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Discurso que devia ler-se a pag. 368, col. 1.ª, lin. 37, da sessão n.° 33 d'este vol.

0 sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, debaixo de maus auspicios me cabe a palavra depois de ter fallado um eloquente orador, e de mais a mais depois de me ter prognosticado como certa uma completa derrota. Sr. presidente, direi como s. ex.ª, não abandonarei o campo do raciocinio e demais considerarei uma honra ser vencido por athletas tão dignos e que eram merecedores de ser combatidos por mais abalisado contendor.

Sr. presidente, tendo eu a honra de ser membro da commissão de legislarão, não tive a fortuna de poder combinar inteiramente com a maioria dos meus illustres collegas a respeito do projecto em discussão, e por isso assignei vencido em parte. Parece-me que é do meu dever, sr. presidente, (ainda que os meus desejos fossem não tomar parte n'este debate) explicar á camara qual o pensamento porque votei vencido em parte, e dar as rasões do meu proceder.

Sr. presidente, não desconheço, pois consta dos documentos, o estado em que se acha a barra e porto da Figueira; sei que está n'um estado deploravel, que não póde continuar e que são precisas providencias, e providencias muito promptas, e declaro que estou disposto a acompanhar todos os meus collegas na decretação d'essas providencias. Assignei o parecer da commissão, vencido em parte, pois quero que o governo seja auctorisado a rescindir o contrato, estou prompto mesmo a votar outras quaesquer providencias para se chegar ao fim desejado; mas não posso votar que essa rescisão seja declarada por um decreto do podér executivo. Sr. presidente, quero a todo o custo salvar os bons principios, e estou persuadido que este precedente se passar será, sem duvida, de fataes consequencias para o futuro.

Sr. presidente, houve um contrato celebrado pelo governo com Jacinto Dias Damazio, sôbre a barra da Figueira da Foz; consta elle das condições annexas á carta de lei de 9 I de fevereiro de 1843; ali se acham estipuladas as obrigações reciprocas, e a essas obrigações reciprocas correspondem direitos correlativos. Quaes são as obrigações a que se ligou o emprezario? São quatro. A primeira diz respeito a construir inteira e completamente todas as obras que constavam de um projecto approvado pelo governo e da planta, perfis e alçados a que o projecto se refere; a segunda diz respeito ao tempo em que essas obras deviam ser feitas, que era dentro em dois annos; a terceira obrigação sujeitava-o a entreter e conservar as obras no melhor estado possivel e a ter sempre limpos e desembaraçados o porto e barra pelos meios subsidiários que fossem mais convenientes; a quarta impunha-lhe o dever de entregar todas essas obras em bom estado de conservação no fim de trinta annos, pelos quaes era concedido o contrato. Pelo que respeita ás obrigações por parte do governo, todas ellas se refundiam na percepção dos impostos de 1 por cento do valor dos generos e mercadorias importados e exportados pelo porto da Figueira, 10 por cento do producto do rendimento bruto da respectiva alfandega, e 50 réis por tonelagem sobre todas as embarcações que entrassem naquella barra. Pergunto eu: cumpriria o emprezario da sua parte Iodas aquellas obrigações? Não entrarei na demonstração de provar que cumpriu a primeira e segunda. N'isso julgo que estâmos de accordo, a commissão de legislação e obras publicas o confessa, e ninguem contesta isso. Cumpriria a 3.ª condição? Respondo pela negativa. Mas, sr. presidente, se o emprezario não cumpriu a sua 3.ª condição é necessario saber quaes as causas para poder applicar os principios da justiça. Seria porque quizesse faltar ao contrato? Esta presumpção desfaz-se á vista do mero bom senso, basta saber quaes eram os seus interêsses para ver que de proposito não quereria faltar ás suas condições, porque fallando aquelles interesses haviam de diminuir. Não foi por vontade que deixou de dar cumprimento á 3.ª condição, houve por consequencia outras circumstancias, circumstancias imprevistas, circumstancias imperiosas, circumstancias filhas da natureza das cousas, que são muitas vezes superiores á vontade dos homens. Sr. presidente, essa 3.ª condição acha-se concebida em lermos talvez um pouco obscuros, ou pelo menos em termos indefinidos e vagos, impondo ao emprezario o dever de ter limpos o porto e barra da Figueira, fazendo para isso todas as obras necessarias, usando dos meios subsidiários que forem mais convenientes. Que meios são esses? Quem deveria julgar da conveniencia d'esses meios? O artigo a este respeito nada diz, e julgo desnecessario entrar n'esta averiguação. O facto é que o emprezario pela sua parte deixou ao governo o indicar os meios subsidiários para conseguir o fim. O governo tomou a si o indica-los, mandou fazer umas obras, o emprezario fê-las; o governo mandou-as desmanchar, o emprezario desmanchou-as. Em summa o emprezario fez e desfez tudo o que o governo lhe ordenou, e mostrou pela sua parte os melhores desejos de cumprir as condições do contraio. Ora, sr. presidente, estabelecido este principio que diz respeito ao facto, vamos a ver qual será o direito applicavel. A illustre commissão de legislação no seu parecer estabeleceu certas premissas, das quaes tirou a consequencia que se acha estabelecida no projecto da commissão; eu tive a desventura de não poder combinar com a maior parte das premissas, e de me persuadir que a dedução não é logica.

