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N.º 21.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 52 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada unanimemente.

EXPEDIENTE.

Officios. — 1.º Do Sr. Deputado Pereira dos Reis, participando que por incommodo de saude não pôde assistir á sessão de sabbado, e pelo mesmo motivo não póde assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Do Sr. Deputado Faria Barbosa, participando que por estar incommodado desande, desde o dia 24 não tem podido assistir ás sessões. — Inteirada.

3.º Do presidente da camara municipal de Pereira Jusã, acompanhando uma representação da mesma camara, em que pede a conservação do districto de Aveiro. — Á commissão de Administração Publica, e de Estatistica.

Representações. — 1.ª De sete empregados judiciaes do concelho de Borba, apresentada pelo Sr. Freire Falcão, em que pedem que se providenceie aos males, que lhe causou a ultima reforma das tabellas judiciaes. — Á commissão Especial das Tabellas Judiciaes.

2.ª De tres empregados judiciaes do julgado do Alandroal sobre o mesmo que a antecedente, e tambem apresentada pelo dicto Sr. Deputado. — A"s mesmos commissões.

O Sr. J. Julio do Amaral: — Mando para a Mesa duas representações sobre as pautas das alfandegas, a reforma administrativa, assignadas por 73 proprietarios, e lavradores de Villa Viçosa.

O Sr. Presidente: — No fim da sessão anterior o Sr. Moraes Soares, por parte da commissão Especial de Vinhos, apresentou um projecto de lei, e requereu a impressão no Diario do Governo, não obstante a impressão em separado; não se tomou resolução alguma, em consequencia de não haver numero na sala, e por isso consulto a Camara, se convem, em que se imprima no Diario.

Consultada a Camara, não se verificou a votação, por não haver numero, que constituisse maioria pro ou contra.

O Sr. Presidente: — Ainda tambem resta votar um requerimento do Sr. Rebello da Silva, apresentado em uma das sessões antecedentes, para que se publique no Diario do Governo o parecer da commissão de Administração Publica, relativo ás minas de carvão de pedra, sobre o qual consulto a Camara.

A Camara rejeitou a impressão por 46 votos contra 9.

O Sr. Avila: - Sr. Presidente, a Camara fez-me a honra de me eleger para uma commissão Mixta, que ha de ter logar hoje a respeito de algumas emendas, que se fizeram aqui ao projecto das commissões Mixtas da Camara dos dignos Pares; desejo saber, se me posso recusar a ir a essa commissão Mixta; porque, se tenho direito para o fazer, não quero lá ir.

O Sr. Presidente: — Se o illustre Deputado me pergunta isso pessoalmente, devo dizer que entendo que qualquer Deputado, depois de eleito para uma commissão, não tem direito a recusar-se a ella.

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, eu desejo, que a Camara se exprima a este respeito: eu sou muito franco; o motivo que tenho para isto é, que tendo sido propostas por um illustre Deputado algumas alterações ao projecto da commissão Mixta, alterações que passaram nesta Camara, a qual nomeou para esta commissão Mixta esse illustre Deputado, no que muito bem andou, consta-me, que esse illustre Deputado não quer ir sustentar essas douctrinas, que fez triunfar nesta Casa, sendo absolutamente indispensavel, que a ella compareça; por esta circumstancia, eu que não tomei parte nos debates, não me compete ir sustentar alterações, na discussão das quaes eu não

VOL. 5.º — MAIO — 1849.

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entrei; portanto da minha parte declaro, que tambem lá não vou

O Sr. Presidente: — Eu já disse ao Sr. Deputado aquillo, que entendia; isto é que não tem direito a recusar-se de ir a uma commissão, para que foi eleito: comtudo bem sabem todos qual e a força que a Mesa, ou que a Camara tem para obrigar os Srs. Deputados a irem ás commissões, para que são eleitos. Na especie dada parecia-me que o illustre Deputado, a quem o Sr. Deputado alludiu, não devia deixar de ir á commissão, S. Ex.ª fará, o que entender.

Ordem no dia.

Continuação da discussão do projecto n.º 42, sobre o orçamento.

O Sr. Presidente: — Continua a discussão do § 1.º do orçamento das despezas extraordinarias.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, apesar de que me não parece muito regular o continuar a discussão do orçamento, sem que esteja presente nenhum dos Srs. Ministros da Corôa, porque a vêr um Ministerio representado por um só Ministro, estamos nós habituados; mas ao menos um: dada a solidariedade, um só póde representar por todos; mas nenhum representa zero; todavia como V. Ex.ª abriu a discussão, e não houve reclamação nenhuma em contrario, eu irei dizendo o que tinha a dizer, mesmo em presença do Ministerio zero.

Sr. Presidente, quando hontem a hora me cortou a palavra, estava eu fazendo sentir, que o illustre relator da commissão, que sinto não vêr presente, nem tão pouco o illustre Deputado, que tomou parte na discussão em defeza do paragrafo, o illustre relator da commissão, depois de varios rodeios, em que mostrou a sua muita habilidade nestas questões de orçamento, veiu depois a concluir em confirmar o que se tinha dito destas cadeiras, isto é, que havia uma duplicação em duas verbas, S. Ex.ª bem claramente disse á Camara, e ate me parece que esta consignado no Diario do Governo, que havia duplicação; perguntarei, quer a Camara approvar uma duplicação reconhecida mesmo pelo relator da commissão? O sapientissimo Deputado, hoje ex-Ministro da Fazenda, no seu discurso foi mais longe, porque não só reconheceu que havia duplicação, mas declarou mesmo, que não sabia o motivo porque se tinha lançado essa duplicação; isto tambem consta do Diario do Governo: é nestas duas auctoridades insuspeitas, Sr. Presidente, que eu hei de fundamentar uma nova proposta, que hei de mandar para a Mesa; porque na verdade, Sr. Presidente, quando o illustre Deputado, ex-Ministro da Fazenda, com o seu muito saber nestes negocios, duvida e confessa, que não póde entender a razão, porque se acha neste paragrafo a duplicação confessada, como hão de votar conscienciosamente sobre ella os ignorantes, como eu,.que não tendo nunca sido Ministro da Fazenda, nem aspirando a se-lo, que não tendo transitado os intrincados corredores do Thesouro, que são a imagem material do labyrinto das nossas finanças, onde os astrólogos financeiros teem querido reduzir a sciencia das finanças a uma especie de magica negra, ou astrologia judiciaria, que não se aprende, é verdade, -nos livros de Alberto Magno, e de Raymundo Lulio, mas nos relatorios systematicamente obscuros dos Ministros, em que se deve aprender a lingoagem cabalística para podér o Negromantico explicar os logogryfos do orçamento, de modo que ninguem os entenda, ou traçar era algarismos arábicos algum talisman, que deixe a Camara petrificada, e o povo de bocca aberta, seguindo a marcha jesuítica, de que isto de finanças entre nós não é para a intelligencia do povo; basta que elle saiba que paga, sem saber, para o que paga, não sendo preciso dar-se-lhe contas daquillo que se lhe pede: mas eu que estou persuadido, de que o povo tem direito a saber, em que se gasta o seu dinheiro, e a saber a razão, porque nós votamos aqui as despezas, que elle tem de pagar, hei de continuar a fiscalisar o dinheiro do povo real a real, não como meio da opposição, como se disse, mas como dever de Deputado; porque tenho obrigações a preencher. É portanto fundado naquellas auctoridades que sujeito uma nova proposta, que ainda que não sirva para outra cousa, é mais um protesto da parte da opposição, que á face do paiz, lava as mãos de toda a cumplicidade das disposições e irregularidades do orçamento: mando por tanto para a Mesa esta

Proposta. — Havendo-se reconhecido a existencia de duplicação em algumas verbas deste paragrafo, e a necessidade da apresentação da lei de meios, para se illucidar este negocio, proponho que o paragrafo volte á commissão para o reconsiderar, e traze-lo de novo á Camara, quando vier a lei de meios. — Lopes de Lima.

Considerada como adiamento é apoiada, e entra em discussão.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma simples observação. Vejo que esta em discussão o orçamento, e agora um adiamento sobre um unico capitulo do mesmo: mas vejo que estão desertas completamente as cadeiras ministeriaes, e é caso na minha opinião insolito discutir-se o orçamento na ausencia completa de todo o Ministerio. Não me parece nem que esta seja a practica seguida constantemente no Parlamento, nem que seja mesmo muito conforme com os principios constitucionaes.

Parecia-me portanto, Sr. Presidente, que esta discussão não podia progredir, e que se deveria adiar a discussão do orçamento até que estivesse presente algum dos Srs. Ministros; e neste sentido mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — Proponho que seja adiada a discussão do orçamento, até que esteja presente algum membro do Governo. — Fontes Pereira de Mello.

Sendo apoiado este novo adiamento, foi approvado sem discussão por 42 votos contra 10.

O Sr. Presidente: — Ha um parecer da commissão de Legislação, que póde entrar em discussão sem estar presente o Governo; é sobre um parecer que veiu da outra Camara relativamente a aposentações de magistrados; os outros projectos que estão dados para ordem do dia, teem mais relação com a presença do Ministerio, do que talvez este; não sei se a Camara quer seja preferido; a Mesa pelo menos entende que póde desde já dar-se para discussão.

Foi lido este parecer na Mesa.

O Sr. Ferreira Pontes: — (Sobre a ordem) Sr. Presidente, esta materia é importantissima, e não póde ser discutida na ausencia do Governo, porque

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ella encerra providencias sobre as quaes deve ser ouvido; e por isso mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — Proponho o adiamento deste projecto ate que esteja presente algum membro do Ministerio. — Ferreira Pontes.

Sendo apoiada, entra em discussão. O Sr. Corrêa Leal: — (Sobre a ordem) Pedi a palavra para mandar tambem uma proposta para a Meza, para pouparmos estes actos que agora naturalmente se devem seguir uns aos outros. Desejava que V. Ex.ª consultasse a Camara, se quer suspender os seus trabalhos por uma hora ou meia, até que appareça algum dos Srs. Ministros, para então continuarmos nos trabalhos que temos a fazer.

O Sr. Presidente: — A proposta do Sr. Ferreira Pontes não póde ser prejudicada pela sua.

O Sr. Corrêa Leal: — Tenho então que fazer esta proposta que mandarei para a Mesa.

O Sr. Presidente: — Mas ha ainda outros objectos que podem discutir-se não obstante estar ausente o Ministerio.

(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda). Foi approvada a proposta de adiamento do Sr. Ferreira Pontes.

O Sr. Presidente: — Além do projecto n.º 42 que é o orçamento, ha dados para ordem do dia os projectos n.ºs 35, 20, e 41, e depois foram dados supplementarmente os projectos n.ºs 58, 48, 47, 52, 54, 56, 57, 59, e 30. A Camara acabava de resolver que se adiasse o orçamento, mas acaba de chegar o Sr. Ministro da Fazenda cessaram todas estas questões de ordem, e vai continuar-se a discussão do orçamento, (apoiados)

Tinha sido apoiado o adiamento proposto pelo Sr. Deputado Lopes de Lima nos termos seguintes (leu-se). Continua a discussão sobre elle.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, em principio por dar uma explicação á Camara sobre a minha demora; occupado com os negocios do serviço na Secretaria, confesso francamente que cheguei á uma hora, e cuidava que era meio dia; não posso dar uma explicação que mais seja conforme á franqueza, com que costumo dar todas quantas se me podem exigir em qualquer negocio.

Em quanto ao adiamento, parece-me que a materia delle esta prejudicada, (apoiados) porque lembrando-se a Camara de todas as propostas, que foram apresentadas desde o principio da discussão deste paragrafo, agora voltar o paragrafo á commissão, para o reconsiderai, importa isto annullar as votações, que se tem feito sobre as differentes propostas, que até aqui tem sido discutidas. Que tinha a commissão que reconsiderar 1 Póde-se responder: o exame dessa despeza, para ver se por ventura ella devia ou não ser approvada pela Camara. Pois, Sr. Presidente, qual tem sido o objecto em discussão, note-se bem, que tem occupado a Camara já por tres dias contando com este? Não tem sido examinar, se por ventura esta despeza deve ou não ser approvada? Não se têem cançado os nobres Deputados, que têem combatido, mostrando que ella não deve ser approvada? E não se têem cançado da outra parte os membros da illustre commissão de Fazenda, mostrando a razão porque a consignaram nesse paragrafo? (apoiados) Se pois, Sr. Presidente, isto assim é, que se tirava de mandar esta verba para a commissão a reconsiderar? Havia a commissão de ser lá de opinião differente daquella que por todos os seus differentes membros, que têem fallado na questão, tem. apresentado a este respeito, concluindo sempre por mostrar que a verba não póde ser eliminada, e que a Camara por coherencia, por bem do credito publico tem indispensavelmente de a approvar? E peço á Camara que repare nesta circumstancia: o paquete sae ámanhã, e $e esta fosse hoje a resolução da Camara, essa resolução havia de ir fazer na praça de Londres um effeito terrivel, e por cujas consequencias eu declaro á Camara que, fazendo esta declaração, nem quero que o Governo fique responsavel.

Portanto, Sr. Presidente, mesmo porque com a noticia que me deram no caminho, estou um pouco cançado para acudir á necessidade de apparecer quanto antes na Camara, não posso continuar, mas nas reflexões que acabo de apresentar, entendo que tenho demonstrado a necessidade da Camara rejeitar o adiamento.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, não ha duvida que me parece que parte dessa proposta esta um pouco prejudicada pelas votações anteriores, não inteiramente, que as propostas anteriores referiam-se a todo o capitulo, e não ao paragrafo; porém, Sr. Presidente, a Camara tinha sufficiente razão para mudar hoje de opinião a respeito deste objecto, depois que foi esclarecida pela discussão que se seguiu á não admissão dessas propostas, e esclarecida nada menos que pelo illustre relator da commissão. O nobre Ministro da Fazenda não ouviu ha pouco as razões em que eu apoiei essa minha proposta, e em que esta até n'um preambulo que lhe fiz. As razões em que eu apoio essa proposta, são as confissões que foram feitas durante a discussão, e na ultima parte da sessão antecedente nada menos que pelo illustre relator da commissão, e por um illustre Deputado ex-Ministro da Fazenda que tomou parte na discussão a favor do paragrafo, os quaes confessaram que havia uma duplicação, aqui estão no Diario do Governo as confissões de SS. Ex.ªs do nobre Deputado o Sr. Visconde de Castellões relator da commissão de Fazenda nesta parte, e do nobre Deputado ex-Ministro, o qual não só reconheceu a duplicação, mas disse mesmo que não entendia o motivo porque ella aí vinha, que havia aqui uma incognita, e que era necessario que viesse a lei de meios para então se poder conhecer qual era a razão, porque se tinha feito essa duplicação. Eu peço ao Sr. Ministro que dê attenção a isto, eu estou respondendo a S. Ex.ª; torno a dizer, foi o illustre relator da commissão quem confessou a duplicação, e foi o illustre Deputado ex-Ministro da Fazenda que não só reconheceu a duplicação, mas disse que não podia perceber o motivo porque ella aí vinha, e que era necessario que viesse a lei de meios para se poder entender qual era o motivo; a Camara ouviu isto na ultima parte da sessão passada, e o Diario do Governo, ainda que os seus extractos das sessões não sejam muito perfeitos, com tudo traz quanto basta para se conhecer a exactidão do que eu digo. Ora hontem quando a Camara rejeitou outra proposta no mesmo sentido desta minha, não tinha havido esta declaração por parte da commissão; mas agora que a Camara ouviu essa declaração, agora que a Camara reconhece por testemunhas insuspeitas que ha uma duplicação, quer a Camara votar essa duplicação, porque esta o paquete a partir? Oh! Sr. Presidente, que systema é este

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de pôr a faca aos peitos, e dizer: votai ainda que ha uma duplicação, votai contra a vossa consciencia que esta um paquete a partir! Que nos importa a nós que parta ou não parta um paquete? A Camara votando essa proposta não diz que se não hão de pagar as dividas de Londres: de modo nenhum o diz. Deos nos livre disso! A Camara votando essa proposta quer saber se a verba que esta consignada, é mais alguma cousa que aquillo que exigem as dividas de Londres, isto é, não quer que se duplique na verba aquillo que se ha de pagar, porque de certo os credores de Londres não hão de receber mais por estar a verba duplicada, hão de receber aquillo que lhes compete, nem o Governo tem outra intenção senão pagar-lhes só aquillo que em virtude dos contractos tem a pagar-lhes; conheço que o Governo só quer isso, mas tambem conheço que a Camara não deve votar uma duplicação, porque então vota mais que aquillo que se deve pagar, e a Camara não deve votar despezas a maior do que aquellas que realmente têem de fazer-se: isto não tem nada com os credores de Londres, mas tem tudo com o nosso orçamento.

Por ventura essa minha proposta e alguma declaração de que a Camara não quer reconhecer as dividas de Londres? Não por certo; a minha proposta e que o paragrafo volte á commissão para a commissão que reconhecer haver duplicação, explicar o motivo porque se fez, ou porque viria essa duplicação, se talvez ahi appareceu por precipitação, ou por não ter combinado bem as cousas. Mas quando o illustre relator da commissão se vê embaraçado, e reconhece que ha uma duplicação na verba, quando se disse, quando se mostrou por parte de um ex-Ministro da Fazenda que não é possivel resolver-se esse negocio sem a apresentação da lei de meios, a Camara ha de deitar uma absolvição papal sobre tudo isso, e dizer — approvo porque esta o paquete a sair, quer haja duplicação, quer não haja! Não me parece que o deva fazer. Eis-aqui esta a razão porque a Camara não seria contradictoria de modo algum se tendo rejeitado as propostas anteriores (como rejeitou), quando não havia essa explicação da parte da commissão, agora que as houve, agora que a Camara ouviu o Sr. relator, fosse mais circumspecta approvando agora essa proposta de adiamento para voltar esse paragrafo á commissão, e vir com a lei de meios como já hontem indicou um illustre Deputado, que tambem não e suspeito nesta questão, para então a Camara votar com conhecimento de causa aquillo que é necessario, e só o que é necessario para pagamento das dividas de Londres. Creio que isto é claro A minha proposta, já digo, é fundada sobre a auctoridade do mesmo relator da commissão. A Camara que ouviu os argumentos a que eu alludi, fará aquillo que entender: já digo, a minha proposta lá se acha (na Mesa), faça a Camara o que quizer, o meu protesto fica feito.

