr. presidente da commissão não compareceu, mandou-me uma carta, dizendo, que estava doente: por consequencia declaro tudo isto para declinar de mim qualquer responsabilidade, que me possa caber pelos atrasos dos trabalhos da commissão. Vendo porém o pouco fructo que tiro dos meus trabalhos, esta circumstancia, e os desgostos que me tem trazido esta commissão, me levam a pedir á Camara, que me dispense de continuar a pertencer á commissão das Estradas: como Deputado tomarei parte na discussão; mas declaro que não posso pertencer a esta commissão.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Eu pedi a palavra para dizer unicamente a V. Ex.ª e á Camara, que o Sr. Ministro do Reino não tem comparecido nas discussões, porque objectos do serviço o tem impedido: entretanto eu tômo nota, de quaes são os desejos dos membros da commissão de Estradas, e de certo S. Ex.ª não terá muita demora em acceder a esses desejos.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para chamar a attenção da illustre commissão de Fazenda sobre uma representação, que um Sr. Deputado, meu amigo, apresentou ha dias, da companhia de seguros — Fidelidade. — Não é minha intenção censurar a illustre commissão de Fazenda, na qual reconheço o grande disvello com que se entrega, aos negocios que lhe são commettidos; peço porém que apenas tenha algum tempo disponivel, apresente-o seu parecer sobre a representação a que alludo; porque me parece de toda a justiça, por isso que se exige o pagamento de decima industrial relativa a annos em que a companhia não foi collectada, dando-se assim por este addicionamento de imposto um effeito retroactivo á lei. Para poupar tempo á Camara reservo para occasião opportuna o desenvolvimento desta douctrina

Aproveito tambem esta occasião para chamar a attenção do Governo sobre um assumpto, que reputo da maior transcendencia, relativamente aos gravissimos prejuizos que esta soffrendo a Ilha da Madeira, com as providencias sanitarias, e regulamentos de quarentena, contra a introducção da cholera asiatica; e visto não estar presente o Sr. Ministro do Reino, peço aos seus Collegas, que se acham na Sala, para que tomem a nota deste facto, para o communicarem a S. Ex.ª, e se darem as providencias que acertadas julguem.

Os males que soffre a Ilha da Madeira por este motivo são immensos, e sem os encarecer, apenas direi que não desembarcam no Funchal os muitos passageiros, que por alli passam para as West Índias, nem tão pouco as guarnições, tripulações e passageiros de muitos navios de guerra e mercantes, que tocam naquelle pôrto; no que muito é prejudicado o commercio, e soffrem grande perda as classes, que ordinariamente vendem os seus fructos e artefactos a estrangeiros, outras que tiram o lucro e a subsistencia de varios generos de serviço. E isto não é tão pouco importante, que, por exemplo, no anno de 1814 não tenham entrado no porto do Funchal 250 navios com destino para a Madeira, e 126 que tocaram no porto; no anno de 1845, 192 dos primeiros, e 131 dos segundos; no anno de 1846, 273 dos primeiros, e 106 dos segundos; mas em virtude dos regulamentos da quarentena affastam-se daquelle porto de escala muitas, e muitas embarcações.

Parece-me pois de reconhecida conveniencia, que se adopte o arbitrio proposto pela auctoridade local, para que se admittam á livre practica, depois de escrupuloso exame medico, e beneficiações do costume, as embarcações que trouxerem de pôrto infeccionado

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ou suspeito de cholera uma viagem de seis dias completos, sem apresentarem signal algum de molestia contagiosa, e sem occorrencia que motive receio.

Não entro na questão scientifica deste assumpto, mas julgo dever lembrar que as excellentes condições especialissimas da Madeira, parecem tornar esta modificação isenta de todo o perigo, porque é sabido quanto aquella formosa Possessão Portugueza e vantajosamente dotada pela natureza, respectivamente ao seu abençoado clima.

O Sr. J. Lourenço da Luz: — Pedi a palavra por parte da commissão de Fazenda, para dizer que ella se tem occupado constantemente, de dia e noute, dos objectos que lhe estão confiados; ainda hontem os seus membros se apartaram á uma hora da noute; e estes trabalhos repetem-se duas e tres vezes por semana, (apoiados) Trago isto para dizer ao Sr. Deputado, que a commissão de Fazenda não se tem esquecido de dar seguimento aos negocios que estão a seu cargo; e a prova esta no numero de pareceres que ella tem mandado para a Mesa; e não obstante o negocio de que fallou o nobre Deputado ter menos ponderação que têem os outros geraes e palpitantes, que estão debaixo das vistas da commissão, comtudo ella espera com toda a brevidade mandar para a Mesa todos os pareceres do que lá esta, principalmente em objectos tão pequenos como parece ser aquelle de que fallou o nobre Deputado.

O Sr. Ministro da Fazenda — Não obstante não ser eu o Ministro da repartição competente, comtudo direi, para satisfazer os desejos do nobre Deputado, que tendo eu conhecido praticamente os inconvenientes que as quarentenas têem produzido contra a fazenda, e o commercio, porque não só produzem graves prejuizos á fazenda, mas grandes vexames ao commercio como esta acontecendo em Lisboa (apoiados) dirigi uma requisição ao Sr. Ministro do Reino para convocar o Conselho de Saude a fim de ver se era possivel obter desta auctoridade o acabamento das quarentenas, ou por menos a diminuição do seu rigor: e pela benevolencia, e attenção com que o Sr. Ministro do Reino tracta os seus collegas, mereci o favor de assistir a conferencia que houve com os membros do Conselho de Saude; e foram taes as ponderações que ouvi a cada um, que entendi não havia remedio senão continuarem as quarentenas para não violar os principios da sciencia sustentados por todos elles. Já se vê que o Governo não tem abandonado este objecto de importancia para a saude publica; mas o Governo deve louvar-se no arbitrio dos peritos, e estes são todos concordes em sustentar a conveniencia das quarentenas. É verdade que ha muito boas razões que as condemnam; entretanto o Governo ouvindo os homens da sciencia, outras razões bastante ponderosas se apresentaram, que justificam a sua conservação. Comtudo o nobre Deputado offereceu algumas considerações que eu não posso deixar de tomar em lembrança para as fazer ver ao meu collega o Sr. Ministro do Reino: mas o Governo algumas providencias tem tomado já no sentido dos desejos do nobre Deputado.

O Sr. Costa Lobo: — Mando para a Mesa uma representação dos mesarios da ordem terceira do Carmo da cidade do Porto, em que pedem providencias para o pagamento do papel moeda. — E peço a V. Ex.ª me inscreva para apresentar um projecto de lei sobre este mesmo objecto.

ORDEM DO DIA.

Prosseguimento da discussão do projecto n.º 42 — orçamento das despezas — Ministerio da Justiça, capitulo 4.º

O Sr. Presidente: — Continua a discussão do capitulo 4.º do Ministerio da Justiça: mas antes de progredir vão submetter-se á admissão as seguintes emendas que foram hontem mandadas para a Mesa no fim da sessão pelo Sr. Silva Cabral.

Emendas. — 1.ª Proponho que os empregados das repartições extinctas vençam por inteiro o titulo de renda vitalicia, eliminado o subsidio.»

2.ª «Proponho a eliminação da verba do expediente, de 200$000 réis.» — Silva Cabral.

Foram admittidas por unanimidade.

O Sr. Forjaz — Acompanhei o illustre Deputado pela Estremadura nos seus justos, e louvaveis desejos, por isso que constantemente hei votado por todas as reducções propostas por S. Ex.ª; mas peço-lhe licença para nesta hypothese apartar-me da sua opinião, á qual eu primeiro que todos presto o devido respeito. O nobre Deputado propõe que seja eliminada a verba de 200$000 réis para expediente do Supremo Tribunal da Justiça, pelo motivo que tendo os juizes desse Tribunal emolumentos, e ordenados, esta verba deve sair dos emolumentos. Mas eu peço licença para dizer ao nobre Deputado que não considero os ordenados desses juizes tão pingues, nem os seus emolumentos tão avultados que possam soffrer essa deducção, em vista da elevação em que se acham os mesmos juizes, da dignidade com que se devem tractar, e tambem da sua antiguidade no serviço. Além disto devemos attender a que as verbas lançadas no orçamento, são inteiramente illusorias, se tomarmos em conta as reducções que soffrem os ordenados, o rebate das notas, e o atraso em que andam; de maneira que se póde dizer que estes ordenados não são recebidos nem na metade.

De mais, a respeito de emolumentos, fui informado por pessoa insuspeita, que elles não excedem a 30 moedas annuaes, dos quaes têem a pagar decima industrial; e é certo que junto ao Supremo Tribunal de Justiça existe a secretaria do Procurador Geral da Corôa, cujo expediente esta actualmente a cargo do mesmo Tribunal; ora como esta secretaria do Procurador Geral da Corôa não tem emolumentos, parece-me não ser justo que vamos onerar os juizes do Supremo Tribunal de Justiça com uma despeza, que pertence á Procuradoria Geral da Corôa.

Em attenção pois a estas considerações, em attenção a ser esta verba na sua totalidade absorvida por uma e outra repartição, cujo expediente esta na mesma procedencia; em attenção tambem a que se votam verbas a alguns govêrnos civis para o expediente das suas repartições, não obstante terem emolumentos que se distribuem; e visto que já votamos 700$ réis para o expediente do Thesouro Publico, e 500$ réis para o do Tribunal de Contas: entendo que não se deve negar a verba de 200$000 réis para o expediente do primeiro Tribunal de Justiça do Reino.

Propõe mais o nobre Deputado a eliminação das gratificações que se concedem aos empregados das repartições extinctas, que actualmente servem no Tribunal, e quer o restabelecimento da importancia dos seus titulos de renda vitalicia por inteiro Tambem

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com o devido respeito ao nobre Deputado, peço-lhe licença para me apartar da sua opinião. Botas gratificações foram-lhes concedidas pelo decreto de 30 de julho de 1844, e depois confirmadas pela carta de lei de 29 de novembro do mesmo anno; e tirar-lhas agora seria collocar esses empregados em peiores circumstancias do que os das repartições extinctas, que funccionam nos Ministerios da Guerra e Fazenda, cujas gratificações, montantes a contos de réis, nós já approvámos; ao passo que esses titulos de renda vitalicia para os empregados de que se tracta, são assaz diminutos (apoiados). Quer V. Ex.ª saber em quanto importa o titulo de renda vitalicia de um dos mais habeis empregados que tem a Procuradoria Geral da Corôa? Não chega a receber 2$000 réis. Note V. Ex.ª que adoptada a proposição do nobre Deputado o vencimento deste empregado seria de 4$000 réis; e o nobre Deputado com a rectidão que todos lhe reconhecemos, não póde desejar por principio algum, que um empregado d'uma repartição lai vença o diminuto ordenado de 4$000 réis.

Por todos estes motivos pois, tenho o maior dissabor, pela primeira vez na discussão do Orçamento, de me affastar da opinião do nobre Deputado, e entendo que as suas propostas não podem ser approvadas.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, o nobre Deputado não podia senão ter prazer em se affastar, no ponto de que se tracta, da minha opinião, até porque teve occasião de mostrar o seu talento e erudição, em verbas que por offerecerem um pequeno campo á discussão, de certo o incitavam a desenvolver mais intensamente essa mesma erudição; parece-me comtudo que o nobre Deputado se equivocou na maneira, porque considerou os meus argumentos.

Principiarei por dizer que estou longe de querer que os empregados não tenham de que vivam; estou longe de querer que não tenham os ordenados sufficientes para poderem satisfazer ao serviço, que delles exige a Nação; mas o que tenho por mui grande inconveniente, é que todos os annos, e em todas as sessões legislativas se exija a fixação dos quadros, e que até hoje senão tenha satisfeito a esta necessidade publica (apoiado) j o que tenho por inconvenientissimo para o serviço publico é que todos os annos vejâmos alargar os differentes quadros com differentes pessoas, e por consequencia novas despezas, contra a propria declaração do Ministerio (apoiado). Pois como se hão de reduzir os quadros das repartições, se os Srs. Ministros dizem que o serviço publico pede tal ou tal empregado, quando se formos a observar o negocio, não é o serviço que o exíge, é o pedido deste ou daquelle a quem não se póde resistir?

Sr. Presidente, é preciso entender-se por um vez que não estamos nadando n'um mar de rosas (apoiado) é preciso entender que devemos restringir as nossas despezas publicas, se queremos ser Nação; porque se o não fizermos, havemos chorar, mas havemos chorar já muito tarde, e não havemos poder dar-lhe remedio.

Ha outro objecto a que particularmente diz relação esta discussão, e vem a ser, primeiramente a despeza de expediente de 200 mil réis para o Supremo Tribunal de Justiça. E bem visto que eu não podia impugnar esta verba se attendesse unicamente á sua quantidade, por que acho-a em verdade diminuta, considerada relativamente; mas o que eu quiz foi defender o principio, e ainda não vejo destruido e se principio: vejo que esta estabelecido em todo o artigo — Supremo Tribunal de Justiça — uma secção que diz — despezas do expediente — e não diz que seja para outro ponto nenhuma dessas despezas. Nenhum dos Orçamentos passados, nem as contas prestadas até aqui diz que esta verba — despezas de expediente — tenha a particularidade de ser applicada para a Procuradoria Geral da Corôa; por consequencia devo suppôr que são despezas da secretaria do Tribunal, e sendo assim, (o que ainda não vi contrariado de um modo authentico e official) é claro que o meu argumento esta em pé. Porquanto se aquelle Tribunal tem emolumentos avultados, (e ainda mesmo suppondo que cada conselheiro tem annualmente 30 moedas, se tomarmos em conta o numero dos conselheiros existentes no Tribunal, e os empregados, por que por todos são divididos os emolumentos, tudo isto comporta uma quantia muito avultada) os 200 mil réis não é nada em relação ás differentes parcellas, que sommam essa despeza repartida por cada um delles; suppondo mesmo, como se disse, que são 30 moedas de emolumentos que tem cada conselheiro; o que nem eu questiono, nem trouxe á collação a largueza dos ordenados por serem avultados, antes o que disse e que assentei estabelecer, foi que os conselheiros tinham os mesmos ordenados, quando se augmentaram os emolumentos, os quaes se tinham accrescentado a esses ordenados; e por consequencia não era justo que o Estado estivesse a pagar as despezas de expediente daquelle Tribunal, quando era pratica em todas as repartições do Estado, aonde se recebiam emolumentos, tirarem-se primeiro dos emolumentos as despezas de expediente das proprias secretarias, e depois o resto ser dividido por todos os empregados: é isto por que eu conclui. — Os ordenados são sempre os mesmos que foram estabelecidos desde a Novissima Reforma Judiciaria em que foi arbitrado para cada conselheiro 1:600$ réis; não direi se são grandes ou pequenos, se são ou não encartados os conselheiros, quando entram no Tribunal, nem tractarei do serviço desses conselheiros, por que nenhuma destas cousas vem para o caso; o que vem para ocaso, é que depois de se terem augmentado os emolumentos, e de se ler dito que estes emolumentos são de 30 moedas por anno, essa despeza dividida pelo numero de conselheiros, que actualmente esta em exercicio, extrahia de cada um uma quantia muito diminuta para se poder applicar esta divisão ás despezas do expediente. — Mas deve a Camara ser illustrada para conhecer que se por ventura estas despezas de 200 mil réis dizem respeito á Procuradoria Geral da Corôa, tambem são diminutas, se as compararmos com outras que aqui vem applicadas para as differentes Relações. Pois tem alguma comparação com as despezas de expediente da Procuradoria Geral as despezas de expediente das repartições dos Procuradores Regios das differentes Relações? Nenhuma: comtudo vejo ahi 300 mil réis, em quanto para esta vejo 200 mil réis! E eu peço sobre isto alguma explicação, por que então o argumento serve igualmente para as despezas de expediente das differentes Relações, comparadas com as da Procuradoria Geral da Corôa. Portanto não posso deixar de dizer que por ora subsistem as razões que adduzi.

Se se visse que esta verba de despezas de expedien-

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te se apresentava com os esclarecimentos necessarios, como se faz em outras partes; que vinha junta com os documentos competentes, com as notas explicativas correspondentes, ou que se mostrasse por um orçamento ou por outro modo o que importavam essa despezas, já não havia sem duvida alguma esta questão, e poderiamos chegar a um resultado definitivo por meio de esclarecimentos precisos; mas não estando nada junto ao orçamento, continuando sempre este mesmo vicio de organisar o orçamento como temos tido desde 1834 ou 1833 em diante, é claro que os Deputados se veem na necessidade de apresentar as suas razões, segundo o que mostra o orçamento, que se apresenta para poder chegar a esse resultado.

Agora quanto á segunda parte, o nobre Deputado esteve n'um equivoco: disse que havia empregados, que tinham o titulo de renda vitalicia de 2 mil réis, e que ainda admittida a minha proposição ficariam tendo só 4 mil réis, Ora o nobre Deputado não leu de certo o orçamento se o lêsse, veria que ali vem designada a quantia de 408 mil réis, metade do titulo da renda vitalicia para tres empregados, ou a totalidade do que pertence a cada um desses empregados; e que quero eu na minha proposta? Quero que todos os empregados das repartições extinctas em vez de vencerem metade dos seus titulos, tenham, em quanto estão no serviço, a renda por inteiro — Bem sei que isto dá em resultado uma pequena economia para o Thesouro; mas o que eu quero, é tirar esta idéa de gratificações, por que sou contrario (já o disse o anno passado) a todo este systema de gratificações; desejo que ellas desappareçam por uma reforma radical e justa, de todas as repartições do Estado. Se um empregado de uma repartição precisa que se lhe augmente o ordenado, se as faculdades da nação comportam esse augmento, dê-se-lhe por uma vez, designe-se: acho que nas gratificações ha uma inteira parcialidade, e mesmo a respeito destas, não sei por que não se podem admittir as mesmas regras, que a respeito dos ordenados (apoiados) Pois pergunto eu em que paiz do Mundo se vê este modo de apresentar os vencimentos dos empregado publicos?... Em que paiz do Mundo -e apresenta esta classificação de ordenados, e gratificações sem regra nenhuma para taes gratificações?... Entendo pois que quando adoptarmos este principio, nos teremos aproximado da verdadeira doutrina constitucional, (apoiados).

