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N.º 22 Sessão em 29 de Maio 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral

Chamada — Presentes 54 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada unanimemente.

CORRESPONDENCIA.

Officios. — 1.º Do Sr. Caldeira Pinto de Albuquerque, participando que motivos fortes o obrigam a sair da capital, e por isso não póde assistir ás sessões da Camara. — Inteirada.

2.º Do Ministerio da Fazenda, dando os esclarecimentos pedidos pela Camara, sob requerimento do Sr. Assis de Carvalho, ácerca do emprestimo de 400 e tantos contos de réis, que ao Governo fez a Sociedade Folgosa, Junqueira, Santos e Comp.ª — Para a secretaria.

3.º Do Ministerio do Reino, participando que S. Magestade a Rainha tem resolvido assistir ao Te Deum, que no dia 31 do corrente mez, pelas 4 horas da tarde, se ha de cantar na Santa Sé Patriarchal, em acção de graças pelo restabelecimento da importantissima saude da Mesma Augusta Senhora. — Inteirada.

O Sr. Presidente — Chamo a attenção da Camara sobre o officio do Ministerio do Reino, de que se acaba de dar conta, no qual se communica, que no dia 31 do corrente hade haver na Sé um Te Deum, em acção de graças pelo restabelecimento da importantissima saude de S. Magestade a Rainha.

Por tanto decidirá a Camara, se se deve nomear uma Deputação, e de quantos membros se deve compôr, para assistir ao Te Deum.

Venceu-se: 1.º que se nomeasse a Deputação: 2.º que fosse composta de 12 membros e em ambos os casos por unanimidade.

(Continuando) Ainda resta propôr outro quesito á Camara; se se deve considerar o dia de quinta feira de grande gala!

Venceu-se tambem por unanimidade no sentido affirmativo.

E continuando o expediente mencionou-se na Mesa o seguinte

Representações. — 1.ª De 45 proprietarios, lavradores, e mechanicos do concelho de Villa Viçosa, apresentada pelo J. J. do Amaral, em que reclamam contra qualquer alteração que se pretenda fazer nas Pautas, relativamente aos direitos protectores da industria nacional. — Ás commissões de Commercio e Artes, e de Fazenda.

2.ª De 26 cidadãos do mesmo concelho de Villa Viçosa, tambem apresentada pelo Sr. J. J. do Amaral, em que reclamam contra o projecto da reforma administrativa, proposto pelo Ministerio na actual sessão legislativa. — Á commissão de administração Publica.

Ordem do dia.

Continua a discussão do projecto n.º 42 — Despeza extraordinaria § 4.º (V. sessão de hontem). O Sr. Costa Lobo — Sr. Presidente, eu tinha levado até á evidencia a justiça da minha proposta, linha provado a origem da divida da companhia, que é, permitta-se-me assim dizer, sagrada; tinha provado que ao seu pagamento estava compromettido o Governo; porque tinha levado a administração daquella casa a fazer uma operação importante, que foi a compra de 20 mil pipas de vinho, sendo uma condição especial para a indicada compra o pagamento que o Governo tinha promettido de 64 contos; por tanto ou a illustre commissão de Fazenda não havia de adoptar nenhuma das verbas propostas pelo Governo, ou adoptando alguma verba, esta devia ser a todas preferida. Para esta despeza extraordinaria o Sr. Ministro da Fazenda tinha proposto o seu pagamento no anno economico corrente; em nenhuma outra se davam tantas razões de justiça, como nesta; e por conseguinte eu não posso julgar, senão esquecimento o não ter sido adoptada pela illustre commissão de Fazenda no seu parecer das despezas extraordinarias; tenho provado isto extensamente: eu não quero cançar a Camara continuando por diversas palavras a repetir o mesmo, que hontem apresentei, e sómente como explicação direi, em resposta, alguma cousa ácerca do que apresentou o illustre relator da commissão de Fazenda.

Disse S. Ex.ª, que muitas dividas antigas estão por satisfazer; mas perguntarei eu a S. Ex.ª, serão essas dividas tão sagradas, como esta? Não de certo: esta divida antiga que era, constituiu-se em divida nova. Disse-se, que a administração daquella casa tinha ido fazer essa operação, não confiada no pagamento desses 64 contos, mas em virtude das suas obrigações, e do subsidio, que recebia annualmente.

Sr. Presidente, esses 64 contos são parte desse subsidio, que competia á mesma companhia no anno economico de 1846 a 1847; e por conseguinte todas as razões, que S. Ex.ª deu, essas mesmas razões vem a meu favor, por isso mesmo que os 64 contos fazem parte desse subsidio. Agora o que se devia suppôr, que ella faria, isso não sei eu; mas o que devia fazer, era o seu dever, aquillo que a lei manda; o que a commissão devia fazer, era aquillo que a lei lhe ordena: a lei ordena o seguinte (leu).

Convenção da companhia com os seus credores.

Se por qualquer modo, motivo ou acaso deixar de realisar-se o recebimento dos direitos.... suspenderá desde logo a companhia o cumprimento dos encargos a que pela mesma lei é obrigada, até que se restabeleça a cobrança regular.

Estatutos da companhia.

Os directores são pessoal e solidariamente responsaveis.... são motivos justos para a companhia se desligar.... se o Governo por qualquer caso extraordinario.... deixar de prestar o subsidio. _ É isto o que a companhia devia fazer, e não o que disse o illustre relator da commissão da Fazenda. Sr. Presidente, não se póde presumir o contrario. Pois

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havia a companhia encarregar-se do onus mais pesado que lhe impõe a lei da sua rehabilitação, senão se persuadira que o Governo havia de satisfazer as suas obrigações, e mais ainda as suas promessas explicitas? Por conseguinte não é argumento esta presumpção que S. Ex.ª apresentou. Diz, é necessario que antes do pagamento o Governo tome conhecimento desta divida; não esta ella mais que conhecida? O subsidio á companhia é liquidado mensalmente, esse conhecimento em qualquer dia o Governo o tem, e sabe; e tanto o sabia que apresentou a proposta para o pagamento, descendo até á quantia de réis; tão certo estava o Governo da exactidão, mesmo mathematicamente a respeito daquella divida. Não digo mais nada, porque me parece que hontem levei a questão á maior evidencia, e seria inutil tornar a reproduzir agora argumentos que serão inuteis á Camara, estando como presumo inteiramente ao facto da questão.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, nenhuma das emendas tem sido contestada por parte do Governo ou da commissão, antes se tem contestado e reconhecido a justiça em que se fundam, produzindo-se unicamente o argumento, para não ser approvada, de falta de meios. Porem, se se attendesse a esta razão, muitas outras verbas se não deviam ter proposto e abonado, porque ninguem ignora que não ha meios com que se satisfaçam as despezas do orçamento do anno corrente; aprova ahi esta no grande atraso em que se acham os pagamentos dos ordenados aos empregados publicos, e dos outros encargos; e a cifra do que se esta discutindo importa em maior quantia; não podendo haver esperanças de augmentarem os meios. Esta consideração devia mover o Governo a ser mais economico, e a irão propor despezas de luxo, deixando por satisfazer dividas de justiça. Mas a mesma razão proceda para a verba dos 120 contos abonados neste mesmo paragrafo, e para a que provem dos fornecimentos «o exercito de operações. Não posso deixar de notar que vendo esta verba incluida na mesma proposta do Governo, fosse pela commissão adoptada por inteiro, isto é metade da importancia de toda a divida, em quanto reduziu a dos depositos e precatorios, e supprimiu a que dizia respeito á companhia; pois ainda que entendo que essa divida tambem se deve pagar, não a considero em circumstancias de dever preferir a estas; e uma tal preferencia indica que esses titulos já não estão em podér dos originarios credores; segundo consta a maior parte estão já negociados, e em poder dos agiotas da capital, que são os que tem toda a influencia nos negocios financeiros, e talvez tambem nos politicos do nosso paiz.