O Sr. Corrêa Leal: — Peço a V. Ex.ª tenha, a bondade de consultar a Camara se julga a materia discutida,

Julgou-se discutida por 51 votos contra 6, e foi rejeitada a proposta de adiamento do Sr. Lopes de Lima por 48 votos contra 6.

O Sr. Presidente: — Continua a discussão sobre a materia principal.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Acabo de votar contra o adiamento do nobre Deputado, porque a materia, com que o illustre Deputado o sustentou, era a mesma da discussão principal, e como nella tinha a palavra para responder ao nobre Deputado, por isso com consciencia votei contra o adiamento. Principio por fazer uma explicação das expressões, que empreguei aqui n'uma das sessões passadas sobre esta discussão, e com as quaes tanto se tem argumentado, para tirar as conclusões, que os nobres Deputados tem pretendido tirar; e vem a ser — a Camara deve presumir. — Pois confirmo inteiramente o que disse, mas com a seguinte rectificação, porque é deste modo que vem escripto no extracto da sessão que vem no Diario de sexta feira. — Pois quando um Ministro diz que se gastou uma certa somma por conta d'outra, e desta somma resta tanto, não ha presumpção fundada de acreditar as declarações, que faz o Ministro em quanto não houverem provas em contrario? As provas estão nas contas; quando ellas vierem, então se saberá se o Ministro faltou ou não á verdade (apoiados). Não e culpa minha, nem dos meus antecessores as contas não terem vindo: não teem cessado as diligencias da minha parte, para que esta escripturação se apresse quanto seja possivel, mas o systema e os methodos que actualmente se empregam, estão estabelecidos de tal maneira, que em logar da escripturação se adiantar, atraza-se; e além deste defeito dos methodos, a escripturação em algumas repartições dos governos civis em logar de se adiantar tem-se atrazado. Eu pela minha parte se tiver a honra de continuar no Ministerio, e com a Pasta dos Negocios da Fazenda, estes methodos e este systema hão de estabelecer-se de tal maneira, que eu hei de exigir dos empregados, a quem estes trabalhos estão incumbidos, uma responsabilidade tão effectiva, que espero na primeira sessão que as contas se hão de apresentar ao Parlamento com a maior clareza possivel, porque é necessario que a Camara saiba qual tem sido a recepção dos dinheiros publicos, e qual a applicação que teem tido.

Mas esta não é a questão; a questão de que se tracta, é saber, se porventura o Governo neste paragrafo de despeza extraordinaria apresenta uma verba, que já esta paga, se por consequencia vem pedir dinheiro de mais para despezas que já estão feitas; ou então ha uma duplicação de despeza, porque tendo ella figurado o anno passado no orçamento, este anno torna outra vez a apparecer.

Em quanto á primeira parte deste dilemma, direi, que se o Governo tivesse apresentado no orçamento uma verba de despeza, que já estava paga, os credores estrangeiros pela sua honra não consentiriam, que o Governo portuguez apresentasse, em documentos officiaes, uma verba para se lhes pagar uma divida, que elles já tinham recebido (apoiados): e como podia por consequencia o Governo acobertar-se com os seus nomes, para exigir sommas que o Parlamento não devia votai? Qualquer homem que presasse a sua honra, havia de consentir que o Governo apresentasse um documento com o seu nome para receber uma divida que já estava paga? Sinto que se apresentem argumentos, que podem ser destruidos tão facil, e ião promptamente. O Governo á vista disto tem demonstrado a sinceridade com que apresentou no orçamento uma verba, que effectivamente ainda não esta paga (apoiados). Mas haverá duplicação? Sim, Senhor: o illustre relator da commissão

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do Orçamento disse na ultima sessão, que a havia; e ha; mas é preciso explicar a razão, porque a ha, e se por ventura o Governo tem, ou não obrigação de dar conta desta receita, que não foi applicada para a despeza, que ainda se mostra não estar satisfeita. Lendo-se a lei de 26 de agosto, vemos qual foi a receita valiosa com que o Governo póde satisfazer estes encargos, que o Parlamento lhe commetteu de pagai; foi a decima do segundo semestre de 47. Aqui esta no mappa da receita votada para esta despeza (leu). Seria com esta receita que o Governo pagasse, como os nobres Deputados querem, esta somma de despeza extraordinaria? Seria por culpa do Governo, que não se cumpriu nesta parte a lei da despeza 7 Bastava referir aos nobres Deputados um documento, que appareceu lia poucos dias no Diario do Governo, para os convencer completamente da sem razão dos argumentos, que teem apresentado contra o Governo por falta do cumprimento da lei. No Diario do Governo la apparece uma portaria dirigida a uma auctoridade administrativa, mostrando o sentimento de que em todo esse districto a decima do anno de 47 a 18 apenas possa estar lançada n'um só concelho!... Por ventura não se sabe o estado da cobrança desta receita nos outros districtos do Reino? Por ventura e com uma receita, que ainda se mostra não estar lançada em alguns districtos, que o Governo podia satisfazer estes encargos, que os nobres Deputados exigem elle tivesse satisfeito? Ora não se tendo realisado esta receita, que o Parlamento votou ao Governo, chegava o praso para se pagarem as prestações da divida a William Simpson, ao qual o Parlamento, na lei de 26 de agosto, determinou que fossem pago» o, tres mezes de outubro a dezembro na razão de 8 mil libras por mez; mas e. receita não se linha realisado, e o Governo quando chegou o mez da primeira prestação, via-se sem meios para a poder pagar. Eis aqui a razão porque o Governo se viu na necessidade de contractar as 8 mil libras com o commendador Alexandrino, para fazer o pagamento da primeira prestação, e como elle não podia contentar-se com as receitas votadas no orçamento, que era nada menos que a decima do segundo semestre de 47, por isso que não era hypotheca segura, o Governo mandou passar-lhe horas com vencimentos sobre as alfandegas de Lisboa, e Porto, as quaes estão a pagamento, com a satisfação de que no fim deste mez, tanto este emprestimo das 8 mil libras, que fez o commendador Alexandrino, como o resto do emprestimo de Willian Simpson, acabam no fim deste mez, e ficam por consequencia alliviado, deste pagamento os rendimentos que estavam destinadas, e applicados a estes encargos. Portanto já se vê que houve duplicação de despeza; porque esta divida não podia ser paga naquelle tempo com as receitas votadas no orçamento, o resto havia de vir pari o orçamento deste anno

Porém ha mais alguma cousa, e vem a ser — que entre as declarações do illustre Deputado, meu antecessor, e a quantia do orçamento, ha uma differença para mais de 2 mil libra, com que o Governo carrega o orçamento, e que é preciso saber-se donde vem, e o que são estas 2 mil libras (apoiados). Fallo da divida, e emprestimo de Ricardo Thorton; por isso que no orçamento do anno passado importava esta verba em 24 mil libras, e dizendo o illustre Deputado que tinha pago, durante a sua administração, 8 mil libras, o resto eram 16 mil libras, mas pedindo-se no orçamento 18 mil libras, é necessario, explicar a razão disto (apoiados). Eu não sei se já o declarei; mas se o não fiz ainda, digo-o agora para que a Camara possa fazer o seu juizo sobre a regularidade, com que se faz todo este serviço, e com o qual eu tive de me conformar, visto que era indispensavel prover a estes pagamentos, e não se podia prover pelos meios ordinarios estabelecidos na lei: o que é certo, é que eu quando entrei no Ministerio achei estabelecido este methodo de pagamentos, com o qual me conformei, nem podia deixar de me conformar, sem prejuizo, nem abalo do credito publico; e não só fiz isto; tenho dado as ordens mais positivas para que todas as letras para pagamento dos differentes encargos, de que tenho feito menção, sejam religiosamente pagas na época dos seus vencimentos; porque este pagamento foi estipulado por meio de letras, e é necessario cumprir esta obrigação do Governo, para que não falte ao Governo aquillo que em todos os tempos foi um seu auxiliar, e que hoje nas nossas circumstancias mais necessario se torna; fallo do credito publico (apoiados). Pelo que pertence a esta divida de Thorton, fez-se o mesmo; porque tendo-se auctorisado a Agencia Financial para levantar fundos, em virtude dos quaes se satisfizesse este encargo, porque é necessario saber-se, que os encargos cresciam todos os dias pela continuação dessa commissão encarregada de liquidar os differentes vencimentos dos officiaes, e praças de pret, que serviram no exercito libertador, não fiz mais que confirmar o contracto, que se havia auctorisado antecedentemente, e isto com muito interesse para a fazenda publica, como declaro no relatorio, porque esse contracto veiu para o Governo, como um allivio para a despeza. E que faria a commissão de Fazenda, se em vista de uma circumstancia tão importante, por ventura não houvesse de consignar uma disposição neste sentido? Mas como o capital necessario, pela conta que o illustre Deputado apresentou, eram 16 mil libras, e o modo que se houve-se de estabelecer para pagamento desta divida não podia deixar de soffrer alguma demora, estabelecendo-se prasos para o pagamento das differentes fracções, em que esse capital se dividisse, e é sabido que ninguem empresta dinheiro sem interesse, na Agencia ainda que só precisava 16 mil libras, pelas circumstancias apontadas, não duvidou convencionar em que se pedissem mais 2 mil, para satisfazer os premios que se haviam de dar, e essa e a razão, porque apparecem 18 mil libras. Ora em quanto a demora dos prasos do pagamento, esta provada, porque tendo-se feito o contracto em janeiro deste anno, é em janeiro de 1850 que tem de se pagar a ultima letra, na importancia de 500 libras; por consequencia não se vem pedir de mais 2 mil libras, o quando isso podesse pensar-se, não havia por certo o interessado consentir, que o Governo pedisse de mais essas 2 mil libras para as distrair em outras differentes despezas. Portanto não se apresentem os factos de uma maneira menos exacta, porque o resultado para quem os apresenta não póde por certo 1 dar força aos seus argumentos, porque são destruidos com os documentos officiaes, que eu posso apresentar com todo o caracter de verdadeiros. Eu ate me tinha preparado em mandar tirar um mappa dos

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differentes pagamento, que se teem feito, para acabar de convencer o illustre Deputado da sinceridade das declarações, que se teem feito nesta Casa por uma, e por outra parte; digo sinceridade das declarações, porque quem argumenta contra o Governo, estou capacitado que o faz de boa fé, e para procurar esclarecer-se Mas, como dizia, tinha mandado fazer um mappa tanto do tempo do meu antecessor, como já do tempo em que tenho a honra de dirigir esse Ministerio, mas o pouco tempo que houve para desempenhar as ordens, que eu Unha dado a este respeito, fez com que appareça na minha mão este mappa ainda em borrão, se os Srs. Deputados quizessem cançar-se em o examinar, sachariam as sommas correspondentes, tanto das despezas que se teem feito antes de eu entrar para o Ministerio, como posteriormente, e achariam que combinam todas as sommas, com as que o Governo pede no orçamento. Parece-me que para explicação não preciso dizer mais.

Em quanto á eliminação do paragrafo, como se pertende, e é o que faz objecto d'uma emenda que esta na Mesa, eu torno a lembrar a Camara, o que creio que já se disse; que a suspensão deste pagamento, a respeito de cuja verba não se póde pôr, em boa fé, a mais pequena duvída, se ella se eliminasse, era destruir na praça aonde precisamos de credito, todos os elementos com que o Governo deve contar para o sustentar, e muito principalmente hoje que o Governo tem de levar a execução um pensamento, que com quanto seja um objecto muito pequeno, com tudo mostra o alcance de que elle póde ser, por que destas 2 mil libras depois de pagas as differenças dos cambios, o restante e para o resgate de inscripções no valor de 50 contos, as quaes hão de ser mandadas para a Junta do Credito Publico, com outras porções para com este subsidio se ír estabelecendo um fundo de amortisação para a nossa divida interna fundada, por tanto se houver preserverança, e um systema que póde dar recursos para o Governo, e póde habilita-lo com credito, para desenvolver o grande pensamento de amortisar a nossa divida, tanto interna como externa. Por consequencia a vista destas explicações, nas quaes se não póde pôr a mais pequena duvida, espero que a Camara approve o paragrafo, rejeitando as emendas, e veja a Camara a necessidade que ha de se approvar este paragrafo, sobre o qual me parece que não merecia ter havido uma tão longa discussão, isto não quer dizer, que não se gaste o tempo necessario nas questões importantes, mas depois de dadas todas as explicações, e de interesse publico, que os negocios andem convenientemente, não se demorando mais do que o tempo que naturalmente é necessario.

O Sr. Carlos Bento — Sr. Presidente, realmente custa-me entrar nesta discussão para combater o que acaba de dizer S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, por quem tenho toda a consideração; mas no logar em que nos achamos, não ha considerações a pessoas, ha a importancia dos assumptos, e a nossa obrigação e tractar dos negocios Depois da discussão que tem havido, e impossivel que a Camara possa ter firmeza para votar, e digo que a vista das declarações feitas por S. Ex.ª o Sr. relator da commissão de Fazenda, que não póde ser suspeito, devemos ler muita duvída, deve faltar a firmeza para votar Concordou-se hoje que havia uma duplicação,

e o que significa essa duplicação?... Significa que as sommas votadas no anno passado para satisfazer uma divida desta natureza não foram realisaveis, e por isso não foram pagas essas despezas (O Sr. Ministro da Fazenda: — Não foram cobradas) d'accordo, mas a Camara lisonjeou-se, quando as votou, que era uma receita que se realisava; e hoje diz-se — a sessão esta adiantada, votemos depressa essa receita, para pagar essa divida — Mas note se que o anno passado disse-se o mesmo — apressemo-nos a votar estas verbas — e o que se votou, pela propria confissão de S. Ex.ª, não foi nada, por que não houve receita sufficiente para esta verba de despeza; por conseguinte pergunto eu, que faz a Camara em votações desta natureza! Vota decepções, e o que fazêmos nós com isto? Ajudamos a lançar o descredito nos nossos trabalhos. Se se dissesse — a Camara não = e enganou o anno passado, soube o que fez quando votou uma receita para esta despeza — estava no direito de dizer, façamos o mesmo este anno, por que temos o direito de impôr confiança, por que temos a nosso favor o argumento dos factos, mas não, Senhor, enganâmo-nos o anno passado, por consequencia façamos o mesmo este anno. Quer a Camara ver os resultados que tem vindo... Sr. Presidente, não posso continuar por que estou alguma cousa incommodado. (Retirou-se da sala)

O Sr. Eusebio Candido — Requeiro que V. Ex.ª consulte a Camara, se a materia esta discutida.

Julgou-se discutida por 15 votos contra 6; e seguidamente foi rejeitada por 45 votos contra 4 a emenda de eliminação proposta pelo Sr. Silva Cabral, e approvado o § 1.º por 45 votos contra 4

Passou-se ao § 2.º

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Sr. Presidente, realmente não sei, digo e com franqueza, como hei de entrar nesta discussão; se por acaso me refiro aos documentos, levanta-se uma voz, e diz — os documentos não valem — se combato sem documentos, dizem-me — apresente os documentos — O que quereis, e abafar a discussão, não quereis ouvir as nossas razões, esta é a verdade Declaro, que para se continuar na discussão do orçamento, e necessario paciencia de sancto, e uma resignação a toda a prova, é preciso pôr de parte todos os estimulos, para vir arrostai aqui contra esta fórma inaudita de tractar as questões. Pois um illustre Deputado que me ouve, antecessor no Ministerio da Fazenda ao Cavalheiro que hoje occupa esta Pasta, não mandou publicar no Diario do Governo os officios e o relatorio d'um visitador do Thesouro, e nesse relatorio não esta circumstanciadamente asseverado que a divida atrazada era de 4 mil contos, se me não engano? Posso desde já dizer-vos, Senhores, que o Diario a que me refiro, é o de 2 de março do anno passado. E o Diario d'antes hontem, 25 de maio, traz pela repartição da fazenda do Governo Civil do districto de Lisboa, um mappa demonstrativo da cobrança não realisada, e relaxada ao Poder Judicial, pertencente aos annos de 1833 a 1848, era que vejo essa divida limitada a quantia de 1.275 764$507 réis. Qual dos dois documentos e exacto Qual merece fé? O Sr. Ministro da Fazenda declara no seu relatorio que das receitas atrazadas que nos reputamos tão valiosas, apenas recebeu 506 contos Aonde se sumiu pois a differença que ha entre 4 mil

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contos, e 1:265! É necessario que a Camara saiba em qual destes documentos deve acreditar; é necessario uma base franca e leal para se discutir e votar; mas o facto é este, embora o Governo o negue. Pergunto, por que esta aqui este paragrafo (leu).