E note bem a Camara, porque não quero fazer-lhe desconhecer o que é da minha intenção a respeito deste ponto especial — o decreto de 30 de julho de 1844, que é lei do paiz por estar confirmado pela lei de 29 de novembro do mesmo anno, diz — que quando estes empregados das repartições extinctas forem chamados ao serviço publico, vençam uma gratificação diaria, (di-lo muito claramente — quero que a Camara saiba bem o que vota) — a qual gratificação vencerão conjunctamente com a metade da renda vitalicia, que lhes estiver assentada no Thesouro. — Ora quando proponho em primeiro logar que não só vençam como classes activas, mas vençam mais 50 por cento, quer dizer, vençam a totalidade do titulo de renda vitalicia, esta claro que a minha intenção não é pôr esses empregados nas circumstancias de não terem que comer; pelo contrario é regular, harmonisar e reformar esta classe, segundo a tendencia das disposiçoes do decreto de 30 de julho de 1844. Repito, pois, que á vista das desigualdades que se notam a respeito das mesmas gratificações, quando adoptarmos uma regra geral, nos chegaremos mais dos verdadeiros principios constitucionaes.

O nobre Deputado disse que nós já tinhamos votado estas gratificações — o nobre Deputado póde ter votado, mas eu não, porque já disse que tinha votado contra todas as gratificações, e contra todos os augmentos, e por consequencia vou coherente com os meus principios, quando faço a minha proposta para que se siga uma regra fixa, e invariavel e necessaria. (apoiados) E de se ter votado uma cousa qualquer, se se poder verificar que póde convir uma outra, com tanto que se julgue necessaria essa outra, e se mostre que nenhuma duvida póde resultar em se fazei, não devemos prender-nos por consideração alguma, porque o que estamos nós aqui fazendo? Não é procurando mostrar aonde ha o. verdadeiro abuso para o remediar? (apoiados) Estamos aqui para estabelecer regras fixas e invariaveis, legislação clara e terminante, e não de maneira nenhuma para nos prendermos com similhantes obstaculos, porque se por ventura o que se tracta, é justo, e nós deliberamos substituir alguma cousa que é util a outra menos util, não quer dizer senão que o que não é justo, se deve reduzir aos termos da justiça.

Sr. Presidente, ainda direi mais duas palavras a respeito deste capitulo, e sómente para mandar para a Mesa uma proposta, que parecerá á primeira vista contradictoria com aquillo que eu tenho dicto, mas quando eu declare á intenção com que a faço, estou certo que toda a Camara ha de reconhecer a conveniencia e justiça da mesma proposta. Aqui vem eliminado o ordenado de 2:000$000 de réis do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça: eu entendo que não se póde eliminar, e que deve vir no orçamento, porque nós não tractamos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que é ao mesmo tempo conselheiro de Estado, e por consequencia opta pelo ordenado do Conselho de Estado; tractamos de um Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que deve existir e constantemente existir, mesmo quando o actual (que não é de esperar) fosse demittido, como já aconteceu mais de uma vez haver essa mudança. É inconveniente que assim se mutilem as repartições o que deve fazer-se, é pôr-se a nota ao lado desta verba — que não póde ser paga em consequencia de não se poder dar a accumulação — mas nunca se póde dizer, porque é a maior das irregularidades — tire-se desta organisação a quantia de tal — pois tracta-se aqui da pessoa? Não; tracta-se do logar, e o logar é permanente.

Supponhamos que ámanhã o egrégio cavalheiro que esta servindo, morre, o que Deos à parte; ahi temos que o Ministerio não póde nomear Presidente para o Supremo Tribunal de Justiça, porque não ha verba para lhe pagar; supponhamos que é demittido, o que Deos tambem aparte, e estou certo que não o será, qualquer que seja o Ministerio; ahi se vê o Ministerio no mesmo caso que na primeira hypothese. Nós de que tractamos, é de estabelecer o ordenado; podemos conservar o actual ou modifica-lo, mas não elimina-lo, e a lei de 30 de julho é muito prevista a este respeito; concede a opção, mas não extingue o ordenado. Se por ventura o ordenado tivesse de extinguir-se com a pessoa, entendo que isso se podesse

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verificar; mas quando o ordenado é dado ao logar, e as pessoas são mudaveis, de certo que não é possivel deixar de se estabelecer o ordenado, porque de outra sorte, nos casos que apontei, collocava-se o Governo na necessidade de não prover o logar, ou de infringir a lei, pagando aquillo que não estava auctorisado no orçamento. Proponho pois que se restabeleça esta verba, e entendo que desta maneira nós mostraremos que sabemos os principios, que sabemos marchar convenientemente em organisar um orçamento sem apresentar estas diminuições, que podem º trazer inconvenientes futuros a respeito dos actos governativos.

Leu-se logo na Mesa a seguinte

Emenda: — a Proponho a verba de 2:000$000 réis para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. — Silva Cabral.

Foi admittida unanimemente.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, direi alguma cousa sobre as duas emendas, que foram mandadas para a Mesa. Propõe-se na primeira a elimimação da verba de 200$000 réis que vem no orçamento para despezas do expediente do Supremo Tribunal de Justiça: já a este respeito o meu amigo o Sr. Forjaz disse o que havia de facto; accrescentarei mais algumas observações. Sabe a Camara que o ordenado dos membros do Supremo Tribunal de Justiça foi originariamente de 3:200$000 réis. Sabe a Camara que esse ordenado foi reduzido a 1:600$000 réis, e não ignora que o ordenado de 1:600$000 rs. tem soffrido posteriormente reducções quasi incalculaveis; e eis-ahi ao que esta reduzido o vencimento dos magistrados, que compõem o primeiro Tribunal Judicial do Reino!... Foi em attenção a essa diminuição de vencimentos que a lei de 1843 estabeleceu os emolumentos; os emolumentos foram por consequencia estabelecidos como supprimento de ordenados porque eram diminutos, e já se vê que não colhe o argumento de que uma vez que esses emolumentos se deram, delles devem sair as despezas do expediente — porque torno a dizer, os emolumentos foram concedidos como augmento necessario dos vencimentos dos juizes para podérem subsistir como cumpria. Direi ainda mais, Sr. Presidente, esta verba não é nova; esta verba tem vindo á Camara em todos os orçamentos: esta verba tambem foi consignada no orçamento que apresentou o Governo, quando o nobre Deputado que acabou de fallar, foi Ministro da Justiça, tempo em que já existia a lei de 1843, e existiam esses emolumentos: por consequencia o Governo não innovou despeza a este respeito; o_ Governo não fez mais do que tem feito até aqui todos os Govêrnos, e todos os Parlamentos. Em vista destas considerações, parece-me que a Camara fará justiça conservando a verba como esta, e approvando-a. Os emolumentos dos membros do Supremo Tribunal de Justiça, como já disse o Sr. Forjaz, não excedem ou pouco excederão de 30 moedas por anno a cada um dos juizes.

A segunda parte da proposta é para que aos empregados temporarios a quem se dá a gratificação de 500 réis por dia em 300 dias uteis, se supprima, e em logar della recebam a importancia dos titulos de renda vitalicia por inteiro: é necessario dizer toda a verdade a este respeito. Sr. Presidente, os empregados que estão addidos ás repartições, vencem por inteiro a importancia dos seus titulos de renda vitalicia; vencem com as classes inactivas quando se lhes paga, e da maneira porque se lhes paga, metade dos titulos, e quando são chamados a serviço effectivo, vencem a outra metade pelas repartições, em que servem; assentou-se além disso que pela pequenez desses vencimentos, pelo atraso de pagamento ás classes inactivas, com as quaes recebem metade da importancia dos titulos de renda vitalicia, se devia conceder esta gratificação aos empregados temporarios, gratificação indispensavel para se podér exigir com justiça, delles empregados o virem trabalhar nas repartições. Ora agora permitta a Camara que eu leia o que já a este respeito foi votado no orçamento da Fazenda, porque parece que para o Ministerio da Justiça o mais pequeno e mais limitado no orçamento, é que se reservou todo o rigor de economia. Vem no capitulo 10.º do orçamento do Ministerio da Fazenda, art. 49 (leu).

Vencimentos de empregados addidos a diversas repartições do Ministerio da Fazenda, e dos das repartições extinctas em serviço 22:371 $380» e vem na observação 17.ª relativa a esse mesmo capitulo o seguinte (leu).

(17.ª) A somma de 22:371 $380 réis dos vencimentos dos empregados addidos, e dos de repartições extinctas era serviço, é distribuida pelo seguinte modo em relação a cada repartição:

Administração Central

[VER DIARIO ORIGINAL]

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[Ver Diário Original]

Os vencimentos dos empregados, que foram da Junta do Credito Publico, acham-se auctorisados pela carta de lei de 8 de junho de 1843, na qual se dispoz que os empregados da referida Junta que não ficassem collocados no quadro estabelecido pela mesma lei, passassem a ter exercicio no Thesouro Publico, como addidos, gosando dos mesmos vencimentos e graduações que antes tinham. Os empregados addidos ás repartições do Tribunal de Contas são os que tendo pertencido á extincta commissão Fiscal Liquidataria, não foram compreendidos no quadro do mesmo Tribunal, estabelecido pelo decreto de 18 de septembro de 1844.

As gratificações diarias, e as metades das importancias dos titulos de renda vitalicia, pagos por meio de folhas a alguns empregados de repartições extinctas, são abonadas nos termos do decreto de 30 de julho de 1844 (confirmado pela carta de lei de 29 de novembro do mesmo anno), no qual se dispõe que os individuos das classes inactivas, que forem chamados a serviço, terão direito em quanto durar o seu exercicio, a uma gratificação regulada conforme a natureza e importancia do mesmo serviço, que lhes será paga conjunctamente com o vencimento de inactividade que lhes competir.

Aqui tem portanto a Camara como já se acham votados uns poucos de contos de réis para despezas iguaes no Ministerio da Fazenda. Aqui tem a Camara como já se acha saccionado em outro Ministerio o principio que aqui se impugna. Depois de eu ter demonstrado a conveniencia, e a justiça com que no Ministerio da Justiça se introduziu esta verba, espero que a Camara não votará agora uma excepção, nem mostrará que tem em menor contemplação este Ministerio do que os outros que já foram votados. Mas, Sr. Presidente, direi ainda mais alguma cousa a este respeito. O que aqui se propõe para estes empregados, para assim dizer, anormaes, espero que não sirva senão para este anno. Nesta Camara ha já uma proposta que tive a honra de apresentar, e esta na commisão de Legislação, proposta sobre a qual aquella illustre commissão tem trabalhado, e talvez o não ter apresentado já o seu parecer seja por minha culpa, quero dizer, por causa da affluencia de negocios que tem obstado a uma entrevista que devo ter com a mesma illustre commissão; proposta que tem por fim regular definitivamente o serviço não só da secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, e Procuradoria Geral da Corôa, mas igualmente das secretarias das Relações e Procuradorias Regias: aí procura dar-se uma solução definitiva a este negocio, fixando os quadros e vencimentos, e estabelecendo que nesses quadros entrem os empregados das repartições extinctas que lá estão servindo. Se essa proposta passar em lei nesta sessão, e, não podendo ser, na proxima sessão acabará este estado anormal, e ficarão satisfeitos os desejos do illustre Deputado

Agora, Sr. Presidente, pelo que diz respeito á outra proposta que acabou de mandar para a Mesa o mesmo illustre Deputado, não me parece que seja de tranta consequencia como S. Ex.ª suppoz; se se seguisse o methodo de contemplar no orçamento um ordenado que não tem de pagar-se, o resultado sella, que na somma geral do orçamento apparecia

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uma despeza que se não fazia, e que seria necessario augmentar ociosamente na lei de meios a receita correspondente para fazer face a uma despeza que se não paga; de mais, sabe V. Ex.ª, e sabe toda a Camara, que a lei do orçamento é uma lei annual, e quando venha o orçamento futuro, se tiver havido alguma alteração como o illustre Deputado aponta, e como S. Ex.ª deseja que não haja, então se mencionará. Eis-aqui as observações que tenho a fazer, depois das quaes, espero que a Camara approve o parecer da commissão, rejeitando as emendas que foram mandadas para a Mesa.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, por occasião da discussão do orçamento do anno passado, o Sr. Ministro da Justiça que então era, propoz a eliminação da gratificação que recebiam os empregados das repartições, extinctas em serviço nas differentes repartições, dependentes do Ministerio da Justiça. A razão que S. Ex.ª deu então, foi que estava organisando o quadro, e hoje este quadro não esta organisado; nem S. Ex.ª durante, a sua gerencia apresentou essa organisação, nem o seu successor tambem a tem aposentado. Eu, Sr. Presidente, por um principio de igualdade proponho, ou a continuação das verbas para gratificação dos empregados das repartiçõcs extinctas em activo serviço no Ministerio da Justiça, ou que em virtude desse principio de igualdade se tire aos do Ministerio da Fazenda, porque não é justo, que os empregados das repartições extinctas no Ministerio da Justiça não tenham estas gratificações, e os da Fazenda tenham. Eu tenho ouvido dizer por mais de uma vez que não se póde alterar o que esta estabelecido por lei; mas estes empregados recebem estas gratificações em virtude de tres leis, que são a de 10 de julho de 1844, e os decretos de 22 de agosto de 1813, e de 30 de maio de 1844;.pois se o Parlamento não póde alterar estas disposições senão em virtude de uma lei, como e que o Sr. Ministro ha de fazer o contrario? Por consequencia mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — » Proponho por um principio de igualdade, que ou se restituam as gratificações nos dias uteis aos empregados das repartições em serviço nos differentes Tribunaes dependentes do Ministerio da Justiça, ou se eliminem as ditas gratificações aos empregados em serviço nas repartições do Ministerio da Fazenda.» — Cunha Sotto-Maior.

Não foi admittida por 49 votos contra 10.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, eu sinto na verdade que em objectos de orçamento o Sr. Ministro da Justiça viesse servir-se de um argumento de comparação para poder levar a Camara a votar pelo capitulo, que esta em discussão. «Espero, disse S. Ex.ª já que se votou para o Ministerio da Fazenda, que senão tenha em menor contemplação o Ministerio da Justiça» Isto, Sr. Presidente, dicto n'uma sessão de 1849!... É a contemplação entre Ministros, e não é o serviço publico aquelle que nos deve dirigir nas nossas votações; é a comtemplação para com os Ministerios, e não a causada Nação, aquella que se invoca das cadeiras ministeriaes para se apresentar um argumento cabal a favor de uma proposta qualquer ou contra ella!... Sr. Presidente, não e possivel desconhecer mais completa, mais cabalmente os principios em materia de orçamentos; nunca um Ministro se levantou em tempo algum que não dissesse — eu sujeito-me á votação da Camara —: porque em objectos de despezas, e a Camara, e sómente a Camara aquella que torna a responsabilidade para com o Paiz. Nunca se apresentou uma questão desta natureza, nem com sympathias da Camara para com os Ministros, nem como questão Ministerial: sempre se proclamou a liberdade absoluta do voto a respeito de cada um dos Deputados. Mas estamos n'uma época cahotica de principios, e então não admira que que se proclamem sympathias, ou contemplações pelos Ministros para se poder argumentar a favor de uma proposta, ou de um capitulo.

Disse o Sr. Ministro, que a questão era de tempo; reconheceu que era anomala a verba que eu impugnar, mas que estava na Camara já uma proposta, e que de certo para a sessão seguinte nos havia de ser apresentada. Quantas vezes nos tem aqui os Srs. Ministros promettido que hão de reformar esses abusos! E qual delles tem sido reformado? Nesta questão, Sr. Presidente, o tempo é tudo; nós não podemos demorar o remedio aos males que pesam sobre a Nação, para o anno futuro; aquelles que são remediaveis no anno presente, devemos remedia-los, e sómente aquelles que não estão neste caso, se podem guardar para o anno.

«Que tinha vindo proposto no orçamento apresentado no tempo do meu Ministerio.» São estes argumentos dos mais inconvenientes, que se podem apresentar. Se nós podessemos chamar o passado para argumento das discussões, então não lemos abuso nenhum que não sirva, porque não ha abuso nenhum que não tenha sido citado uma e mais vezes; mas se servem de regra os abusos, então devemos retrogradar até... aonde? Até ao despotismo, que é o que tem mais precedentes. Porque veio esta ou aquella verba no orçamento de lai anno, segue-se que não se deve emendar, se se entender que não deve continuar a vir, e a onerar as forças do Thesouro? De certo que senão póde nem logica nem politicamente argumentar de similhante maneira.

Eu tinha dicto que não tractava dos ordenados dos membros do Supremo Tribunal de Justiça; eu tinha dicto que sabia que esses ordenados tinham mudado, bem como tinham mudado todos os outros; mas por ventura póde dizer-se que os que foram reduzidos, não em 1847, não em 1818, mas muito mais antecedentemente, desde 1836 no orçamento a 1:600$ réis, póde dizer-se que este ordenado não é sufficiente? De certo que não, e se este argumento colhesse para os conselheiros do Tribunal de Justiça, havia de colhêr para os outros empregados, porque todos tiveram a mesma reducção. Nós sabemos, como desde o Ministro de Estado até ao ultimo empregado, os ordenados mudaram: mas a questão não é de ordenados; e eu logo preveni a Camara de que não tractava de questionar nem a grandeza nem o diminuto desses ordenados; a questão e unicamente com relação a emolumentos, e a despezas de expediente; e quando o Estado esta nas circumstancia em que todos sabem, de certo não póde dizer-se que os emolumentos que se apresentam, e com os quaes não podia contar a novissima organisação do Tribunal, não sejam uma verba muito sufficiente para soffrer uma diminuição. Entretanto, se o Ministerio entende que tem meios para satisfazer, se a Camara entende que os póde achar para occorrer, não só a esta, mas a todas as outras despezas, vote, muito embora; mas eu que estou convencido de que não temos esses

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meios, não posso de maneira alguma deixar de pugnar por todas as reducções, e impugnar todas as despezas que julgo extraordinarias, e por isso desnecessarias.