Sr. Presidente, esta divida é uma restituição, que não admitte pretextos para deixar de se satisfazer, assim a considera o artigo 12.º da lei de 21 de abril de 1843, quando decretou, que os 150 contos do subsidio serão deduzidos dos direitos de consumo, e de exportação que o vinho do Douro paga no Porto; auctorisando a companhia para ter um empregado seu para o receber no acto do pagamento, e impondo responsabilidade ao thesoureiro da alfandega sobre os seus bens, e fianças, se deixar de o satisfazer, de sorte que não se ha de mostrai, que para a satisfação de qualquer outro encargo, se decretassem medidas similhantes. E quer saber a Camara porque os legisladores assim procederam? Foi porque consideraram o subsidio como uma indemnisação do imposto extraordinario que o vinho paga. Desta, e de outras disposições tambem se vê claramente, que os legisladores não consideraram o subsidio como um beneficio concedido ao Douro; é êrro em que estão alguns, que assim o consideram. Se o mesmo favor quizerem para o vinho de outros sitios, e para quaesquer generos de producção agricola, facil é o conceder-se-lhe, porque o Estado lucrava mais de outro tanto do que dava, pois já se disse, e ninguem contesta, que este imposto especial importa em mais do duplo do subsidio.

Sr. Presidente, disse-se que a companhia não deixava de fazer as suas operações commerciaes, uma vez que se lhe continue a pagar o subsidio: eu já ponderei hontem o quanto esta falta de pagamento podia affectar o credito desta casa, e os damnos que daí viriam á lavoura, e ao commercio, com quem tem relações: e não esperava que um tal argumento se produzisse para sustentar o parecer, pois é o mesmo com que se póde responder a outros muitos credores, que sendo abastados, pedem, se lhes paguem as suas dividas; e a elle proceder não se deve só attender a qualidade dos titulos de divida, mas será preciso examinar o estado do credor, e se fôr homem rico poderá dizer-se-lhe, que ha outros em peiores circumstancias a que se deve attender com preferencia. Quanto mais que sem eu saber qual é o estado financeiro da companhia, parece-me que a falta de pagamento de uma quantia tão avultada, não poderá deixar de lhe fazer graves embaraços nas suas transacções, e no cumprimento das obrigações que tem contraído.

Tambem se disse, que no paragrafo ainda se attende a esta divida; mas permitta-me o sr. Ministro da Fazenda lhe observe, que passando a verba como se acha, não poderá mandar entregar á companhia um só real: as verbas da sua proposta eram ires, e mui diversas; na primeira para pagamento do fornecimento do exercito, não fez a illustre commissão alteração alguma; a segunda, que era relativa á divida da companhia, supprimiu-a, e não se faz della menção no projecto; e a terceira, que era destinada ao pagamento de precatorios, e depositos, foi reduzida a 24 tontos de réis.

Ainda que se adoptou na conffecção do orçamento um laconismo, que o tornou obscuro, e segundo entendo devia ser elaborado com mais clareza, e a prova esta no assumpto que nos occupa, em que não vindo estas verbas no orçamento, não se faz referencia á proposta do Governo, comtudo ninguem póde asseverar, que daquella verba se possa deduzir quantia alguma para esta divida, é preciso, é indispensavel que vá expressamente designada, aliás deve ter-se como supprimida esta verba da proposta.

Quanto aos depositos, de novo peço ao Governo, e a Camara, que abonem toda a quantia em que importar esta divida sacratissima por todos os titulos, e que não deve misturar-se com nenhuma outra, pois que foram dinheiros que a auctoridade publica tomou debaixo da sua guarda, e que pertencem a pessoas, que não podiam arrecada-los, e não deve, quando se habilitam para os receber, dizer-se-lhes — esperai até que se paguem outras dividas, ou que as circumstancias do Thesouro melhorem. — Por estas razões não posso approvar esta parte do capitulo, e hei de votar pelas emendas.

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O Sr. Visconde de Castellões — Sr. Presidente, eu já hontem tive occasião de explicar á Camara os motivos, que levaram a commissão a tomar a decisão, que tomou, de não contemplar a divida extraordinaria, de que é credora a companhia; e parece-me, que é justificado o procedimento da commissão. Entretanto depois que este parecer foi publico, o illustre Deputado pelo Douro recorreu á commissão, e teve occasião de propôr de novo este negocio; e a commissão considerando as razões allegadas pelo Sr. Deputado, -conveiu, não em que se augmentasse a cifra, que propôz neste paragrafo, mas dar uma nova redacção a esta parte do parecer, por ella apresentado, para que fique assim (leu). Parece-me que desta maneira ficam attendidos todos os interesses; e para o anno, se os recursos forem maiores, augmentar-se-ha a verba. Por conseguinte mando para a Mesa a seguinte

Emenda. — «Para pagamento de precatorios, restituição de depositos, sendo 12 contos de réis por conta do saldo em divida á companhia de agricultura das vinhas do Alto Douro — 24 contos de réis.» — Visconde de Castellões.

Foi admittida por 57 votos contra 10.

E julgando-se logo a materia discutida, pôz-se á votação o seguinte (vid. sessão de hontem).

Emenda do Sr. Costa Lobo — foi rejeitada por 49 votos contra 13.

Emenda do Sr. Ferreira Pontes — rejeitada por 47 votos contra 18.

Emenda do Sr. Poças falcão — rejeitada por 47 votos contra 19.

Emenda do Sr. Visconde de Castellões — approvada por 50 votos contra 14.

§ 4.º, no que não esta votado por esta emenda — approvado por 57 votos contra 7.

O Sr. Presidente: — E agora occasião de se tractar de uma proposta, que em uma das sessões anteriores foi mandada para a Meza pelo Sr. Assis de Carvalho, para que senão expeça para a Camara dos Dignos Pares o orçamento do Ministerio da Justiça, sem se resolver primeiramente a sua proposta, para se votarem 14 contos de réis para se subsidiarem os conventos das religiosas do Reino (leu-se, e veja-se a sessão de 26 de maio).