Sr. presidente, os principaes fundamentos da illustre commissão de legislação reduzem-se aos seguintes: 1.° O contrato é uma lei do estado, e as leis revogam-se por outras leis; 2.° o contrato póde considerar-se uma empreitada, e n'estes contratos o proprietario póde rescindir arbitrariamente, pagando a devida indemnisarão, e os lucros provaveis; 3.° o porto e barra da Figueira se não acham como exige a 3.º condição do contrato; 4.º nenhuma consideraçao de interesse particular póde obstar a que se applique o remedio reconhecido como indispensavel, para que desappareça tal estado de cousas, porque assim o reclama o principio de utilidade publica explicitamente consignado no n.° 4.º do artigo 14.° da carta de lei de 22 de julho de 1850.

Sr. presidente, tratarei de fazer leves reflexões sobre cada um d'estes fundamentos. O primeiro consiste em dizer que o contraio foi reduzido a lei doestado, e as leis revogam-se por outras leis, e ainda ha pouco repetiu as proprias palavras da lei de 1843 o illustre deputado que acaba de fallar, para assim fazer sobresair o seu argumento.

As leis, sr. presidente, revogam-se por outras leis, quando são simplesmente leis, mas quando uma lei trata de approvar ou confirmar um contrato, então alem da lei existe o contrato, e a força daquella valida e não destroe a essencia d'este. Então digo, as leis revogam-se por outras leis, isto é, por actos do poder legislativo; mas os contratos, ainda que confirmados por leis, rescindem-se por actos do poder judicial. Sr. presidente, quando a assembléa auctorisa o governo para celebrar um contrato, ou quando o governo o celebra, e o traz á approvação das córtes, é porque o governo não estava auctorisado antes d'isso para admittir todas as condições d'esse contraio. É o que se verifica n'este aonde se estipularam impostos para a concessão dos quaes o governo não tinha auctoridade alguma. Mas n'este caso sr. presidente, o governo e o corpo legislativo figuram uma das partes contrahentes, e o emprezario figura outra parte; ora poderá admittir-se em alguma jurisprudencia do mundo, que alguma das partes fosse rescindir um contrato sem consentimento da outra, a não ser pelos meios legaes? Não posso admittir similhante principio. Sr. presidente, nós temos tratados, e os tratados são verdadeiros contratos feitos de nação a nação; esses contratos, segundo o preceito do acto addicional, não podem sortir effeito sem approvação das côrtes. E pergunto eu, depois de approvados pelas côr-