« (Mas os emolumentos foram estabelecidos, porque os ordenados eram pequenos:» — nego, essa não foi a razão, eu entrei nessa questão, e desgraçadamente foram outros os motivos que levaram a Camara a estabelecer, por principio de igualdade, esses emolumentos; se fosse por serem os ordenados pequenos, então havia de votar-se a mesma regra para as outras secretarias, principiando pelas secretarias de Estado. Por ventura os officiaes das secretarias de Estado não tinham o dôbro do que tem? Tinham. Não fazem elles as despezas do expediente? Fazem; logo quando se apresenta, ou augmenta uma percentagem tão consideravel aos conselheiros do Tribunal de Justiça, não póde haver duvida nenhuma, que dessa mesma percentagem se tire a verba para o expediente, porque dividida por todos, cabe uma insignificante quantia a cada um.

Vamos aos govêrnos civis: não se da o mesmo caso? Ha ordenado mais diminuto» do que os dos governadores civis, e dahi para baixo? Os governadores civis não tem emolumentos; principiam nos secretarios geraes; e todos estes emolumentos, fóra dos districtos de Lisboa e Porto, são zero, sendo por isso preciso que o Thesouro suppra as despezas do seu expediente; o que senão dá no Tribunal de Justiça, porque desgraçadamente a mania das demandas cresce, e a lei ultimamente esta de tal maneira arranjada, que necessariamente hão de crescer as demandas.

É preciso dizer a verdade toda com relação aos empregados das repartições extinctas» disse o illustre Ministro, e accrescentou que elles recebem por inteiro o seu titulo da renda vitalicia.» De certo foi um equivoco de S. Ex.ª, porque basta vêr a propria verba; aqui se diz. (leu)

a Empregados das repartições extinctas, a 500 réis em 300 dias uteis.................. 450$000

Aos ditos — metade da importancia dos titulos de renda vitalicia.................... 408$000

Nem era possivel outra cousa Os empregados das repartições extinctas em inactividade tem só metade da renda vitalicia; aos que passam a serviço activo não póde pagar-se-lhes além dessa metade, e apenas recebem na mesma occasião dos effectivos; é o unico privilegio que lhes dá a lei, e aqui esta o decreto de 30 de julho, que é a lei reguladora, onde no artigo 4.º verá o illustre Ministro expressamente as seguinte» palavras.

«E quando forem chamados os empregados das repartições extinctas para serviço activo, selhès poderá dar uma gratificação, pela mesma verba (são as proprias palavras) com os vencimentos do titulo da inactividade.»

Ora os vencimentos do titulo da inactividade são pelo mesmo decreto de 30 de julho de 1844, e pelo de 22 de agosto de 1843, sómente de metade; logo nunca podem receber senão a metade do vencimento, e a gratificação; aqui não se tracta de outros adminiculos; por tanto são pagos desta fórma com os effectivos, e tem mais a gratificação; o mais que porventura se fizesse, era uma violação manifesta da lei.

Ora, Sr. Presidente, eu expliquei o pensamento da minha proposta; eu disse — não quero que se conservem gratificações — mas vendo que lendo a Camara o anno passado seguido este pensamento, os empregados morreram á fome, entendi que se elles são necessarios, se lhes deve pagar a importancia do seu titulo por inteiro: e não se estejam a dar gratificações arbitrarias, podendo eu mostrar que se alguns ha que tem os 500 réis, em algumas outras partes tem muito mais do que essa quantia. Por tanto a minha proposta tem por fim uniformizar esta disposição, para os pôr a todos aproximadamente nas mesmas circumstancias.

Por ultimo, Sr. Presidente, na proposta que hoje mandei para a Mesa, entendi, que fazia um serviço ao Ministerio, e fiz o que na pratica do systema constitucional se podia entender; porque já digo, eu não considero esta discussão da despeza do Estado, questão ministerial; hei-de considerar ministerial a discussão da lei do» meios; essa sim. Tractava-se da verba de despeza para o Supremo Tribunal de Justiça, é questão muito simples: mas chegou-se ao presidente, e eliminou-se a verba do seu ordenado; e porque? Porque o digno presidente optou por outro ordenado; de sorte que faltando ámanhã essa pessoa deixa de haver o logar de presidente! Parece impossivel, que o Sr. Ministro não se lembrasse de que se podiam dar duas hypotheses, que eu não espero, nem desejo que se dêem; antes desejo que se perpetue o egrégio varão que esta elevado áquelle cargo, quanto é possivel um homem perpetuar-se naquelle exercicio; mas supponhamos que se se dá uma das duas hypotheses, ou de elle ser demittido, ou de morrer ámanhã; pergunto eu, esta o Governo habilitado, achando-se como se acha a verba eliminada, para nomear o presidente do Supremo Tribunal de Justiça? Decerto que não: e esta lembrança me foi suggerida por esse mesmo cavalheiro, que exerce esse elevado logar; e se por ventura senão providenciar sobre este ponto, é uma decepção que vai na lei do orçamento, que apresentaria um equivoco ao paiz. Supponhamos ainda outra hypothese: supponhamos que este illustre varão por qualquer incidente diz ámanhã, ou outro qualquer dia, eu não quero ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça; como ha de o Governo prevenir este caso? Realmente, Sr. Presidente, é desconhecer os proprios elementos da verdade. E até mesmo parece que o illustre Ministro não tem observado as votações feitas hoje nesta Camara; pois S. Ex.ª não sabe o que se fez com relação a um official de secretaria? Não sabe que se restabeleceu a verba de 600$000 réis para um official ordinario da secretaria da Justiça, que foi demittido arbitrariamente pelo Governo? E esse restabelecimento não será a reparação d'uma injustiça? De certo; devendo existir a verba no orçamento, assim como deve existir a verba para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Em quanto pois se não derem outras razões, eu hei-de oppor-me á eliminação da verba do ordenado do presidente, sendo para mim a sua conservação no orçamento de tanta clareza e de tanta evidencio como é, que dois e dois são quatro.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — (Sôbre a ordem) Pretendo dar uma nova fórma á minha proposta, por isso mando para a Mesa a seguinte:

Proposta. — Proponho que em conformidade do artigo 2.º da lei de 30 de julho de 1844, se con-

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serve a gratificação de 500 réis diarios, nos dias uteis, aos empregados das repartições extinctas em serviço nos tribunaes dependentes do Ministerio da Justiça» — Cunha Sotto-Maior.

Não foi admittida por 37 votos contra 32.

O Sr. Rebello da Silva — Sr. Presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a Mesa uma proposta de interpellação, que dezejo fazer ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, sobre um objecto em que interessa o credito, e a dignidade desta Camara, e tambem o credito, e dignidade dos membros da outra Casa do Parlamento. Como se acham presentes alguns dos Srs. Ministros, que talvez estejam habilitados para responder, será melhor ter logar desde já a interpellação. Eu declaro portanto o objecto della Si Presidente, na folha official do Governo apparece hoje um artigo de fundo, no qual esta Casa do Corpo Legislativo e accusada de perplexidade, e classificada de preguiçosa, e indolente; de nada ter feito em beneficio do paiz; e por consequencia que não tem cumprido o seu mandato. Um artigo de fundo, com tal douctrina, não devia figurar nem n'um jornal da opposição, porque não se limita só a fazer uma opposição cartista; mas parece querer fazer uma opposição de principios. Este artigo, Sr. Presidente, ataca directamente nas suas intenções e nos seus factos, não só a dignidade dos membros desta Casa, como tambem a dos membros da outra Camara, e portanto eu não posso deixar de reivindicar o credito, e honra desta Camara por credito, e honra do systema representativo, e por honra individual, e collectivamente de cada um dos seus membros Mando para a Mesa a proposta de interpellação. Se algum dos Srs. Ministros que estão presentes quizer responder, vista a ausencia do Sr. Ministro do Reino, muito o estimarei, porque desejo saber a quem pertence a responsabilidade do que se publica neste artigo, e desejo urgentemente, que ao menos no correio seguinte vá a resposta para as provincias, a fim de se evitar o máo effeito que a impressão da douctrina de um tal artigo póde causar. (Leu a seguinte)

Nota de interpellação — «Requeiro que o Sr. Ministro do Reino seja convidado a responder ácerca d'uma interpellação que lhe desejo exigir sobre negocio que interessa o credito, e a dignidade desta Camara» — Rebello da Silva.

O Sr. Presidente — Declaro a Camara, que esperava a vinda do Sr. Presidente do Conselho, para ser o proprio que lhe dirigisse, logo que S. Ex.ª chegasse, uma pergunta a este respeito; porque tambem tenho estado profundamente magoado, desde o momento em que li um artigo similhante; e por dignidade da Camara, e do proprio Governo desejava saber se foi S. Ex.ª ou alguem do Governo, que tornou a responsabilidade de tal artigo, ou ordenou que se publicasse no Diario do Governo, porque se assim aconteceu, ou acontece, o que não é de esperai, então dá-se o caso d'um rompimento completo entre o Governo, e a Camara (apoiados estrondosos)

O Sr. Ministro da Fazenda pede a palavra, para dar talvez alguma explicação a este respeito; tem a palavra.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, eu principio por dizer, o que creio que não só esta, mas muitas das Camaras anteriores tem já ouvido destas cadeiras, e vem a ser, que o Governo não tem nada com os artigos de fundo que apparecem no Diario do Governo, o qual não passa de ser o jornal d'uma empreza particular; e por conseguinte estou capacitado de que sobre o artigo a que o Sr. Deputado se referiu, nenhum dos Ministros, quer dos que se acham presentes, quer dos que não estão aqui, teve a mais pequena parte Pelo que me diz respeito. Sr. Presidente, declaro, que ignorava completamente a materia que vem no artigo, e o motivo que lhe deu origem; e acompanho o nobre Deputado no sentimento que lhe causou a sua leitura (apoiados.) Eu tinha-o lido já, e realmente depois de o lêr, quasi que não me capacitei de poder haver alguem, que, como escriptor publico, e principalmente da folha official do Governo, se resolvesse a apresentar no Diario um artigo desta ordem (apoiados repetidos.) Sr. Presidente, eu não só lamentei que apparecesse no Diario do Governo um tal artigo, mas pela parte que me toca, e em nome de todo o Governo declaro, que desapprovo as inconveniencias que d'ahi possam resultar, inconveniencias não só no sentido absoluto da palavra, mas tambem no sentido em que V. Ex.ª as acabou de explicar; e nas quaes não ha sombra nenhuma de verdade, porque o Governo tem-se apresentado aqui á frente da maioria, recebendo della constantemente os votos da sua confiança. E áquillo que nós estamos aqui fazendo, damos um testemunho, todos os dias, da maior, e mais completa refutação de tudo quanto esta exarado no artigo; porque nós, em virtude do zêlo de que nos achamos possuidos, estamos fazendo o sacrificio de virmos ás 11 horas, e estarmos até ás 5 da tarde occupando-nos effectiva, e successivamente dos negocios da nação, e por consequencia com isto damos a resposta mais triunfante, que se póde dar a este desgraçadissimo artigo, que eu sinto realmente apparecesse na folha official do Governo Entretanto eu explicando-me desta maneira não só defendo o Governo a que pertenço, mas reivindico a honra dos illustres membros desta Casa, a que tambem tenho a honra de pertencer, honra que preso mais do que ser membro do Ministerio, porque fui eleito Deputado antes de ser Ministro, e, depois de o ser, tomei a receber novas provas da confiança dos meus constituintes, que de novo a depositaram em mim.

Portanto não posso deixar de reprovar com toda a indignação de que sou capaz, um artigo que ataca tão falsa, e injuriosamente a honra do Parlamento; o que digo igualmente em nome dos meus collegas do Governo, nenhum dos quaes posso suppôr influisse para que este artigo aqui apparecesse.

O Sr. Pereira dos Reis: — Sr. Presidente, declaro francamente que a resposta dada por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, não me satisfaz, nem S. Ex.ª e tão pouco competente para entrai nesta materia, e a respeito della dar explicações que satisfaçam cabalmente O negocio é summamente grave, porque eu vejo neste artigo o processo do Governo Representativo (apoiado) não só o processo da Camara actual, senão tambem o das Camaras anteriores (apoiado) vejo aqui expressões todas ellas tendentes a demonstrar que o Parlamento tem adoecido de suas faculdades, e que tracta todas as questões de resto. As accusações lançadas nesse artigo contra o Parlamento, são taes, que estou certo um absolutista não diria mais, nem tanto (apoiados) Não quero agora entrar com todo o desenvolvimento nesta materia, reservo-me para

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quando estivei presente S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho; mas attenta a gravidade do negocio, entendo que não só se deve dar immediato conhecimento desta interpellação a S. Ex.ª, e della se tracte logo que S. Ex.ª appareça, mas que na discussão, que deve sei ampla, todos os Deputados possam tomar parte com toda a franqueza, e liberdade (apoiado.) E por isto mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Peço que a interpellação do Sr. Rebello da Silva seja effeituada, logo que appareça o Sr. Ministro do Reino, e que desta decisão se dê conta immediatamente áquelle Ministerio.

Peço outrosim que naquella interpellação possam tomai parte, não só o interpellante, e o interpellado, mas todos os Deputados, que pertenderem expressar a sua opinião sobre o negocio.?? — Pereira dos Reis.

O Sr. Presidente — A Camara já approvou a urgencia da primeira proposta, e em virtude della, e para regularidade dos trabalhos, pergunto aos Srs. Ministros presentes, se estão habilitados para responder immediatamente á interpellação, não obstante mandar-se dai conhecimento della ao Sr. Presidente do Conselho, como parece preciso, apesar do que a Camara acaba de ouvir ao Sr. Ministro da Fazenda (apoiados.)

Julgo de toda a conveniencia o que o Sr. Deputado Pereira dos Reis pede na sua proposta, e de certo a Camara a quererá adoptar; entretanto seria porventura mais conveniente que esta proposta fique reservada para quando estiver presente o Sr. Presidente do Conselho por ser occasião mais opportuna para sei resolvida, isto porem quanto á segunda parte della.

O Sr. Silva Cabral — Eu queria fazer o mesmo pedido. Sr. Presidente, á vista da importancia do negocio e impossivel que uma Camara achando-se possuida dos sentimentos de dignidade, possa prescindir d'uma explicação ampla dada por parte do Ministerio a similhante respeito. Tambem quero dizer á Camara, que não é tão liquido como disse o Sr. Ministro da Fazenda, não ter o Ministerio nada com os artigos do fundo do Diario do Governo; eu direi o contrario: todos os artigos do fundo do Diario são escriptos com mais ou menos instrucções do Governo. Note a Camara que este artigo apresenta mais alguma cousa do que o que se tem referido; este artigo veiu para mostrar que o Governo não podendo supportar o pêso da opinião publica pela indolencia constante que tem tido a respeito de medidas vitaes, quer lançar de si sobre o Parlamento a accusação, e censura que só pertence ao Ministerio (apoiados); e só pertence ao Ministerio pela má direcção que tem dado a todos os negocios publicos (apoiados) De ha muito que o Ministerio tem querido dar como razão de senão tomarem ceitas medidas a marcha do Pai lamento; pois essa marcha do Parlamento senão tem sido tal como devera ser, se delle não tem saido as medidas de que mais urgentemente carece o paiz, toda a culpa é do Ministerio (apoiados.)

Sr. Presidente, o Parlamento esta debaixo d'uma accusação gravissima feita pelo artigo do fundo do Diario do Governo: e preciso que o Sr. Presidente do Conselho venha a esta Camara dai explicações amplissimas a tal respeito. E impossivel será que V. Ex.ª, e a Camara não haja de consentir que todos os Deputados que quizerem tomai parte no debate o façam: precisamos entrar n'uma discussão larga, e avaliai devidamente esta politica perniciosa que se esta seguindo, e que tanto mal tem feito ao paiz (apoiado)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, á parte as intenções do Sr. Ministro da Fazenda, permitta-me S. Ex.ª dizer-lhe que S. Ex.ª não póde tomar a responsabilidade deste artigo, nem dar a respeito delle explicações que satisfaçam: S. Ex.ª como ha pouco disse, esta completamente ignorante sobre esta materia.

Sr. Presidente, eu tambem já fui redactor do Diario do Governo, e posso dizer a V. Ex.ª e á Camara, que nenhum homem se atreveria a lançar no Diario do Governo um artigo de similhante naturesa, um artigo desta importancia sem ler a sancção moral do Governo (apoiados); e se assim não fosse, a explicação deste artigo estava na participação que esta Camara devia ter recebido da demissão de quem o escreveu (apoiados). mas este ponto não se deu; e então e preciso que venha aqui o Sr. Presidente do Conselho dar-nos explicações, e responder a respeito da injuria que neste artigo vera lançada á Camara; não só a esta, mas ás duas Casas do Parlamento; esta tracta já de reivindicar a sua honra, e estou certo que a outra tambem o ha de fazer. Sr. Presidente, neste artigo apparecem asserções todas ellas tendentes a mostrar a inutilidade dos Corpos Legislativos, que são aqui accusados de lentidão, e preguiça: eu vejo nelle os argumentos empregados pelos absolutistas contra o systema representativo: este artigo e proprio dos jornaes que fazem opposição aos principios fundamentaes do Governo Representativo: vou-o ler á Camara por ver a maneira como e tractada, diz o artigo (leu).

Aqui esta, Sr. Presidente, como o Governo agradece ao Parlamento o apoio que lhe tem dado!.. Se as cousas desta Casa teem marchado d'uma maneira pouco satisfactoria, a culpa tem sido do Sr. Presidente do Conselho, que não tem aqui tomado o seu verdadeiro logar, (apoiados.

Sr. Presidente, depois que a Camara dos Deputados da Nação Portugueza tem prestado constantemente o apoio ao Governo, e que esse lhe é agradecido pelo artigo que acabei de ler á Camara, eu declaro que não lho posso já prestar; e mais, que depois da publicação d'um similhante artigo, lhe declaro guerra de morte.

E preciso que o Sr. Presidente do Conselho venha responder perante esta Camara pelos ultrajes que a ella se fazem no artigo de fundo da folha officiei! do Governo, e que esta Camara não perca o meio unico de desafrontar a sua honra, que esta offendida (apoiados)

O Sr. Presidente. — Lembro aos Srs. Deputados que o objecto da interpellação não esta em discussão, e que a Mesa já destinou mandar fazer a communicação ao Sr. Presidente do Conselho com a nota de urgentissima, e por isso é de esperar que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, attenta a gravidade do objecto, e interessado em reivindicar a dignidade da Camara, estará aqui brevemente, devendo considerar-se a sessão permanente ate que S. Ex.ª venha (apoiados).