Foi admittida por 40 votos contra 26, e ficou em discussão.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, a proposta sobre que principia a discussão é semelhante á. outra que eu fiz, e que já mereceu a approvação da Camara, para que no orçamento dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça se abonasse uma verba para os conventos das religiosas necessitadas do Reino, e a illustre commissão do Orçamento foi encarregada de apresentar essa verba ha muito tempo, mas até agora ainda a não apresentou; segundo ella diz, por falta dos precisos esclarecimentos; a Camara quando se votou o orçamento dos Negocios Ecclesiasticos estava inclinada a votar uma verba determinada para essa despeza, tanto assim, que uma proposta foi apresentada neste sentido assignada por trinta e cinco Srs. Deputados, mas a instancias do illustre Deputado o Sr. Xavier da Silva approvou o adiamento, debaixo da promessa que em poucos dias a commissão havia de apresentar o seu parecer para ser discutido antes de se expedir o orçamento: são passados muitos dias, porque esta discussão tem-se demorado mais do que era de esperar, e esse parecer ainda não apresentou — O motivo em que se pretexta esta demora, parece-me inattendivel, porque á illustre commissão foram com a minha proposta remmettidos dous mappas demonstrativos, que se pediram ao Governo em virtude de uns meus requerimentos, por onde constam os conventos das religiosas, o numero que cada um tem, e os seus rendimentos proprios; as quantias que se acham designadas para elles; e de nenhuns outros esclarecimentos, a meu ver, se precisam.

Sr. Presidente, para mostrar a necessidade de se adoptar esta medida aqui tenho esses mappas: delles consta que aqui na capital, em Braga — Vianna — Guimarães, — Bragança — Viseu — Coimbra — Perto e em outras muitas cidades e villas do Reino ha conventos, que não tem com que reparem os edificios, e não se lhes tem dado um só real, desde que foram privados das suas rendas; se continuar o mesmo abandono, aquellas casas em pouco tempo ficarão reduzidas a ruinas, porque não tem meios nem para cobrirem os telhados, e muito menos para as outras despezas necesssarias para a sua conservação.

Sr. Presidente, eu desejo que a Camara se convença bem da necessidade desta providencia, e do injusto procedimento que tem havido contra esta classe desvalida, digna por todos os titulos da consideração do Poder Legislativo; e peço por isso licença para dizer alguma cousa em particular sobre o modo como tem sido tratadas as religiosas de Monchique da cidade do Porto — Em 1834 a pretexto de que o seu convento era preciso para deposito de generos de Porto Franco, foram expulsas delle, sendo ainda vinte e duas, e repartidas pelos outros conventos; então se apoderou o Governo das suas alfaias, pratas, e trastes do uso, de uma acção da companhia dos vinhos do Alto Douro, de algumas dividas activas, dos foros, das propriedades urbanas e rusticas, algumas que já vendeu; e ainda possue uns armazens de vinho, e de generos seccos que traz arrendados por mais de dous contos de réis: as religiosas foram obrigadas a ir para outras casas, aonde se viram na necessidade de concertar as cellas em que haviam de viver á sua custa, porque as que lhes designaram, estavam inhabitaveis; prometteram-se-lhes, duzentos e quarenta réis diarios de prestação alimentaria, prestação que se não tem pago, como vou mostrar — O Governo considerando as religiosas como escravas ou ao menos como senhor de tudo quanto lhe pertencesse, julgou que as prestações de cinco mil réis mensaes que as familias eram obrigadas apagar ao convento, deviam ser consideradas como dividas ao Estado, e resolveu que as religiosas as recebessem, abattendo-se-lhes nas prestações, além destes 5 mil réis abate-lhes quinhentos réis de decima correspondente a esta quantia, e ainda mais lhe abate a que corresponde aos mil e setecentos que restam, de sorte que no mez de fevereiro de 1845 abonara a cada uma 1:015 réis, no mez de maio 1:639, e no de junho 1:444, digo abonara, porque estes recibos ainda não foram pagos, vou le-los, e os descontos que se lhes fazem, e não tenho duvida em os mandar para a Mesa, para serem examinados por quem tiver alguma duvida. Agora, penso que se estabeleceram 1:530 réis mensaes, independente do mez ter mais ou menos dias, que é donde procede a differença que se nota nestes recibos, mas ainda selhès paga a 4.ª parte em notas não se fazendo o pagamento em separado afim de poder entrar nelle

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unta nota — Aqui está Como tem sido e estão sendo tratadas as religiosas de um convento, que arbitraria e despoticamente foram expulsas da sua casa e privadas das suas propriedades, digo arbitrariamente, porque nem ao menos lei civil existe que auctorise semelhante espoliação — Isto não se acreditai ia, senão -se provasse com documentos incontestaveis.

Sr. Presidente, eu sinto ver-me na necessidade de fazer estas observações, porém não posso dispensar-me dellas, para justificar as repetidas instancias que tenho feito, tanto nesta como na sessão do anno passado, a fim de Ver se consigo que no orçamento se designe a verba que ha de receber cada convento, e uma verba correspondente ao numero da religiosas e ás circunstancias particulares em que se acharem, de outro modo entendo que continuará o mesmo abandono, por mais que se assevere que ha de cessar.

