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1784

RECTIFICAÇÃO

Na sessão de 11 do corrente, e na lista dos srs. deputados entrados durante a sessão, omittiram-se os nomes dos srs. Gonçalves de Freitas, Gaspar Teixeira, José Estevão e Freitas Branco, que tambem entraram durante a sessão.

Discurso do sr. Vaz Preto, proferido na sessão de 11 do corrente, e que devia ser publicado a pag. 1762, 3.ª columna, linha 69 d'este Diario

O sr. Vaz Preto: — Desejando apresentar algumas modificações ou emendas a differentes paragraphos da resposta ao discurso da corôa, pedi a palavra sobre a ordem, porque de outra fórma e na altura em que me achava inscripto sobre a materia por certo o não poderia fazer; sinto porém ter de preterir oradores, que pela sua illustração e saber, pelos seus conhecimentos e experiencia, abrilhantariam sem duvida a discussão, patenteando ao parlamento opiniões respeitaveis, idéas luminosas, considerações philosophicas; comtudo o dever de exprimir o meu pensar e sentir todas as vezes que d'elle possa resultar utilidade ao meu paiz em geral, ou em particular ao circulo que me conferiu um diploma, não consente que me prenda com similhantes ponderações; se não fosse este dever impreterivel, não ergueria eu hoje o meu brado debil e frouxo n'este recinto, aonde repercute ainda a voz sonora e vibrante do sr. deputado por Aveiro, que tanto commoveu e impressionou a camara. E que poderei eu dizer n'estas circumstancias? Como conciliar a attenção da camara? Que fazer pois? Exercer humilde e singelamente a nobre missão de que fui encarregado, e se não posso imitar o Vergniau portuguez na eloquencia inspirada, imita-lo-hei ao menos no profundo das convicções.

As emendas que mando para a mesa são as que vou ler (leu).

Sustenta-las-hei, e sustenta-las-hei em breves traços para não fatigar a camara, nem a privar de ouvir ainda alguns dos seus ornamentos; circumscrever-me-hei quanto possivel for á materia, sem comtudo deixar de trazer considerações geraes que me servirão de auxilio e mesmo de base á minha argumentação.

Antes de passar mais adiante, não posso deixar de notar á camara, em simples e breve observação, que as asserções feitas e dirigidas pelo nobre ministro da fazenda ao illustre orador que encetou este debate, não me pareceram justas e rasoaveis. As regras geraes que regem e regulam uma certa ordem de factos e phenomenos similhantes têem suas excepções todas as vezes que estes factos mudam, todas as vezes que estes phenomenos variam. Se a resposta ao discurso da corôa deve ser de curta e leve discussão, quando as circumstancias são ordinarias, quando o estado e situação das cousas é normal, ella deverá ser acalorada e debatida quando as circumstancias se tornarem especiaes, quando apparecer uma agitação no paiz que mova a cuidados serios e chame a attenção de todos os poderes publicos.

Factos importantes e de summa responsabilidade se succederam uns após outros: uma camara foi dissolvida, outra, a dos dignos pares modificada pelo augmento consideravel do numero dos seus membros; todos estes factos, todos estes acontecimentos importantes juntos á commoção da publica opinião, a que deu causa a irregularidade e a direcção menos acertada com que o governo do estado considerou um assumpto gravissimo: fallo da questão das irmãs da caridade, que ao principio era nada, era pequena, e agora se tornou grande e momentosa.

Á vista de todos estes acontecimentos, os homens politicos não podem nem devem deixar numa occasião tão solemne de manifestar livre e desassombradamente as suas opiniões ao paiz que, ávido das suas respostas, parece a todos os momentos interroga-los e lançar-lhes em rosto como criminoso o seu silencio. É mister que elles confundam com a sua voz auctorisada, e com seu brado energico aquelles que por via de menos exacção e talvez menos circumspectos pretenderam lançar sobre sentimentos cordatos e rasoaveis notas que lhes não competiam.

Mas suppondo mesmo que nas actuaes circumstancias se devesse considerar a resposta ao discurso do throno como um simples cumprimento, admittida ainda essa hypothese, mesmo assim as asserções a que nos referimos eram infundadas, porque n'esse caso a discussão versava sobre o modo de fazer esse cumprimento: uns querem que elle seja um cumprimento banal, sem significação alguma, e mesmo impregnado de lisonja e adulação; outros pelo contrario desejam que seja a expressão sincera dos sentimentos do povo, a linguagem viva, verdadeira e franca dos que pretendem remedio a tantos males como os que nos circumdam.