Qual foi a razão que o Governo teve para isto? Sinto que o illustre relator da commissão não esteja presente, ou algum outro membro da commissão para me esclarecer ácerca desta duvida; ponho de parte a má redacção, declararei todavia que me foi necessario dar tractos á grammatica e á syntaxe para adivinhar o que poderia significar este paragrafo, não sei se é o Sr. Ministro da Fazenda que quer ou não eliminar estes 10 contos; é necessario entrar nestes debates com claresa e lealdade...* (O Sr. Ministro da Fazenda: — Com clareza e lealdade, peço a V. Ex.ª que note) O Orador: — Sim, sim, lealdade, politicamente fallando; pois eu vejo que no Diario do Governo de 2 de maio do anno passado vem a divida atrazada orçada em 4 mil e quinhentos contos de réis; vejo que ha tres dias se publicou no Diario do Governo que essa divida era de mil e tantos contos; vejo que S. Ex.ª declarou no seu relatorio que apenas tem recebido 500 contos dos debitos atrazados; e concluo que todos tres não fallam com rigorosa exactidão, alguem se enganou. Quem foi? Eis o ponto cardeal da questão. E necessario que se examine aonde esta o erro, porque se o Parlamento ha de votar a receita sem a podér discutir, e o Ministerio ha de dar apenas respostas que ninguem entende, sobre apprehensões ácerca das peças e documentos officiaes, então não sei como se possa discutir; e se se discute, sei menos ainda qual o proveito da discussão. Pois a Camara não ouviu já dizer que havia um duplicado? E apezar disto não o votou!

S. Ex.ª confundiu a despeza extraordinaria com a especial; a extraordinaria é de 800 contos, mas a que diz respeito (leu) é de 300 contos, e esses recebeu-os o Governo, porque recebeu o 2 0 semestre da decima de 1817, que S. Ex.ª diz que importa em 500 contos, e recebeu as decimas dos juros da divida interna, e tudo o que excedeu aos 300 contos, não se sabe a applicação que teve; e é quando o orçamento apresenta um deficit de 20 milhões que os Srs. Ministros não dão esclarecimentos explicitos e cathegoricos! Fallou o Sr. Ministro da Fazenda, fallou o presidente da commissão, fallou o illustre relator, e nenhum satisfez a Camara, e a prova de que se não explicaram, foi, que não houve quem podesse confiar no que se disse... (Uma voz: — A maioria) O Orador: — Mas a maioria, perdôe-me ella... em 1837 Lord John Russel, apesar de ter uma maioria que approvava as suas medidas, pediu a demissão, porque disse que não queria uma maioria silenciosa. Veja-se o que fez ultimamente o Ministro do Piemonte, cujo nome me não lembra agora; disse que pedia a demissão porque a maioria votava, e não discutia» Entendam os illustres Deputados que eu não venho aqui inflamar paixões; bem triste é o nosso estado, miseravel a nossa posição, misserrimas as nossas circunstancias; não quero exacerbar a crise, que já e bastante assustadora.

Como S. Ex.ª pediu a palavra, eu peço-lhe que tome nota dos meus argumentos para me responder. Quero que S. Ex.ª me explique o seguinte — No Diario do Governo de 2 de maio do anuo passado disse-se que a dívida atrasada era de 4 mil e quinhentos contos; no Diario de 25 deste mez diz-se que é de mil e tantos contos, e no relatorio apresentado por S. Ex.ª diz-se que se tem recebido apenas 500 contos dessa divida. Qual destes tres documentos merece credito? S. Ex.ª não é capaz de provar que 4 mil e quinhentos contos são mil, nem que mil são 500; é necessario desfazer esta contradicção. Pedirei a palavra depois de ouvir o nobre Ministro, se me não convencer, que estou bem certo que me não convence; porque é impossivel provar que todos estes 3 documentos são verdadeiros.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Não agradeço ao illustre Deputado os comprimentos que me fez, exigindo que o Governo se explicasse com lealdade; não lhe dirijo agradecimentos por esses comprimentos, por que o illustre Deputado sabe que elles não os tem. Em quanto aos argumentos collossaes estimarei que o illustre Deputado os apresente alguma vez, por que, se acaso não apresentar outros que mereçam este nome, os que acaba de empregar, quanto a mim, são os mais pequenos que podem haver.

Sr. Presidente, e certo que ha uma grande somma de receita atrasada por pagar; mas o que admiro, e que o illustre Deputado confunda esse mappa, que leu no Diario do Governo com essa divida de

4 mil contos, em que se tem sommado a receita atrazada por pagar. Pois que é esse mappa, senão dos conhecimentos relaxados para cobrança contra os devedores remissos? Pois não é uma cousa muito differente da outra? Tem esta divida alguma cousa com esses 4 mil contos das receitas atrasadas, de que fallou a lei de maio do anno passado? De certo que não, e note S. Ex.ª que isto só quanto ao districto de Lisboa, circunstancia esta que faz essencialmente differente o negocio.

Em quanto aos 500 contos de réis, é este o terceiro argumento do illustre Deputado, a que tenho de responder, e não são 500 contos de réis, creio que são 300 e tantos. Pois não sabe o illustre Deputado que esse mappa é das contribuições directas, que se votaram para este anno, e que tendo Sido orçadas no orçamento em 1:500 contos de réis, só se puderam cobrar 300 e tantos? Tem isto alguma cousa com a divida atrazada dos 4 mil contos de réis? Ora eis-aqui os argumentos collossaes, debaixo dos quaes julguei ficar esmagado desta vez!

Não sei se o illustre Deputado tem pedido esclarecimentos a que se tenha faltado, da minha repartição, se isso tem acontecido, é com a minha mais completa ignorancia, porque está dada ordem na secretaria, para que sejam dados promptamente logo que sejam pedidos; se o Sr. Deputado precisa de alguns que tenha pedido, o que eu ignoro, faça novamente o seu requerimento, que sendo approvado pela Camara, hão de ser satisfeitos immediatamente, salvo havendo algum inconveniente.

Ora o que eu admiro, é que se faça objecto de grande questão, e que se tenham levantado tantos escrupulos, porque o Governo entendeu que podia ser eliminada uma verba, e que a commissão entendeu que podia ser satisfeita pelas receitas atrazadas. Pois não sabe o illustre Deputado, que eu tendo auctorisação para levantar 2 mil contos de réis, posso muito bem satisfazer essa divida? Eis-aqui porque o Governo não teve duvida em se eliminar esta verba. É o que tenho a dizer, e sinto, pela parte que me

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toca, ter-me visto obrigado a gastar á Camara este tempo com explicações, que eu entendo que eram bem desnecessarias.

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Sr. Presidente, quem ouvisse fallar o Sr. Ministro da Fazenda com tanta segurança, seriamente acreditaria que eu havia proferido grandes absurdos, e erros palmares. Sei muito bem o que diz o mappa e não confundi o reino com o districto de Lisboa. Aí tem S. Ex.ª debaixo dos olhos os dois Diarios a que alludo; ambos elles se referem ao districto de Lisboa; S. Ex.ª tem razão para se admirar, porque a contradicção e para tanto; fallei do districto de Lisboa, e ainda para o argumento se tornar mais claro, direi que fallei das seis varas de Lisboa O facto é, que o relatorio de 2 de março do anno passado mandado publicar pelo Sr. Ministro da Fazenda que era então o Sr. Deputado, que se senta no banco superior, dá não cobrados 4:583 contos; e se isto ainda não é bastante, direi que o Procurador da Fazenda dá 70 mil execuções fiscaes, e no entretanto o govêrno civil de Lisboa, que tambem é uma auctoridade que faz parte da Administração, publicou no Diario de quinta feira um mappa demonstrativo das cobranças não realisadas desde 34 até 47, e diz que importam em 1:500 contos: insisto pois, quem e que fallou verdade? E ainda o Sr. Ministro da Fazenda nutre esperanças (isto faz rir!...) de receber alguma cousa, quando a lei de 9 de março tinha concedido aos devedores, um beneficio de 50 por cento, porque lhes permittiu que pagassem em notas, e elles não pagaram; hoje que S. Ex.ª vem propôr a revogação désse beneficio, impõe mais o onus de 5 por cento aos devedores remissos, e que espera receber!... Quando selhès concedia um beneficio de 50 por cento, não pagaram, e o Sr. Ministro da Fazenda vem á Camara e diz — proponho a revogação désse beneficio, porque eu vou obrigal-os a pagar!... Não pagam, não, Senhor, e não pagam, porque não podem pagar, porque hoje é uma verdade axiomatica, que o paiz não póde pagar além de 8:000 contos, e vós quereis que pague 12 e 14:000!... Pertendeis um impossivel. Pois o Sr. Ministro da Fazenda não sabe que no districto do Porto, o mais rico de Portugal, anda o lançamento da decima e impostos annexos por 190 contos, e que só no concelho do Porto os conhecimentos relaxados sommam 44 contos? Não sabe que o districto de Lisboa desde 34 ate hoje tem estado constantemente debitado? Não sabe que de 500 e tantos contos de decima que pertencem ao districto de Lisboa, uma boa parte fica por cobrar todos os annos? Pois esta severa lição da experiencia não ha de aproveitar? Pois havemos de ser surdos e cegos com factos que nos entram pelos olhos e pelos ouvidos Não teremos aproveitado nada com 14 annos de experiencia? Não sabemos que o paiz nunca pagou integralmente a decima, tanto que o anno passado o Ministro da Fazenda contou adiantadamente com a diminuição de 200 contos, porque de 1:700 contos em que a decima estava orçada, a reduziu a 1:500 e apezar dessa reducção, apesar do beneficio de 50 por cento da lei de 9 de março, apesar do bónus de 3 por cento da lei de 13 de julho, a decima nunca póde ser cobrada na sua totalidade? A decima que era já uma contribuição de guerra, esta accrescentada com mais 4 por cento, com mais 5, de sorte que essa contribuição é hoje de 19 por cento. É meio caminho andado para o communismo. Já ouvi dizei a alguem, que passa por muito entendido em materia de finanças — que paiz nenhum paga tão pouco como Portugal — é um grande êrro, nenhum paiz paga tanto. A Hespanha paga 12 por cento; e nós que não temos os adiantamentos que tem a Hespanha, que não temos os seus recursos, havemos de pagar mais do que ella!... Uma das cousas que sempre se diz para provar que devemos pagar o que nem devemos, nem podemos, é, que Portugal é um paiz fertil; mas ha outros tão ferteis. Sem haver consumo, não ha producção, e nós não temos consumo para a nossa producção, os nossos processos agricolas estão muitissimo atrasados, e saem-nos muito caros, por consequencia os nossos generos não podem competir com os de outros paizes; além disso não temos vias de communicação, não temos canalizados os nossos rios, a nossa marinha mercante é quasi nenhuma, e além da falta de quantidade é cara, não póde portanto carregar os nossos productos, e ir affrontar os mercados estrangeiros: para que em Portugal a industria, e o commercio se desenvolvessem, o Governo devia diminuir os direitos e não augmental-os; mas como não se diminuem os direitos e augmentam-se, o resultado é não se cobrarem. É facto constante durante 15 annos, que a decima nunca se recebe senão com grande quebra da quantia, em que é orçada. O anno passado, vem o Sr. Ministro da Fazenda, e diz — a decima esta orçada em 1:700 contos, eu reconheço que é impossivel realisar-se essa quantia; proponho que seja orçada em 1:500 contos — e receberam-se esses 1:500 contos? Não, Senhor; aqui esta o sudario do Sr. Ministro da Fazenda, a que se póde chamar uma Acta dos Apostolos, em que S. Ex.ª declara positivamente, que da decima não recebeu senão 300 contos!...

E necessario que os Srs. Ministros entendam uma vez por todas, que os Deputados não veem aqui fazer comprimentos: quando se diz lealdade, entende-se lealdade politica, e o Sr. Ministro póde ser um Cavalheiro a todos os respeitos, como acredito realmente que é, póde como tal merecer a minha estima e veneração, e entretanto posso não ter essa estima e veneração por S. Ex.ª como Ministro da Fazenda. Que vejo eu, Sr. Presidente, quando confiante a nossa opposição com a de outros Parlamentos? Vejo na Camara franceza, no tempo de Guisot, Mr. Duvergier de Hauranne accusar o Governo; a maioria levantou-se em pêso e chama-o a ordem, e o Deputado francez diz — «Estão enganados, não venho aqui só accusar o Governo perante a maioria, faço mais, vou muito mais longe, accuso a maioria e o Governo perante a nação.» — Vejo que na Camara brazileira ha uma opposição tenaz e vigorosa: vejo que no Parlamento inglez ha debates virulentos; vejo que em assembléas nascentes como as de Turim, e de Napoles ha discussões calorosas, assim como as ha em toda a parte, porque se a discussão não e calorosa e renhida, não desperta o enthusiasmo; a discussão com enthusiasmo dá fogo ás paixões, e fortifica a intelligencia; se nós queremos uma discussão fria e morna, queremos uma cousa nova. Parece-me que os Srs. Ministros não devem levar a mal a opposição; SS. Ex.ªs tem obrigação de governar apesar da opposição, e se assim o não entendem, mostram a sua ignorancia das theorias e principios do Governo Representativo, porque querer

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Governo Representativo sem imprensa, querer Parlamento sem opposição, e querer um impossivel.

Declaro que as explicações do Sr. Ministro da Fazenda me não satisfizeram, e que S. Ex.ª enredou a questão em vez de a esclarecer.

O Sr. Corrêa Leal: — Sr. Presidente, tanto pela primeira como pela segunda vez, que o illustre Deputado fallou, poucos poderiam percebei pelas suas palavras, o que é que esta em discussão, e o que é para que S. Ex.ª tomou a palavra: eu voo precisar mais o assumpto da questão, e vou provar a S. S.ª, que, como costuma quasi sempre, divagou, porque quasi sempre sae do ponto em questão, não se occupando delle restrictamente como convém que sempre se faça no Parlamento, dada uma these para discutir... (O Sr. Cunha Sotto-Maior. — Vou agora ouvir o que se deve fazei) pois queira o nobre Deputado ouvir... (O Sr. Cunha Sotto-Maior — Vou aprender) não sei se aprenderá, nem tambem me encarrego de ser seu mestre.

Está em discussão O § 2.º das despezas extraordinarias, e é delle que me hei de occupar. As palavras com que S. S.ª principiou o seu discurso foram — que não entendia esta redacção, que não tinha grammatica nem syntaxe, e que dera tratos para poder chegar a comprehende) o pensamento das poucas palavras que aqui estão. — Ora, Sr. Presidente, eu sei muito bem que as opposições de tudo lançam mão; não ha incidente por insignificante que seja, por minimo e microscopico que pareça, pontinha em que se possa pegar, de que não lancem mão; mas ouça a Camara o que apresentou tanta confusão á intelligencia aliás bem esclarecida do illustre Deputado, e veja a Camara qual o embaraço em que se achou a sua intelligencia e perspicacia, que ninguem lhe negará.

Diz a epigrafe deste capitulo — Despeza extraordinaria —; e diz o paragrafo — elimina-se por dever ter pagamento pelo que produzir a arrecadação dos atrasos da respectiva receita —: elimina-se o que? A verba da despeza: por dever ter pagamento, o que? A verba: pelo que produzir, o que? A arrecadação dos atrasos da respectiva receita, qual receita A de 1847 a 1848. (riso). Creio que não se me poderá notar o fazer esta explicação, visto que o illustre Deputado achou tão confusas e sem grammatica nem syntaxe estas poucas e curtas palavras que aqui estão: por consequencia, Sr. Presidente, sendo este o ponto da questão e o ponto do debate, não me parece que quando, para se fazer opposição ao Governo se quer tomar uma discussão muito longa, se lance mão sempre dos casos julgados, das votações feitas, e daquillo que já não fica sendo do dominio da discussão que esta em andamento.

Sr. Presidente não sou eu o competente para tomar a palavra sobre assumptos de fazenda, pertence isso a outras Capacidades, mas sobre este paragrafro foi S. S.ª que me obrigou a pedir a palavra para dizer alguma cousa a respeito da incomprehehsibilidade desta verba; é facil de entender, que se eliminam daqui estes 10:871835, para serem satisfeitos pelo producto das receitas atrasadas.

O nobre Deputado nunca falla que não e dirija -acre e fortemente a maioria, ha pouco disse S. S. que as discussões são abafadas, e as votações silenciosas — Sr. Presidente pois o nobre Deputado, ou -alguem, póde dizer que foi abafada a discussão do paragrafo que ha pouco foi votado por esta Camara?.. Pois não esteve este paragrafo em discussão quatro dias, que foram 4.ª 6.ª sabbado e parte do dia de hoje? Pois na discussão desse paragrafo não tomou parte II maioria dos membros da commissão?.. Não fallou sobre esse o Sr. Ministro da Fazenda?.. Não fallou tambem o Sr. ex-Ministro da Fazenda e meu amigo o Sr. Falcão?.. Não fallaram muitas vezes em quatro sessões continuada»; os nobres Deputados que impugnaram o paragrafo 7 E póde-se avista disto dizer que não houve discussão, e que a votação da commissão foi silenciosa?.. De certo não (apoiados). Bem vai a maioria em quanto se lhe fizerem accusações com esta justiça (apoiados).

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, fallo pela terceira vez, e direi ao nobre Deputado que me precedeu, que estou cançado da sua canceira (riso) não me parecia que eu tivesse dado motivo para tanta ira de S. S.ª (riso) nem me parecia que o que eu disse, fosse bastante para o illustre Deputado tomar tanto calor. — Só tractei por incidente da redacção grammatical deste paragrafo, e admiro-me que S. S.ª sendo lente de recta pronuncia não visse que este paragrafo esta com tal falta de grammatica e de syntaxe, que lhe dá bem pouca euphoria: não estranhe S. S.ª que assim aconteça, porque todos os documentos officiaes se resentem deste defeito; eu pergunto a S. S.ª, se é bom portuguez o dizer-se aqui n'este paragrafo — elimina-se por dever ter pagamento — nunca quem quizesse escrever bom portuguez, escrevei ia assim; os documentos officiaes devem ter uma melhor redacção, uma redacção senão classica pelo menos intelligivel; e quando digo isto, e quando ha pouco referi que o paragrafo não tinha grammatica, não foi para agastar o nobre Deputado (riso) nem vale a pena affligir-se com tão pequenas cousas, tanto mais quando S. S.ª tem a consciencia de que o paragrafo passando como esta, vai redigido muito grammaticalmente (riso).