O Sr. Xavier da Silva — Sr. Presidente, já tive occasião de dizei, quando o illustre Deputado ha poucos dias apresentou a sua proposta, quaes eram os motivos, porque a commissão do orçamento não podia dar O parecer, que o nobre Deputado desejava. Eu devo accrescentar, Sr. Presidente, que tenho o maior desejo de que a esta desgraçada classe da sociedade, as religiosas, sé lhe dêem todos os meios necessarios para a sua subsistencia; mas para que este negocio se faça com conhecimento de causa convem, que a commissão e a Camara saibam, o que ha a este respeito. Ora, Sr. Presidente, pediu-se nesse dia ao Governo um mappa, de quaes eram os titulos de renda vitalicia, que tinham as religiosas, qual era o numero de religiosas de cada convento; e em quanto montavam os padrões, pertencentes a estes mesmos conventos que não tinham sido invertidos, conforme a lei: o que resta é saber se ha alguns que tenham prestações; póde ser que alguns as tenham em virtude dessa falta de inversão; e a Camara deve decidir com conhecimento de cansa. Segundo os documentos que eu tenho, parece-me que pelo Thesouro já se expediram titulos de divida a algumas religiosas; o anno passado na commissão o illustre Deputado pelo Minho disse que o Sr. Ministro da Justiça tinha mandado emittir titulos que effectivamente importavam em mais de 17 contos, depois já de todas as reducções. Ora agora lembro a Camara, como disse ha poucos dias, que é um facto justificado pelos documentos na commissão que os rendimentos das religiosas ainda hoje excedem o bom de 140 e tantos contos; e se estes rendimentos fôssem devidamente arrecadados, se fossem bem applicados, como é este subsidio que já recebem pelo Thesouro, deviam viver muito decentemente. Mas, Sr. Presidente, eu que tenho toda a consideração por esta classe, tambem não quero concorrer para que esses procuradores que lá fóra existem, tractem mais destes negocios das religiosas: não é a primeira vez que tem vindo abaixo assignados feitos pela mesma letra, que se mandam a todos os conventos como as circulares lytografadas, para as assignar; o que mostra que tudo é feito pela mesma pessoa que tracta desse negocio de accordo com os mais procuradores: e todos sabem que os bens das religiosas, muitos, tem tido uma applicação bem diversa da que deviam ter tanto lá fóra como em Lisboa. Por conseguinte este negocio demanda que O Parlamento se occupe delle para O regular de modo que attenda a essa desgraçadas que estão alli fechadas, umas morrendo á mingua, e outras tendo pouco, ao passo que os procuradores estão comendo-lhes tudo Sr. Presidente, muitos desses conventos tem varios foros, e quer V. Ex.ª saber e a Camara o que tem acontecido? (Eu posso até dizer os nomes se fôr precizo). Ha muito conventos em que esses titulos se tem queimado tractando-se este negocio entre o senhorio util, e os procuradores dessas religiosas: (Votes — É verdade) de modo que quando os bens desses conventos, ou voltarem á fazenda, ou querendo as Côrtes dar-lhes alguma applicação, não ha um titulo, e ha de portanto tomar-se um negocio muito difficultoso. E por esta fórma se tem defraudado esses bens, assim como todas as cousas preciosas tem-se ou vendido, ou queimado: em Lisboa ha um convento dentro da cidade, do qual até os vazos sagrados se tem vendido; e posso dizer a V. Ex.ª que não é para a sustentação de todas as freiras, tem sido em proveito de algumas, porque outras no mesmo convento estão morrendo á mingua.

Sr. Presidente, este negocio demanda que se trate com urgencia; e se eu pedi que fosse á commissão, não foi com o intento de o demorar, e sim para que a Camara decidisse com verdadeiro conhecimento de causa: ha sómente a lamentar que a commissão não possa dar o seu parecer promptamente, porque não tem todos os esclarecimentos; mas nem por isso se pense que eu tenho em vista adiar a questão, para que se não dê o pão a estas desgraçadas; o contrario é o que eu quero. É isto o que posso dizer: e por esta informação poderia o illustre Deputado julgar da gravidade do negocio. As religiosas tem certos e determinados rendimentos; mas é preciso que o Governo se occupe da maneira porque se hade regular o seu subsidio, de fórma que ellas não só não morram á mingua, mas que não estejam servindo os seus bens de patrimonio de alguem em particular.

O Sr. Ferreira Pontes — Sr. Presidente, as mesmas razões, que agora se offerecem, se tem produzido todas as vezes que se tracta de soccorrer estas infelizes: eu já disse que a illustre commissão tinha em seu poder os esclarecimentos necessarios para elaborar o seu parecer, o não precisa saber a importancia dos padrões pertencentes aos conventos, que não tenham sido convertidos: porque os que os não tiverem, nem por isso deixam de ter direito a serem soccorridos; pois que se não foram privados desses creditos, perderam com as reformas as rendas e dotações destinadas para á sua sustentação. Tanto agora como no anno passado se asseverou que os titulos de renda vitalicia para esta classe importam em 17 contos de réis. A esse respeito direi que com officio de 15 de abril do anno passado remetteu o Governo um mappa que aqui tenho, (e a que se referiu o Sr. Deputado, que me precedeu, d'onde consta que esses titulos importam em 17:633$166 réis, e em officio de 27 de abril proximo, diz que a verba annualmente designada para occorrer a esta despeza é calculada em 11:833$230; esta differença é consideravel, e não póde proceder de vacaturas que occorressem em um anno, não sei pois a qual deva dar credito, ou para fallar com a minha franqueza costumada, direi que se não distendera com estas prestações nenhuma das referidas quantias. Para se saber as quantias que effectivamente Se tem dispendido, requeri eu, e a Camara approvou o meu requerimento, para que o Governo remettesse o mappa demonstrativo das verbas

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que tiverem sido satisfeitas no presente anno economico, mas em logar desse mappa, veio outro em que se diz as que se acham designadas, mas não se declara as que se tem pago, que era o que se devia dizer, e que eu desejava saber: agora só quando vierem as contas se poderá saber, e sahe Deos quando virão. Mas desde já posso asseverar, que taes quantias se não dispendem, e que ha aqui uma exaggeração excessiva, para talvez fazer acreditar á Camara e ao paiz, que se não deixa de attender a estas desgraçadas: de sorte que ate das cifras e preciso duvidar. E para que se não pense que sou injusto, ou desconfiado sem fundamento, apontarei a verba de 1:839$600 que se diz importam as prestações das religiosas de Monchique, e posso asseverar sem receio que nem 800$000 réis o Thesouro dispende com ellas, daqui se ajuise o credito que devem merecer estes mappas, e a necessidade que ha de cortar todo o arbitrio do Governo, e não ha outro meio senão designar no orçamento o que ha de receber cada convenio

Sr. Presidente, não nego que ainda ha alguns conventos, que tem rendas para poderem viver, mas para essas não peço abono algum, e se a algumas lhe sobeja, o que eu não nego, nem affirmo por falta de dados segui os, nem por isso podem ser obrigadas a repartir pelas pobres, a não se querer principiar a ensaiar entre nós o systema do communismo. Mas deixemos essa questão, que não vem para aqui, e só e trasida de proposito para modificar o odioso da rejeição da proposta; mas de passagem sempre direi que se deve abandonar a idéa da reunião, se se não querem matar de repente as pobres religiosas, obrigando-as a deixar as casas aonde professaram, aonde tem vivido toda a sua vida, para irem para outros conventos, aonde nunca são bem recebidas, e são olhadas sempre como bastardas: além de irem viver para outro clima, longe das suas familias, e das pessoas da sua amisade, que as socorrem nas suas precisões.

Sr. Presidente, quando se tracta deste assumpto vem sempre a má administração dos bens de algumas casas, não sei até que ponto é fundada esta asserção, mas supponho haver exaggeração, porém ainda que seja verdadeira, só deve servir para chamar a attenção do Governo a fim de inspeccionar, para que não sejam extraviados ou dilapidados esses bens, que é isto da sua competencia, e nada mais, e é preciso que esse direito de inspecção, e de protecção senão estenda até lançai máo dos proprios bens, privando da sua administração as legitimas administradoras. Porém não póde servir para deixarem de soccorrer as que se conhece estarem soffrendo as maiores necessidades, e que não tem 40 réis diarios para viver. Não posso deixar denotar que haja tantas difficuldades, e escrupulos da parte do Governo, e da illustre commissão em admittir uma medida provisoria para sustentar a vida a estas desgraçadas, e nenhuns houvesse em se proporem verbas avultadas para despezas inteiramente inuteis, algumas para pessoas que nenhum direito tem a ellas, e que lhes foram dadas só por espirito de partido, e de patronato, como poderia apontar muitas.