Eu sou d'esse numero; eu desejo, eu quero, já que ao conhecimento dos soberanos nunca ou quasi nunca chegam os gemidos dos infelizes que vergam sob o peso de enormes soffrimentos, porque, essa immensa cohorte de aulicos que os rodeiam lhes' desfiguram sempre os factos ou lh'os occultam (apoiados), elles tenham ao menos esta occasião em que a verdade chegue pura a seus ouvidos, e nós os representantes da nação mais um meio de unir e identificar o chefe do estado com o paiz.

Eu fallo em geral, não faço allusões, não me refiro a pessoa alguma; desejo comtudo que esse documento importante signifique alguma cousa e não occulte debaixo de phrases escuras e ambiguas a politica obnoxia da administração que dirige os nossos destinos.

Estas asserções, este modo de argumentar não é proprio de quem occupa um logar tão elevado, não é digno de quem deve ter principios firmes e estaveis, e que d'esta fórma parece temer a livre discussão em logar de a desejar, para que com a sua luz clara e brilhante esclareça e illumine os que vivem no erro.

Mas quem são os que vivem no erro? Não sei. Sei só que a victima expiatoria d'esses erros é o paiz, que clama debalde, que clama sempre, mas que clama no deserto.

Os seus clamores, embora repercutidos por esses ares, echoam ainda n'este recinto, e não foram attendidos; ministerios caíram, outros se ergueram no seu logar, e os cavalheiros que ascendiam ao poder pela vontade do povo e só para o povo, esqueciam-se em seguida que a bandeira dos sessenta mil peticionarios tinha tremulado na sua frente; esqueciam-se d'essas reclamações justas expondo-as á irrisão e ao escarneo por um proceder inconcebivel; depois esses cavalheiros que não tinham correspondido á esperança e confiança que n'elles se tinha, porque nada fizeram durante a sua administração, reascendem ao poder quasi em identicas circumstancias, e para que? Para se extasiarem, para se maravilharem, para estaticos contemplarem a obra dos seus antecessores; obra, systema ou plano que não tiveram o dom de conceber, e que professando principios oppostos o abraçam em viva contradicção, folgam com elle, e por fim ufanos de tamanha gloria vêm ainda dizer-nos: «Tivemos a coragem de levarmos á execução essas medidas affrontando todo o odioso».

Sr. presidente, não entendo similhante politica; acho-a tão mysteriosa e complicada, que cada vez conheço menos quaes as idéas, quaes os principios que dirigem o actual ministerio. Eu preferiria antes ouvir da bôca dos srs. ministros, em logar de recriminações continuadas para desculparem os seus erros com os erros dos adversarios, preferiria antes ouvir-lhes dizer: «Essas medidas, contra as quaes se levantaram reclamações tão justas desappareceram já, o nosso systema é opposto ao vosso, baseia-se em principios differentes, e o nosso modo de gerir os negocios publicos está em harmonia com esse systema; desta sorte nós temos sabido desenvolver a riqueza nacional, augmentámos a receita publica sem ser pelo imposto, diminuimos a despeza sem obstar a que o serviço continue expedito e regular, acabámos com as sinecuras que ressumbravam por toda a parte». Permitta-me n'esta parte o illustre deputado por Aveiro que eu me separe de s. ex.ª, pois estou intimamente convencido que entre nós existe grande quantidade de tribunecas desnecessarias.

Eu preferiria antes que os srs. ministros nos dissessem muito convencidos: «Pelo nosso systema damos ao credito a confiança, e ás finanças a economia; pelo nosso systema a receita equiparou-se á despeza ou cobre-a já, de forma que ou se póde amortisar uma parte da nossa divida, ou se póde realisar com condições vantajosas um emprestimo para explorar rasoavel e productivamente as nossas colonias, ou fazer florescer a nossa agricultura, commercio e industria»; e não virem dizer-nos: «Temos um deficit de mil e tantos contos, mas é de suppor que as alfandegas rendam este anno mais»; quando a verdade é que o deficit é muito maior, e sem esperanças de o diminuir.