Agora pelo que diz respeito á observação feita por S. S.ª a respeito do abafamento das discussões, peço licença para lhe observar, que a discussão anterior devia ficar bem esclarecida; porque quando um Deputado se levanta, e diz — esta verba votou-se o anno passado, e em presença dos documentos officiaes esta paga — e quando o relator da commissão declara que ha confusão, quando o ex-Ministro da Fazenda diz que ha duplicação, e que não sabe o motivo porque ella apparece novamente, e quando o Sr. Ministro da Fazenda actual confessa, que effectivamente existe essa confusão, a discussão devia ser mais longa. Eu não quero com isto censurar a resolução da Camara, toco nesta materia votada só por incidente, e julgo que o posso fazer uma vez que não irrogue injuria as decisões do Parlamento; digo que essa discussão devia ir mais longe, sobre tudo depois que o Sr. Ministro da Fazenda pediu que se vote o paragrafo, que elle dará contas depois! S. Ex.ª já devia ler dado essas contas, pois que o dinheiro que se despendeu para o pagamento dessa verba votada, é um facto consummado, e essas contas deviam ser aqui apresentadas para esclarecer a discussão; em Vez disto, que era um rigoroso dever, o Sr. Ministro limitou-se a dizer-nos, que ha de dar contas; ha muito tempo que se promettem as contas da gerencia publica, e até hoje não se tem cumprido côro este preceito de boa administração, e quando appa-

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recem algumas são já de épocas tão remotas, que não promove curiosidade, ou vontade de se analysarem.

Sr. Presidente, a discussão de 4 dias que soffreu este paragrafo, é prova de que o paragrafo carecia muito de ser discutido; em assumptos de dinheiro, e na presença da crise financeira, que nos vexa e opprime, nunca é acertado abafar a discussão, deve-se, pelo contrario, dar-se-lhe a maior largueza possivel para se saber clara e distinctamente de que modo são recebidos e applicados os dinheiros publicos; não basta só pedir dinheiro, é preciso dizer em que se gasta, como, aonde, e porque; não basta só esta Camara votar quaesquer verbas, é preciso que se lhe diga se a applicação foi legal.

Sr. Presidente, eu não posso descobrir em que dados o Sr. Ministro da Fazenda funda as suas esperanças quando assevera, que ha de receber muito das dividas atrasadas; pois então os devedores á fazenda quando tinham um beneficio de 50 e 6'0 por cento, não vieram satisfazer os seus debitos, e hão-de satisfaze-los agora, que o Sr. Ministro quer acabar com esse beneficio, e, demais a mais, impor-lhe um novo onus?...

Declaro a S. Ex.ª que desconfio muito dessa sua -esperança, e que me parece ser isto um engano, que a experiencia não hade deixar durar muito; porque os devedores não podem pagar; e se os devedores não podem pagar, como quer S. Ex.ª que se elimine esta verba, para ser paga pelo producto dessas dividas em atraso, se tal producto senão ha de realisar? Desejava mais franqueza, desejava que nós aqui dissessemos ao Paiz as cousas como na verdade ellas são.

Sr. Presidente, com este orçamento, que estamos discutindo, ha de acontecer o mesmo que aconteceu com o do anno passado; o anno passado S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda de então veio pedir á Camara 25 por cento sobre os vencimentos dos servidores do Estado, 25 por cento sobre os juros das inscripções; dois semestres de decima; 500 contos da Junta do Credito Publico; disse S. Ex.ª se me concedeis tudo isto pago em dia» a Camara votou tudo quanto se lhe pediu; nunca Parlamento algum, desde que temos Systema Constitucional, votou uma receita tão grande, e o que aconteceu?... Pagou-se em dia?... Não: ha hoje um atraso immenso; ás classes inactivas de não consideração deve-se-lhe um anno, ás outras uns poucos de mezes, aos empregados 4, 6 e 7 mezes; os juristas soffrem igualmente um atraso não pequeno.

No estado de miseria em que se acha o Paiz, eu peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, que nos diga como é que S. Ex.ª espera que, não tendo os devedores á fazenda vindo pagar os seus debitos, quando gosavam d'um beneficio de 50 e 60 por cento, hão de vir agora que S. Ex.ª quer abolir esse beneficio?... Não quero tomar mais tempo á Camara, não admitto o paragrafo.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, a fallar a verdade, não sei bem como hei de responder ao nobre Deputado; (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Isso sei eu.) e se acaso não fosse o dever que me impõe esta cadeira, folgaria mais de ficar calado; porque, na verdade, ha occasiões em que um certo dever de moral acaba, pelo modo porque é exigido o seu cumprimento.

Sr. Presidente, a duvida toda do nobre Deputado, para votar por este paragrafo, é o ter-se aqui votado a anno passado uma lei de beneficios aos devedores, e estes, apesar desses beneficios, não vieram pagar as suas dividas, e hoje, que se lhes acabam esses beneficios, o nobre Deputado disse que debalde se lhes pediria o pagamento; mas hoje, que se lhes acabam os beneficios, é em presença desse facto que o Governo tem mais esperança de realisar essa receita. O nobre Deputado, com aquillo que se tem dicto, tinha a resposta a si mesmo. Pois não se tem dicto, que a razão, porque os devedores não se apressaram a pagar, é porque ainda esperavam mais beneficios? Não têem constantemente sido concedidos aos devedores beneficios sobre beneficios, e não é a confiança na repetição destes beneficios a causa, como já aqui foi por parte de algumas auctoridades administrativas confessado, com conhecimento dos dados officiaes, porque não se realisou essa receita, com que o Governo o anno passado contava para satisfazer aos encargos que lhe impunha a lei de 23 de maio? Agora as esperanças são de se realisar essa receita, fazendo-se saber aos devedores, que não se têem aproveitado de tantos beneficios, continua e successivamente concedidos por differentes leis, desde 1836, que realmente o Governo conta effectivamente realisar essa receita, exigindo a responsabilidade que incumbe a todos os seus agentes. E pelas propostas que estão na Camara, que se forem convertidas em lei esses contribuintes hão de reconhecer a necessidade de satisfazerem as suas dividas. E tanto, Sr. Presidente, se quiz fazer sentir a esses devedores a necessidade que tinham de pagarem as suas dividas, que um encargo que se impoz áquelles, que não se aproveitassem dos beneficios da lei de maio do anno passado, dentro dos prasos que lhes foram concedidos, quero dizer, os juros de 5 por cento sobre as differentes sommas que elles devessem, propoz-se que ficasse esse encargo completamente annullado, porque elle vinha augmentar as dividas desses que não se tinham aproveitado dos beneficios, e na verdade era duro obrigar, principalmente os devedores de grandes sommas, a pagarem os juros de 5 por cento, por tanto tempo quanto fosse aquelle em que elles tivessem deixado de satisfazer as suas obrigações para com a fazenda.

Aqui tem por consequencia o illustre Deputado explicada a razão, porque o Governo tem hoje as mesmas esperanças, mas por um motivo muito differente daquelle porque o anno passado as tinha, de realisar as sommas que se acham em divida, e deste modo tambem a razão que a illustre commissão de Fazenda eliminou estes 10 contos para poderem ter pagamento pelas receitas atrazadas. E realmente só o engenho do illustre Deputado é que podia fazer objecto de discussão da redacção e da grammatica desta parte do parecer da illustre commissão!... (O Sr. Corrêa Leal: — Apoiado.) Pois não será bastante grammatical dizer-se, elimina-se a verba de tanto, porque ella deve ter pagamento pela receita atrazada?... Haverá aqui alguma falta de grammatica e de redacção, para que todos entendam, quantos sabem portuguez, aquillo que a illustre commissão quiz dizer?!...

Nem sou eu aquelle, nem é o Governo aquelle que vem propor a cessação desse beneficio, porque elle já de facto cessou, porque os contribuintes não vie-

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ram, dentro do praso concedido, aproveitar-se desse beneficio: por consequencia não é beneficio que se lhes tire, não é beneficio que se lhes faça cessar, é beneficio que já cessou pela lei; nem o Governo deixa de ter razão á vista disto, quando confia em que se hão de realisar essas receitas atrazadas, mas por motivo differente daquelle, porque esperava que se realisassem o anno passado; o anno passado esperava que se realisassem em virtude desses beneficios, este anno, porque a experiencia mostrou que estes beneficios não estimulam sufficientemente os devedores atrazados.

De mais a mais havia a incurialidade de serem mais sacrificados, de serem, para assim dizer, e realmente, mais contribuintes aquelles que eram promptos no pagamento dos impostos, do que aquelles que estavam á espera todos os annos de novos beneficios; porque em quanto aquelles que eram promptos no pagamento dos tributos, nas épocas marcadas pelas leis, pagaram integralmente, os outros que o não eram, em virtude destes beneficios vinham a pagar muito menos em proporção dos que se apressavam a pagar no tempo devido. Ha por consequencia mais esta razão para que esses beneficios cessassem; razão com que me honro de ter o anno passado combatido esta lei (e combati-a, porque vi logo, todos viam, e desgraçadamente os factos vieram provar os inconvenientes que ella tinha), que era de mais a mais um principio de grande desigualdade a respeito dos contribuintes uns para com os outros, porque pagando uns promptamente vinham a pagar muito mais que aquelles, que gosavam desse beneficio, que lhes era concedido na lei.

O nobre Deputado acha conveniente por esta occasião soltar estas frazes, que são muito faceis e muito commodas de proferir, e que fazem muito effeito dizendo-se para se ouvir e saber por toda a parte, o povo não póde pagar. Sr. Presidente, eu a este respeito já aqui disse alguma cousa, e posso dize-lo, porque, ainda que pequeno, contribuo tambem de alguma cousa que tenho para as despezas do Estado; não sou homem que vivo só do orçamento, e por consequencia, quando fallar a respeito de tributos, posso fallar sem ser suspeito. Mas não sendo esta a questão, não sendo esta a occasião para tractar desta questão, eu sinto que o nobre Deputado, sem pensar bem na conveniencia de todas as idéas, que apresentou, não visse, ao menos, que o Governo não merece todas as suas accusações do excesso com que exíge os impostos, quando entre as differentes auctorisações, que eu tive a honra de apresentar em propostas á Camara, se acha uma para elle poder reduzir os impostos. Pois o illustre Deputado, entre as auctorisações que o Ministro da Fazenda aqui apresentou, não acha uma para elle poder reduzir os impostos, principalmente aquelles que, pelo excesso com que se acham lançados, prejudicam consideravelmente o preço dos generos na mão do productor, e arruinam a agricultura?.. Isto, por ventura, justificará a accusação que o nobre Deputado dirigiu ao Governo, dizendo que elle o que queria era chegar até á cifra de todas as despezas, que aqui proximamente se votaram, exigindo tributos sem conta, pêso, nem medida, sendo aliás do pensamento do Governo a idéa de reduzir aquelles tributos, com a reducção dos quaes se póde beneficiar a agricultura?.. El a Camara sabe que os tributos a que eu estou alludindo, são esses excessivos tributos, que nas Sete Casas se pagam, e que fazem diminuir consideravelmente o preço dos generos na máo do productor sem dahi vir em uma grande parte beneficio ao Thesouro.

Sr. Presidente, deste modo é facil de sustentar o papel de Deputado da opposição. Eu, que o fui uns poucos de annos, tractava sempre de desempenhar o meu dever, combatendo unicamente as medidas que achava prejudiciaes, e approvando, não tendo duvida nenhuma de dar o meu voto, e ás vezes mesmo até de defender aquellas que, vindo do Governo, ou da maioria, eu entendia que estavam no caso de ser approvadas, porque faziam algum bem ao meu paiz. Mas o illustre Deputado já aqui disse umas poucas de vezes que faz opposição acintosa ao Governo, que não escolhe objecto, nem medida para fulminar o Governo sempre com toda a força do seu stigma, e da sua reprovação; parece-me que se seguisse o contrario, quando fizesse opposição ao Governo, havia de tirar mais resultado do que deste modo, quando declara guerra ao Governo effectivamente por meio de uma opposição acintosa, dizendo (como já lhe ouvi declarar aqui) sim, quando o Governo disser não, e dizendo não, quando o Governo disser sim.

«Não se quer opposição.» Pois este Governo já aqui deu alguma vez a entender que não queria opposição?!... Já alguma vez se mortificou com os illustres Deputados que lh'a fazem, pela extensão dos seus discursos, pelas douctrinas com que combatem o Governo, pelos argumentos de que se servem, pela extensão mesmo dos debates?!... Pois o paragrafo que hoje se votou, não é um argumento bastante proprio para convencer o nobre Deputado da sem razão com que tambem nesta parte accusa o Governo?!.., Um § unico de uma despeza extraordinaria levou quasi 4 dias a discutir, e entretanto é este Governo aquelle, que apresentando-se, ou querendo-se apresentar á frente da maioria, se diz, que não quer opposição!...

«Não dá contas.» Pois o nobre Deputado apresentando eu o relatorio do estado em que achei a administração da fazenda, queria que eu desse contas??... De que havia de dar contas, (O Sr. Cunha Souto Maior: — Não achou nada) se eu acabava de entrar no Ministerio?!... Sr. Presidente, ahi mesmo nesse relatorio eu mostrei quanto é a sinceridade da promessa que eu fiz: pelo que pertence ao tempo do meu exercicio, na occasião em que eu effectivamente, pela razão de meu cargo, entender que devo dar essas contas, quando se reunir o Parlamento outra vez, e essa é que é a época em que posso ser obrigado e chamado a dar contas, hei de cumprir essa obrigação, apresentando-me aqui com as contas de todo o meu exercicio, então sim; mas na occasião em que acabava de entrar no Ministerio é que havia de dar contas? E do tempo em que entrei no Ministerio não apresentei aos Srs. Deputados todos os dados, mappas e esclarecimentos, que eram necessarios para os Srs. Deputados, e o paiz inteiro, fazerem idéa do estado em que se achava a administração da fazenda?...

Por tanto, Sr. Presidente, na occasião em que eu apresentei o relatorio, não tinha obrigação de dar contas; na occasião em que eu apresentei o relatorio veio o que era necessario para o Parlamento poder conhecer o estado em que se achava a administração

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da fazenda publica, e é em virtude désse folheto que os Srs. Deputados se teem achado habilitados para argumentar nesta discussão.

Pelo que pertence ao tempo do meu exercicio, já disse, a occasião propria esta a chegar; quando o Parlamento novamente se convocar, hei de fazer toda a diligencia para não faltar á minha promessa.

Mas a circumstancia desse relatorio do visitador do districto apresentar uma somma de 4:000 contos, e pelos mappas publicados no Diario do Governo esta semana passada não apparecer senão 1:5001» Ora o nobre Deputado não metteu em conta, lendo esse relatorio do visitador, por exemplo, o que elle diz, que 438 contos de réis restantes terão sido remettidos para outras comarcas, nem fez menção de 1857 processos de quantias illiquidas, porque este mappa que aqui se nos apresenta, só faz menção das quantias liquidas, e entretanto é o mesmo visitador que, no relatorio com que o nobre Deputado argumentou, diz que 1857 processos são de quantias liquidas, porque nestes mappas não veem decerto nem podem vir quantias illiquidas.

Ora o que é certo, Sr. Presidente, é que mesmo pelo principio que o nobre Deputado estabeleceu, importando a receita do districto de Lisboa 1$500 e tantos contos, ainda quando não fosse mais a importancia de toda a receita no Reino, ha de muito aproximadamente chegar á cifra, que aqui se tem muitas vezes dicto que é, e que se tem dicto por pessoas muitissimo competentes, e sufficientemente habilitadas para poderem saber que somma é effectivamente a das receitas em atraso desde 1833, porque tem sido nada menos que empregados nas differentes repartições, e tem sido membros destes tribunaes, a quem por lei incumbe o conhecer da arrecadação dos dinheiros publicos. Por tanto o objecto da discussão é saber se ha de ou não eliminar-se uma verba de despeza; e quando eu esperava que o Governo devia ser muito apoiado por propor a eliminação desta verba, vejo que se combate o Governo, porque apresenta verbas de despezas, e que se combate tambem por propôr a eliminação de verbas de despeza. Não digo mais nada.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, não me occuparei dos objectos de que tractou o primeiro illustre Deputado que encetou esta discussão, nem tão pouco da prelecção que teve a bondade de nos dar um illustre Deputado, o qual á maneira do mestre Tolentino

Com a pitada entre os dedos E o Madureira na máo, Revelou altos segredos Do adverbio e conjuncção.

