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1969

Discurso do sr. Mártens Ferrão, sobre o orçamento do ministerio da justiça, pronunciado na sessão de 20 do corrente

O sr. Mártens Ferrão: — Sr. presidente, ouvi as reflexões que V. ex.ª acaba de fazer, e ouvi as que fez o sr. ministro da justiça, e devo dizer a V. ex.ª que estou disposto a continuar a usar largamente n'esta casa do direito que a lei me faculta, e a sujeitar-me unicamente ás praticas parlamentares, que até hoje creio não ter contrariado; pressão sobre o livre uso da palavra, quando satisfaço ao meu mandato, quando não transponho os preceitos do regimento d'esta casa e as suas praticas, não posso aceita-la, não a aceitarei.

Ainda que a materia que se passa a discutir e se inscreve, dos juizes de primeira instancia, não fosse intimamente connexa com aquella que se acabou de discutir, eu creio que a camara não podia esperar que eu não procurasse por todos os modos obter a palavra depois do sr. ministro da justiça se me ter referido, e ter provocado de mim explicações, sobre a maneira por que se passaram alguns factos no tempo da minha administração.

Eu não transtornarei a ordem dos apontamentos que tomei do discurso do illustre ministro, e por isso mais adiante darei as explicações que s. ex.ª pede, e creio que as darei cabaes.

Mas disse o sr. ministro: «O que é que se discute? Estamos na discussão da resposta ao discurso da corôa?» Eu digo ao nobre ministro que não se discute a resposta ao discurso da corôa, mas o orçamento do ministerio da justiça! Quando se discutiu a resposta ao discurso da corôa, disse-se = que não estava em uso discuti-la, que toda a discussão se devia reservar para o orçamento; = agora discute-se o orçamento, e diz-se = que não é occasião de fazer considerações sobre a maneira por que são geridos os negocios publicos, e que não parece que se está a discutir o orçamento í = Pois que é a discussão do orçamento se não a discussão de todos os pontos importantes de administração?

A discussão do orçamento não é de ordinario a questão das suas verbas, todas ellas estão ali sancionadas em virtude de disposições legislativas, que poucas vezes são disputadas. A discussão do orçamento é mais alguma cousa, é a analyse da administração; quando o parlamento vota os meios para retribuir os serviços publicos, tem direito a perguntar como se administra, e por isso a analysar os actos do governo; tem direito a pronunciar-se sobre os differentes pontos da administração, e este concurso de idéas e de alvitres é sempre de um poderoso auxilio para um governo intelligente e illustrado, que lucra com a discussão dos seus actos, porque tem occasião de os explicar e defender; e das theorias de governo e de administração, porque tem occasião de fazer sentir o seu pensamento, mostrar como comprehende a governação publica, e indicar as suas aspirações e tendencias; e o paiz utilisa porque vê a norma porque terá de ser governado. O systema representativo não é outra cousa, é o concurso de intelligencias, de systemas de opiniões, a sua apreciação, e em consequencia de tudo isso o progresso da governação publica. Tolher o debate quando elle é assim util e regular, é um triste pensamento de governo.

Esta doutrina foi sempre a doutrina seguida, e foi segundo ella que na sessão passada aqui se discutiram largamente alguns pontos importantes da administração (apoiados).

O dever dos cavalheiros que se assentam n'aquelles logares (os bancos dos srs. ministros), é pugnar pela ampla discussão; é o amor da discussão porque os governos vivem da opinião, e estas contestações animadas mas decentes são elementos fundamentaes para a boa administração publica.

Eis-aqui tem V. ex.ª como eu entendo a questão do orçamento. Mas não a quiz protelar. Apresentei porventura eu alguma moção? Propuz alguma censura ao nobre ministro? Fiz observações para levantar increpações que me foram desagradaveis, e n'este campo hão de sempre encontrar-me.

A que vem pois as observações do nobre ministro sobre as divagações do debate? Quem é que quer protrahir a discussão do orçamento?! Votou-se aqui o orçamento do ministerio da fazenda quasi sem discussão (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.), pois não foi de certo porque não houvesse que discutir, como ha sempre; para que é pois que se vem dizer no primeiro dia em que se apresentam algumas considerações com tanta parcimonia, com tanta consideração para com os cavalheiros que se assentam laquei-las cadeiras, que vera protelar-se o debate, que vem embaraçar-se?!

Pois o que é que vem aqui fazer-se? É discutir o orçamento, as medidas de administração, o procedimento do governo, e verificar a maneira porque se applica a lei; esta é que é a questão.

Quem censurou o nobre ministro? Quem discutiu as suas propostas? Quem disse que ellas eram propostas de retalhos? Como é pois que o sr. ministro se levanta para censurar o governo que o precedeu, insinuando que nada se fez n'estes pontos de administração?

Mas suppunhamos que nada se fizesse, estou eu por isso privado do direito de levantar a minha voz expondo a minha opinião sobre a maneira porque a administração publica se deve organisar?

Eu não sei se apresentei um plano completo de administração de justiça, ou se não o apresentei, não tratei d'essa materia; disse unicamente em these o modo por que entendia a administração da justiça. Mas o nobre ministro que tanto aproveitou de algumas medidas que eu aqui propuz, que sobre ellas formulou quasi todas as que aqui apresentou, que não teve pensamento novo, e eu não trato agora de analysar com que felicidade fez esses seus trabalhos, devia reconhecer que era intempestivo lançar censuras sobre os trabalhos dos seus antecessores, quando elles o não censuravam.