Se a Camara entende que não deve prover á subsistencia das religiosas pobres, e que não se deve importar que vivam ou morram, rejeite a proposta, mas diga-se francamente, e não se illuda a questão com

pretextos frivolos, e especiosos, repetidos tantas vezes, quantas aqui se tem ventilado. Este é um objecto que não admitte demora, nem póde esperar por essas medidas lembradas pelos nobres Deputados, e que sabem muito bem que senão podem tomar com a brevidade que se precisa. Muitas religiosas estão vivendo de esmolas, e todos sabem que esses recursos são precarios, e mais precarios se tornam quando se exigem por muito tempo. Entendo que a Camara repellirá a idéa de adiamento de um para outro anno, e que não quererá ficar com a immensa responsabilidade que sobre ella pesará, se alguma religiosa mais morrer victima da miseria, e da necessidade, o que decerto acontecerá, senão tomar alguma providencia que melhore a sua sorte: e por isso confio em que approvará o additamento.

O Sr. Lopes de Lima: — Eu lamento a sorte daquellas religiosas que estão morrendo de fome, porque sei que as ha, assim como sei que ha outras que estão na abundancia, e sei tambem que muitos especuladores dissipam muitos bens que podiam talvez, não digo ser bastantes, mas ajudar muito a matar a fome áquellas que estão soffrendo: é o que succede em tudo, uns a morrer de fome, outros locupletando-se Entretanto eu assento que uma questão destas e muito grave para se tractar com argumentos de sentimentalismo; e entendo que não posso votar conscienciosamente sem saber a quanto montam os bens ainda existentes dos conventos das differentes ordens, e qual e o numero das religiosas, tambem das differentes ordens, para se poder repartir com igualdade o rendimento de todos esses bens por todas ellas, e o que faltar então supprir-se pelo Thesouro. E não se diga que é isto advogar a douctrina do communismo; a unica parte em que ella é applicavel, é nas ordens religiosas; porque eu não posso consentir que haja na mesma ordem religiosa conventos ricos, e conventos pobres; eu entendo que o communismo deve servir para estas ordens; isto é, que o rendimento se reparta com igualdade por todos os individuos da mesma ordem religiosa: este communismo canonico admitto eu. Porém o que resta saber, e se os bens chegam, e para isso é que precisamos ter esclarecimentos: devo comtudo suppôr que chegam, por um documento que tenho na máo, e para o qual peço a attenção do Sr. Ministro da Corôa. Eu vejo que na concordata feita entre o Governo, e a Sancta Se de 21 de outubro de 1848 ha uma condição — para que o Governo não ponha impedimento a que se façam novas profissões religiosas — donde se infere que o Governo suppõe que os rendimentos são de sobejo para podér admittir mais quem coma delles; pois senão chegam para os individuos que existem hoje, como é que se esta em circumstancias de fazer novas dotações? Como é que o Governo contraiu a obrigação de permittir novas profissões religiosas?.. Para que?.. Para matar mais gente á fome?,. Eu lanço esta idéa na discussão, e peço ao Sr. Ministro da Corôa, que a resolva: e um dilemma — ou os rendimentos dos conventos são de sobejo não só para as religiosas existentes, senão tambem para as que hão de entrar em virtude das novas profissões que o Governo admitte, ou elles são escaços, e o Governo contraiu uma obrigação para fazer desgraçadas. Sr. Presidente, o Governo devia saber qual era o montante desse rendimento dos conventos das religiosas, quando se fez a concordata; portanto se foi tão facil em consentir, revogan-

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do as leis, e indo diametralmente contra as intenções do nosso chorado Libertador, e commettendo um anachronismo horrendo no seculo 19, se foi tão facil em acceitar novas profissões religiosas, é responsavel porque haja rendimentos sufficientes não só para as existentes, mas para as novas professantes.

A vista pois destas considerações, tendo-se por outro lado offerecido duvidas de que haja rendimento sufficiente para acudir á miseria de todas as religiosas existentes, e mante-las n'um estado decente, em quanto senão esclarecerem estas duvidas, não posso votar a favor da proposta.

O Sr. Pereira dos Reis: — Sr. Presidente, a mim não me assiste a duvida que tem o illustre Deputado, que me antecedeu; estou convencido de que a massa actual do rendimento das religiosas do Reino é bastante para sua congrua dotação (Uma voz: — É bastante). As religiosas do Reino podem viver abundantemente, uma vez que os seus rendimentos tenham a devida applicação: mas é inexacto o que se disse, que as freiras vivem na abundancia; nenhum dos conventos que eu conheço, vive em perfeita abundancia; mesmo aquelles que teem rendimento, todos se escoam por entre as mãos dos syndicos. Ha porém outros conventos que podem servir de exemplar á indigencia (apoiados), eu não considero ninguem mais indigente no mundo do que algumas freiras, que conheço (apoiados). Mas estes factos eram remediaveis, e muito bem, se o Governo com mão robusta e forte, cortasse por todas as difficuldades que encontrasse, e lhe quizesse dar remedio. Varias vezes alguns Ministerios tem tentado isso, mas sempre cederam a empenhos, e ficaram as cousas no statu quo.

O que disse o illustre relator da commissão é exactissimo; o Governo não arrolou, não fez um tombo, como devia, de todos esses bens dostconventos, e daqui vem que as pessoas principaes, não as freiras, mas os seus procuradores, os seus confessores etc. tem alheado muitos objectos, que já hoje não são propriedade das freiras: ainda ha pouco, de um convenio da capital foi vendido um quadro original de Gram Vasco por um pataco.... (Signaes de admiração). No Alemtejo ha preciosidades; não se tem feito dellas o devido apreço, e é facil que esses objectos passem ao desbarato (apoiados): mas pergunto, de quem e a culpa? Não posso deixar de culpar o Governo nesta parte pela sua demasiada brandura. O Governo esta habilitado para fazer as incorporações; tem a lei que lhe concede essa faculdade; e até pela lei canonica nenhum convento deve ter menos de 12 freiras; mas eu conheço um convento em Lisboa, que tem apenas duas, com 2 contos de réis de rendimento, e as freiras são obrigadas a trabalhar diariamente para subsistir; estão constantemente afazer doce, e é de que vivem: e quem fica com esses 2 contos, são o seu confessor, o seu capellão, etc. que lhes dizem que foi o Governo quem lhes roubou tudo. Em desaggravo do Governo Constitucional digo que é falso; ninguem tirou ás fieiras as suas alfaias, pelo menos, que eu saiba (apoiados). É certo que não sei explicar esse facto das espoliações de Monchique, e sinto que não esteja presente o Sr. Ministro da Justiça para informar a este respeito. É tambem certo que as freiras resistem ás incorporações. No mesmo instituto, e na mesma ordem ha conventos ricos, e conventos pobres, e as freiras não querem viver em commum, contrariando para isso as regras com que devem ser regidas.