Cabe-me tambem notar igualmente que a injuria que se irroga no artigo a que se allude, affecta não só a dignidade desta Camara, mas tambem a digni-

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dade dos dois Corpos Legislativos, a dignidade do Governo, e ainda mais a dignidade do systema representativo. (apoiados geraes).

Peço a cada um dos Srs. Deputados, e a cada um dos membros do Governo, que considere que no artigo, não em uma só parte, mas em cada uma das suas linhas esta encoberto um venenoso insulto a ambos os Corpos Legislativos, e ao systema representativo (Muitos apoiados).

Acho pois da maior conveniencia que se espere a presença do Sr. Presidente do Conselho, e que se não antecipe discussão sobre um objecto tão importante (apoiados).

E pondo-se logo á votação a Proposta do Sr. Pereira dos Reis — foi admittida unanimemente.

O Sr. Canha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, a Camara e a Mesa teem tomado a posição que lhe cumpria nesta importante questão, felicito-a por isso. A honra da Camara esta altamente offendida (apoiados); neste artigo de fundo do Diario do Governo falla-se ao respeito devido não só a esta Camara, mas tambem ao systema representativo (apoiados). Eu creio, Sr. Presidente, que este artigo foi escripto de proposito, de acinte, e caso pensado; estas asserções não se escreviam sem accordo (apoiados); pelo menos eu assim o creio, oxalá que esteja enganado, mas parece-me que o não estou. A occasião presente e uma occasião solemne, e a occasião em que esta Camara se póde emancipar desse apoio que tem prestado ao Governo, que como agora vê, tão mal lhe agradece; os insultos que no artigo de fundo da folha official se dirigem ao Parlamento, são inauditos (apoiados): não bastam só as explicações que nos deu o Sr. Ministro da Fazendo, ainda que o Governo é solidario, é absoluta e relativamente indispensavel que sobre este ponto responda o Ministro competente. Entendo que uma Camara accusada de preplexidade, de preguiça, de lentidão, e indolencia deve suspender os seus trabalhos; entendo que a Camara se deve declarar em sessão permanente até que o Presidente do Conselho aqui appareça para nos desaffrontar das injurias e insultos que nos dirige a folha official; neste sentido, Sr. Presidente, vou mandar para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Proponho que a Camara suspenda os seus trabalhos até vir o Sr. Ministro do Reino, e que para o fim da interpellação se declare em sessão permanente.» — Cunha Sotto-Maior.

Foi admittida por 48 votos contra 17, e ficou em discussão.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, parecia-mo que já tinha dado todas as explicações que a minha posição, como Ministro, e como Deputado exigia que eu désse á Camara, e que com ellas a Camara se devia julgar satisfeita, não só das minhas intenções, mas daquellas que devia suppôr nos Ministros que não estavam presentes; pensava mesmo que a Camara estaria sufficientemente convencida da vindicta, que immediatamente havia tido a injuria, que suppoz, e com razão, lhe tinha sido feita no artigo de fundo do Diario do Governo de hoje.

Sr. Presidente, eu louvo todo este calor que tenho visto desenvolver no objecto da interpellação, porque elle mostra a constancia com que a Camara toda repelle as insinuações que lhe são dirigidas; mas eu peço á Camara, e peço-lh'o pelo interesse do govêrno representativo, pelo interesse da causa publica, que não supponha de maneira nenhuma, que no artigo a que nos estamos referindo, houve acinte, houve caso pensado. Sr. Presidente, eu não posso suppôr que interesse houvesse para qualquer Ministro aconselhar, que se escrevesse o artigo de fundo nesse sentido; nem o caracter do nobre Ministro do Reino, nem os serviços que elle tem feito ao Throno, e á liberdade do seu paiz, comportavam o pensamento de desvirtuar os Corpos Legislativos, (apoiados) e de lançar uma condemnação em todo o systema representativo; porque realmente a artigo de fundo do Diario de hoje, e nada menos que uma reprovação completa a todo o systema representativo, (apoiados) por quanto nesse artigo de fundo, não só se faz menção desta Camara, mas de todas as outras Camaras anteriores.

Sr. Presidente, os desejos dos nobres Deputados estão satisfeitos, porque eu, e o meu collega da Justiça, que temos estado presentes a esta discussão, vendo o alcance della, e a sua importancia, já nos apressamos em mandar aviso do que se passava ao Sr. Ministro do Reino, e parece-me que S. Ex.ª ha de dar á Camara uma satisfação completa e cabal, pela qual a Camara não poderá deixar de vêr a pureza das suas intenções, e que nesse artigo certamente, ouso affirma-lo, o nobre Presidente do Conselho não deixa de estar completamente innocente, (apoiados)

Pois o nobre Presidente do Conselho havia de pagar com a ingratidão á Camara dos Deputados, tantos testimunhos de confiança com que a mesma Camara tem honrado S. Ex.ª e o Ministerio?!.. Não é possivel, (apoiados) E, Sr. Presidente, eu dizendo isto tenho muita honra em o fazer, porque defendo, não só o meu collega, mas desempenho um dever de lealdade a que sou obrigado.

Não respondo ao que se tem dito — que o Governo não tem feito nada, que a culpa de não se terem feito trabalhos é do Governo; — não repondo a isso, porque realmente não é occasião para entrar nessa discussão, e mesmo porque os nobres Deputados todos sabem que a Camara tem effectivamente feito tudo quanto é possivel. A historia de todos os Parlamentos que temos lido até agora, mostra que sempre nestas occasiões ha uma queixa geral dizendo-se — o Parlamento não fez nada, o Governo não tem feito nada, é necessario appressar os trabalhos para poder apparecer alguma cousa; — mas effectivamente a verdade é que até aqui tem-se feito muito, e tem-se feito bastante no interesse do paiz.

Mas poderá approvar-se o requerimento do nobre Deputado para se suspenderem os trabalhos da Camara?... Alguma indicação de conveniencia publica poderá aconselhar que a Camara, que estava discutindo o orçamento, suspenda os seus trabalhos até que chegue o Sr. Ministro do Reino?.. Parece-me que não ha razão nenhuma que possa persuadir-nos, de que a Camara já não esta em circumstancias de discutir, que em virtude deste incidente teem perdido inteiramente os differentes oradores, que podem entrar em discussão, o sangue frio necessario para não se recordarem de todas as propostas que teem a fazer, e de todos os argumentos que teem a produzir para as sustentar. E por ventura ha de o Paiz perder o serviço que a Camara lhe póde fazer em todo o tempo, que decorrer desde que estamos tractando deste incidente, até que chegue o Sr. Ministro do

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Reino?.. Pelo interesse pois da causa publica, parece-me que o nobre Deputado devia retirar o requerimento que fez, continuando a Camara os trabalhos até que chegue S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino parece-me que S. Ex.ª não póde deixar de annuir ao convite que se lhe fez em nome de toda a Camara, e que chegando aqui a Camara ha de receber de S. Ex.ª uma satisfação completa e cabal.

Por consequencia eu pedia ao nobre Deputado, que pelo interesse da causa publica quizesse retirar o seu requerimento, e a Camara continuasse nos seus trabalhos, na certeza, como posso suppôr, de que o Sr. Ministro do Reino ha de annuir com a maior brevidade ao convite que lhe fez a Camara, (apoiados)

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, direi muito francamente a Camara, que se eu tivesse lido o artigo de fundo do Diario do Governo de hoje, antes deste debate ter começado e de ter tomado o calor que tomou, não lhe dava importancia nenhuma, tal e a justiça com que eu estou costumado a ver tractar os homens publicos!... E sejamos francos, nós mesmos nas nossas discussões nem sempre deixamos de dar motivo a sermos assim tractados, pela pouca justiça, com que nos tractamos a nós mesmos. Repito, se eu tivesse lido o artigo antes da explosão que elle provocou na Camara, não lhe tinha dado importancia (apoiados). Não conheço o auctor do artigo, nem sei qual foi o espirito que o dictou, mas, lido a sangue frio, parece-me um artigo escripto mais em desculpa que em insulto, reconheço comtudo que está escripto com alguma inconveniencia (apoiados). Mas que querem os nobres Deputados concluir d'aqui?... Querem concluir que o Governo mandou escrever este artigo, quando o Sr. Ministro da Fazenda declarou expressamente que o Governo não o mandou escrever.. Por consequencia esta questão esteva acabada depois que o Sr. Ministro da Fazenda se levantou e declarou solemnemente que o Governo era estranho a redacção do artigo; tudo o que se passou d'ahi em diante, não e da dignidade da Camara, peço perdão á Camara para lho dizer com a franqueza que costumo, tudo o mais que se tem feito e dicto, todo este calor que tem havido, não faz senão justificar o artigo essa mesma interpretação, essa chamada interpretação que se tem dado ao artigo, esta justificada pelo que te tem passado aqui hoje.

Sr. Presidente, eu não considero o artigo como a expressão da opinião do Governo, por que o Governo claramente declarou, que elle não era a expressão da sua opinião. Que mais querem os nobres Deputados?... Querem que o Sr. Ministro do Reino venha declarar o mesmo que declarou o Sr. Ministro da Fazenda?... (Vozes — Queremos) Ha de vir, mas e necessario para isso suspendermos os trabalhos?... Porque?... Pois havemos de dar-nos por offendidos pelo Governo, por que um redactor de jornal fallou deste Parlamento em termos menos commedidos!.. (Uma voz — O Governo) O Governo... Não é o Governo, por que declarou já que não foi elle

Sr. Presidente, eu digo francamente, por que é este o meu costume sempre, parece-me que n'outras circumstancias este artigo não teria provocado uma explosão tal, eu tenho visto artigos no Diario do Governo, (e respondo com isto ao illustre Deputado e meu amigo, o Sr. Rebello da Silva) e escriptos mesmo no tempo em que eu fui Ministro, que mereciam mais censura que este. (Uma voz: — Dirigidos a Camara?..) Dirigidos á Camara, e dirigidos ao Governo, ao Governo de quem o Diario se diz orgão!...

Sr. Presidente, não demos a isto maiores dimensões do que merece, não demos logar a que se diga que isto e um pretexto que se aproveita para produzir grandes resultados (apoiados) deixemos ir as cousas pelo seu caminho regular, não fallemos aqui ao sentimentalismo, não queiramos excitar as paixões (apoiados). O Sr. Ministro da Fazenda declarou já, que este negocio não era negocio do Governo, quer-se que se convide o Sr. Ministro do Reino para fazer esta declaração, venha o Sr. Ministro do Reino, mas tudo o que for mais do que isto, parece-me de mais, parece-me provar de mais.

Eu por estas considerações opponho-me completamente a que suspendamos os trabalhos, e oppor-me-ía tambem, Sr. Presidente, a que a Camara se declarasse em sessão permanente ate que chegasse o Sr. Ministro do Reino; a Camara deseja que venha o Sr. Ministro do Reino fazer esta declaração que acabâmos de ouvir, venha S. Ex.ª mas suspender os trabalhos será conveniente?... É assim que havemos de provar que queremos fazer alguma cousa em bem do paiz?..

Voto por consequencia contra essa parte do requerimento relativa a suspender-se a sessão, e digo com toda a franqueza a Camara, que me parece que depois da explicação que deu o Sr. Ministro da Fazenda, nem era necessario que se chamasse o Sr. Ministro do Reino, por que o Ministerio e solidario, e por consequencia a declaração feita pelo Sr. Ministro da Fazenda, não posso eu deixar de a considerar como tão official, tão authentica, e tão solemne como a do Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Sr. Presidente, o illustre Deputado que acaba de fallar, não prestou bem attenção ao que disse o Sr. Ministro da Fazenda. S Ex.ª quando tomou a palavra sobre esta questão, disse et eu estou em completa ignorancia» S. Ex.ª disse isto, Sr. Presidente, disse que estava em completa ignorancia! (O Sr. Avila — Peço a palavra outra vez) E entre isto e o que disse o illustre Deputado, ha uma grande differença. Além de que o illustre Deputado fez uma censura a V. Ex.ª, e á Camara toda, porque a Camara por Unanimidade approvou o requerimento para a interpellação.

Eu propuz, que se suspendessem os trabalhos, e esta minha proposta e uma questão de dignidade, é uma indicação de brio e de pundonor. Quando o Diario do Governo declara que a Camara não tem feito nada, e não tem feito nada por um sentimento de perplexidade, por uma hesitação inqualificavel, por falta de intelligencia, a Camara não póde continuar a discutir sem que o Sr. Presidente do Conselho venha aqui dizer, que um tal artigo foi posto no Diario sem a menor ingerencia do Gabinete: apezar de que, Sr. Presidente, declaro-o francamente, não acredito que um artigo desta qualidade se publicasse com ignorancia do Ministerio. O Sr. Ministro da Fazenda veio aqui trazer os serviços do do Sr. Marechal Saldanha. A Camara não tem nada com os serviços do Sr. Marechal. O que ha, Sr. Pre-

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sidente?.. Ha um facto, ha um insulto, e o Presidente do Conselho que deve responder, não é o Marechal; estamos na tribuna, e não n'um acampamento: se acaso os serviços que se prestam ao paiz, fossem uma escusa sufficiente para se justificar qualquer aberração futura, estava tudo feito; mas porque um homem prestou serviços uma vez, não se segue que seja infallivel, póde errar, tem errado, e hade continuar a errar. Ha uma grande differença, peço perdão ao illustre Deputado, entre um jornal qualquer e o Diario do Governo; o redactor de um jornal qualquer não tem compromisso algum official, expõe a sua opinião com franqueza, mas o redactor do Diario, é uma creatura escolhida pelo Governo, é homem do Governo, porque o Diario é orgão do Ministerio, tem outra responsabilidade, responsabilidade que não tenho eu, que tambem sou redactor. Se eu fosse redactor do Diario, declaro que tinha bastante sentimento da minha dignidade para não escrever esse artigo senão de accordo com o Ministerio, porque não me queria expor ao dezar de ser despedido por inconveniente, e talvez por menos leal.

Já disse as razões, porque propuz que a Camara suspendesse os seus trabalhos. Depois da Camara approvar a proposta do Sr. Rebello da Silva, depois de V. Ex.ª se ter unido á Camara no sentimento de indignação que se apoderou della, depois de estarmos convencidos de que aquelle artigo não foi podo no Diario por acaso, que pelo contrario naquelle artigo ha um fim que podemos facilmente aventurar, que é o Governo desculpar-se da sua inacção com o Parlamento, e pôr as culpas sobre a maioria, sobre mim não, porque tenho constantemente votado contra o Governo, e tenho sempre declarado na tribuna e na imprensa que não tenho confiança nenhuma nelle, e que não espero nada delle, por consequencia todos sabem a minha opinião, e tenho pena de não poder alargai este recinto, de não poder fazer-me ouvir do paiz para lhe dizer — que o Ministerio não tem feito, nem hade fazer cousa alguma em beneficio e honra da Nação. Mas, Sr. Presidente, quando eu vi a Camara levantar-se inteira para condemnar o artigo, tive um momento de satisfação, porque vi que a Camara entendeu a sua posição, porque vi que V. Ex.ª entendeu a dignidade do logar que occupa. O artigo é um insulto ao Parlamento, embora alguns Deputados queiram defender o Ministerio, estão no seu direito; se acaso eu estivesse na posição dos Srs. Deputados, se não tivesse independencia de caracter, talvez que disculpasse o Ministerio. (Vozes — Ordem, ordem) Isto não é ordem nem desordem, é fallar francamente.

O Sr. Faria Barbosa — Peço a V. Ex.ª que chame o Sr. Deputado á ordem, porque se elle tem independencia, tambem os mais a teem, e o Sr. Deputado é quem menos póde fallar em independencia. (O Sr. Presidente, e outras vozes — Ordem! ordem. Agitação)

O Sr. Faria Barbosa — Peço que se chame o Sr. Deputado á ordem.

O Orador — Sr. Presidente, eu vou acabar, e não respondo ao Sr. Deputado, porque ha certas pessoas que estão abaixo da minha indignação, e o Sr. Deputado é uma dellas. (O Sr. Presidente e outras vozes — Ordem! ordem! Grande agitação.)

O Orador — Em quanto á minha independencia... o Sr. Deputado nem por sombras se póde pôr atraz dos tacões das minhas botas. (O Sr. Presidente e muitas votes — Ordem! Ordem!) O Orador. — Tenho mais independencia nas solas que rompo do que o Sr. Deputado... (Muito sussurro, agitação e vozes. — Ordem! Ordem!)

O Sr. Presidente — Eu convido o Sr. Deputado a limitar-se aos termos proprios da discussão.

O Orador — Mas note V. Ex.ª que eu não disse injuria nenhuma á Camara, fallei da minha independencia, e parece-me que posso fallar nella, porque é um facto incontestavel.

O Sr. Presidente: — Queira proseguir na discussão.

O Orador — Não sei ainda hoje aonde moram alguns dos Sr. Ministros, não subi ainda uma escada de Secretaria, não pedi aos Srs. Ministros nada, nem hei de pedir, e não sei se o Sr. Deputado que me arguiu injustamente, poderá dizer outro tanto. (Muito sussurro)

O Sr. Faria Barbosa — Peço a palavra.

O Orador. — Quando tracto de defender a minha honra, abafo a voz do Sr. Deputado, e de todos.

O Sr. Presidente: — Eu já disse o que posso dizer, peço ordem, do contrario hei de interromper a discussão. Queira proseguir na discussão.

O Orador — Sr. Presidente, terminando direi, que á minha proposta me parece muitissimo rasoavel; a Camara fará o que quizer; mas eu entendo que não devemos por mais tempo ficar debaixo da impressão de uma accusação desta gravidade.

O Sr. Corrêa Leal — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente por 44 votos contra 24. E pondo-se logo a votação a

Proposta do Sr. Cunha Sotto-Maior — foi rejeitada por 60 votos contra 24.

Proposta do Sr. Pereira dos Reis — approvada por 55 votos contra 14

O Sr. Presidente: — Manda-se fazer immediatamente a communicação ao Sr. Presidente do Conselho.