Mas porque não fiz eu com que as minhas propostas fossem approvadas nesta casa, quando tive a honra de ser membro do governo? Cinco mezes apenas de fevereiro a junho foi o tempo que tive para apresentar ao parlamento as propostas que entendi convenientes para reformar o serviço da repartição que me tinha sido confiada. Essas propostas boas ou más, não o disputo agora, abrangiam todo um plano de reforma, e provoco o sr. ministro para que o conteste.

O sr. Ministro da Justiça: — Foram quinze mezes de administração.

O Orador: — Com o parlamento fechado, porque com o parlamento aberto foram cinco mezes; mas n'esses quinze mezes de administração satisfizeram-se todas as auctorisações que tinham sido votadas pelo parlamento; pozeram-se em andamento muitos ramos de serviço antes paralysados, prepararam-se muitos trabalhos no ramo judicial e no ramo ecclesiastico. N'este regularam-se por decretos orgânicos muitos serviços, e vi com sentimento n'uma das sessões passadas, que muitos dos trabalhos deixados em andamento em junho passado, desde então até hoje nada tem progredido! As respostas do nobre ministro dadas em uma das sessões passadas, deram-me este triste convencimento, e quando assim se tem descurado ramos importantes de administração, não se póde realmente querer censurar a administração que preparou trabalhos importantes que depois se deixaram abandonar.

Mas disse o nobre ministro: «Que se fez então n'essa sessão legislativa»? Pois isto é pergunta que faça um cavalheiro que conhece perfeitamente os trabalhos parlamentares, e ainda mais, venha pedir a responsabilidade dos trabalhos legislativos em epochas fixadas!!... Que se fez então? Pois não sabe o sr. ministro que essa camara trabalhou quanto poude, que houve ainda sessões nocturnas para adiantar trabalhos importantes, que n'essas sessões se discutiram medidas importantes como a do credito predial que hoje está posta de parte com grave prejuizo do paiz, só porque o sr. ministro se recusa a tomar a iniciativa n'um objecto de tanto momento. Eu faço votos para que s. ex.ª traga aqui um projecto melhor, e espero que ha de traze-lo; mas o que é necessario é que seja quanto antes.

Pois este projecto, sr. presidente, não se discutiu largamente na commissão e depois nesta casa, mostrando-se por parte dos homens, publicos o maior zêlo e dedicação para que aquelle trabalho chegasse a ser lei do estado, e o nobre ministro pergunta o que é que se discutiu em cinco mezes de camara relativamente a negocios de justiça? Só essa medida tinha perto de trezentos artigos, que foram discutidos largamente n'esta casa, como a camara sabe. E eu poderia perguntar = o que tem sido discutido em duas sessões legislativas, durante as quaes o nobre ministro tem estado no ministerio? Que se discutiu pertencente ao seu ministerio =? Um projecto que foi adiado.

Pois era humanamente possivel fazer-se mais em cinco mezes de sessão legislativa do que se fez na sessão de 1860? Não se discutiu largamente um systema de fazenda, não se discutiram as vastas questões de obras publicas? Quando é que se discutiu tanto e tão utilmente? Sobejou porventura tempo que se consumisse em discussões estereis? Mas eu sou franco, e repetirei agora o que já disse ao nobre ministro num áparte — que era difficil accelerar os trabalhos numa commissão de legislação composta de quatorze membros.

É seguramente um grave embaraço a maneira como tradicionalmente está organisada essa commissão, que entendo devia ser dividida em duas secções de sete membros cada uma, ou antes serem creadas commissões especiaes, segundo as grandes divisões das materias de justiça. É. muito difficil reunirem-se quatorze membros e obter d'elles maioria.

O sr. Ministro da Justiça: — Apoiado.

O Orador: — Mas não se diga que não se fez nada, quando ha muitos annos que não se haviam discutido projectos tão importantes em todos os ramos.

Sr. presidente, na sessão passada eu não discuti os projectos do nobre ministro; quiz apenas extremar dois systemas; não fiz portanto censura ás opiniões que o illustre ministro seguiu; expliquei sim a minha opinião sobre esse projecto, apresentado pelo sr. ministro, para aposentação dos juizes, que tendo perdido o prestigio, embora por motivos não criminosos, mas por uma fatalidade qualquer, serão considerados como aquelles que são justamente notados de faltas graves no cumprimento dos seus deveres I referi-me apenas a esse projecto, não para o discutir, mas porque elle symbolisa o systema do nobre ministro.

Mas diz s. ex.ª: e a reforma do processo? E leu o resto de um periodo do relatorio, que tive a honra de apresentar n'esta casa, onde dizia que os trabalhos que apresentava estavam longe de ser um systema completo. De accordo; mas s. ex.ª esqueceu-se de ler o resto do periodo, e ahi se dizia que o governo se occupava de fazer o codigo do processo criminal; que o do processo civil deveria acompanhar o codigo civil, e que esses trabalhos estavam adiantados. Dizia-se que a reforma do codigo criminal estava quasi concluida pela commissão a que fóra confiada, e uma parte importante d'esse trabalho foi então presente ao parlamento. Dizia que se trabalhava activamente na revisão do codigo civil no seio da commissão, a cujas discussões faltei apenas tres ou quatro vezes, em todo o tempo que geri a pasta da justiça; em cujas discussões tomei sempre parte, reputando-me assim solidario em quasi todas as opiniões approvadas pela commissão.

E com esta referencia á minha assiduidade aos trabalhos d'aquella commissão, não quero fazer censura ao nobre ministro por nunca ali comparecer (apenas quatro ou cinco vezes); outros negocios publicos de certo têem prendido a sua attenção; mas o que quero provar é que não é o nobre ministro o competente para dizer que não se trabalhou.