Eu vou tractar a questão por outro lado: aqui não ha que combater uma eliminação; a questão reduz-se a saber se é opportuno fazer desde já essa eliminação. Ora a illustre commissão entende dever eliminar esta verba, assim como a outra do paragrafo seguinte: mas pergunto, em que repousam estas duas eliminações?. Repousam (este é que é o ponto da discussão) sobre a fé de uma proposta apresentada á Camara pelo Sr. Ministro da Fazenda, que vem junta ao seu relatorio, a qual ainda senão sabe se será approvada por esta Camara, porque ainda nem veiu da commissão. É preciso notar-se Isto bem; a questão é de opportunidade. Eu reconheço que o Sr. Ministro da Fazenda por meio desta proposta, quer voltar ás theorias que já aqui se disse não tinham sido executadas; o Sr. Ministro, honra lhe seja feita nesta parte, quer que se execute a verdadeira theoria, de que as despezas de cada um dos annos sejam pagas pelas receitas respectivas a esse mesmo anno: foi isto o que S. Ex.ª deu a entender no seu relatorio, e é sobre este principio que fundou a sua proposta. Realmente é muito bom principio; pena é que senão tenha executado; mas isto não passa por ora de uma idéa do Sr. Ministro; existe uma proposta do Sr. Ministro neste sentido, que nem foi approvada pela Camara, nem ainda veiu da commissão. Mas pergunto agora, póde já fazer-se obra por esta proposta? Esta é que é a verdadeira questão. Póde desde já eliminar-se esta verba de despeza, cuja eliminação fazia tremer muitos desgraçados? É preciso observar que estas verbas de despeza são o pão de muitos infelizes, a quem se devem annos inteiros de seus vencimentos, e das suas pendões. Não me estendo sobre este ponto, porque não quero que me digam que eu faço sentimentalismo: mas podemos nós desde já eliminar esta verba, contando com uma proposta que ainda não veiu á Camara, e contando por consequencia com uma receita que ainda não creámos? Essa proposta parece que se funda n'um emprestimo; mas pergunto, esse emprestimo esta votado? Eu reconheço a verdade do principio que as despezas de um anno devem fazer-se com as receita deste anno; este principio é santo, é justo; mas ainda não esta sanccionado pela Camara Tracta-se de um emprestimo; porém este emprestimo esta votado?.... (O Sr. Ministro da Fazenda: — Pois as receitas atrazadas não estão votadas?) O Orador: — Estão votadas é verdade; mas nós não sabemos o que a Camara decidirá a respeito dellas; a Camara póde approvar a proposta do Sr. Ministro, mas tambem póde apresentar um outro alvitre, e dar um outro systema a estas receitas. E podemos nós já antecipar o que a Camara resolvêra a similhante respeito? Pois quantas vezes teem os Srs. Ministros vindo pedir receitas atrazadas para differentes objecto, e esta Camara lh'as tem concedido? Não póde isto acontecer outra vez? Pois nesta fluctuação contínua de Ministerios, não póde S. Ex.ª deixar de ser Ministro na occasião em que essa proposta venha á Camara? Não póde haver outro Ministro que tenha outro pensamento differente, e que peça estas receitas para outros objectos, e a Camara lh'as conceda? Pois havemos de ír eliminar uma verba pela fé de uma proposta, que ainda senão votou. Eu não sei o que a Camara fará; talvez approve a eliminação.....

Portanto a questão é de opportunidade: nem sei como a Camara possa ir eliminar uma verba de despeza, só porque existe uma proposta do Sr. Ministro, sobre a qual a Camara ainda não deu o seu parecer; isto é uma irregularidade; porque quando a Camara vota uma verba de despeza, deve já saber que é a receita que lhe corresponde, e quando elimina uma verba para a supprir por outra medida, esta medida deve estar já sanccionada pela Camara, e ser lei do paiz; e a medida que se substitue pela verba que se quer eliminar, ainda não esta sanccionada como lei.

Por consequencia esta eliminação é inopportuna; póde fazer-se, mas ha de ser quando essa proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro for approvada; n'uma palavra, quando tenhamos a certeza que eli-

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minando-se esta verba daqui, vai ser compensada n'outra parte. Abstenho-me de mandar para a Mesa uma proposta neste sentido, porque sei já o destino que ha de ter; entretanto faço estas observações, e a Camara as tomará na consideração que merecerem.

E esta a observação que tenho afazer; abstenho-me de mandar alguma proposta para a Mesa por que feitas estas considerações a Camara tomal-as-ha como entender. — Sei como ha de ser — entretanto quiz fazer sentir mais uma vez a irregularidade destas approvações repelidas sem que se attenda á opportunidade e generalidade mesmo dos trabalhos, porque é antecipadamente votar uma applicação sobre a incerteza da sancção de uma proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda, que, já disse, a Camara ainda não votou. E não se escandalise a Camara se quando pelo lado da opposição se falla em irregularidades, ou alguma outra cousa que não agrade; é preciso não ler tamanha susceptibilidade, Mo não são cousas que offendam as maiorias, e não direi sòmente como um illustre Deputado disse, que as opposições em outras Casas são mais violentas, direi mesmo que no nosso paiz peiores cousas se tem dito da maioria por parte de quem as não devia dizer. A opposição esta no seu direito de censurar a maioria; mas se a opposição tem esse direito, não o devem ter aquelles que sendo ministeriaes tem insultado a mesma maioria.

Não havendo ninguem mais inscripto julgou-se a materia discutida por 49 votos contra 6, e foi approvado o § 2.º por 48 votos contra 7.

Passou se ao § 3.º

Foi approva ia sem discussão por 47 votos contra 7.

Seguiu-se o § 4.º

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, direi pouco — nos paragrafos antecedentes havia uma irregularidade que notei, e vinha a ser a falla de opportunidade com que eram lançadas certas verbas por não se ter ainda approvado a proposta, donde se extrahiram essas eliminações; todavia a respeito dessas dava-se o verdadeiro systema por que eliminava-se o pagamento de despezas anteriores — despezas de 2 annos — para serem pagas pelas receitas desses mesmos annos; agora neste §4.º ocaso e mais grave, por que alem de se dar a mesma irregularidade de fazer-se uma eliminação sob a fé de uma proposta que ha de vir, parece-me que se faz essa eliminação para fazer uma antecipação — Elimina-se desta somma a quantia de 349 contos e tanto para ter pagamento nos annos seguintes — Póde ser que o Cabalístico em que isto se acha, a minha intelligencia não chegue a comprehendel-o bem; mas eu peço por tanto a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, ou a illustre commissão de Fazenda, tenham a bondade de explicar esta frase — para ter pagamento nos annos seguintes — parece-me que se colloca aqui uma antecipação, porque é o que dá a entender — os seguirdes annos — isto é tão vago que realmente não sei como havemos de estar a calcular no orçamento com as receitas dos annos posteriores: em quanto não fôr illustrado sobre o verdadeiro sentido destas palavras que na verdade são mui vagas, não poderei continuar a fazer as minhas observações — depois de ouvir as explicações do Sr. Ministro da Fazenda que já pediu a palavra sobre este objecto, pedirei de novo a palavra a V. Ex.ª para observar o que me parecer conveniente sobre esta mesma questão.

O Sr. Costa Lobo (Sôbre a ordem): — Sr. Presidente, pedi a palavra sobre a ordem porque tenho a fundamentar uma emenda a este paragrafo, e como para fundamentar esta emenda preciso entrar na materia, por isso V. Ex.ª e a Camara me permittirão que eu analysando o contheudo deste paragrafo, possa deprehender e concluir delle a necessidade dessa mesma emenda, que hei de mandar para a Mesa.

Sr. Presidente, S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda no seu relatorio e nas suas propostas a esta Camara apresentou para serem pagas as seguintes dividas (leu).

A illustre commissão de Fazenda eliminou umas, deixando outras; é certo que a justiça havia de preceder as suas decisões, mas tambem não é menos certo que podia enganar-se eliminando dividas, para que haveria talvez mais razão e mais justiça em satisfazer o seu pagamento, e que houvesse outras ás quaes assistisse menos justiça e menos razão. Não quero com isto dizer que houvesse no anímo de algum dos illustres membros da commissão de Fazenda a mais leve intenção de fallar a justiça; quero sómente provar em como algumas das eliminações propostas pela illustre commissão o foram com pouca justiça e sem fundamento, e talvez eu deva attribuir isto a esquecimento, ou a ma intelligencia que dê as palavras comprehendidas neste paragrafo, na persuasão de significarem uma cousa diversa do que pude perceber, como depois virei a reconhecei, quando esteja disso convencido, e por esta razão tento interpellar o Sr. Ministro da Fazenda,.bem como desejo ouvir a illustre commissão de Fazenda. Apresentou o Sr. Ministro da Fazenda para ser paga a verba de duzentos e quarenta contos e tanto, aos fornecedores do exercito na ultima guerra civil, e S. Ex.ª quando apresentou esta verba, foi para ser paga metade della, reservando o resto para os annos seguintes; — esta verba foi assim conservada pela illustre commissão de Fazenda. — O S». Ministro da Fazenda apresentando tambem a verba de 64 contos de réis para a companhia dos vinhos do Alto Douro, o fez para que esta verba fosse paga do mesmo modo, metade della neste anno, e o resto nos annos seguintes; esta verba foi pela illustre commissão de Fazenda eliminada (se é que foi) sem justiça, e sem fundamento, e talvez por que a illustre commissão não estivesse bem ao facto nem da origem nem da justiça, que assiste as seu pagamento.

Sr. Presidente, é costume nesta Casa os Deputados, que são ao mesmo tempo gerentes d'algum estabelecimento, querendo prevenir interpretações menos boas, querendo evitar preconceitos, asseguram, e proclamam que entram nas questões como Deputados, e não como gerentes desses estabelecimentos, porque quando entram nesta Casa, o gerente fica fóra della, e entra sómente o Deputado, pois aqui são unicamente Deputados da Nação (apoiados). Eu poderia dizer o mesmo; no entanto o estabelecimento, de que estou fallando, é de outra ordem; os seus interesses dizem respeito a universatilidade da sociedade portugueza, e por essa razão posso entrar nesta questão como Deputado, e como gerente. A companhia dos vinhos diz respeito a universatilidade dos cidadãos portuguezes, por isso que tractan-

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do aquelle estabelecimento da venda no estrangeiro de um genero, o principal da nossa agricultura, o resultado é que se os seus accionistas são felizes, não são elles os unicos felizes pelos interesses desse estabelecimento, porque não é só o interesse para aquella casa, o resultado pertence á nação; os socios daquella casa não teem direito a mais que um dividendo certo, e determinado, todo o excedente, todos os lucros são para a nação; este excedente e propriedade do paiz, é destinado ás estradas no têrmo da duração da lei; por essa razão digo, que nesta Casa póde entrar o Deputado, e o gerente pugnando pelos interesses daquelle estabelecimento. Porém, Sr. Presidente, esta verba acha-se eliminada, e era aquella que nunca deveria ser eliminada, por que a lei de 21 de abril de 1843, que rehabilitou a companhia dos vinhos do Alto Douro, e a dotou com 150 contos de réis, estatuiu que no caso da falta do pagamento total dessa dotação, a gerencia desse estabelecimento póde ir have-lo do thesoureiro da alfandega daquella cidade pelo producto dos rendimentos da mesma alfandega, independente da ordem do Governo, e obriga-lo, por elle, e seus fiadores, a preencher a somma total desse pagamento; se a companhia pois se aproveitasse da lei, que falsa posição para o Governo? Sendo as cousas assim, deveria, ou poderia a commissão eliminar similhante verba? Foi a Junta do Porto quem recebeu este dinheiro? Não, Sr. Presidente. Durante a guerra civil, como o Porto estivesse bloqueado, o vinho deixou de ser exportado, e como esse estabelecimento recebia o subsidio n'uma parte dos direitos desse vinho, deixou de receber os 64 contos de réis que lhe eram devidos, em consequencia de não haver produzido aquella alfandega os direitos que houvera de produzir, se não fosse a falta de exportação. Acabou a guerra, e a companhia não queria ir fazer a compra das 20 mil pipas, que costuma fazer em virtude daquella lei; mas as instancias do paiz, e do Governo, fizeram com que em julho de 1847, não obstante não estar satisfeito o pagamento do subsidio, que lhe era devido, fosse fazer essa compra; a direcção da companhia instou de continuo pelo pagamento deste deficit no subsidio de 46 a 47, e este anno, em razão de continuar por satisfazer esta obrigação do Governo, a companhia estava na resolução de não fazer esta compra das 20 mil pipas de vinho, sem ter o pagamento do referido subsidio por inteiro; recusou-se a ir faze-la, e outra vez ás instancias do Governo foi devido, que ella fosse fazer a referida compra. Tudo isto provarei eu com documentos; mas será talvez tempo perdido; por não ler eu bem comprehendido o que decidiu a illustre commissão de Fazenda, é que eu terei similhante duvida, que eu esteja em manifesto êrro; talvez esteja incluida no orçamento esta somma de outro modo, e então seria inutil gastar mais tempo á Camara. Por isso se fosse possivel, que o Sr. Ministro da Fazenda désse algumas explicações, pedir-lhe-ia que me desenganasse, que me tirasse dessa duvida, porque quando a illustre commissão de Fazenda diga, que não esta incluida em parte alguma do orçamento a verba, de que fiz menção, eu apresentando todos os documentos, e tudo o que julgar conveniente nos interesses da companhia, farei uma proposta para que a verba seja restabelecida, e que o Governo lhe mande pagar o que lhe é devido. Se é possivel o Sr. Ministro da Fazenda dar-me estes esclarecimentos; se quizer ter essa bondade, pararei aqui, e continuarei logo que S. Ex.ª tiver esclarecido o meu espirito a este respeito, se é licito dar-se qualquer explicação para elucidar um Deputado na sua argumentação.... (Pausa).

O Sr. Presidente: — Queira continuar na sua argumentação, porque não póde interromper-se a ordem estabelecida pelo regimento.

O Sr. Costa Lobo: — Então continuarei, e terei de entrar nesta questão com mais alguma extensão...

O Sr. Presidente: — Eu lembro ao Sr. Deputado, que pediu a palavra sobre a ordem, e que não tem direito de preferir aos outros Srs. Deputados, que se acham inscriptos.

O Sr. Costa Lobo: — Mas como é para fundamentar a minha proposta, estou no direito de continuar, e por isso vou entrar nesta questão...

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado não póde fundamentar a sua proposta, sem pedir a dispensa do regimento, e eu não lhe posso dar a palavra, por que o regimento o não permitte.

O Sr. Costa Lobo: — Então mando a proposta para a Mesa desacompanhada de fundamentos; mas parece-me que esta não é a practica, que eu tenho visto seguir.

O Sr. Presidente: — Digo ao Sr. Deputado, que quando tiver a palavra sobre a materia, então é que póde fundamentar a sua proposta. Sobre a ordem não a póde fundamentar, porque era ir preterir todos os Srs. Deputados que se acham inscriptos.

O Sr. Costa Lobo: — Então peço a V. Ex.ª, e á Camara, que se não julgue a materia discutida, em quanto me não chegar a palavra para podér sustentar os direitos, que assistem á companhia no objecto sujeito. E agora concluo mandando para Mesa a seguinte

Proposta. — § 4.º Diversas despezas

anteriores a julho de 1847.........558:293$722

Elimina-se, etc....................394:317$917

Ficando liquido.

Para pagamento das despezas, etc.... 120:529$980

»» precatorios, etc..____ 24:000$000

Saldo do subsidio á Companhia...... 64:445$825

Costa Lobo.

Foi admittida á discussão unanimemente, e considerada como emenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, tenho de me limitar unicamente ás explicações, que me pediram os illustres Deputados. Em quanto a esta despeza «nos annos seguintes «o Governo viu que haviam despezas que não se achavam auctorizadas no orçamento, mas que tinham um direito fundado a que o Governo não podia deixar de attender sem quebra de todos os principios de justiça; e então conciliando o dever, em virtude do qual o Governo não podia satisfazer a esta despeza, por isso que torno a dizer, ellas se não achavam auctorisadas no orçamento, com o dever de attender a todas as dividas, as quaes eram recommendadas por um direito sagrado, eliminou-as nos annos correntes dos cofres, sobre os quaes estavam pezando, e veio propor ás Cortes para que ellas votando, habilitassem o Governo com os meios para as satisfazer. Mas como a somma desta despeza toda era consideravel, para que se podesse admittir nas circumstancias em que se

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achava o Thesouro, o seram pagas n'um só anno; o Governo consultando todos os interesses da Fazenda, com os interesses destes a quem o Governo conhecia direito, entendeu que satisfazia a esta indicação, propondo que metade se satisfizesse neste anno, e a outra no anno seguinte; e por isso e que vem em geral esta expressão, sobre a qual o nobre Deputado que primeiramente fallou, dirigiu as suas perguntas: «no anno seguinte» e com relação a estes dois annos que acabo de fallar.

Pelo que pertence ás despezas do exercito de operações, nesta parte a illustre commissão de Fazenda conformou-se com a proposta do Governo para que esta somma toda que andava ainda por 241 contos de réis, na occasião em que eu entrei para o Ministerio, havendo-se pago, se me não engano já a esse tempo 95 contos de réis, a illustre commissão de Fazenda, digo, nesta parte conformou-se com o Governo, propondo que effectivamente metade desta despeza se pagasse como ella estava, isto e que se pagasse no anno que vem, metade, e a outra metade no anno seguinte. Mas pelo que pertence ás outras despezas igualmente não auctorisadas na lei do orçamento, mas que provinham tambem de um direito fundado, ao qual o Governo não podia deixar de attender, a commissão de Fazenda propoz que ellas se pagassem num espaço mais largo do que o que aqui vem, por exemplo, uns 100 e tantos contos de réis de differentes direitos, precatorios, por exemplo, restituições de depositos, sendo creio que esta somma de 104 contos de réis, em que se comprehendem as verbas do Deposito Publico de Lisboa, a respeito das quaes o Governo quando propoz á Camara o meio dellas serem satisfeitas, desejava que o seu pagamento fosse o mais prompto possivel, porque estas sommas provêm de uma obrigação do Governo, e de um direito sacratissimo que tem aquelles a quem este dinheiro pertence.

Ora dadas as explicações sobre esta especie de contradicção, que se acha nos dois paragrafos antecedentes que se votaram, vê o nobre Deputado que exigiu a explicação, que as outras verbas estavam auctorisadas na lei do orçamento, e esta não o estava, e por isso não era possivel paga-las, sem que primeiramente essa despeza fosse auctorisada, e é por isso que aqui vem proposta; e com quanto reconheça que se devem pagar as despezas de um anno, com as receitas do mesmo anno, comtudo eu pelas razões que expendi no meu relatorio, achei que por ora não era possivel rigorosamente levar a effeito esse principio de organisação, e não se póde levar a effeito rigorosamente, porque os receitas não entram nos cofres publicos com a regularidade devida, ainda que é de esperar que cheguemos ainda a uma época em que isso se verifique, quando haja um melhor meio de cobrança, e isto não se ganhará em quanto não se estabelecerem os prasos convenientes, dentro dos quaes os impostos se devem lançar e cobrar.