Continua a discussão do orçamento do Ministerio da Justiça sobre o art. 4.º, que diz respeito ao Tribunal de Justiça. Tem a palavra o Sr. Ministro respectivo.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, depois do que já tive a honra de dizer á Camara, accrescentarei mui pequenas reflexões, porque não vejo destruidas as ponderações que fiz, em ordem a demonstrar o justo fundamento com que estas verbas vem consignadas neste capitulo: entretanto algumas das asserções que eu apresentei, por não serem bem entendidas, foram aqui desfiguradas, decerto na melhor boa fé.

Disse-se que eu tinha appellado para o sentimentalismo; disse-se, que eu tinha recorrido a um argumento de analogia, pedindo para o Ministerio da Justiça verbas iguaes ás que os meus collegas tinham exigido para os differentes Ministerios; disse-se, que eu procurava impôr á Camara a minha opinião particular em materia de orçamento, quando pelos bons principios á Camara competia toda a supremacia em similhante materia; disse-se finalmente, que eu pedira á Camara tivesse contemplação com o Ministerio da Justiça, e que não era por similhante principio que deviam regular-se as resoluções do Corpo Legislativo.

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Mas, Sr. Presidente, que foi o que eu fiz? Em tudo quanto disse, não procurei senão reconhecer a supremacia da Camara, submettendo ao seu conhecimento os fundamentos, e as razões de justiça, porque entendia que deviam ser approvadas as verbas que se impugnam, sem comtudo pertender impôr aqui a minha opinião: o que eu fiz, foi, depois de expender aquellas razões de justiça para que fossem approvadas as verbas de que se tracta, notar o que já se linha votado em igualdade de circumstancias para outros Ministerios, a fim de fazer sobresaír a contradicção em que cairia a Camara se ao Ministerio da Justiça rejeitasse, o que já approvará nos outros Ministerios. Referiu-se inexactamente que eu reconhecera como anomala a verba que vinha aqui para os empregados de repartições extinctas, que servem na secretaria do Supremo tribunal de Justiça, quando o que eu disse, foi que a verba era necessaria; o que eu disse, foi que era anomala a organisação, ou antes a collocação destes empregados; e para fazer cessar essa anomalia é que o Governo apresentou uma proposta tendente a regularisar os quadros das repartições de que se tracta, fazendo entrar em serviço normal os empregados das repartições extinctas a que se refere a verba em discussão. Disse se, que esta verba era nova neste orçamento, quando e certo que já foi inserida nos antecedentes orçamentos incluindo mesmo aquelle que veio aqui no tempo em que o illustre Deputado, a quem me refiro, fazia parte do Governo: se me servi deste argumento, foi para fazer ver que não havia despeza nova, e que era infundada a arguição de que o Governo não fazia senão propôr verbas novas de despeza publica; disse-se finalmente, que se não tinha dado ainda o esclarecimento pedido ácerca da applicação da verba de despeza do expediente do Supremo Tribunal de Justiça; e se ahi se comprehendia o serviço da secretaria da Procuradoria Geral da Corôa: a Camara sabe que o serviço da Procurado: ia Geral da Corôa e feito pela secretaria do Tribunal, e por tanto os empregados temporarios chamados para um serviço servem igualmente para o da Procuradoria Geral; esta verba pois é para despezas d'um e outro serviço. Eis-aqui as explicações que eu tinha a dar a este respeito.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, depois do incidente porque acaba de passar esta Camara será impossivel prestar a devida attenção ao objecto de que se tracta; entretanto accrescentarei algumas observações em resposta aos illustres Deputados que tem fallado a favor das propostas que se acham sobre a Mesa. A primeira e a que diz respeito aos emolumentos do Supremo Tribunal de Justiça, e propõe a eliminação da verba de 200$ réis, já se respondeu a isto, fazendo vêr que os emolumentos votados pela lei de 19 de dezembro de 1843 aos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, constituem por assim dizer uma parte dos seus ordenados, visto haverem-lhes estes sido diminuidos para mais de cincoenta por cento. E permitta-me o illustre Deputado dizer-lhe que foi essa a razão invocada neste Parlamento, até pelo Sr. Ministro da Justiça, que então estava nessas cadeiras o illustre Visconde de Algés, assim como pelo nobre Presidente da Camara, que então fallou nesta materia; tenho presente o Diario da Camara, onde vem a discussão sobre este artigo, o qual se a Camara me permittir, poderei ler (leu).

Já se vê a razão porque foram votados nesta Camara Os emolumentos; foi por serem considerados, como para supprir à parte do ordenado que tinha sido reduzida, e para sustentar a independencia dos conselheiros daquelle Tribunal, porque não pede a razão e a justiça que dos ordenados dos magistrados se tire uma parte para despezas do Tribunal, e por isso foram votados como salarios contados nos autos: estes são os meus principios. Ora pela lei de 19 de dezembro de 1843 esta determinado que dos emolumentos pertencentes á Secretaria do Supremo Tribunal se façam tres partes iguaes, dividindo-se uma pelo secretario, outra pelo official e porteiro, e a outra por todos os officiaes da Secretaria, em proporção dos seus empregos; e como são reputados salarios, não se podem tirar. E eis a razão porque a commissão sustentou a mesma verba, que tinha vindo nos outras orçamentos.

O outro ponto proposto é o que diz respeito ao que vem carregado como gratificação diaria de 500 réis aos empregados das repartições extinctas, que estão servindo na Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça; a proposta elimina as gratificações, e duplica o vencimento das sua» pensões vitalicias; pois exige que se paguem por inteiro. Nesta parte respondeu já o nobre Ministro da Justiça, fazendo vêr que a commissão havia concordado com o Governo na organisação do quadro legal das repartições da Secretaria do Tribunal, Secretaria da Relação, e da Procuradoria Regia, e que então se estabeleceram os ordenados. A isto respondeu-se, que era questão de tempo; mas que senão devia esperar cousa alguma, porque ha muito que se tinha promettido isto, e que até aqui nada se tinha feito; que era possivel ficar esse projecto da mesma maneira no caso dos possiveis, sem que viesse á luz do dia; mas isto parece-me ter facil resposta, fundada n'um argumento que o illustre Deputado adduziu, e foi — «que com abusos não se podia argumentar.» — S. Ex.ª adduziu este argumento em resposta ao que se tinha apresentado acêrca do orçamento do Ministro, que o antecedeu: e então respondo eu, que se com abusos se não póde argumentar, não deve o abuso, de nada se ter feito, servir de argumento para se presumir que o projecto de que se tracta, tambem não venha á luz do dia: esse projecto já esta elaborado, unanimemente approvado pela commissão de Legislação, e depende apenas de uma reunião de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, para o revêr, e por consequencia em breves dias será apresentado á Camara.

Não ha pois razão para que se altere o methodo até agora praticado no orçamento, na certeza de que talvez nem este anno chegue a fazer-se obra por elle; por isso que naquella proposta vem os ordenados fixados. Ha demais amais uma razão, e é que as pensões vitalicias destes pensionistas empregados são muito desiguaes; e com quanto vejâmos aqui a somma de 408$ réis, que importa metade das pensões de tres empregados, comtudo alguns ha que teem sómente 1$200 réis por mez; e como é possivel que um empregado desta ordem sirva com 14$400 por anno? Havia acontecer que uns ficavam com 300$ réis, e outros com tres moedas por anno

Em quanto á outra proposta que diz respeito a eliminar se o ordenado de presidente do Supremo Tribunal de Justiça, permitta-me o nobre Deputado que lhe diga, é uma questão de methodo: aquillo que S. Ex.ª propõe, vem a dar o mesmo resultado. Disse S.

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Ex.ª «pois nós não havemos de votar ordenado para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça?

Supponha-se que o actual presidente falta, que é Deos servido leva-lo da vida presente, (quod Deus avertat); como ha de o Governo despachar um individuo para presidente do Tribunal, se elle não tem ordenado para lhe dar?» Acontece o mesmo pelo methodo que o nobre Deputado propõe. Supponha-se que se vota o ordenado; depois a commissão faz a deducção geral de todas as opções; feita esta operação, deduz por consequencia esta verba; falta o actual presidente do Supremo Tribunal da Justiça, é Deos servido leva-lo da vida, quer o Governo despachar outro, esta no mesmo caso, tambem não acha ordenado no orçamento para lhe dar. Mas diz-se — «lá esta a providencia; porque se acontecer dar-se esta hypothese, lá esta o meio no credito supplementar para pagar o ordenado ao novo presidente que fôr nomeado» — e isto exactamente o que acontece neste caso, lá esta o credito supplementar para supprir o ordenado do logar de presidente do Tribunal.

Por tanto desta fórma parece-me que tenho respondido a todos os argumentos que se fizeram contra a verba do orçamento, que esta em discussão; e concluo approvando o capitulo e rejeitando a proposta.

O Sr. Silva Cabral: — Continua-se a não querer conhecer o que são creditos supplementares; e com o maior sentimento vejo um daquelles absurdos que não podem deixar de ferir todo o homem, que tem estudado os principios. Diz-se «lá estão os creditos supplementares» Ma», pergunto ao nobre Deputado, e esta a significação que tem na sciencia politica o credito supplementar? Em que parte nos orçamentos dos paizes estrangeiros vê ou tem visto o nobre Deputado, segundo o systema erroneo dos Parlamentos Portuguezes, que o Governo fique auctorisado a supprir os ordenados que estão estabelecidos por lei, ou os logares que estão providenciado na lei? O creditos exigem-se a respeito de verbas que o Parlamento vê se póde dar a necessidade de supprir eventualmente: todas as outras verbas em que senão dá esta necessidade, são eliminadas: por isso não é possivel que o Parlamento abra um credito supplementar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, porque é um logar creado por lei, que tem pela mesma lei estabelecido um ordenado. Agora para os casos não previstos no orçamento, para estes não ha creditos supplementares, para estes servem os creditos extraordinarios; e por isso não colhe o argumento das opções. A questão pois não é de methodo, é de theoria constitucional. Pergunto, per ventura a lei que estabeleceu o quadro do Supremo Tribunal de Justiça não creou o logar de um presidente com 2:000$000 réis? Porque razão deve elle ser eliminado? A isto responde-se — deve ser eliminado em consequencia da opção que faz o actual presidente do Tribunal. Mas póde-se dizer que ha opção sem se saber a quantia sobre que se opta? De certo que não: porque para haver opção e preciso que haja objecto sobre que se opte: e por consequencia salvando a circumstancia especial que se da com o actual presidente do Tribunal de ser Conselheiro de Estado, para o caso das eventualidades que podem acontecer, e que já referi, não esta previsto no orçamento; e não estando previsto no orçamento, não era possivel abrir creditos supplementares.

Portanto nesse ponto os meus principios estão em pé; e em quanto ao mais já tenho expendido as minhas razões, e não as quero repetir, porque não julgo necessario repeti-las. A proposta que fiz tende a estabelecer a economia; e entendo que em todas as repartições os emolumentos teem a mesma natureza, ou lhe dêem o nome de salarios, ou de emolumentos; em todas as repartições civis, ecclesiasticas, e militares teem o nome de emolumentos, e para os juizes teem o nome de salarios; mas esta designação não vem nada para o caso; o que não podem é deixar de ficar sujeitos a uma regra geral.

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, duas são as questões que se tem suscitado sobre este capitulo; uma é a eliminação da verba para despeza do expediente do Supremo Tribunal de Justiça; sobre este objecto parece-me que já tem sobejamente respondido o digno membro da commissão do Orçamento: mas segundo estou informado, accresce que pésa sobre esta secretaria um serviço de expediente da procuradoria geral da Corôa; e todos sabem que o Procurador Geral da Corôa não tem emolumentos, tem simplesmente o seu ordenado.

Agora sobre o outro ponto que tem sido objecto de tanta discussão, parece-me que a Camara sendo coherente com aquillo que tem votado, não póde deixar de approvar o systema proposto pela commissão. A commissão quando se tractou do Ministerio da Fazenda, eliminou o ordenado de Vice-Presidente do Tribunal do Thesouro; porque quando chegou ao Tribunal do Thesouro viu, que o Vice-Presidente era o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; e entendendo a commissão que não podia o mesmo empregado, em virtude da lei, accumular dois vencimentos, e lendo elle optado pelo maior como Ministro d'Estado, eliminou do orçamento o ordenado de Vice Presidente do Tribunal do Thesouro. Ainda mais, no Ministerio da Guerra no art. 8.º tractando-se de officiaes generaes, eliminou o soldo de um Marechal do Exercito; porque um destes marechaes tinha optado por um outro vencimento maior em conformidade da lei e ninguem dirá que o soldo de marechal não é vencimento permanente: é tão permanente como o ordenado de Presidente do Tribunal de Justiça; e sendo assim, qual seria o motivo porque a commissão a respeito deste havia de fazer excepção? Por consequencia pela mesma razão, porque a commissão eliminou o soldo de Marechal do Exercito para senão dar o caso de accumulação de dois vencimentos foi por esta mesma razão que eliminou o ordenado de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; vi-to que o actual Presidente tinha optado por outro maior vencimento como Conselheiro d'Estado. Não aconteceu assim a outro Conselheiro d'Estado. O Sr. M. Duarte Leitão é membro do Supremo Tribunal de Justiça; recebe por aí 1:600$000 réis, e ao mesmo tempo recebe 400$000 réis de Conselheiro d'Estado: e S. Ex.ª podia fazer outra cousa, podia receber 2 contos do Conselho de Estado, e não receber do Supremo Tribunal de Justiça. Por consequencia aqui não ha reducções, não ha senão um methodo, que póde não ser justo na opinião do illustre Deputado, mas que a commissão entendeu devia seguir para evitar as accumulações, as quaes por esta maneira, ainda que se queira abusar da lei, não podem ter logar, porque não esta lá o vencimento no orçamento. Assim a despeza publica não póde ser senão esta; ao passo que, seguindo-se

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o methodo proposto pelo illustre Deputado, apparecia no orçamento uma despeza que senão faz.

E isto não se dá só neste caso: ha muitas outras reducções desta natureza. No Ministerio da Marinha lá verá o illustre Deputado estabelecida a mesma regra. O logar de Ministro da Marinha não estava preenchido; occupou-o interinamente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, da mesma maneira que o Sr. Ministro da Guerra o occupa hoje; e como a lei determina que qualquer Ministro quando sirva outro cargo, só possa receber a terça parte desse rendimento, a commissão eliminou do orçamento os dois terços: e aqui esta o art. 3.º do projecto da lei de despeza que diz (leu.)

«O Governo poderá preencher as vagaturas dos quadros das diversas repartições do Estado, quando pela mudança de collocação dos empregados a quem ellas respeitam, ou no interesse do serviço, isso seja necessario; e nesse caso é-lhe concedida a faculdade de abrir creditos supplementares pela differença que resultar dessas alterações.»

Oh Sr. Presidente, destes creditos supplementares não tenho eu receio: elles não podem ser maiores que a cifra do soldo ou ordenado do empregado que lhe esta marcado por lei, quando fôr exercer o seu logar: de que eu tenho receio, é de o Governo ficar auctorisado a abrir creditos supplementares sobre outros assumptos; desses é que a commissão de Fazenda quiz fugir; e por isso o orçamento da despeza vem hoje augmentado. A commissão quiz cortar aquelles creditos supplementares, que parecia não serem nada, e por fim importavam sempre em 500 e 600 contos de réis. A commissão entendeu que não podiamos continuar neste estado, e por isso incluiu tudo no orçamento. Eis-aqui o que tenho a dizer por parte da commissão.

Julgou-se a materia discutida por 46 votos contra 3.

O Sr. Presidente: — A primeira emenda offerecida é a seguinte, (leu) A segunda foi a seguinte.

Segundo a classificação no orçamento, vota-se primeiro esta ultima proposta para o restabelecimento da verba dos 2 contos de réis ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Foi rejeitada por 52 votos contra 9.

O Sr. Presidente: — A outra emenda divide-se em duas partes; a primeira é a seguinte, (leu)

Foi rejeitada por 55 votos contra 10.

O Sr. Presidente: — Segue-se a ultima parte da emenda, que é a seguinte (leu)

Foi rejeitada por 49 votos contra 16.

O Sr. Presidente: — Segue-se votar o capitulo.

Foi approvado por 63 votos contra 9.

(Entrou o Sr. Ministro do Reino.)

O Sr. Presidente: — Esta presente o Sr. Ministro do Reino; por consequencia, segundo a resolução da Camara, vai verificai-se a interpellação; mas primeiro que dê a palavra ao Sr. Deputado, auctor da interpellação, vão lêr-se as propostas que ha sobre este objecto.

(Lêram-se.)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, eu vou reduzir á fórma mais simples as perguntas que desejo dirigir a S. Ex.ª, reservando-me, e pedindo desde já a palavra para o desenvolvimento que esta questão possa ter: por ora o que desejo, é ouvir a resposta de S. Ex.ª

Sr. Presidente, no Diario do Governo de hoje apparece um artigo, que não serei exaggerado classificando-o de inaudito) inaudito pelo logar em que apparece, e inaudito pela douctrina que descreve; douctrina tendente a negar ao Parlamento vontade e actividade, e attribuindo-lhe toda a demora no andamento dos negocios publicos; e então desejo saber se actualmente no Diario do Governo se podem publicar artigos que não estejam sujeitos á immediata censura e inspecção do Governo. Posto não seja official o logar aonde vem esse artigo, comtudo é sabido que o Diario não póde fazer publicações, que estejam em opposição ao Governo. — E em segundo logar desejo saber, no caso de o Governo dizer que não teve parte alguma nesse artigo, se a Mesa recebeu, anteriormente a esta interpellação, alguma participação, de que o Governo tinha desde logo desaggravado a Camara altamente offendida.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, foi, por uma carta do meu Collega, o Sr. Ministro da Justiça, que ha poucos minutos tive noticia do que se passava na Camara;. e foi em consequencia della, e pelo caminho, para me não demorar, que li o artigo do Diario do Governo, de que se tracta; artigo inaudito, como lhe chamou o Sr. Deputado, e como eu tambem lhe chamo.