Sr. Presidente, eu quero que as freiras tenham que comer, em quanto as houver; mas distingo: quero que tenham que comer com o que é seu; o Governo não póde praticar um sacrificio na actualidade, jámais sendo certo, que as freiras teem de seu meios bastantes para viver com decencia (apoiados): nisto divirjo da opinião do illustre Deputado. Se o Governo usar do poder da sua auctoridade para fazer essas incorporações; se evitar as fraudes que se praticam, e que são conhecidas do mundo inteiro, estou certo de que as freiras terão uma sustentação abundantissimas sem necessidade de gravar o Thesouro.

E por tanto minha opinião: primeiro, que a Camara não esta habilitada com os documentos que tem presentes, para tomar uma resolução a este respeito; segundo, que n'uma discussão de orçamento não póde tractar-se deste negocio; terceiro, que o Governo tem na auctorisação actual todos os meios de melhorar a situação das religiosas. Isto não é querer que se abandone á sorte este negocio, é dizer que o Governo não precisa de auctorisação nova para melhorar a situação daquellas desgraçadas. Dê-se ao Governo toda a força que possa prestar-lhe a nossa voz, para que faça essas incorporações, para que fiscalise a boa applicação dos rendimentos actuaes, e para que tire essas desgraçadas da precaria situação em que se acham.

O Sr. Agostinho Albano: — Por mais de uma vez neste Parlamento tenho levantado a minha voz sobre o ponto que actualmente faz objecto desta discussão; mas desgraçadamente esta voz tem sido — Vox clamantis in deserto — não tem commovido a sensibilidade dos illustres Deputados, nem do Governo, ou dos Governos. Este objecto deveria ser tido em consideração ha muito tempo, desde que as religiosas foram privadas de uma grande parte dos seus rendimentos, que consistiam em disimos, a sua subsistencia esta hoje muito precaria. Se os rendimentos dos conventos, ainda depois da extincção dos disimos, fallo dos fóros, fossem bem recebidos e bem administrados, e igualmente bem repartidos, de certo que uma grande parte daquellas que hoje estão vivendo na penuria, poderiam viver na abundancia, e muitas não teriam morrido de fome; posso asseveral-o, tenho razões para isso; algumas do convenio de Monchique no Porto morreram á mingua, se algumas puderam resistir algum tempo, foi pelas escaças esmolas que as companheiras da ordem de S. Bento da Ave Maria lhes iam prestando dos seus escacissimos meios: a maior parte destas se não tivessem alguma cousa das tenças que lhes déram seus pais, e alguma cousa que estão recebendo dos seus parentes, morriam á mingua. Um dos conventos que em outro tempo viveu em muita abundancia, e que exbtiu com toda a decencia e gravidade, não só pelo que respeita ás religiosas, mas mesmo nas suas festas de Igreja, era o de S. Bento da Ave Maria do Porto; pois esse convento que tinha tanta abundancia em disimos, ficou reduzido a uma consideravel mingua; as religiosas alli que ainda são mais de 30, apenas vivem dos rendimentos dos fóros, e tem hoje unicamente 4 mil réis por mez, e não sei como uma Senhora nas circunstancias em que estão hoje a maior parte dellas, possa viver com 4 mil réis; e como é possivel que as de Santa Clara do Porto pos-

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sam viver com 2 mil e quatrocentos réis por semana?!.. Isto é objecto que deve desafiar a attenção do Governo, e desta Camara: e não é de agora, tenho fallado nisto ha quatro annos, e desgraçadamente sem resultado algum; commove-se a sensibilidade para outros objectos, e pouco vejo em practica para com aquellas Senhoras que estão encarceradas, e se veem hoje sem nada, tendo vivido na abundancia como era, por exemplo, o convento de S. Bento, da Ave Maria do Porto em que cada freira não pagava menos para entrar para aquelle convento, do que 1 conto e duzentos mil réis; e eu o paguei por uma filha que tenho freira, e por quem estou ao facto de toda esta miseria, e não se pense que fallo só por ella, fallo por todas as outras que estão nas mesmas circunstancias, e foi por essa razão que obtive uma licença para a ter na minha companhia, por que com 4 mil réis não podia subsistir, e eu não tinha os rendimentos necessarios para alli a sustentar, por que o pouco que possuo, apenas chega para aqui viver com a decencia devida.

Eu tambem entendo que isto não é objecto que deva já incluir-se no orçamento uma verba para esse fim, mas é chamar a attenção do Governo para apresentar os meios necessarios, e não é preciso tira-los dos rendimentos publicos, basta applicar bem os que ainda existem, dos seus proprios rendimentos, que ainda são bastantes. Eu conheço conventos, que senão tem tanto como tinham dantes, com tudo tem alguma cousa; aqui, nesta mesma cidade, eu conheço um convento, e não é muito longe, aonde as freiras proprias desse convento, que são hoje quatro, tem rendimentos ainda para sustentar 10, 12, ou 20, (apoiados) pois para esse convenio foram mandadas recolher freiras de uma outra ordem, que a maior parte dellas estão a ahi morrendo á mingua... (O Sr. Vaz Preto: — Tem 5 contos de réis) Quaes? Aquellas a que alludo? (O Sr. Vaz Preto: — Sim, Senhor; tem 5 a 6 contos de réis) São as Trinas aqui do Mocambo, ás quaes foram incorporadas as suas visinhas, que tem andado n'uma lucta constante com as tres ou quatro que existem no Mocambo, porque estas não tem querido conceder-lhes cousa alguma... (O Sr. J. L. da Luz: — E a caridade que ellas tem umas com as outras!..) E verdade; e foi preciso que se separassem os rendimentos, para que as outras podessem viver em mais feliz situação com as suas miserias e ninharias. Sr. Presidente, este objecto reclama a mais seria e prompta attenção; estou persuadido de que os rendimentos proprios dos conventos ainda são avultados. (O Sr. Xavier da Silva: — Excedem a 140 contos) Mas não sei se acaso o Governo tem todos os meios necessarios para poder conhecer quaes são esses rendimentos. Ha uns poucos de conventos no Porto, que quando se lhes exigiram notas, documentos de todas as suas propriedades, foram dadas fidelissimamente; mas a respeito de outros não tem acontecido o mesmo, e alguns administradores tem sido menos fieis para com as freiras, tem sido mais fieis para comsigo, com tudo honra seja a um que ha pouco falleceu no Porto, que foi diligentissimo e fidelissimo procurador, e aos seus esforços devem as freiras o estarem restabelecidos muitos dos seus rendimentos que estavam perdidos; honra lhe seja, e Nosso Senhor lhe pagará no outro Mundo onde já esta.