Pelo que pertence ás explicações que pediu o illustre Deputado, que fallou em segundo logar, sinto que este negocio se apresente de uma maneira, que não póde agradar ao nobre Deputado, e em que de certo modo estão compromettidas as palavras do Governo; e se acaso ellas não apparecem no parecer da commissão, é porque a illustre commissão reconheceu que não tinha os meios sufficientes para prestar em toda a extensão a sua annuncia á proposta que o Governo fez.

Sr. Presidente, no tempo em que o Governo se recompoz, havia pendente a questão da companhia, fazer ou deixar de fazer as compras em desempenho dos encargos, que a lei competente lhe impunha. Por parte dos agentes da companhia representaram-se as difficuldades que havia para fazer as compras, por terem sido levantados dos cofres competentes pela Junta do Porto uns 64 contos; esta falla dada, necessariamente vinha influir essencialmente para a companhia se julgar inhabilitada a satisfazer a esses encargos; é para haver a feira, os agentes exigiam do Governo que se lhes pagassem todos os 64 contos. O Governo respondeu que não estava auctorisado para fazer este pagamento, e que ainda que o estivesse, julgava que nas circumstancias em que o Thesouro se achava, não era possivel satisfazer a estes 64 contos de réis de uma vez, como a companhia desejava; e então o Governo o que podia fazer era prometter, que nas propostas que tinha de trazer ás Côrtes, havia de exigir que se votasse metade desta somma, para ter pagamento no anno de 1819 a 1850, e a outra seria paga no anno de 1850 a 1851, e nesta conformidade eu trazendo a proposta da despeza para o anno de 1849 a 1850, cumpri com a minha palavra, propondo que metade dos 64 contos se votasse no orçamento; e o nobre Deputado conheceu que na proposta de que eu faço menção, aí se acha a verba dos 32 contos para ser paga no anno economico á companhia; porém indo este negocio á commissão de Fazenda, e vendo a commissão qual era a somma dos encargos que o Governo apresentava como indispensaveis de attender, e considerando o apuro das circumstancias do Thesouro, entendeu que não era possivel consignar esta despeza, sem gravissimos inconvenientes, inconvenientes que não se poderiam vencer. Eu fiz quanto se póde presumir para se cumprir a minha promessa, mostrando que seria um grande inconveniente o não se cumprir a promessa que o Governo tinha feito; mas tal é o estado do Thesouro, que convenceu a commissão de que esta verba de 32 contos, não era possivel pagar-se toda no anno futuro; e viu mesmo que não era possivel mais do que propôr uma verba na importancia de 24 contos de réis, para attender a differentes encargos, que aqui se acham mencionados, e destes 24 contos é que depois se ha de vêr o que rateadamente póde pertencer á companhia por conta do pagamento desses 64 contos, e já se vê que não podem ser os 32 que o Governo propoz, ha de ser muito menos. Veremos para o anno se é possivel votar-se mais alguma cousa; mas este anno os recursos não davam para mais. Eis aqui tem o illustre Deputado o que lhe posso dizer para satisfazer ás suas perguntas, e mes me o que a companhia póde esperar do pagamento dos 64 contos; isto é, tem a receber uma prestação correspondente a esta somma, que tem de ser applicada para outros objectos, que são os pagamentos de precatorios, e restituições de depositos.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço licença ao Sr. Ministro da Fazenda para discordar de S. Ex.ª quanto á votação desta verba. No § 2.º foram eliminados 10:871$835 réis, e no § 3.º 79:172$200 réis para serem pagos pelo que produzir a arrecadação das receitas atrasadas. Não sei porque motivo não colhe a mesma razão para o § 4.º, e porque se estabelece uma excepção a respeito das verbas nelle consignadas... (O Sr. Ministro da Fazenda, — Já

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respondi.) O Orador: — Talvez respondesse, mas não me parece que haja muita razão, que votando a Camara que as duas verbas eliminadas nos 2. e 3.º, sejam pagas pelas receitas atrasadas, e isto por proposta do Sr. Ministro de accordo com a commissão, o mesmo Sr. Ministro e a mesma commissão venham propor que as verbas consignadas no § 4.º sejam pagas pelas receitas dos annos seguintes. Condemno de mais a mais a desigualdade; porque manda-se pagar metade da divida dos fornecedores do exercito de operações, em quanto que apenas se paga a quinta parte da divida de precatorios e restituições de depositos... Esta desigualdade é um escandalo. V. Ex.ª diz no seu relatorio (leu).

«Da natureza destas despezas e tambem a somma de outros encargos, de certo porém mais priviligiados, os quaes constam do mappa n.º 26, que importam em 101:607$640 réis, e que eu não posso recommendados mais do que chamando para elles toda a vossa attenção.»

Essa somma de 104:607$640 réis diz respeito nos depositos, que o Governo levantou com mão impia e profana.

Ora o fornecimento importava em 240 contos, S. Ex.ª propõe que se pague metade; e para os depositos, reputados pelo proprio Sr. Ministro mais priviligiados, vota-se, pouco mais ou menos, a quinta parte! Será isto justo?

Note a Camara o seguinte: estamos a discutir as propostas do Sr. Ministro da Fazenda, propostas que a Camara não tem presentes, que não estão impressas, que ninguem ainda viu, que ninguem sabe aonde estão, nem o que são. Isto é inaudito! Aonde estão essas propostas? Quem as viu?

A commissão de Fazenda, que provavelmente trabalha de accordo com o Ministerio, porque não quero suppor que esteja em desharmonia com o Governo; a commissão propõe (leu). O Ministerio aceita: V. Ex.ª diz no seu relatorio (leu). Quer dizer, que isto importa um voto de censura, e então a obrigação do Ministerio é apresentar um projecto de lei, não o apresenta; permitta-me V. Ex.ª que lhe lance estas contradicções em rosto.

Sr. Presidente, se a Camara entendeu nos 2.º e 3.º, que aquellas verbas deviam ser pagas com o que produzisse a arrecadação dos atrasos das respectivas receitas, não sei porque razão não hade applicar a mesma doutrina para este paragrafo!.. Desejava que V. Ex.ª me dissesse, já que a commissão de Fazenda não esta presente... (O Sr. Ministro da Fazenda — Estão occupados os seus membros). O Orador. — Se estão occupados, não os occupei eu, (riso) nem fui quem dei este objecto para a discussão. Queria que alguem me explicasse a rasão desta excepção, porque todas as excepções são odiosas.

Nos 2. e 3.º diz-se (leu). Porque razão não ha de acontecer o mesmo com o § 4.º? E no § 4.º, porque razão se propõe para pagamento de uma despeza metade dessa despeza, e para outra se propõe só a quinta parte? Será por ser mais sagrada e a mais privilegiada, que é prejudicada? Sujeito estas contradicções á Camara, e a Camara se quizer ser logica e consequente, ha de approvar a proposta que mando para a Mesa.

Proposta. — Proponho a eliminação da verba do § 4.º, para ser paga pelo que produzir a arrecadação dos atraso da respectiva receita — Cunha Sotto-Maior.

Consultada a Camara sobre se admitte á discussão esta proposta, verifica-se não haver votação.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, apenas terei de responder ás poucas observações do illustre Deputado, sobre a excepção que effectivamente apparece a respeito dos fornecedores do exercito de operações. É verdade que no relatorio, eu apresentei como uma das dividas mais sagradas a restituição dos depositos; mas pelo parecer da commissão se vê que houveram motivos fortes e attendiveis para se dar a preferencia a estes credores, e estas razões foram que era indispensavel satisfazer a homens, que confiaram nas promessas dos agentes do Governo, para fornecerem um exercito de operações, do qual dependeu a salvação publica, e o acabamento da guerra civil, as sommas que adiantaram uns, e outros os generos que puzeram á disposição das auctoridades, e dos generaes nos differentes pontos do Reino; e sinto ter de fazer um termo de comparação entre este objecto e aquelles, que não mereceram no parecer da commissão, que se acha em discussão, igual consideração, porque, se por ventura fossem despresadas essas considerações, que reclamavam uma certa preferencia a estes encargos, desgraçadamente, se passassemos por outras circumstancias similhantes, qual seria o individuo, que teria confiança nas promessas do Governo, e se promptificaria a dar-lhe o seu dinheiro, e os seus generos? E assim, quando seja necessario passarmos por outra lucta, oxalá que nunca a tenhamos, mas quando assim aconteça, isto habilita o Governo a apresentar-se á frente de qualquer operação indispensavel para não ter falta de meios, com que faça essa guerra. É exacto o que disse o illustre Deputado a respeito do que vem exarado no meu relatorio, a respeito das restituições dos depositos; mas com quanto eu esteja convencido da justiça sacratissima que assiste a estes credores, não pude comtudo deixar de convir, embora seja contradicção, como o illustre Deputado diz, com as reflexões que me fez a commissão de Fazenda, para dividir em prestações mais pequenas o pagamento destes depositos, que consignei no meu relatorio; e tanto eu como a illustre commissão fomos obrigados a isso pelo apuro das circumstancias do Thesouro. Se tivessemos meios para satisfazer a todos os nossos encargos, não havia esta desigualdade, haviamos attender a todos, conforme era obrigação do Governo, mas nesta collisão, demonstrada a impossibilidade de pagar a todos quantos temos obrigação, é preciso vêr quaes são aquelles a que se deve satisfazer primeiro; e as circumstancias publicas, as circumstancias do credito, e as circumstancias de uma grande necessidade que uma eventualidade póde trazer, são a justificação da excepção que a illustre commissão de Fazenda, e o Governo fez. Eu sinto dize-lo, mas as circumstancias são as que nos obrigam a isso. Em quanto á contradicção; eu já respondi a isso, no que tive de dizer ao illustre Deputado, que particularmente fallou a este respeito A obrigação do Governo é reconhecer o direito das dividas, e pedir que se votem os meios para as satisfazer; esta não estava reconhecida; mas por isso não se segue que não houvesse obrigação de a pagar; o Governo pede que se consigne no orçamento, por isso que lá não existia, e é deste modo que fica habilitado para a satisfazer.

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O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, pedi a palavra, de que vou usar, para sustentar a emenda, e sustento-a por entender que é fundada nos principios de rigorosa justiça. Esta divida não procede de emprestimos feitos ao Governo por meio de operações mixtas, em que entrasse uma grande porção de papeis de credito, depreciados pelo seu valor nominal, procede de um contracto oneroso e celebrado em virtude de uma lei, em que de uma e outra parte se estipularam obrigações, a cuja solução estão ligados grandes interesses. Reconhendo o Governo que a companhia satisfez aos encargos a que se sujeitou, nem se contesta que fizera nesse anno a compra das 20 mil pipas de 2.ª e 3.ª qualidade pelos preços marcados na lei de 21 de abril de 184-3, cuja compra foi de grande vantagem á lavoura, porque em attenção ao adiantamento da estação teria aquelle vinho de ficar nas adegas, exposto aos grandes e intensos calores do estio, e em grande risco de perder-se, principalmente aquelle que os proprietarios não podessem beneficiar

— não póde agora sem um manifesto abuso da força, negar-se-lhe o subsidio pertencente a esse anno.

Sr. Presidente, quando se votou a lei de 21 de abril de 1843, parece que já os Legisladores preveniam que se havia de recusar o pagamento deste subsidio, e por isso inseriram na lei algumas providencias pai a obstar a essa falta de solução; porém apezar de tudo sempre se vieram a verificar as apprehensões que as dictaram, e ainda se insiste em não se abonar uma verba para o pagamento dessa divida.

Este subsidio sae do imposto que o vinho do Douro de exportação e de consummo paga no Porto, e tendo o Governo recebido esse imposto não póde recusar-se a fazer essa restituição. Os direitos extraordinarios e excessivos que ainda pezam especialmente sobre o vinho do Douro, são contrarios a todos os principios de justiça e da sciencia; e só podem tolerar-se revertendo todo o seu producto em beneficio do mesmo genero, porém nem metade importa o subsidio e por isso não deve haver a menor difficuldade em se abonar.

O Governo tem declarado que deseja livrar o Douro do apuro em que se acha; mas é preciso, que o prove por factos, e deve principiar por cumprir um contracto, de cuja rescisão viriam grandes damnos áquelle paiz — porque os seus interesses dependem consideravelmente do credito da companhia — Todos sabem que as suas transacções não são feitas, na maxima parte, em dinheiro á vista, mas a prasos mais ou menos longos, e senão houver a certeza de que por nenhum pretexto ha de deixar de se abonar o subsidio, não podem deixar as suas Letras de soffrer um grande desconto no mercado, e vir dahi grave prejuiso aos lavradores que não podem esperar pelo dia dos vencimentos. É por este lado que considero a questão de maior importancia, porque senão tracta só dos interesses da companhia como uma casa commercial, mas indirectamente dos lavradores e negociantes, que com ella tem transacções.

Tambem chamo por esta occasião a attenção do Governo, para que promova as medidas convenientes a fim de remediar os males que soffre aquelle paiz, em outro tempo tão rico, e que hoje esta ameaçado de uma fome espantosa: e confio em que não deixará fechar a sessão, sem que faça com que sejam votadas — Já na sessão antecedente se apresentou o parecer da commissão especial, em que se concedem ao Governo auctorisações para celebrar um novo contracto, e daqui se vê a necessidade de se cumprir este fiel mente; porque não havendo confiança não se podem fazer contractos que dependem do credito, e o meio deste se adquirir e conservar e satisfazer ás obrigações contrahidas; não se conhece outro.

Sr. Presidente, a verba que o Governo propôz para a restituição dos Depositos, deve tambem ser approvada, e eu desejaria que se abonasse para pagamento dessa divida a quantia em que ella importasse, porque os depositos devem ser restabelecidos sem demora, são uma divida sagrada, assim a reconhece não só a nossa Legislação, mas a de todas as Nações, que não admittem aos depositarios subterfugios, nem tergiversações, e decretam a prisão contra todo aquelle que se recusa a entregar a cousa depositada — Em quanto a contractos o Governo deve sujeitar-se a cumprir religiosamente as obrigações que contrahira, que nisto vai o seu proprio interesse, para haver quem contracte com elle, e sem condições muito gravosas que compensem o risco — Os depositos devem ser satisfeitos, nem devem ser confundidos com as outras dividas, até pelas pessoas áquem dizem respeito, como são os orfãos e ausentes, cujos bens a Sociedade toma debaixo da sua protecção, e por isso não posso approvar a reducção que a commissão propõe — Tambem pelas razões que expuz, não posso conformar-me, com a suppressão da segunda verba proposta pelo Governo, e confio em que elle insistirá em que se abone, approvando a emenda que hei de mandar para a Mesa, para o caso de que a primeira não seja approvada, aliás dará motivo a acreditar-se que fôra feita sem animo de que fosse approvada, pois que, desde a sua apresentação até agora, não occorreram circumstancias que o fizessem mudar de opinião.... Mando pois a seguinte

proposta. — § 4.º — Para pagamento do subsidio á companhia da Agricultura dos vinhos do Alto-Douro, pelo que se lhe ficou a dever do subsidio do anno de 1846 — 1847 — 32:224$915. — Ferreira Pontes.

Foi admittida por 41 votos contra 9, e classificada d'emenda.

O Sr. Poças Falcão — Sr. Presidente, quando na commissão se tractou do pagamento desta verba, que vem incluida neste art. 4.º entendeu a commissão que não podia de maneira nenhuma satisfazer a proposta do Governo, e por isso entendeu que devia collocar esta divida de maneira tal, que se pagasse com preferencia aquellas que se suppunham ser tambem de direito sagrado, visto que não podiam satisfazer igualmente na mesma proporção a todas essas dividas, e deixou-se uma verba que é esta ultima, em que seria tambem compreendido o pagamento de parte da divida da companhia dos vinhos do Alto Douro. Depois de estar o parecer da commissão impresso, notando-se na commissão que não tinha apparecido este esclarecimento, viu-se que desta ultima verba podia ser destinada uma parte para o pagamento da parte da divida da referida companhia: mas devo declarar a V. Ex.ª com toda a franqueza que não tenho a certeza de qual foi a parte que se entendeu, que devia ser paga, e eu então por mim entendendo que esta foi a mente da commissão, mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — Da verba destinada ao pagamento de precatorios, e restituição de depositos, serão applicados 12:600$000 réis ao pagamento da divida á

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companhia dos vinhos do Alto Douro. — Foças Falcão.

(Continuando disse).

Declaro que não é por parte da commissão que mando esta proposta; dei as explicações por parte da commissão, mas esta proposta é só minha, visto que não tenho a certeza se foi esta a verba que se destinou, ou que se deveria destinar para este fim.

Foi admittida por 50 votos contra 1, e classificada de emenda.

Cunha Sotto-Maior; — (Sobre a ordem). Mando para a Mesa esta

Proposta. — Proponho que o § 4.º volte á commissão para ser reconsiderado. — Cunha Sotto-Maior.

Considerada como adiamento, foi apoiada, e entrou em discussão.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, a proposta que o illustre Deputado acaba demandar para a Mesa, te-la ia eu feito senão julgasse inutil já o fazer propostas. Sr. Presidente, eu tenho conhecido que o orçamento é um voto de confiança; as observações que lancei ha pouco na Camara, já quando se tractou do paragrafo anterior, tornam-se agora mais salientes neste paragrafo, porque é materia mais complicada; emendas sobre emendas tem chovido á Mesa; emendas que só teriam o seu cabimento quando se tractasse da proposta, que agora se fez; eis-aqui esta o inconveniente de irmos votar no orçamento despezas sem ter vindo a proposta convenientemente, eis-aqui esta o resultado de senão seguir a marcha parlamentar que se deve seguir; o proprio Sr. Ministro da Fazenda deu força a este argumento, porque declarou que isto não podia ser incluido em nenhum dos outros orçamentos; por consequencia são despezas extraordinarias que o Parlamento tem a votar; e será no orçamento o logar de se votarem sem ter vindo a proposta, e sem ter havido discussão sobre ella a fim de ser approvada! Sabemos nós por ventura se devemos approvar, ou rejeitar essa proposta, sem vêr a lei, e sem avaliar bem as razões que ha a respeito de outras dividas mais sagradas, sem calcularmos os onus que vamos lançar no anno seguinte? Como se póde fazer isto sem vêr esta lei? O illustre Deputado cuida que adianta, mas atraza; ou quando não atrase, faz uma irregularidade, e eu já declarei que não as sei votar assim; e por isso votada que seja a rejeição do adiamento, retiro-me, porque não sei sem estar presente a lei como se ha de votar. Sr. Presidente, isto não é negocio de compadres, que se diga «dá cá 70 contos; dá cá tu primeiro para mim, porque eu tenho mais direito!