A parte não official do Diario do Governo esta encarregada a um moço, que até agora tem dado provas da maior circumspecção, e realmente não pude deixar de admirar-me, quando li o mesmo artigo; e lendo-o ha pouco, como disse, não podia de certo a Mesa ter recebido participação alguma do Governo a este respeito; mas sendo tão simples a pergunta do Sr. Deputado, simples será a minha resposta: — o artigo é inaudito, merece não só a condemnação da Camara, mas a do Governo, e o Governo assegura á Camara que o auctor do artigo não tornará a escrever para o Diario. (apoiados, muito bem)

O Sr. Presidente — Quando se annunciou esta interpellação por parte do Sr. Rebello da Silva, eu logo disse que a leitura d'este artigo me tinha magoado, como de certo magoaria toda a Camara (apoiados), e que devia crer que o Governo não teria intervenção alguma n'elle, que desejava que o Sr. Presidente do Conselho comparecesse para ser o primeiro a fazer justiça á Camara, desaggravando-a da injuria que lhe foi irrogada. A Camara agora acaba de ouvir a explicação dada pelo Sr. Presidente do Conselho, e ainda bem que ella esta conforme com o juizo que formei a respeito de S. Ex.ª e do Governo (apoiados), ainda antes que o Sr. Ministro da Fazenda dissesse, sendo apoiado pelo Sr. Ministro da Justiça — que o Governo não tinha tido intervenção no artigo nem podia esperar-se outra coisa, por que dizendo o mesmo artigo logo no principio — que a Camara pouco ou nada tem feito — e não se tendo a Camara poupado a esforços nenhuns para fazer todo o bem ao seu paiz (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado) não era possivel que o Governo com proprio descredito seu tivesse consentido, que á Camara se irrogasse semilhante injuria, sem se collocar em hostilidade com a mesma Camara (apoiados). Dada esta explicação, peço aos Srs. Deputados que ponham têrmo a este incidente, pois que pela declaração do Sr. Presidente do Conselho, esta desaggravada a dignidade da Camara, e desejaria pessoalmente, que

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esse moço illustrado a que S. Ex.ª alludiu, não fosse o auctor do artigo, nem fosse victima d'este incidente, se lhe não couber a censura immediatamente; mas quem quer que seja, o Governo é que deve tomar o logar que lhe compete, cumpre desaggravar a Camara da injuria que se lho fez, por decoro do proprio Governo (apoiado, muito bem, muito bem).

O Sr. Rebello da Silva: — Eu acredito que o redactor do Diario do Governo será a victima necessaria deste conflicto, desgraçadamente para elle, o facto esta provado, e a Camara necessita de uma satisfação, e é mesmo mais commoda essa satisfação, do que seria se podesse recahir sobre qualquer outra pessoa Mas realmente o que admiro, e seja-me permittido dize-lo, por que o sei até aonde é possivel saber-se, é que não sendo a redacção do Diario do Governo irresponsavel, por que redacção nenhuma de qualquer jornal, seja do Governo, seja da opposição, visto serem os jornaes mesmo da opposição dirigidos pelos partidos que os sustentam, principalmente em Portugal onde os jornaes não sustentam os partidos, mas os partidos os jornaes; admira-me, digo, que no jornal official do Governo possa haver um redactor que tenha a máo tão livre, lhe corra a penna tão solta que escreva destas palavras, e as escreva sem ao menos o Sr. Ministro do Reino ser avisado désse artigo, que havia de ser escripto por um funccionario seu Desta sorte estamos arriscados um dia a apparecer um artigo de fundo no Diario do Governo, proclamando a republica: não lhe acho inconveniente nenhum: aqui veem já os argumentos mais fortes que sempre se teem empregado por parte dos defensores da Monarchia antiga, falla-se na preguiça e lentidão dos Corpos Legislativos; quer dizer que a acção é mais prompta quando os Poderes estão concentrados n'um só ponto.

Sr. Presidente, este acontecimento de que a Camara foi victima, e muito de proposito digo — de que a Camara foi victima — por que no correio de hoje lerão as provincias conhecimento da accusação que se faz á Camara, do modo como tem dirigido os negocios publicos, e só no correio de segunda feira verão a defeza dos seus Representantes, não fica remediado pelo expediente de que o Sr. Presidente do Conselho vai lançar mão E aproveito esta occasião para responder ao nobre Deputado, que se levantou para dizer — que se tivesse lido o artigo antes desta discussão, não lhe dava a importancia que lhe tem visto dar — com a declaração feita não só pelo Sr. Ministro da Fazenda, mas agora pelo Sr. Presidente do Conselho, de que o artigo era inaudito. O artigo importa muito para a consideração e credito do Corpo Legislativo, assim como do Systema Representativo, que eu vejo n'elle negado: portanto já o nobre Deputado vê que na sua definição foi muito a quem d'aquella que lhe deu S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho — isto é que o artigo é inaudito (apoiado).

Sr. Presidente, eu não esperava, nem podia esperar, que no Diario do Governo viesse este agradecimento e esta consideração á Camara de 1848 e 1849, que tão sollicita e tão zelosa tem sido em prestar o seu apoio ao Governo em todas as circunstancias, em que tem sido necessario.

Confio que essa victima, que já vai a caminho para o supplicio, ao menos seja um exemplo para que não se possa escrever mais no Diario do Governo sem conhecimento do mesmo Governo; e eu declarando desde já que rejeito com toda a indignação de que sou capaz, que se me possa attribuir de alguma maneira o papel de Procurador Regio perante a Camara; pela minha parte empregarei todas as minhas fôrças para pedir que se dispa a alva á victima, e se tire de cima della o cutello demissorio que lhe esta imminente Se a victima peccou por êrro de entendimento, é preciso não haver tanto rigor, e aqui cabe notar que, neste ponto, ha dois peccados, e o peccado da acção, e o peccado da em missão; o peccado da acção e da mão de quem escreveu, e o peccado da ommissão é da parte de quem não vigiou, não e justo que na punição haja desigualdade, não e justo que sejamos rigorosos para um, e indulgentes para outro, por consequencia não e justo que destes dois peccados só um punido: e devo dizer que quem não sabe vigiar cousas desta naturesa, da sufficientes provas de que não vigia as mais

Sr. Presidente, desse artigo não ha uma só linha d'onde não restimbre uma injuria a esta Camara, as explicações dadas não correspondem; e por isso declaro que não posso estar satisfeito com as que dou o Sr. Presidente do Conselho; e repito, que apparece aqui uma ommissão culpavel do Governo, e quem não vigia já isto, parece-me que poucas cousas vigiará.

O Sr. Presidente — Devo declarar da parte da Mesa, que apenas houve a resolução da Camara, immediatamente se expediu o officio ao Sr. Presidente do Conselho, com a declaração de urgentissimo, e o correio levava ordem de ír a Secretaria do Ministerio do Reino levar o officio com recommendação de que se S. Ex.ª não estivesse la, devia de la remetter-se-lhe onde quer que se encontrasse, mas segundo o que S. Ex.ª acabou de dizer, vê se que não recebeu esse officio.

O Sr. Presidente do Conselho: Ainda não o recebi.

O Sr. Faria Barboza: — Eu não posso tambem deixar de reconhecer a inconveniencia do artigo, por que de alguma maneira lançou um stygma sobre a Camara, a feriu bastante os principios, comtudo é preciso attender e attender muito a gravidade, e delicadeza desta questão. Sr. Presidente, eu acredito que a Camara deve estar plenamente satisfeita e convencida que da parte do Governo não houve a menor intenção de que este artigo apparecesse (apoiados) o cavalheirismo, a delicadesa, a summa bondade de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho é conhecida de todos. Eu pela minha parte estou convencidissimo, e julgo que a Camara o estará, que nem S. Ex.ª nem algum dos dignos Cavalheiros que compõem o Ministerio, concorreram para aquelle artigo directa ou indirectamente, que não houve da parte do Governo o mais leve pensamento de censurar o$ actos da Camara (apoiados) A Camara tem prestado ao Governo todos os serviços, tem mostrado a melhor vontade de concorrer para o bem do paiz. S. Ex.ª o tem confessado aqui e em varias reuniões,? era impossivel que o Governo, ou algum dos Srs. Ministros tendo as provas as mais convincentes dos desejos da efficacia da independencia da Camara, quizesse menoscaba-la por meio d'um artigo, como esse que apparece no Diario. Esse artigo não podia ser impresso por vontade do Governo e menos por sua ordem, ou de algum dos Srs. Ministros. SS. Ex.ªs os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro da Fazenda o aca-

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bam de declarar O Governo se soubesse de um tal artigo antes de ser publicado, de certo o não deixa ria saír a luz, disse se — mas o Governo devia viciar constantemente sobre o redactor do Diario do Governo — isso e impossivel, S. Ex.ª declarou que confiava na illustração do empregado, redactor do Diario, e havendo essa confiança, e da natureza das cousas o não haver essa vigilancia constante e assidua sobre todos os seus acto, nem os multiplicados affazeres de S. Ex.ª o permittam. Dada essa confiança só depois de apparecer o primeiro êrro a primeira falta e que se emprega a vigilancia. Disse se que este artigo vai fazer grande impressão nas provincias, podéra ser, mas esta discussão o mesmo Diario póde fazer em breve que desappareça. Sr. Presidente, a Camara deve estar satisfeita com as respostas sinceras e verdadeiras de SS. Ex.ªs, estou conforme com a opinião de V. Ex.ª esta questão deve terminar, não e conveniente que continue, o bem do paiz o reclama, e por isso termino, pedindo comtudo, finda esta questão, ou na hora mais commoda, conceder-se-me a palavra para responder a essas palavras, que proferiu um Sr. Deputado offensivas a mim e a Camara, e espero que V. Ex.ª o proponha a Camara, quando julgar conveniente

O Sr. Pereira dos Reis — Sr. Presidente, esta questão não e da natureza daquellas em que eu deseje entrar, mas parece que este negocio deve ser um pouco mais explorado do que tem sido Seriam talvez desnecessarias as minhas palavras, porque o auctor da interpellação desenvolveu o negocio como e do seu costume, mas este assumpto e meu conhecido — eu tambem fui redactor do Diario — estão presentes alguns dos Deputados que o foram, e que podem dar testimunho do que vou a dizer já nesta e nas anteriores sessões tenho ouvido repetir mil vezes no Parlamento uma cousa, que não e verdade O redactor do Diario do Governo não mostra os seus artigos a todos os Ministros, mas recebe instrucções, segundo as quaes dirige a sua penna não digo que essas instrucções se estendam a objectos insignificantes, mis em questões de alta politica, em questões de interesse vital, o redactor do Diario entende-se sempre com o Ministro competente, que é o Ministro dos Negocios Estrangeiros Entenda se que não quero fazer insinuações, mas isto e a verdade do facto Fallando de tempos mais modernos direi que o redactor que antecedeu o actual, que serviu nos tempos arriscados, e que prestou serviços importantes, foi demittido por não entrar em questões politicas, que o Ministerio desejava se tractassem no artigo de fundo do Diario

Sr. Presidente, eu tenho uma opinião que conservo firme em quanto não reduzirmos o Diario do Governo aos termos em que se escreve o Moniteur francez (O Sr. Presidente do Conselho — É essa a minha opinião ha muito tempo) em quanto não o reduzirmos a esses termos, o caso que hoje se deu, ha de se repetir muitas vezes, porque não e o primeiro Diario onde apparecem similhantes inconveniencias E sejamos justos, digamos a verdade (e por isso dou menos importancia a este negocio ate certo ponto), eu confesso que não posso conformar-me com a maior parte dos artigos de fundo daquella fôlha quando em algumas horas d'ocio, não tendo mais que lêr, lanço a vista pelo Diario do Governo, as frases de alguns desses artigos me tem Indignado.

Sr. Presidente, a opinião da Camara é unanime em quanto ao altivo elle deve ser condemnado mas eu pedirei ao illustre Presidente do Conselho, e aos seus collegas que não levem avante o projecto para que estão dispostos, (apoiados) eu conheço o redactor do Diario do Governo, sei que tem optimas intenções, pertenceu a uma casa religiosa, e egresso, mis homem liberal, e uma excepção peço ao Governo que o não demitta

Agora quanto ao Diario tambem peço ao Governo, que por credito seu, e do Systema Representativo o ponha no pé em que deve sei O Governo tem muitos meios para o fazer, peço lhe que escolha melhores defensores, já o declarei aqui, e cortou-se me a palavra Pois vos que pagais a alguns defensores, não sabeis escolher quem melhor esteja nesse e aso? E não impugno essa despeza, antes devo dizer que os Govêrnos que tem sido typos da boa direcção politica, tem uma verba applicada no pagamento de jornaes que defendem a sua opinião. Tambem não arguo os redactores, porque em fim alli põe-se preço a sua consciencia, mas o que peço ao Governo, e que escolha defensores que mereçam a honra de uma contestação, ou de um debate (apoiados)

Não fiz mais do que dizer aquillo que entendo que deve ser o Diario official do Governo A respeito da questão em si, depois das explicações que recebemos dos Srs. dois Ministros que fallaram, o meu desejo era que podessemos termo a este de bate não acho conveniente que continue, e esperando que o Sr. ministro attenda a rogativa que lhe fiz, pediria que passassemos ao outro assumpto (apoiados)

O Sr. Presidente — O Sr. Deputado concluiu pedindo, e propondo que se passasse a ordem do dia

Decidiu-se affirmativamente por 83 votos contra 2

O Sr. Presidente — Continua a discussão do orçamento do Ministerio da Justiça, vai lêr-se o capitulo 5 o — (Leu-se)

Capitulo 5 — Relações 60:133$800 réis

O Sr. Xavier da Silva — Mando para a Mesa dois pareceres da commissão de Fazenda um delles conclue por projecto de lei

O Sr. Presidente — Manda imprimir-se o que conclue por projecto de lei, o outro dar-se-lhe-ha o competente desuno

(Transcrever-se-hão, quando se discutirem)

O Sr. Silva Cabral — Vem aqui declarado no art. 11.º (leu)

«1 Vice-Presidente — 20 juizes segundo o quadro — 1 dicto reintegrado — 2 dictos foi a do quadro — 22 000$000 de réis. onde senão comprehende o ordenado de 2 juizes que recebem outro vencimento»

Vem declarado no art. 12.º (leu)

1 Vice-Presidente — 20 juizes — 1 dicto reintegrado — 22 000$000 de réis»

Desejo que a illustre commissão me explique isto no seu parecer vem eliminados dois juizes de direito, um que pertence a Relação de Lisboa, outro a Relação do Porto, desejava saber a razão desta eliminação Um illustre Deputado que se senta nos bancos inferiores disse ri uma das sessões precedentes, que esta Camara não podia marchar uma vez que não tosse no caminho da justiça, o no caminho da lei, era agora que se lhe offerecia uma bella occasião para mostrar, se sim ou não tinha a peito esses princi-

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pios. Segundo eu vejo da respectiva secção; o quadro da Relação de Lisboa é evidente que tem os juizes todos, e vejo aqui incluidos alguns fóra do quadro; desejo que a commissão me explique a razão deste excesso na Relação apesar de ter morrido um, e apparecer um reintegrado; desejo que se me diga, porque vem aqui dois juizes, que recebem outro vencimento.

Depois de ouvir as explicações da commissão tomarei a palavra novamente, se o julgar necessario.

O Sr. Poças Falcão: — A commissão eliminou o ordenado de um juiz da Relação do Porto, não fez mais do que attender, e ter em vista as informações que recebeu; ella soube que um juiz daquelle Tribunal tinha fallecido, e como não podia ser provido, entendeu a commissão que, havendo excesso fóra do quadro, podia ser por um deste numero preenchido, e, por isso, que devia eliminar o ordenado de um desses do quadro, como eliminou. Em quanto ao outro juiz da Relação de Lisboa dá-se a mesma circumstancia; tendo a commissão conhecimento de que o presidente tinha fallecido, e que um dos juizes tinha sido nomeado presidente, e havia fóra do quadro ainda juizes que houvessem de ir occupar os logares vagos no quadro, pela mesma razão porque eliminou o ordenado de um juiz da Relação do Porto, eliminou o ordenado respectivo a um juiz da Relação de Lisboa. São estas as explicações que tenho a dar ao illustre Deputado.

O Sr. Silva Cabral: — O illustre Deputado satisfez á primeira parte das minhas objecções, mas em quanto á segunda não. Eu fiz menção primeiramente de dois juizes, que, segundo vejo, por terem fallecido foram eliminados do quadro; mas a minha segunda objecção, é que não obstante isto vejo fóra do quadro juizes, e sómente a respeito de um se diz que foi reintegrado em virtude da lei de 2? de agosto de 1840; quero eu pois saber, porque esses juizes, não obstante estarem fóra da lei de 27 de agosto, existem no quadro da Relação de Lisboa?..

O Sr. Poças Falcão: — Não linha bem entendido a explicação, que pediu o illustre Deputado. A commissão não se occupou de eliminar ordenados do quadro, nem fóra do quadro; a commissão depois de conhecer que tinham fallecido dois juizes, um na Relação do Porto, outro na de Lisboa eliminou os ordenados respectivos a estes dois juizes; sem se occupar, digo, de saber a maneira porque haviam de ser substituidos, ou o modo porque eram conservados os outros que estivessem fóra do quadro; a commissão não attendeu a outras considerações: sabendo que tinham fallecido dois juizes, entendeu que lhes devia eliminar os ordenados do orçamento, e foi o que fez

O Sr. Forjaz: — Além das perguntas que o Sr. Deputado que se senta no banco superior, dirigiu ao illustre relator da commissão; eu perguntarei tambem — porque, havendo quatro aposentações na Relação do Porto de juizes, cujos nomes eu podia expressar, porque os papeis correram pela minha mão, e não se tendo nomeado juizes novos para aquelles logares, senão faz menção destas aposentações?

O Sr. Poças Falcão: — Creio que o illustre Deputado quer que se declare, porque senão fez monção no orçamento dos juizes aposentados. Eu creio que o illustre Deputado esta enganado em quanto a estas aposentações. Na relação dos juizes das Relações não Vem juiz algum aposentado; e a commissão tendo ouvido fallar de que alguns juizes tinham sido aposentados, tractou de pedir informações da repartição, e esta disse — que não havia ainda aposentações: — e em quanto ao illustre Deputado dizer, que passaram pela sua mão os papeis relativos a essas aposentações: da repartição competente disse-se — que essas aposentações não estavam ainda decididas — por consequencia, á vista disto, a commissão entendeu que não devia attender a essas aposentações; e até se bem me lembro, alguns dos juizes a que se refere o illustre Deputado, veem ainda aqui como pertencendo ao quadro; e a commissão indagando, se effectivamente tinham sido aposentados, ou se se conservavam ainda no quadro, soube que ainda existem no quadro.