Sr. Presidente, não posso convir em que no orçamento se applique desde já uma verba para as freiras na ultima indigencia; desejava comtudo que fosse ordenado pelo Governo aos governadores civis, que distinguissem exactissimamente quaes são aquellas freiras, que estão nas circumstancias de carecerem de algum subsidio, e houvesse um credito supplementar provisorio para se lhes conceder alguma cousa, em quanto se não tractava deste objecto, que não deve passar desta legislatura. Já existe um projecto nesta Casa, e não sei porque fatalidade tem deixado de ser discutido, ainda que me persuado, que elle não póde passar da maneira como esta concebido, porque ha falla de esclarecimentos necessarios para, em vista delles, se poder fazer uma boa distribuição dos rendimentos: é necessario ter isto em consideração, porque ao passo que ha conventos, que ainda teem meios bastantes para sustentar as freiras, que nelles existem, ha outros que teem muito pouco. Por consequencia eu approvo a proposta no sentido não de ir no orçamento uma quantia designada, mas sim que n'um credito supplementar se attenda a este objecto, porque deixar morrer á mingoa estas desgraçadas é inhumanidade, é impiedade, é tudo quanto ha de máo. Eu desejo salvar o credito desta Camara, e o credito do Governo, porque é descredito para esta Camara, e para o Governo, que estas Senhoras se conservem num estado tão infeliz. Não mando para a Mesa proposta alguma, e acceito a do illustre Deputado, se acaso elle concordar em que se estabeleça um credito supplementar, e se auctorise o Governo a fazer delle o uso competente.

Era quanto ao convento de Monchique ainda digo duas palavras, apezar de que o illustre Deputado fallou já sobre elle. Brada ao céo o comportamento que houve a respeito deste. Houve uma representação em 1833, ou 34, para que aquelle convento, pela localidade em que se acha, fosse applicado para se estabelecer a alfandega do Porto. A proposta foi approvada immediatamente, e deu-se ordem para que as freiras fossem desalojadas do convento; a maior parte dellas foram para o convento de S. Bento de Ave Maria, e algumas para o convento de Sancta Clara, e o convento ficou deshabitado desde logo. Uma parte delle, onde estava um grande armazem, foi applicado para a alfandega, por muito tempo esteve o convento completamente deshabitado a desmoronar-se, e a arruinar-se; só pasmado muito tempo é que para alli foi um trem de artilheria, lá esta actualmente, e o convento não foi applicado para os fins para que foi desalojado; e digo mais, que os rendimentos désse convento, de que não ha, creio eu, um completo arrolamento, eram sufficientissimos (porque ha muitos fóros em Miragaia, e em outros logares, pertencentes a esse convento, além de outros rendimentos) para as religiosas que alli se achavam, se poderem sustentar.

Sr. Presidente, não entreterei mais a Camara com este objecto; até me parece que a começo já a enfadar, e parecia-me que quando se tracta de um assumpto destes, de um assumpto de humanidade, todos nós deviamos gastar algum tempo com satisfação para ver se era possivel evitar esta desgraça, que esta debaixo dos nossos olhos, e que tem logar com o nosso tacito consentimento. Sr. Presidente, se o rendimento actual é sufficiente para as freiras existentes, não direi eu que o seja para as freiras, que possam vir a professar, e este ponto é um ponto muito

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essencial para que a Camara o deva tomar na mais séria attenção (apoiados). Esta feita a concordata; mas a concordata não póde, nem deve, de maneira alguma, ser levada á execução, porque nós não podémos ir sustentar com os rendimentos dos conventos um maior numero de freiras, do que aquelle que actualmente existe, nem privar o Estado do direito que póde ter de futuro a haver esses rendimentos, quando de todo se extingam as ordens religiosas, e se complete o pensamento do glande Libertador do paiz. Votaria, Sr. Presidente, porque n'um credito supplementar se auctorisasse o Governo a dispender alguma somma para prover á subsistencia de muitas destas desgraçadas Senhoras, que precisam de ser soccorridas (apoiados).

O Sr. F. A. da Fonseca — Requeiro a V. Ex.ª, que consulte a Camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente por 43 votos contra 10. E pondo-se logo á votação a

Proposta do Sr. Assis de Carvalho — foi rejeitada por 42 votos contra 14.

O Sr. Assis de Carvalho: — Proponho que, por um credito supplementar, se levante a somma de 14 contos de réis para as freiras do Reino.

O Sr. Presidente: — A occasião propria de se fazer essa proposta, é quando se entrar na discussão do projecto n.º 42.º, artigo 4.º, § 5.º

Passou-se portanto á discussão desse projecto, que é o seguinte

Senhores: — A commissão encarregada por esta Camara, de examinar o orçamento da receita e despeza publica, vem hoje apresentar-vos o seu parecer sobre a despeza geral do Estado.

Nestes seus trabalhos desejou ella propôr-vos todas as reducções, que pudessem aproximar a despeza publica dos limites da receita; porém as razões que o Governo apresentou, nas conferencias que teve com a commissão, para justificar a despeza pedida no orçamento, e a necessidade mesmo de a augmentar com relação á força effectiva do exercito, que as Côrtes haviam approvado, obrigaram a commissão a desistir do empenho de fazer quaesquer economias que o Governo julgasse prejudiciaes ao serviço publico, procurando sòmente apresentar-vos com a mais rigorosa exactidão toda a despeza publica, por se persuadir que assim desempenhava melhor a confiança, que havia merecido da Camara.

É por este motivo que, sommando os encargos do Estado, tanto ordinarios como extraordinarios, réis 12.8.90:853$628 segundo elles constam do orçamento da receita e despeza publica, e do relatorio do Ministerio da Fazenda, a commissão, nos trabalhos que vos offerece, reduz esta somma a 12.658:509$391 réis, isto é, menos 23-2:344$237 réis do que a quantia pedida no orçamento.

Este resultado bem mostra, que se a commissão não foi severa no exame do orçamento de cada Ministerio, não deixou comtudo de adoptar todas as reducções, que nelles se podiam fazer sem compromettimento do serviço publico.

Para este exame recebeu a commissão o mais valioso auxilio nas relações nominaes apresentadas pelo Governo, em cumprimento das disposições da lei de 26 de agosto do ultimo anno, porque é da sua comparação com a despeza pedida, que resultam as reducções que encontrareis nos seus trabalhos, as quaes seriam em maior somma, senão fossem diminuídas pelo augmento de despeza proposto de 351:885$650 réis, provindo na sua maxima importancia de se haver eliminado o licenciamento de uma parte do exercito, cuja despeza em virtude do voto das Côrtes, vai contemplada pelo seu estado completo de 24:000 homens effectivos; de se mencionar tambem a dotação do serviço da saude publica, bem como as despezas que no Ministerio da Fazenda se addicionam para a continuação das obras do arco da Praça do Commercio, do farol do Cabo de Santa Maria no Algarve, e da circumvalação da cidade, obra esta da maior importancia pelo melhoramento que deve produzir na receita dos direitos de consumo.