Sr. Presidente, eu não entro nessa questão, as dividas todas são sagradas; mas essa preferencia que se allega a favor de uma, ou de outra, poderá agora avaliai-se sem termos presente a lei, sem estar presente a commissão de Fazenda para defender a questão, quando o illustre membro della disse que essa commissão entendia que não podia approvar a proposta do Governo, quando o mesmo illustre Deputado acaba de dizer que não tem a certeza do que lá se decidiu?

Sr. Presidente, este modo de discutir póde ser muito conveniente para certos fins; mas é muito irregular, permitta-me a maioria que lho diga, tenho direito de o dizer, porque se tracta de uma despeza extraordinaria que não estava nos orçamentos até aqui; o Sr. Ministro da Fazenda apresentou uma proposta junta ao orçamento, que foi á commissão, para se attender a essa divida, a commissão divergiu em alguns pontos, mas nós não sabemos isto: unicamente por uma verba que vem no orçamento, é que vemos esta despeza, mas não sabemos o que a commissão fez, porque não veio essa lei; levantou-se um illustre Deputado apenas, e deu uma informação a este respeito, e é deste modo que nós havemos de decidir questões tão graves!... Porque eu entendo que é muito grave a questão da companhia dos vinhos do Alto Douro, e dos depositos, é por isso que carece de uma discussão reflectida, com a lei á vista, e apresentando-se de outro lado as receitas tanto presentes como futuras, com que se possa contar para esse encargo. Sr. Presidente, faça a Camara o que quizer, mas esse adiamento é justissimo, porque as difficuldades são taes, que a Camara já com as emendas que estão sobre a Mesa, não ha de poder sair dellas, ou as ha de decidir sem saber o que decide; porque não é possivel, e não é possivel, porque não tem os esclarecimentos precisos para decidir tão grave questão; e eu já digo, se o adiamento fôr rejeitado, declaro que me retiro, porque não sei o que hei de votar.

O Sr. Costa Lobo: — Sr. Presidente, vou fallar contra o adiamento, porque um adiamento só tem logar quando as questões não são conhecidas; mas esta é conhecida de todos, e tanto é, que eu vejo que todos os illustres Deputados fallaram nella com bastante proficiencia; e a razão porque diversificam as emendas, é porque varios Srs. Deputados consideram a possibilidade do pagamento do lado da fazenda publica, isto é, que o Thesouro póde pagar maior ou menor quantia; mas não, porque á origem de cada uma das verbas a razão e a justiça lhe não assista, e não seja conhecida de todos os illustres Deputados que tem fallado, porque pela maneira porque se tem expressado, dão bem a conhecer que estudaram cada uma das verbas, e que reconhecem a sua justiça relativa; por conseguinte a unica razão que poderia haver para o adiamento, não existe; e por tanto voto contra o adiamento proposto pelo meu illustre amigo, e collega.

O Sr. Cunha Sotto-Maior; — Sr. Presidente, se alguma vez se apresentou um adiamento que devesse ser approvado, é incontestavelmente este. A commissão de Fazenda tem 9 membros, a commissão do Orçamento tem tambem 8 membros; de todos estes Senhores, creio que apenas 2 estão presentes; não apparece nem o relator, nem o presidente da commissão, e então é de absoluta necessidade, e a Camara não póde deixar de assim o reconhecer, que a commissão esteja presente para esclarecer o debate. (O Sr. Ministro da Fazenda: — Mas tem feito falta?) Mas se a commissão estivesse presente, approvaria ou rejeitaria o adiamento?... (O Sr. Ministro da Fazenda: — Não approvava). Então já V. Ex.ª o sabia? Mas vamos á questão. Eu entendia que os depositos deviam ser pagos integralmente, e o illustre Deputado, membro da commissão de Fazenda, vem propôr, que dos 24 contos destinados para o pagamento dos depositos, 12 sejam para pagar á companhia dos vinhos por conta do subsidio que se lhe deve. Eu não nego que á companhia do Douro assiste tambem um direito, mas do que estou intimamente convencido é de que esse direito é menos sagrado do que o dos depositos; porque á companhia

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do Douro foi tirada uma somma... foi-lhe tirada revolucionariamente.... (O Sr. Costa Lobo: — Não foi tal, foi o Governo que lhe não pagou). O Orador; — Então melhor; se o Governo a não pagou, devia vir uma verba no orçamento para esse fim, o Sr. Deputado devia pedir contas ao Governo, e a verba devia entrar na despeza ordinaria, e não na extraordinaria; mas pedir agora que dos 24 contos destinados para pagamento dos depositos se tirem 12 para o subsidio á companhia dos vinhos, não me parece exequivel; já e barbaro que o Governo fosse tirar as sommas que estavam nos depositos, faltando assim á fé publica; já é barbaro propôr só 24 contos, mas ainda é mais barbaro tirar desta pequena quantia 12. Sr. Presidente, ninguem póde contestar que a commissão de Fazenda, e a commissão do Orçamento deviam assistir a esta discussão, mas o que vemos nós? Os membros destas duas commissões não apparecem, a Camara esta deserta; tem-se apresentado a este paragrafo, não uma ou duas emendas; mas creio que algumas seis, e tenho reparado que esta verba das despezas extraordinarias não tem sido defendida pela commissão, além do Sr. Visconde de Castellões, porque os outros membros quasi que fogem da Sala para não tomarem parte na discussão. Ora depois do que se tem passado a respeito deste paragrafo, com a immensidade de propostas apresentadas, hade a Camara votal-o? Parece-me improprio; era mais coherente que o paragrafo fosse á commissão para ser reconsiderado, e disto não vem desaire algum para a Camara; entendo que o adiamento deve ser approvado, que deve ir á commissão o paragrafo para ella o reconsiderar, e dar um novo parecer para assim haver base para a discussão, porque do contrario não sei como se ha de discutir; o paragrafo já esta esmagado debaixo de tantas emendas, que não é possivel tel-as de cor para se poder votar com conhecimento da materia: voto pelo adiamento, e creio que a Camara não terá duvida em o approvar, para que depois da commissão dar o seu parecer e ser impresso, se discutir então com perfeito conhecimento de causa, porque não ha nada mais inconstitucional, e anti-parlamentar do que discutir uma cousa que não esta impressa.

O Sr. Poças Falcão: — Em primeiro logar tenho a declarar ao illustre Deputado e á Camara, que os membros da commissão do Orçamento, e os membros da commissão de Fazenda não estão presentes, e não tem tomado parte nesta discussão, porque se acham fóra da Camara em serviço; estão quasi todos na commissão Mixta. Em quanto a dizer-se que se esta a discutir uma proposta, que não esta impressa, parece-me que não tem razão o illustre Deputado porque esta impressa, e impresso o parecer da commissão sobre ella. Por consequencia já se vê que não é sem conhecimento de causa, que se esta a discutir a materia. Sr. Presidente, eu sou franco, e com essa franqueza que me é propria, é que disse á Camara que por parte da commissão devia explicar o que se passou. Eu que não estava certo na verba que se tinha entendido que devia destinar-se da que aqui vem no parecer da commissão, para o pagamento do subsidio atrasado á companhia dos Vinhos do Alto Douro, devia dizel-o para não illudir a Camara. Mas parece-me tão clara esta materia que não julgo necessario que vá á Commissão. Pois a Camara não sabe se quer deduzir 12 contos ou menos para este fim? Parece-me que a Camara comprehende bem isto, e que não é preciso um novo parecer da commissão. Em quanto a dizer-se que a commissão não tinha examinado bem esta verba para dar o seu parecer sobre ella, posso assegurar a V. Ex.ª e á Camara, que a commissão não se poupou a trabalho, para vêr a natureza desta divida, e consignar no orçamento da despeza extraordinaria a verba indispensavel para este fim, e como a sua natureza não é igual, umas se podem considerar mais sagradas do que outras, por isso a commissão entendeu que não podia deixar de redigir assim o parecer, para que o Governo as fosse satisfazendo como fosse mais justo e em proporção das forças do Thesouro. Por consequencia a commissão entendeu que desta verba se devia destinar uma somma para pagamento á companhia dos Vinhos do Douro, e a Camara agora só tem a decidir, se ha de ser de 12 contos, ou se ha de ser de menos. A vista disto julgo desnecessario o adiamento, porque a Camara póde votar sobre a minha proposta, sem serem precisos novos esclarecimentos; e por isso voto contra elle.

Não havendo quem mais pedisse a palavra julgou-se discutida a materia do adiamento por 51 votos contrai, e foi rejeitado o adiamento por 47 votos contra 7.

O Sr. Moraes Soares (Sôbre a ordem): — Peço a V. Ex.ª que consulte novamente a Camara, se concede que se imprima no Diario do Governo o projecto da commissão Especial de Vinhos, por que é na verdade uma materia tão importante, que me parece muito util que a nação a conheça, e por que não julgo que por uma pequena economia, se não dê conhecimento da gravidade deste negocio.

O Sr. Presidente: — Na sessão de ante-hontem o Sr. Moraes Soares, por parte da commissão Especial de Vinhos apresentou um projecto de lei, e pediu para que fosse publicado no Diario do Governo; não houve votação por falta de numero, e mandou-se só imprimir em separado; agora o Sr. Deputado renova o seu requerimento, e eu consulto a Camara sobre isso.

Approvou-se a impressão no Diario do Governo por 42 votos contra 11.

O Sr. Rebello da Silva (Sobre a ordem): — Sr. Presidente, é preciso insistir uma e muitas vezes em algumas cousas para que ellas se possam verificar; eu pedi a palavra para instar sobre um negocio que ha dias referi nesta Camara, e para sollicitar de V. Ex.ª e da Mesa o zêlo, que sempre costuma empregar a respeito de todos os objectos, que lhe estão submettidos; insto pois, Sr. Presidente, para que novamente se recommende ao Sr. Presidente do Conselho que o desejo interpellar sobre a questão dos vinhos do Douro. Esta interpellação é tanto mais necessaria, por que estando o negocio pendente por parte do Governo, já a commissão o trouxe á Camara. Eu desejo saber, se esse negocio foi trazido á Camara d'accordo com o Governo, por que tendo o Governo submettido este negocio á secção administrativa do Conselho d'Estado, vejo-o agora apresentado por uma commissão, e naturalmente foi por que a commissão entendeu que fazia melhor tomar a acção do Governo, e substitui-lo.

Em segundo logar eu não posso deixar de insistir, como já insistiu o Sr. Ministro da Fazenda, em que a questão das notas seja tractada com toda a brevi-

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dade (apoiados), esta questão e gravissima, e a demora d'ella esta fazendo um grande mal ao publico (apoiado), não demoremos por mais tempo a solução deste negocio, e por isso eu peço a V. Ex.ª que haja de o dar para ordem do dia para que quanto antes se discuta; e eu desde já declaro que hei de exigir a presença de todo o Ministerio responsavel naquelles bancos, porque este negocio e do Governo, e é do paiz (apoiados).

o Sr. Presidente: — Em quanto á interpellação devo dizer que hoje se officiou ao Sr. Presidente do Conselho sobre esse objecto; e foi só hoje o officio, por que na ultima sessão e que o Sr. Deputado a annunciou. Pelo que toca ao objecto que quer que seja dado para ordem do dia, devo notar ao Sr. Deputado que os seus desejos estão satisfeitos, por que o projecto das notas já ha dias que esta dado para ordem do dia, e ha de entrar em discussão brevemente (apoiados). Convido os nobres Deputados a que, quando quizerem fallar sobre estes e outros objectos identicos, o façam na hora propria (apoiados), pois que, de contrario, será estar a interromper as discussões (apoiados).

A interpellação terá logar logo que compareça o Sr. Ministro do Reino e Presidente do Conselho, e S. Ex.ª se declare habilitado para responder, mas ha de ter logar na hora propria, ou fóra d'ella se a Camara assim o resolver, e o objecto sobre notas esta dado para ordem do dia, e entrára convenientemente em discussão (apoiado).

Continua a discussão sobre o § 4.º

O Sr. Costa Lobo — Sr. Presidente, eu vou ainda fazer algumas reflexões a respeito do § 4.º, e da proposta que mandei para a Mesa. S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, teve a bondade de dar algumas explicações, explicações que me foram bastante gratas, pois que S. Ex.ª mesmo reconheceu a divida á companhia dos vinhos do Alto Douro, e o quanto essa divida era sagrada. S. Ex.ª confessou igualmente, que o Governo, a respeito della, não só estava empenhado, mas ate estava compromettido; porem causou-me bastante desgôsto a maneira, por que S. Ex.ª concluíu, pois que disse, que a companhia dos vinhos do Alto Douro não podia ser paga mais do que pela parte, que proporcionalmente lhe pertencer destes 24 contos de réis, destinada para a restituição de depositos, e precatorios, e isto proporcionalmente aos 64 contos de réis, que é a quanto monta a divida á companhia, de modo que a prestação não poderá ser mais do que de 6 contos de réis; ora esta conclusão e que me foi muito ingrata.

Sr. Presidente, e verdade que o Governo, reconhecendo a divida da companhia, apresentou a sua proposta para lhe ser paga a metade, isto é, 32 contos de réis pelas receitas do anno economico de 1849 a 1850, porem eu vejo, que das expressões que a commissão emprega, não se póde deduzir, que a companhia fosse considerada nesta verba que a commissão apresenta para satisfação de precatorios, e restituição de depositos. Vejo tambem que a commissão fez especial menção dos fornecedores do exercito, mas não a fez da companhia, pois eu mostrarei em seguida, que as razões que se dão para attender aos fornecedores do exercito, não são mais fortes do que as que se dão a favor da companhia dos vinhos do Alto Douro; a commissão fez especial menção deste, e daquelle credor, logo eu não posso deixar de concluir, que a commissão eliminou inteiramente a verba da companhia, e assim é certo, que eu não posso deixar de dizer, que houve grave injustiça pelo que diz respeito a companhia, pois que os seus direitos não são menos sagrados que os dos outros credores, que a commissão considera.

Ora havendo, como houve, grave injustiça, da parte da commissão, para com a companhia, que me resta 1... Appellar da commissão do Orçamento para a Camara, e eu espero que a Camara tomará em attenção, e appreciara os fundamentos que vou apresentar, e tenho fe que a Camara, depois de os ouvir, não deixará de fazer aquillo que peço para a companhia, isto é, que não deixará de approvar a proposta, que eu mandei para a Mesa.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda disse, que estes 64 contos de réis foram tirados pela Junta do Porto á companhia dos vinhos do Alto Douro; eu vou illustrar a Camara a este respeito. A Junta do Porto não tirou estes 64 contos de réis á companhia, a Junta do Porto respeitou sempre a companhia, só tres, ou quatro dias antes do dia em que acabou, e que levantou dos rendimentos da companhia uns 5 contos de réis, mas na parte que á companhia pertencia na alfandega, e até poucos dias antes de acabar, não tirou cousa alguma; esses 64 contos de réis que deixou a companhia de receber, não foi porque a Junta do Porto lançasse mão delles, e porque os vinhos não foram embarcados, por consequencia não foram despachados, e não o sendo, deixou a alfandega de receber os direitos de exportação, logo a companhia dos vinhos do Alto Douro deixou de receber a parte, que lhe tocava nesses direitos. Eu direi á Camara, que a companhia dos vinhos do Alto Douro, tem, a este respeito, direitos tão sagrados, que ella podia ír demandar directamente o thesoureiro da alfandega, e o thesoureiro por si, e seus fiadores tinham de pagar essa quantia; mas seria, sem duvída, um grande desgôsto para o Governo ver que um seu empregado gemia, e soffria, _ por isso mesmo que o Governo não lhe facultava os meio sufficientes para satisfazer áquillo a que a lei o obrigava. A responsabilidade ficava toda no thesoureiro da alfandega, sobre elle, e seus fiadores ella recairia inteiramente, e o Governo não devia querer, não podia querer, que sobre um empregado seu se realisasse a consequencia desta responsabilidade, e isto porque lhe não fornecia os meios de satisfazer; que vexame para o Governo! Que situação para o Governo, natural defensor da nação, e muito especial garante dos empregados, que cumprem as suas ordens; mas acima do Governo esta a lei, e esta diz (leu).

Por consequencia já vê a Camara que a companhia, ou a direcção da companhia muito regularmente tem andado em não querer promover esta execução da lei, poupando assim um grande desgosto ao Governo, qual era ver que um seu empregado gemia e soffria por uma execução, a respeito da qual elle não tinha culpa alguma, e porque deu cumprimento as ordens do Governo.

Mostrei que nem a Junta do Porto tirou estes 64 contos de réis, por que o motivo da companhia os não receber, provem de que os vinhos não foram despachados, e de cujos direitos havia de ser entregue uma parte á companhia; isto aconteceu, por que realmente o Porto achando-se bloqueado, os

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vinhos não puderam sair. Posteriormente fizeram se despachos, e a companhia algum tempo mesmo depois de restabelecido o Governo Legitimo não recebeu, a companhia tinha por isso muita razão e direito para proceder á execução, de que fallei, porem, a companhia não o quiz fazer, quiz poupar o Governo, e ha aqui nisto mais uma razão para a companhia dever ser attendida, pois que ella, por este motivo, deixou de receber talvez os 64 contos de réis.