O Sr. Forjaz: — O illustre relator da commissão pareceu que estranhou o eu perguntar qual era a razão, porque senão fazia menção dos juizes aposentados no orçamento; a razão disto esta no artigo dos juizes de direito, aonde a commissão faz menção de dois juizes de direito aposentados; e por isso parecia-me que havendo alguns juizes, como ha, aposentados na Relação do Porto se devia fazer menção destes juizes. Eu não sei se se verificou já a aposentação de todos os quatro juizes que a pediram, e cujos papeis já se deferiram; mas sei que um delles o benemerito presidente que foi do Tribunal, o Sr. Queiroz, foi já aposentado, e desde que se deu esta aposentação, entendi que todos esses juizes a tinham obtido. Dêste modo parece-me ter respondido ás observações do illustre relator da commissão.

E julgando-se logo a materia discutida por 53 votos contra 5, e pondo-se á votação o

Capitulo 5.º — foi approvado por 50 votos contra 8.

Passou-se ao

Capitulo 6.º — juizes de direito 45:800$000.

O Sr. Pereira dos Reis: — Sr. Presidente, pedi ao Ministerio da Justiça varias relações que constam do requerimento seguinte, (leu) Este pedido era datado de 5 de janeiro de 1849; já se vê que tem decorrido mais de quatro mezes.

Procurei hoje na secretaria se tinha apparecido» resposta a este meu requerimento, e responderam-me que não. Este facto convence-me da verdade que eu disse aqui ha dias, isto é, que o orçamento era a obra mais imperfeita que havia. Este orçamento foi escripto em outubro ou novembro, (senão antes) do anno passado; dessa data em diante tem havido occorrencias de que o Parlamento devia ter noticia para poder resolver a respeito dellas como conviesse. Ha mais de quatro mezes, repito, pedi estes documentos, e ainda não vieram; não sei a quem attribua a demora; eu conheço os empregados daquella repartição, digo, os empregados principaes, sei o zêlo que os anima em tudo quanto pertence ao serviço publico, o não posso acreditar que a falta da resposta deste requerimento, aliás importante, venha desses empregados. Não attribuo tambem a falta ao nobre Ministro, porque até confessa que não tinha noticia deste requerimento.

O Sr. Presidente: — O requerimento foi em 5 de janeiro, e o officio foi em 9 de janeiro.

O Orador: — Pois bem, tem decorrido mais de quatro mezes, isso confirma a verdade que acabo de expender: o Parlamento por tanto não tem noticia das occorrencias que têem tido logar depois de feito

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o orçamento, e deveria-a ter, porque essas occorrencias merecem ser tidas em linha de conta.

Por agora limito as minhas observações, ou antes resumo-me a duas perguntas. — Desejo saber o que ha a respeito dos juizes de fóra do quadro: — senão e inexacto o que consta a este respeito (eu não tenho, já digo, documentos officiaes pelos quaes me regule) mas se é certo, como consta entre pessoas bem informadas, existem fóra do quadro doze juizes. Consta que a respeito deste facto o Governo tem despachado seis juizes, isto desde que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho entrou no Ministerio. Consta além disso que o Ministerio, sem ter lei, que para isso o auctorise, metteu na magistratura moderna um homem, que pertencera á magistratura antiga. Eu desejo explicações sobre este ponto, e estou disposto a votar contra o artigo, em quanto o Governo não provar o que ha em tal negocio, e se se obrou segundo a lei.

Não creia o Governo que eu admittirei uma evasiva que póde allegar-se, porque não tem força alguma: já previno a resposta do Sr. Ministro da Justiça, e é — isso foi feito antes de eu ter entrado no meu Ministerio; — mas ainda que isso estivesse já feito, devia por ventura o Ministerio actual auctorisa-lo, ou consenti-lo? Creio que não. Se tinha uma origem viciosa, e illegal, o Governo exercia um direito incontestavel destruindo esse facto. Mas em quanto ao individuo que pertencendo á magistratura antiga, entrou na moderna como juiz de direito... (O Sr. Ministro da Justiça: — Quem é?...) Ora quem é? Parece mal que eu diga quem é: peço ao illustre Ministro que tome nota, averigue o facto e dê remedio, porque realmente é um escandalo que estas cousas se tolerem.

E na occasião presente devo declarar mais: que um magistrado que póde considerar-se como honra da toga portugueza, o Sr. José Antonio d'Almeida, já aproveitado n'uma commissão importantissima, que foi governador civil em Santarem, e que tinha vinte e tantos annos de serviço na magistratura, havendo alguem que pertendeu aproveitar o grande merecimento deste homem, e o inculcou ao Ministerio, sabe V. Ex.ª o que o Ministerio respondeu, e respondeu bem? Foi — «Se quizer, hade iniciar-se de novo na magistratura moderna» — isto é, havia de ser delegado. Esse homem foi provedor em duas comarcas, em Guimarães, crio Algarve, homem destas virtudes antigas que se escrevem, e que eu não sei se existiram; foi Deputado em Côrtes, foi governador civil, e o Governo respondeu — comece por delegado. — E a respeito do outro individuo de quem fallo, creio que se não dão serviços iguaes; e com indo pasmou da magistratura antiga para a moderna, tendo creio que apenas servido o logar de juiz de fóra, e passou a juiz de direito. Eu peço que o Sr. Ministro da Justiça, para illustração da Camara, me diga o que sabe a respeito do terceiro ponto que toquei: em quanto a primeira parte, S. Ex.ª diz que ignora; eu confio que ha de tomar as informações precisa, e ha de remediar como convem.

Trazendo novamente á memoria do nobre Ministro os pontos a respeito dos quaes desejo ser illustrado: peço a S. Ex.ª me diga quaes são os juizes de primeira instancia que estavam em serviço activo em julho de 1847, quaes os que estão fóra do quadro, se se negam ao serviço activo, e se apezar disso recebem algum subsidio pelo Thesouro; peço tambem a S. Ex.ª me declare, quaes os que de novo foram despachados, em que tempo foram despachados, e se estavam nos lermos deo serem havendo no quadro tantos bachareis que já tinham servido. Ouvirei as respostas, e se for preciso pedirei novamente a palavra.

O Sr. Poças Falcão: — Sr. Presidente, responderei ao nobre Deputado, não em quanto á legalidade com que estes ou aquelles juizes se acham despachados, mas justificarei simplesmente o parecer da commissão, visto que não se póde exigir della senão os motivos, porque ella apresentou este parecer. A commissão vendo que nos juizes de primeira instancia entravam dois aposentados, tractou de indagar quem elles eram, e se effectivamente se achavam nestas circumstancias; a repartição informou quem elles eram, e os decretos com que tinham sido collocados nesta posição, e então entendeu a commisão, que devia approvar os ordenados propostos; e fez esta reducção a respeito dos ordenados dos seis juizes de fóra dos respectivos logares: a repartição tambem informou, que seis destes juizes já tinham sido despachados para outros logares; e por consequencia como desde o anno passado se consideravam fóra destes logares, com o ordenado de 400$000 réis, por isso entendeu a commissão que devia eliminar os ordenados relativos a estes seis juizes. Agora quanto aos outros juizes que se acham despachados, a commissão julgou de necessidade propor os meios necessarios para todos os juizes, de todos os logares, ou de todas as comarcas do Continente e Ilhas adjacentes, porém não podia occupar-se da legalidade com que estavam despachados estes juizes

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, a verba lançada neste capitula esta até certo ponto exacta, considerada com relação aos trabalhos da commissão, com uma pequena differença que logo notarei: mas com relação ao Governo suscita serias reflexões,

Sr. Presidente, ou a lei é alguma cousa no nosso paiz ou não; ou se quer respeitar as disposições organicas ou não, ou se quer ler consideração com os principios de justiça, ou se querem esquecer inteiramente. E sabido do Parlamento o que se passou a respeito de juizes de direito na sessão passada; é sahido do Parlamento que a respeito deste objecto se fez uma declaração solemne pelo Ministro da Justiça que então era; todos sabem que depois de 1817 foram despachados juizes que não tinham pertencido ao quadro da magistratura, e que estes juizes estavam até funccionando em algumas comarcas. Houve um Deputado, que dirigiu ao Ministerio nesse tempo as suas instancias, para declarar se ella julgava ou não que estes juizes despachados contra lei, o que nem ao menos se podiam socorrer á lei de 27 de agosto de 1840, podiam ser conservados; o Ministro da Justiça então respondeu — que julgava insubsistentes estes despachos, e se compromettia a prover de remedio a esta illegalidade — uma promessa desta ordem exigiu-se que fosse lançada na acta; e na acta de 15 de maio do anno passado, está lançada a propria declaração do Ministro. Ora a consequencia logica, n'um Governo que quizesse seguir os principios de justiça e razão, era declarar sem effeito aquelles despachos; não sendo possivel que uma cousa illegal, e que affectava os principios de competencia governativa, podesse subsistir mais um momento. Mas fez o Governo mais alguma cousa a este res-

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Peito? De certo que não: as cousas estão como estavam, e os juizes despachados contra lei lá se conservam nos seus logares; pelo menos assim o devo presumir, porque não vi ainda acto algum official, pelo qual se mostre que se satisfez a esta solemne promessa feita no Parlamento, (apoiados) Isto realmente não póde deixar de affectar a moral governativa; porque quando se vê que um Ministerio vem cora a consciencia da illegalidade fazer uma declaração, e esta se subscreve no Tribunal da Nação, e depois disto a illude, não sei que consideração possam merecer todos os seus actos!... É preciso que se acabe por uma vez com este abuso; abuso que é inteiramente nocivo não sòmente a legalidade, mas mesmo ás finanças do paiz: (apoiados) e preciso que se acabe com este abuso de supporem os Srs. Ministros que podem ter um quadro de magistrados, ou para melhor dizer, um extra-quadro de magistrados: isto não é possivel: tem-se interpretado mal a lei, e executado pessimamente. A lei de 27 de agosto de 1840 se por ventura restituiu, por um principio justo e politico, aquelles juizes que tinham sido espoliados do seus logares, se por motivos politicos tambem os considerou como juizes para serem attendidos nas primeiras vagaturas, não quiz de certo estabelecer um quadro permanente; e unicamente quiz attender áquelles juizes que tinham sido tocados do golpe politico de 1836. (apoiados) E por isso que, quando me pertenceu executar esta lei, a executei com todo o rigor, assim como executei todas as mais; porque entendi que era absolutamente necessario, para se entrar n'um caminho inteiramente legal e normal, não admittir nenhum fóra do quadro; e obriguei a todos a entrarem nos seus logares que lhes eram destinados, ou a largarem a magistratura; porque entendi que não havia meio têrmo entre uma e a outra cousa, (apoiados) O illustre Ministro da Justiça que fez esta declaração, e a qual faltou, foi um daquelles a quem abrangeu a minha providencia; foi um daquelles a quem officiei — se queria continuar na magistratura, e elle respondeu-me que não: e risquei-o do quadro. O que aconteceu e, que em pouco tempo a ler de 27 de agosto de 1840 não tinha applicação, porque não havia já juizes deste quadro normal, e principiaram a ter accesso os delegados, sendo certo que desde o momento que um juiz se possa estabelecer em quadro anormal, os delegados não podem ter accesso algum, por isso mesmo que a este quadro e que se hão de ír buscar os primeiros juizes, (apoiados) Em 1817 havia 17 juizes fóra do quadro, em virtude destes despachos illegaes: ainda conservo a relação official que pedi em janeiro de 1848. Ora cinco destes juizes eram daquelles que tinham sido declarados fóra do quadro da magistratura, em virtude das providencias do decreto de 1. de agosto de 1846: não sei os que depois disto se tem despachado definitivamente para logares; nem posso calcular quaes são aquelles que estão ou deixam de estar neste quadro anormal. E uma daquellas cousas que nos deviam explicar; porque na relação official não vem isto explicado. Portanto não posso acreditar se não naquillo que diz a commissão, isto é, que são seis juizes reintegrados: e sendo só seis os juizes que se fizeram entrar no quadro da magistratura, esta claro que deve ficar o restante dos juizes: mas eu não posso explicar a razão porque, estando fóra do quadro 17 juizes, e entrando só 6 para o quadro da magistratura, appareça esta verba que se propõe 1...

O Sr. João Elias — Fóra do quadro ficou um só: se o nobre Deputado me permitte, eu dou a explicação disto....

O Orador — Já se vê que eu neste ponto estou provocando explicações.

O Sr. João Elias — Estes juizes que se referem aqui, foram aquelles a quem o anno passado, sobre proposta minha, se lhes assignou um subsidio de 400$000 réis; eram collegas desta Casa, eram aquelles que tinham sido expulsos dos logares que occupavam em virtude do decreto do 1.º de agosto. Mas por occasião das transferencias pude collocar seis destes juizes devidamente; vindo a ficar de fóra um só, que elle mesmo pediu esperar para occasião mais opportuna para entrar em exercicio: agora todos os mais que constam da relação official a que o nobre Deputado alludiu, são daquelles que já estavam no quadro anormalo quando S. Ex.ª foi Ministro, mas que não têem vencimento nenhum, á excepção de um só, a quem o anno passado o Parlamento votou como subsidio 400$000 réis.

O Orador — A explicação do nobre Deputado em parte satisfez-me; e não se póde duvidar que o parecer da commissão neste ponto esta exacto, porque conforme os meus principios, não são as pessoas, são os logares Talvez esse mesmo juiz devesse já ter sido despachado para o logar que esta vago; porque é aos interesses da justiça que os Srs. Ministros devem principalmente attender, e não á commodidade dos pertendentes, e dos srs. juizes; o interesse dos povos exige que se lenha uma particular attenção, e não se consinta que um juiz esteja á espera da vagatura de um logar que é melhor para sei despachado para elle, soffrendo a justiça no entretanto. Acabemos com isto, Sr. Presidente, porque sem acabarmos com isto o Governo não póde ter qualidade alguma de força nos seus actos.

Esta era uma das duvidas a respeito da qual estimarei bem ser esclarecido pela commissão, sem que comtudo me deixem de servir com relação á provi, são do logar, que todavia não é questão, porque sei que a pessoa a quem nos acabamos de referir, ainda não ha muito tempo que morreu; por consequencia ainda não cabe censura ao Ministerio por este lado, e eu só fiz esta reflexão generica, e não applicada senão a hypothese de que se tracta.

Mas vejo mais um juiz de primeira instancia reintegrado, e desejava que a illustre commissão me explicasse tambem o que é isto, porque não me e possivel poder attingir a razão desta reintegração, visto que o orçamento nunca explica cousa alguma, deixa-nos sempre na duvida, na perplexidade: eu vejo um juiz de primeira instancia reintegrado, precizo de uma explicação para saber se esta reintegração diz relação á hypothese que estabeleceu o meu illustre amigo, e sobre a qual já tomou nota o Sr. Ministro da Justiça, ou se diz relação a outro algum juiz, porque emquanto á segunda hypothese apresentada pelo meu nobre amigo, na realidade sem eu poder assegurar a sua authenticidade, se ella existe (o que o Ministerio deve explicar, e do que deve dar informações a Camara) é uma perfeita invasão da lei, uma conhecida infracção de lei. Sr. Presidente, eu neste ponto não podia deixar igualmente de ser sincero, um dos factos a que se alludiu, diz relação á minha adminis-

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tração, mas diz relação á minha administração outro facto de outra natureza a respeito dos juizes, mesmo que pertendia sê-lo, porque tinham sido desembargadores do Porto, eu respondi a todos aquillo que lhes devia responder — a magistratura nova não é a antiga; a magistratura nova tem um quadro, tem uma lei pela qual se regula, em quanto senão seguirem os gráos deste quadro, a escala que esta marcada na lei, não é possivel que ninguem pertenda supplantar todos os da classe inferior para passará superior —: portanto fosse desembargador do Porto, fosse do Paço, para mim era a mesma cousa, e não admittiria nunca um desembargador a ser juiz de direito sem primeiramente ter sido delegado, porque a lei diz que dos delegados e que hão de ser tirados os juizes de direito, e só assim se póde dar alguma esperança a esses delegados, só assim se podem remunerar os serviços que elles tiverem feito, e de outra sorte a carreira da magistratura esta inteiramente perdida, e não offerece vantagem alguma áquelles que entrarem nella.

Quando pois o caso seja o mesmo, eu não posso deixar de estigmatisar; se fôr differente, eu peço explicações, e quando a explicação não me satisfaça, eu pedirei a palavra para fallar depois do sr. relator da commissão: se me satisfizer, nem mesmo pedirei a palavra para fallar sobre elle.

O Sr. João Elias: — Sr. Presidente, o nobre Deputado que acabou de fallar, referiu se a factos de uma interpellação, que me foi feita aqui, quando eu era Ministro da Justiça. A Camara sabe muito bem o que se passou então; sabe qual foi a minha resposta: a Camara sabe o que deu occasião áquella interpellação que o nobre Deputado me dirigiu, e que a minha declaração foi na persuasão de que, pelo menos, dois dos bachareis que foram despachados, não tinham os requisitos necessarios para fazerem parte do quadro da magistratura, isto é, que não tinham as habilitações necessarias para serem aspirantes á magistratura judicial; debaixo desta hypothese é que considerei esses despachos illegaes; mas tornando depois informações mais exactas, reconheci que esses bachareis tinham sò requisitos necessarios para podérem ser despachados, e por consequencia não podia tornar nullos esses despachos; mas depois, como effeito da lei das transferencias, foram devidamente collocados os juizes que tinham sido espoliados dos seus logares, que foi o que deu causa á interpellação, que o Sr. Deputado então me dirigiu, fazendo-se justiça a todos.

Em quanto aos outros juizes a que o Sr. Deputado se referiu, quando eu entrei no Ministerio, já os achei todos fóra do quadro da magistratura, e encetei o systema de os ír admittindo nos logares que vagassem, para assim acabar com o quadro anormal de juizes sem exercicio; por isso já estão redusidos a muito poucos, e esses juizes não teem vencimento algum á excepção de um ou dois que foram reintegrados.