Sr. presidente, o estado das nossas finanças é medonho, é assustador; e se continuarmos n'este systema de desperdicios; se não esquadrinharmos os meios de resolver este difficil e escabroso problema de matar o deficit; se todos os annos a nossa divida for augmentando progressivamente, ai de nós! Onde iremos parar? A banca-rota é inevitavel. Desde 1833 até hoje (apesar de immensos bens nacionaes terem sido vendidos), desde essa epocha até hoje, a divida interna tem subido cinco ou seis vezes mais, e a externa tem augmentado sete ou oito vezes. Verdade incontestavel, e que se reconhece facilmente, se juntarmos 30.000:000$ réis, quantia que se accrescentou á divida neste curto praso em que o actual ministerio occupa o poder, aos calculos infalliveis, feitos e apresentados ao parlamento pelo sr. conselheiro Silva Cabral, quando, depois de dez annos, se sentou aqui de novo no logar que lhe competia, e pronunciou um memorando discurso na resposta ao throno.

É sobre este objecto de alta transcendencia, sobre este assumpto de summa gravidade, sobre este ponto de elevada magnitude, que eu exijo, em cumprimento do meu dever, do sr. ministro da fazenda uma resposta categorica e definida; que me diga, clara e terminantemente, se pelo seu systema e principios encontra o meio de resolver este difficultosissimo problema de matar o deficit, e se pelo seu methodo e idéas chega a esse resultado feliz; e não venha, com uma resposta palliativa e duvidosa, dizer-nos: «Os tributos indirectos têem dado resultados satisfactorios na Europa; as alfandegas com a nova reforma rendem mais; e se lhe abaixarmos de novo as taxas ainda hão de render mais; e não sabe o nobre ministro que este abaixamento tem seus limites? E que as mercadorias e generos importados estão na rasão do consumo e concorrencia?

É muito facil ser ministro, e muito difficil: muito facil se o papel de ministro se reduz simplesmente a ir á secretaria assignar o expediente, vir á camara pronunciar um discurso no campo vasto e improprio das recriminações, e voltar depois para sua casa acompanhado de um correio.

E muito difficil, se os que têem de occupar aquelles logares (apontando para as cadeiras dos srs. ministros) se lembrarem de um pensamento profundo do grande Epaminondas, que quando lhe deram um logar insignificante para o amesquinharem, disse: «Eu mostrarei que os homens é que ennobrecem os logares, e não os logares os homens». Então o papel de ministro é muito difficil; é necessario um estudo profundo sobre a historia dos estudos destinados a elevarem a alma e a esclarecerem o espirito, um dos mais importantes, quando ella é considerada não como uma serie vã de nomenclaturas e de datas, mas sim como fazendo parte do grande systema das sciencias politicas e moraes, como o deposito onde se encontram todas as observações feitas, todas as experiencias realisadas no trajecto das gerações que passam, tendentes a esclarecer a theoria do bem publico; é mister então que desse estudo profundo nasça um systema governativo muito pensado, e que seus auctores confiem n'elle abandonando por uma vez essa volubilidade de idéas. Então é necessario emendar as nossas instituições, reformar a administração publica com melhores bases, harmonisar o systema tributario de fórma que não haja vexames (apoiados), e recaia o imposto proporcionalmente sobre todas as classes, sobre todas as industrias e commercios: dar ao paiz uma organisação mais conforme com a sua indole, habitos, costumes e civilisação, conservando a nossa originalidade em logar de nos tornar copias ridiculas. Foi sem duvida por este caminho que os Fox, os Chatams, os Peels engrandeceram a Inglaterra; e nós, pelo caminho opposto, somos conduzidos á beira de um abysmo insondavel. A responsabilidade é immensa, e eu lamento estes desvios que conduzem á ruina o nosso pobre Portugal.

Sr. presidente, eu desejaria demorar-me mais sobre este assumpto senão fosse divagar da materia. Guardarei pois o seu desenvolvimento para melhor e mais opportuna occasião.

E não passarei desapercebido o discurso do illustre relator da commissão de resposta ao discurso da corôa. A sua apreciação respeita unicamente ao governo actual.

É desculpavel que a opposição note aberrações e erros aos cavalheiros que occupam as cadeiras do poder, é mesmo do seu dever faze-lo quando a justiça lhes assiste como agora. É igualmente rasoavel e admissivel que o governo se defenda, mas o que ninguem póde admittir, e o que é fóra de toda a rasão é que, aquelles que são accusados de praticarem o mal, deixem de confundir os accusadores mostrando-lhes que o apreciaram injustamente, é queiram defender-se accusando os adversarios de iguaes erros.