Sr. Presidente, acabada que foi a guerra civil e tendo a companhia deixado de receber 64 contos, por consequencia tendo deixado de receber o seu subsidio integral de 150 contos de réis, a companhia, segundo os seus estatutos, não devia ír fazer a compra de vinhos no numero de 20 mil pipas era junho e julho de 1847, por isso que lhe faltava esta parte do subsidio de 150 tontos de réis. E certo que o Governo para evitar as funestas consequencias que resultariam, se acaso a companhia não fosse fazer aquella compra, instou para que afizesse, senão com a promessa expressa de fazer este pagamento de 64 contos de réis, ao menos com a promessa tacita; e a administração da companhia não obstante ser uma muito arriscada situação, e ficar debaixo d'uma grave responsabilidade, por isso que pelos seus estatutos, e convenção com os credores, a direcção é responsavel por si e -eus bens pela maneira que administrar; e nos estatutos foi determinado que logo que a companhia não recebesse o subsidio de 150 contos de réis por inteiro, ella não realisasse a compra. Não obstante tudo isto a companhia foi fazer a compra das 20 mil pipas de vinho, e o Governo estava por isso mesmo certamente compromettido a satisfazer-lhe o pagamento devido. A companhia o anno passado representou a esta Camara a respeito deste objecto, essa representação foi enviada d commissão de Fazenda, a commissão de Fazenda foi de parecer que a representação fosse remettida ao Governo para deferir ao pagamento, reconhecendo-lhe todo o fundamento; porém não se estipulou modo algum de pagamento o anno passado, e vejo que este anno vamos pelo mesmo caminho.

Sr. Presidente, a administração da companhia, pela sua representação de 6 de fevereiro, disse ao Governo que não procedia á compra, sem que se lhe pagasse este subsidio, por que assim o carecia, e assim o mandam os seus estatutos, e porque de mais a mais assim o exigia a commissão permanente de credores, que assiste e vigia aquella casa. E o Governo o que respondeu?... Respondeu mandando fazer a compra. Eu aqui tenho a resposta do Governo, o que elle determina, e o que diz a respeito do complemento do subsidio; eu a leio para conhecimento da Camara (leu).

Já se vê pois que o Governo mandou á companhia que fizesse a compra, e disse-lhe que a sua divida seria attendida no orçamento de 40 a 50; eis-aqui esta o compromisso do Governo, por consequencia accresceu a esta divida, e ao direito da companhia um quasi novo contracto, para que no anno economico de 49 a 50 esta divida fosse paga; e por tanto um compromisso, ao qual o Governo não póde faltar, ou não póde evadir-se, e muito bem apresentou o Sr. Ministro da Fazenda a confissão de que o Governo tem compromettimentos a este respeito. Eu tambem tenho compromettimentos sobre este objecto, por isso que, pelo menos, aconselhei aquella administração que fosse fazer a compra, e estou pois tambem fortemente compromettido. A administração da companhia hade responder para com os seus credores, porque foi fazer uma cousa que não devia fazer, segundo a determinação dos credores e segundo Os seus estatutos; e então parece-me que o Governo esta no rigoroso dever de empenhar-se para que o direito da companhia seja considerado. Eu estou certo que esta Camara não quererá collocar o Governo n'uma situação muitissimo desagradavel, e difficultosa, senão deferir á companhia á vista do compromisso que o Governo contraíu, e que é de todas as conveniencias ser respeitado pela Camara. Sr. Presidente, repito, tambem estou compromettido, e compromettido porque aconselhei aquella corporação, e aconselhei-a pelo bem do meu Paiz, pela tranquilidade publica, quando os magistrados daquellas localidades representavam ao Governo, que o socego poderia correr risco, se a companhia não fosse fazer a compra; fiz um serviço ao meu paiz e ao Governo, e infelizmente vejo-me n'uma posição a mais desagradavel, e para mostrar que me vejo nesta posição, aqui esta um officio da direcção, em que me diz (leu).

A Camara nada tem com as minhas cousas, é certo, mas quando eu fiz um serviço ao bem publico, um serviço á ordem do paiz, um serviço em cumprimento das recommendações do Governo, tenho direito de levantar a minha voz, e de a levantar com força, porque pelo menos quero defender-me, tenho direito a isso, e creio que direito muito sagrado

No caso sujeito poder-se-ha dizer — não é boa a gerencia — mas aqui não se tracta da gerencia; eu posso ser um máo gerente; quando disso fôr accusado, defender-me-hei, e creio que o hei de fazer sufficientemente; mas tracta-se de um contracto, o qual foi inteiramente desconhecido neste orçamento.

A companhia continuou fazendo a compra, e continuou, porque ainda depois disso houve uma outra portaria em que se lhe dizia, (leu)

Já disse, na exposição que fez o Sr. Ministro, foi-me inteiramente grato, mas ingrata foi a conclusão que d'aí tirou. A companhia principiou a receber o subsidio, quando a lei lh'o marcou, e deixou depois de o receber, quando a lei ordenava que o recebesse; não recorreu aos meios que a lei lhe facultava, porque isso seria uma cousa muito desagradavel ao Governo, mas representou a esta Camara, e esta sua representação foi enviada para o Governo: chegou outro anno, e ella disse ao Governo: — não faço a compra, porque os estatutos me prohibem faze-la, apenas deixe de receber o subsidio — e eu em attenção ao bem publico, e porque os primeiros magistrados daquellas localidades diziam que corria risco a ordem publica, se acaso a compra deixasse de se fazer, disse-lhe: — fazei a compra, e a direcção resolveu-se a isso. E hoje não devo magoar-me, e muito, de vêr que não vero incluida no orçamento a verba, que devia vir em cumprimento de um contracto?...

Sr. Presidente, perdôe-me V. Ex.ª e a Camara, se tômo mais algum calor; isto toca um pouco mesmo com a minha honra. Embora se não pagassem, consignasse-se no orçamento a verba dos 64 contos para este fim, porque deste modo o Governo cumpria da sua parte, o mais era effeito das desgraçadas circumstancias do Thesouro.

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Eu poderia ler aqui os estatutos daquelle estabelecimento, mas seria debalde cançar a Camara, porque já lhe expuz o que determinavam esses mesmos estatutos: saiba a Camara que aquelle estabelecimento é nacional; os seus interesses são da nação, os lucros são da nação, os accionistas não teem direito senão aos juros, e se o estabelecimento perder, a perda é da nação, e é de um genero principal da nossa agricultura, da agricultura do Douro, que faz uma boa parte da agricultura de vinhos do paiz.

Sr. Presidente, parece-me ter apresentado a questão debaixo de todas as faces, o ter defendido um direito, que senão póde questionar na minha humilde opinião.

Quem poderá negar a justiça á minha proposta? Ninguem de certo, porque se eu a considero tão justa, que o contrario seria manifesta injustiça, nenhum dos illustres Deputados é menos justo que eu, será ainda mais; e se acaso a minha justiça eu a tenho demonstrado clara, e evidentemente, como posso eu conceber que alguem m'a negará?

Portanto appellarei para o Ministerio, para a commissão de Fazenda, e para a Camara, e espero, firmado na justiça da minha proposta, ouvir uma sentença favoravel.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, depois do que já disse, tenho muito pouco a accrescentar.

Se acaso consultasse só o meu desejo e a minha vontade, ainda hoje estimaria que no orçamento estivessem os 32 contos para votar por elles; mas o Governo reunido com a illustre commissão de Fazenda não podia deixar de ponderar o apuro das circumstancias do Thesouro, e de fazer aquillo que só essas circumstancias comportavam, e era possivel, em conformidade dessas mesmas circumstancias. Ora pelo modo porque eu tenho ouvido tractar deste negocio, entendo que se confunde alguma cousa. Não se tracta de faltar ás obrigações que o Governo contraíu, que ao Governo foram impostas por essa lei de 1843, a respeito da companhia, porque a suspensão por qualquer dos motivos que fosse, dos 64 contos, não importa a suspensão do pagamento dos 150 contos, com os quaes a companhia se acha sempre e todos os dias habilitada para satisfazer aos encargos, que lhe resultam dessa mesma lei. O illustre Deputado, que com tanta habilidade, e com tanto zêlo advoga sempre, que se lhe offerece occasião para isso, os interesses da companhia, não póde achar um só facto em virtude do qual possa provar, que o Governo tenha pela sua parte empregado algum meio para que a companhia não receba integralmente a parte, que lhe pertence desses direitos consignados para o pagamento dos 150 contos. Por consequencia, Sr. Presidente, se a companhia esta recebendo desde que a guerra civil acabou, os 150 contos, sem a mais pequena quebra, sem a mais pequena falta, poder-se-ha attribuir ao Governo o soffrer a companhia alguma contrariedade nas suas operações, ou ella suspender as obrigações a que esta ligada em virtude dessa lei, porque não tem os meios de as satisfazer? Certamente não; porque de que se tracta. Sr. Presidente, é da falta apenas de 64 contos, que a companhia deixou de receber em virtude das circumstancias da guerra civil de 1846 para 1847.

Portanto se isto assim é, não se póde, torno a dizer, imputar ao Governo essa suspensão, de que o paiz do Douro estava ameaçado, da companhia não fazer a feira, ou não abrir a compra dos vinhos na época a que era obrigada pela lei, porque neste mesmo anno em que a companhia esteve a ameaçar o paiz do Douro com essa calamidade, recebia regularmente os 150 contos, que na minha opinião bem administrados como eu estou capacitado que o são pela companhia, porque acredito no zêlo, honra, e probidade de todos os membros que a compõem, a habilitam muito para satisfazer os encargos, que lhe impoz essa mesma lei.

Em quanto ao mais, as propostas aí estão; uma é do illustre Deputado para se restabelecer a verba dos 32 contos; outra é de outro illustre Deputado, que sendo membro da commissão do Orçamento, não a propoz em nome da commissão, nem a podia propôr, mas em seu proprio nome, como simples Deputado, para que dos 24 se tirem 12. A Camara faça o que entender; da minha parte tenho sido fiel ao meu dever, declarando aquillo que se passou na commissão, expondo quaes foram os motivos que a obrigaram, e ao Governo para a exarar neste parecer, do modo porque consta delle, muito differentemente do modo porque eu o havia feito propondo 32 contos, e realmente no Gabinete aonde ás vezes se veem perspectivas lisongeiras, quando se tracta de considerar negocios difficeis, como são em geral os de fazenda, póde considerar-se que é facil aquillo que depois de uma discussão madura, se vê que é impraticavel; e na verdade eu falto de practica, e de experiencia, não admira que considerasse muito possivel o pagarem-se este anno que vem, 32 contos, e depois em presença da experiencia, e dos conhecimentos que teem cada um dos illustres membros, que formam a commissão de Fazenda, me convencesse do êrro em que estava: o caso é que a todos nós, Sr. Presidente, veiu o conhecimento de que não era possivel satisfazer esses 32 contos, e o illustre Deputado ao menos deve fazer a justiça á boa fé, com que os membros da commissão adoptaram esta reducção, e á boa fé com que o Governo combinou com ella. Não tenho mais nada a dizer a este respeito, senão que como membro do Governo não posso deixar de votar em conformidade com o parecer da commissão de Fazenda, porque aliás era isso contrariar o meu proprio facto.

Se V. Ex.ª me dá licença, para não incommodar a V. Ex.ª e á Camara, pedindo logo a palavra para um requerimento, aproveitarei a occasião para fazer um pedido. Desejava que V. Ex.ª não obstante as declarações, que tem feito, se servisse dar para ordem do dia logo depois que o orçamento acabe, o projecto das notas, porque realmente a incerteza que ha neste negocio, esta fazendo males consideraveis, e neste negocio de credito a incerteza, e a demora augmenta-se de dia para dia, se é que não augmenta de hora para hora. Por consequencia eu peço a V. Ex.ª no interesse publico, que se sirva dar para ordem do dia, depois que se acabe a discussão do orçamento, a discussão do projecto de notas.

O Sr. Costa Lobo: — Sr. Presidente, tanto sim, mais que eu ninguem acredita na boa fé do Sr. Ministro; o Sr. Ministro da Fazenda para mim é um cavalheiro a quem tributei sempre, e tributo hoje muito respeito, e antes de ser Ministro, tanto como depois de o ser.

Mas, Sr. Presidente, a minha posição aqui, como

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já mostrei, é difficilima. Pois então diz-se que é sagrado, e justo este pagamento por todas as razões, e mostrou-se mesmo pela exposição do illustre Ministro, que nenhum outro havia mais sagrado, e apresentam-se no orçamento pagamentos para outros, e não se apresenta para a companhia! Eu não precisava mais do que apresentar, enumerar as razões de S. Ex.ª, para provar a justiça da minha pertenção; não precisava mais do que apresentar as razões que o Sr. Ministro expoz; a justiça e tal que nem a boa fé de S. Ex.ª lhe permittia esqueceria, e tão palpavel, e tão saliente que qualquer illustre Deputado que entre na questão, não póde fechar os olhos á evidencia da justiça, que neste caso assiste á companhia; não póde ainda que queira fechar os olhos a essa justiça.

Perdôe-me o illustre Ministro, mas parece-me que esta verba de 24 contos de réis é sómente destinada ao pagamento de precatorios, e restituição de depositos: e não só por esta razão, mas porque entendi que esta verba não era sufficiente para abranger a companhia, é que eu mandei para a Mesa um additamento para que a verba fosse consignada de maneira que podesse comprehender a parte da companhia. Mas diz o Sr. Ministro, a companhia não esta recebendo 150 contos de réis, e não fazem parte destes os 64 contos de réis? Não, Senhor; são estes mesmos 150 contos de réis, os quaes se pagam agora, mas deixaram de ser pagos estes 64 contos de réis. Se o illustre Ministro reconhece a justiça do meu additamento, S. Ex.ª não póde, porque é essencialmente justo, votar contra elle. Pois se effectivamente da parte da commissão houve um êrro por não consignar esta verba, deve insistir-se neste êrro, depois delle reconhecido? Não é de crer que os illustres Deputados insistam n'um êrro, logo que appareça a simples intuição de que é um êrro. Se se argumenta que em quanto durou a guerra civil as auctoridades de facto foram buscar estas sommas á companhia, digo que não é verdade, porque estas auctoridades respeitaram os direitos da companhia, por isso que era um estabelecimento nacional: o que aconteceu, foi que deixou o vinho de se exportar, porque o Porto estava bloqueado; do que resultou entre muitos prejuizos para a companhia o de não receber o seu subsidio. Portanto tendo a companhia deixado de cumprir preceitos marcados nos seus estatutos, com o fim unicamente de auxiliar o Douro, e o Governo, e não hostili-sal-o, seria injusto que ella não fosse attendida; e estou certo que ninguem, ainda que o queira, poderá recusar-lhe justiça, e esta sómente póde ficar satisfeita, ordenando o pagamento por inteiro á companhia.

O Sr. Visconde de Castellões: — Sr. Presidente, direi algumas palavras para explicar os motivos, que a commissão de Fazenda teve para apresentar o seu parecer neste sentido, e que o nobre Deputado que me precedeu, julgou ter sido êrro da commissão o não mencionar aqui a verba dos 64 contos de réis, que a companhia reclama para prehencher a dotação dos 150 contos de réis, que se venceu em julho de 1847.

A commissão viu a proposta do Governo, e não podendo desconhecer que esta divida que a companhia reclama, era anterior a julho de 1847, que era divida do tempo em que a Junta abandonou a cidade do Porto, que era devida assim como muitas outras dessa época, a respeito das quaes o Governo ainda se não tem pronunciado, por isso que as não tem pago, a commissão não podia com um rasgo de pena dizer, — paga-se esta divida á companhia com exclusão de todos os mais credores que teem igual direito» (apoiados.) Mas diz o nobre Deputado. — Isto faz um prejuizo muito grande á companhia — reconheço — isto; mas a companhia tem direito de reclamar do Governo este pagamento; porém ha de ser feito quando puder ser, e quando se tomarem em consideração as outras dividas da mesma natureza. Entretanto estou persuadido de que isto não prejudica os actos da companhia para satisfazer á compra dos vinhos. Eu estava no Porto na occasião das compras, e observei que se pagaram com estas compras, não foi por causa dos 64 contos de réis, mas sim por falta da entrega dos 150 contos de réis, como dotação á companhia. Quando cheguei ao Porto não se fazia esta entrega; e este dinheiro era applicado para pagamento das despezas, que o Governo alli estava fazendo com o exercito: o que a companhia reclamava nessa occasião era que lhe fosse permittido o receber este dinheiro; e o Governo sobre informação minha mandou ordem para que a entrega continuasse á companhia, e esta até por um empregado seu a recebia pela alfandega: e desde essa época todas as obrigações da companhia ficavam subordinadas á estes 150 contos de réis. Mas agora dizer ao Governo — Pagai cá toda ou metade desta divida — isto era um descredito para a companhia: eu não digo que se lhe não dêem estes 64 contos de réis; mas o Governo tomando conhecimento deste negocio, veja o que póde fazer a este respeito, e proponha as medidas convenientes para se discutirem na sessão seguinte. Eu estou persuadido de que a Companhia não perde com isto; e até me parece que posso affiançar á Camara que continuando a dotação dos 150 Contos de réis, não é possivel que a Companhia não esteja habilitada, apezar do desembolso dos 64 contos de réis, para satisfazer a todas as condições da lei; e invoco mesmo o testemunho do illustre Deputado; não temo que a

— companhia deixe de fazer as compras só porque se lhe não paguem já os 60 contos de réis; estou certo que a companhia hade continuar a fazer as compras dos vinhos uma vez que se não Suspenda o subsidio dos 150 contos de réis (apoiados.) Portanto julgo ter respondido sufficientemente ás partes do discurso do nobre Deputado; e se for necessaria mais alguma explicação por parte da commissão eu a darei.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram 5 horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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