O Sr. Poças Falcão: — Sr. Presidente, eu não sei qual é o juiz da magistratura antiga que foi despachado para o quadro da actual; mas parece-me que posso asseverar ao illustre Deputado que pediu esta declaração, que não é para isso que aqui vem o ordenado de 200 mil íeis; o juiz para quem este ordenado e applicado, é o Sr. Fernando de Magalhães Avellar, que é da magistratura moderna; tinha ficado fóra do seu logar em 1836, e foi comprehendido na disposição da lei de 1840. O illustre Deputado sabe muito bem que aos juizes que ficaram fóra do quadro em virtude de acontecimentos politicos, ou fóra do logar em 1830, se lhes deu a metade do seu ordenado; e se declarava na mesma lei que elles poderiam ser empregados em logares do Ministerio Publico. Este juiz a que se refere aqui o orçamento, tinha sido despachado como tal, depois saiu e pediu a applicação daquella lei, que effectivamente lhe aproveitava; essa lei de 1840 permittia-lhe tambem que elle fosse collocado em differentes logares do ministerio publico, e foi-lhe applicada, E este o juiz a que se refere o orçamento segundo as declarações que foram feitas á commissão pela repartição do Ministerio da Justiça. Era quanto aos outros sete juizes de que se aqui falla, já o illustre Deputado que me precedeu, deu explicações que me pareceu satisfazerem ao illustre Deputado, de que esta verba refere-se aos sete que estavam fóra dos logares em virtude dos acontecimentos politico; e em consequencia do Protocolo, o anno passado, se lhes votou o ordenado que receberiam, em quanto não fôssem devidamente collocados; e por conseguinte elimina-se o ordenado dos seis por que já foram reintegrados, ficou um, que ainda não foi reintegrado, e por isso apparece essa verba. Creio que S. Ex.ª se deverá dar por satisfeito com esta explicação.

O Sr. Silva Cabral — Felizmente tenho sempre na máo os documentos, que me ficaram da discussão passada, para esclarecer esta questão. Sr. Presidente, primeiramente devo dizer, que não é possivel prestar eu o meu apoio, por maneira alguma, ao principio que estabeleceu o illustre Deputado pela Estremadura; não é possivel, porque S. Ex.ª mesmo reflectindo seriamente sobre as razões que apresentou, ha de ver, que não podem fazer muita honra á sua reconhecida intelligencia: os motivos que apresentou para variar de uma solemne promessa feita ao Parlamento, não se compadecem com a legalidade, são illegaes.

Sr. Presidente, eu tinha dito que não era possivel, e foi este o objecto da minha interpellação, que fazendo-se juizes de direito magistrados, que estavam fóra do quadro da magistratura, se fossem buscai, nem delegados, quanto mais pessoas que nem delegados eram, para juizes de direito, e por tanto aquellas pessoas que tinham sido despachadas, não só com offensa dos que estavam no quadro, mas de todos os que estavam empregados no Ministerio Publico, «com offensa duplicada da lei, não podiam ser considerados juizes. O Governo não esta menos sujeito á lei, do que outro qualquer cidadão: só no Governo absoluto ha o principio de que o Monarcha esta acima das disposições da lei; no Governo constitucional não póde existir este principio; todos, desde o mais elevado até ao mais pequeno, todos estão sujeitos ás leis; a inviolabilidade compete só ao Chefe do Estado, mas por isso é acompanhada do Poder Executivo representado pelos Ministros, que são responsaveis, e são obrigados a cumprir a lei, como qualquer outro cidadão. Nenhum dos individuos, fosse elle um Demostheues o mais carregado de serviços, desses a que o illustre Deputado se referiu, estava nas circumstancias de ser despachado; pois o que é um sub-delegado? Tem o accesso a delegado e o delegado depois de ter servido competentemente, passa a ser juiz de direito; assim como um adminis-

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trador do concelho esta habilitado sem duvida, tendo competentemente servido, para ser juiz de direito; tuas é quando não haja juizes de direito no quadro: e é isto o que se deve observar sob pena de uma perfeita injustiça. Esse sub-delegado pois foi despachado com prejuiso não sòmente de todos os do quadro, mas ate com prejuiso dos delegados que servem ha mais de 20 annos; o que offende, não só os principios da justiça, mas os da moral. Ha ainda outra circumstancia muito especial, diz-se na nomeação destes individuos que elles tinham muitissimos serviços, e os outros não os tem? Então porque foram despachados esses individuos, e não todos os outros que estavam nas mesmas, ou superiores circumstancias? Diz-se que foi preciso consultar eximios jurisconsultos... Consultar eximios jurisconsultos? Para que? Pois e preciso eximios jurisconsultos? Sobre isso qualquer delegado sabia dar um parecer. Eximios jurisconsultos para saber se o sub-delegado e administrador do concelho tinha postergado todos os direitos, não só dos juizes que estavam no quadro, mas igualmente de todos os delegados antiquissimos; por exemplo, o do Pombal que serve ha 14 para 15 annos! O illustre Deputado disse, e eu concedo, que fui quem despachei esses juizes; era o que faltava, que depois da manifestação da opinião do Parlamento, e depois da injustiça porque esses juizes já tinham passado, não fossem contemplados, estando por assim dizer, esquecidos por tanto tempo dos seus direitos, em quanto outros estavam a vencer o accesso aos seus logares; isto não foi um favor, foi um acto de justiça. — Mas diz-se — não ha despeza, por isso que estão no quadro — e por tanto não vem no orçamento verba alguma de despeza a esse respeito; pois não devemos, como homens politicos, attender só á verba do orçamento? Temos um principio muito mais elevado; o principio da justiça; e eu não ólho tanto á verba do orçamento, como ao principio de não offender direitos de terceiro. E por ventura poderá dizer-se que semilhantes despachos não vão atacar os direitos de homens, que estão em esquecimento na magistratura? Não é isto offender os direitos destes que gastam a sua vida em fazer serviços naquella carreira? Eu não attendo á verba do orçamento, attendo a estes principios, porque entendo, que todos os Governos os devem observar strictamente.

Não posso pois deixar de declarar á Camara que eu entendo ser altamente illegal a subsistencia daquelles despachos; porque entendo que o Governo atacou a lei, e não tinha auctoridade nenhuma para os fazer; e por consequencia que elles se devem tornar nullos. Se acaso assim não fôr, logo que houver Ministro que saiba fazer a sua obrigação, a primeira cousa que tem a executar, é dizer-lhe — saiam Vm.ce para fóra; porque estão usurpando os direitos dos que teem maiores serviços.

A respeito de despachar magistrados da magistratura antiga preterindo os da moderna, e offender tambem os direitos destes. Sr. Presidente, eu não quero, que as leis tenham o caracter de favoritismo; por consequencia metter os antigos no quadro da magistratura, approvo; mas não vale a desculpa da necessidade do serviço, para os despachar com preferencia dos membros da moderna magistratura. Quanto a este ponto e preciso alguma explicação: é preciso sabermos se e exacto ou não; porque eu não tenho documentos na minha mão, mas muitas pessoas a quem dou credito, me disseram que é verdadeiro o facto da nomeação de um magistrado da antiga magistratura que foi mettido no quadro, não o sendo outros juizes de 1.ª instancia, o Sr. Fernando de Magalhães e Avellar, e perguntarei, em que tempo foi reintegrado? (Uma voz: — Isso não tem nada para o caso). Este caso tambem precisa de explicação, porque em quanto não a houver, não póde approvar-se a verba. Sr. Presidente, eu não estou a fallar nem deste, nem daquelle Ministerio, estou a referir os factos para que a Camara saiba o que vota: sei só que é preciso examinar se estes juizes que estavam fóra do quadro, e que foram reintegrados, o foram legalmente; porque elles achavam-se nessa situação em virtude de uma lei, e é preciso saber em que circumstancias vem proposta essa verba de 200$ réis, e para quem. Pois o Sr. Avellar esta no Ministerio Publico, tem lá o seu ordenado.. (Vozes: — Não esta). Pois não e ajudante do Procurador da Corôa? (Vozes: — Não é). Bem, então ainda vigora a mesma opinião com relação á primeira hypothese; vem a ser, que é preciso saber porque facto foi reintegrado, para poder avaliar a justiça desse facto; pois se o foi actualmente, hei de me oppor, porque já não e a reintegração da lei de 27 de agosto, e uma cousa differente; elle foi reintegrado em virtude da lei de 27 de agosto de 1840, não quiz acceitar, e depois foi demittido em virtude do decreto do 1.º de agosto de 1846; por consequencia é preciso uma nova reintegração. Se é do tempo da dictadura, ainda poderei passar por esse objecto, senão é, não póde ser.

O Sr. Ministro da Justiça: — Se o Sr. Deputado me dá licença, eu lhe dou uma explicação para fazer della o uso que quizer. Esse individuo foi reintegrado, como todos os mais que o foram fóra do quadro da magistratura nessa época, pelo decreto que vou lêr (leu).

O Sr. Silva Cabral (continuando): — A Camara acaba de ouvir lêr o decreto, pelo qual este magistrado foi reintegrado; compete á Camara, porque ha de, sem duvida, ter formado a sua convicção a este respeito, decidir se aquelle decreto póde revogar um acto praticado em virtude de uma lei, e nisso não entro eu, porque cada um tem já a sua opinião formada a este respeito: estabelecido como esta este facto, e sobre tudo a época em que foi feito, compete agora á Camara decidir este negocio.

O Sr. Pereira dos Reis: — Mando para n Mesa a seguinte proposta, que sustentarei, se fôr necessario.

Proposta. — Proponho o adiamento do capitulo 6.º do orçamento, que se inscreve — juizes de direito

— até que o Sr. Ministro da Justiça possa dar os esclarecimentos, que lhe tem sido exigidos neste debate.»

— Pereira dos Reis.

Foi apoiada, e entrou em discussão.

O Sr. Poças Falcão: — Parece-me que o adiamento não póde sustentar-se, porque em verdade, as explicações que se tem pedido, não vem nada em relação ao orçamento; as explicações que o illustre Deputado, auctor do adiamento, pediu, não são a respeito dos individuos que aqui vem indicados no orçamento; porque em quanto aos juizes que se diziam fóra dos respectivos logares, já dei as explicações que me pareceu satisfazerem S. Ex.ª e em quanto a este magistrado já S. Ex.ª acabou de ou-

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vir que foi reintegrado por um decreto da Dictadura. Por consequencia neste caso parece-me que não lia mais esclarecimentos a pedir, nem creio que se lhe possam dar. Em quanto aos outros juizes de que se tracta, esses não estão indicados no orçamento, e por consequencia sejam quaes forem as informações que S. Ex.ª possa exigir, parece-me que não podem alterar o orçamento, a não ser que essas explicações venham a produzir o pedido que se lance uma verba para elles; mas ainda assim isso póde depois ser objecto de um additamento. Por consequencia entendo que não tem logar o adiamento proposto pelo illustre Deputado.

O Sr. Pereira dos Reis: — Eu creio que do Regimen Representativo em Portugal não existe hoje senão a faculdade de escrever pela imprensa com algumas restricções, e a faculdade de levantar-se um Deputado e dirigir algumas palavras de censura ao Ministerio; porque, por outras razões desconhecidas entre nós e impraticadas, cada vez me vou convencendo mais de uma verdade que ouvia dizer em rapaz a um homem muito capaz, e que pertenceu a uma das assembléas deliberantes: dizia-me esse homem, e recommendava-me, que se no decurso do tempo, eu tivesse alguma importancia politica, tractasse de ir satisfazendo a minha vontade, e não pedisse nunca licença para fazer alguma coisa, por mais insignificante que fosse; e então explicava-me — se por ventura á porta da sua casa morrer algum animal, e o tempo o vier a decompor, se a permanencia do animal morto puder affectar a saude publica, e você pedir que o tirem d'alli e o mandem deitar ao Téjo, acredite que um objecto tão justo, que pertenção tão digna de attenção, ha de achar objecções e contestações; e senão attender a ninguem, e obrar só por si, ninguem lhe diz nada — e é assim, Sr. Presidente. Se eu tivesse a mania de querer apparecer gram-cruz, acredito que não me punham duvida nisso; não o faço, porque não quero expor-me á irrisão publica, não o faço, porque respeito a lei da decencia; mas se o intentasse, não me punham duvida. Pois que vemos nós em Portugal senão uma serie não interrompida de infracções de lei?... E a dizer a verdade não admira, porque é tal a multidão de leis, e ião acanhada a nossa memoria, que eu não sei quantas leis tenho visto a respeito de juizes Ha um quadro fixado por lei que o Governo não deve transgredir, e que transgride constantemente, vindo depois ao Parlamento apresentar essas infracções que commetteu sem fundamento algum, e a Camara absolve tudo. Sr. Presidente, é preciso que nos convençamos de que o Governo Representativo tem condições a que senão póde faltar... (Vozes: — Deu a hora..) O Orador: — Deu a hora: por consequencia peço a V. Ex.ª que me conserve a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Faria Barbosa: — Eu tinha pedido a palavra.

O Sr. Presidente: — Não se póde interrompera discussão, visto haver ficado o Sr. Deputado que acabou de fallar, com a palavra reservada para a sessão seguinte.... (Vozes — Falle, falle).

O Sr. Faria Barbosa: — Mas eu pedi a V. Ex.ª que consultasse a Camara sobre este objecto.

O Sr. Presidente: — Pois bem, eu consulto a Camara.

Decidiu-se por 38 votos contra 15 que usasse agora da palavra.

O Sr. Faria Barbosa — Sr. Presidente, eu serei breve, o que pertendo é declarar á Camara, que palavras foram proferidas pelo Sr. Deputado, e que palavras foram proferidas por mim; pois que a grande confusão que houve, não deixaria ouvir, nem prestar a attenção devida a essas mesmas palavras. O Sr. Deputado disse — os Deputados da maioria votarão como entendem, mas como eu tenho maior independencia, voto sempre contra o Governo. Chamei o Sr. Deputado á ordem, porque entendi o devia fazer, não tanto pela offensa que recebia, mas pela que soffria a maioria da Camara, estava no meu direito. É verdade que por essa occasião disse ao Sr. Deputado, que elle era o menos competente para fallar nesta questão; fui por isso chamado á ordem pelos Srs. Deputados da opposição, mas foi injustamente, pois póde-se negar, que o Sr. Deputado tem dito nesta Casa, tem lançado á Camara mui peiores censuras do que essas do artigo? Com maior virulencia? E maior insulto? Se esta verdade se não póde negar, porque razão fui chamado á ordem?... O Sr. Deputado disse mais que a sua independencia era superior á minha — que não andava pelas escadas das secretarias a pedir — não me parece decente entrar na questão da independencia com o Sr. Deputado, e só o appellar para o juizo da Camara; porém quanto á palavra pedir rejeito-a, nego. Eu sou um daquelles que tenho sido maior victima do partido, que mais tenho padecido o menos tenho sido attendido pelo Governo (riso) um Sr. Deputado risse, então obriga-me a relatar o que na verdade não desejava dizer. Eu em 1824 respondi em Coimbra a uma alçada, disse de facto e de direito por affecto ás idéas liberaes. Em 1825 tomei armas a pro da causa da Liberdade, e do Throno, fui perseguido, preso, fugi d'um dos calabouços da praça de Valença, emigrei para a Inglaterra, fui para a gaiola da ilha Terceira, o que muita gente recusou, servi alli como voluntario, fui mandado juiz para a ilha do Pico, quando a do Faial estava com fôrças de D. Miguel, e não sendo incluido no quadro da magistratura continuei na ilha Terceira, como juiz de direito substituto, como vereador a prestar serviços, e bastantes prestei e com risco de vida nas lides eleitoraes; não perdeu uma eleição o partido cartista naquella ilha até 1836 que alli estive. Neste mesmo anno chegando a esta cidade em uma deputação a bem do mesmo partido fallou-se-me para ir delegado para o Porto na occasião da quebra della dos Trastes, prometendo-se-me ser juiz na primeira vacatura; fui, tive demissão no Governo da revolução de setembro; protestei como Deputado, que então era, contra esse acto, não quiz acceitar despacho désse Governo, sendo-me offerecido pelo Sr. Vieira de Castro; continuei a prestar serviços com grande risco de vida nessas renhidas lides eleitoraes, nunca o partido cartista perdeu até hoje no meu concelho uma eleição, excepto dois circulos nas de 1815. Tomei grande parte no movimento da Barca, que terminou em Ruivães, fui por essa occasião nomeado governador civil de Vianna, e fiz quanto pude. Fiz secundar no meu concelho, e logo no dia immediato, o movimento de 27 de janeiro começado na cidade do Porto a pro da restauração da Carta. Acceitei a pedido do Conde de Casal em dezembro de 46 a administração do concelho de Barcellos, fiz alli a acclamação do Governo legitimo sem um soldado. Perseguido por for-

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çao de Vianna retirei para Braga acompanhando a divisão do mesmo Conde, e prestando-lhe todos os serviços ao meu alcance já com proprios á minha custa, já com o meu pouco prestimo. Estive em Valença e minha familia, em julho de 47 voltei a Barcellos, tive laborioso trabalho na administração, e note-se que eu quando saio de minha casa, não costumo receber um real do Estado, todas as despezas são á minha custa, em premio fui demittido, e a pedido dos contrarios. Continuei a prestar os mesmos serviços nas seguintes eleições, e como presidente da Camara, ainda não pedi a nenhum dos Srs. Ministros cousa nenhuma que me diga respeito, tendo um requerimento na Secretaria das Justiças ha cinco annos, e a minha residencia limpa de quando fui juiz no Fico. O Governo tem-se servido sempre do meu pouco prestimo em todas as crises, tuas depois recebo desprezos. Agora ria-se o nobre Deputado. (O Sr. Pereira dos Reis: — Eu não me ri; perguntei quem o tinha demittido). O Orador — Pergunto eu, Sr. Presidente, serão provas sobejas da minha independencia, e que não sirvo movido da ambição dos empregos, e das graças? Pois não exijo que quem ma contesta, me apresente as suas: e concluo pedindo á Camara desculpa de ter fallado em abono da minha pessoa, que são cousas de que nenhum proveito póde resultar, e muito me custam a dizer.

O Sr. Presidente — A Camara permittiu que o Sr. Deputado usasse da palavra, e usou della com a liberdade que entendeu. Quando houve o incidente de chamamento á ordem, chamou-se á ordem não só o Sr. Deputado, mas outros em consequencia da desordem que então havia; mas este incidente acabou felizmente, e não podia progredir. A ordem do dia para segunda feira é a continuação da mesma. Está levantada a sessão. — Eram cinco horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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