A reducção de despeza que resulta destas alterações, não consta comtudo do mappa que a commissão vos offerece como resumo dos seus trabalhos, porque nelle já vai attendida na sua totalidade a doação com que Suas Magestades, reconhecendo o apuro, e difficuldade em que se acha o Thesouro Publico, generosa, e espontaneamente cederam de uma mui valiosa parte das suas dotações no futuro anno economico; exemplo este que, dando logar a que a commissão o applicasse á dotação de todos os outros Membros da Familia Real, lhe fez obter uma diminuição na despeza publica de 206:150$000 réis, com a qual a reducção de 232:344$237 réis, fica elevada a réis 433:494$237 com relação ao orçamento apresentado pelo Governo, e reduzida a 228:589$952 réis comparando-a com a despeza ordinaria, e extraordinaria auctorisada nas leis de 22, e 26 de agosto de 1848.

É certo que estes resultados, ainda que exactos, modificam-se comtudo quando se avaliam com relação á natureza da despeza, porque a comparação della, com a que se acha auctorisada na lei, apresenta uma diminuição de 486:746$793 réis na despeza extraordinaria, quantia estaque, com 400:000$ réis, que a commissão reduziu no fundo especial de amortisação, por entender que a receita que lhe é applicada, os não póde produzir dentro do futuro anno, se eleva a 886:746$793 réis; porém deduzindo desta somma os 228:589$952 réis que, como se acha demonstrado, é a differença que existe entre a totalidade de uma e outra despeza, ficarão ainda réis 658:156$841 que se substituem em despeza ordinaria pelo agio das notas, que constitue uma nova despeza de 307:055$100 réis, e pelo augmento da força effectiva do exercito, e outros serviços, que importam em 351:885$650 réis, o que montra evidentemente, que senão houvesse necessidade de prover ás novas despezas que a commissão tem mencionado, a despeza publica de dois annos seria quasi igual na sua importancia.

Tereis, portanto, Senhores, a prover no seguinte anno economico de 1849 — 1850, a uma despeza ordinaria e extraordinaria de 12.452:593$391 réis, que a maioria dos membros que formam a commissão do Orçamento, entendeu dever approvar depois de repetidas conferencias com o Governo, nas quaes se apreciaram devidamente todas as necessidades do serviço, que a determinam. A commissão espera da vossa sabedoria e illustração, que melhoreis pela discussão os trabalhos que ella tem a honra de vos offerecer, facilitando-lhe assim a penosa, e difficil incumbencia de que incessantemente se occupa, para vos poder apresentar, sem demora, os meios de prover ao pagamento das despezas publicas, que vão resumidas no seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º A despeza ordi-

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naria e extraordinaria do Estado, para o anno economico de 1849 — 1850, é auctorisada na quantia de doze mil quatrocentos cincoenta e dois contos, tresentos cincoenta e nove mil tresentos noventa e um réis, (12.452:359$391) na conformidade do mappa junto, que faz parte desta lei; e é distribuida pela maneira seguinte:

§ 1.º Para a Junta do Credito Publico — tres mil seiscentos e oitenta contos, cento quarenta e oito mil, tresentos cincoenta e dois réis (3.680:148$352.)

§ 2.º Para os Encargos Geraes — mil novecentos e seis contos quinhentos noventa e sete mil quatrocentos e sessenta réis (1.906:597$460.)

§ 3.º Para as despezas do Ministerio do Reino

— mil cento vinte e quatro contos oitocentos setenta e seis mil quinhentos e cinco réis (1.124:876$505.)

§ 4.º Para o Ministerio da Fazenda — setecentos cincoenta e sete contos duzentos sessenta e seis mil quinhentos e trinta réis (757:266$530.)

§ 5.º Para o Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça — quatrocentos e dezoito contos duzentos noventa e dois mil seiscentos oitenta e oito réis (418:292$688.)

§ 6.º Para o Ministerio dos Negocios da Guerra

— dois mil oitocentos oitenta e um contos quinhentos sessenta e dois mil quatrocentos oitenta e sete réis (2.881:562$487.)

§ 7.º Para o Ministerio da Marinha e Ultramar

— setecentos setenta e quatro contos tresentos sessenta e nove mil duzentos e dez réis (774:369$210.)

§ 8.º Para o Ministerio dos Negocios Estrangeiros — duzentos e treze contos setecentos vinte e um mil duzentos cincoenta e quatro réis (213:721$254.)

§ 9.º Para 09 Encargos do Fundo especial de amortisação — tresentos vinte e seis contos e oitocentos mil réis (326:800$000) ou o que produzirem os rendimentos que lhe estão applicados.

§ 10.º Para as despezas extraordinarias — trezentos sessenta e oito contos setecentos vinte e quatro mil novecentos e cinco réis (368:724$905.)

Art. 2.º As despezas mencionadas no artigo antecedente, serão pagas pela receita que for votada para o anno economico de 1849 — 1850.

Art. 3.º O Governo poderá preencher as vagaturas dos quadros das respectivas repartições do Estado, quando pela mudança de collocação dos empregados áquem ellas respeitam, ou no interesse do serviço, isso seja necessario; e nesse caso é-lhe concedida a faculdade de abrir creditos supplementares pela differença que resulta dessas alterações.

Art. 4.º O Governo poderá tambem abrir creditos supplementares para occorrer á insufficiencia devidamente justificada das sommas auctorisadas para as despezas dos Ministerios. — Estes creditos porém só poderão recair nas despezas seguintes:

§ 1.º Junta do Credito Publico — Premios de transferencia de fundos; differença de cambios; e agio de notas.

§ 2.º Encargos geraes — Subsidios e despeza das Côrtes; encontro de titulos, e restituições de direitos nas alfandegas.

§ 3.º Ministerio do Reino — Estabelecimentos pios dotados pelo Estado; despeza com o costeamento dos hospitaes; com a companhia da guarda municipal, e differença de preço nas forragens da mesma guarda.

§ 4.º Ministerio da Fazenda — Arrecadação dos

Impostos directos e indirectos, compra de papel para sellar, jornaes, e costeamento.

§ 5.º Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos, e de Justiça — Seminarios, quando venham a instituir-se no decurso do anno economico, sustento de presos, e policia das cadêas.

§ 6.º Ministerio dos Negocios da Guerra — Compra de generos para fornecimento do exercito; medicamentos e roupas para os hospitaes.

§ 7.º Ministerio da Marinha e Ultramar — Medicamentos e roupas para o hospital da marinha.

§ 8.º Ministerio dos Negocios Estrangeiros — Ajudas de custo aos Diplomaticos; e serviço dos correios.

Art. 5.º Os creditos supplementares de que tratam os artigos antecedentes, serão abertos por decretos, ouvido o Conselho d'Estado; e delles dará o Governo conta ás Côrtes na sessão seguinte immediata.

Art. 6.º O Governo remetterá ao Tribunal do Conselho Fiscal de Contas cópia authentica dos decretos por que abrir creditos supplementares, para por elles regular a fiscalisação que lhe incumbe.

Art. 7.º Fica revogada toda a legislação era contrario

Sala da commissão, em 19 de abril de 1849. — Visconde de Castellões, Antonio José d'Avila, José Lourenço da Luz, Jeronymo José de Mello, José Ignacio de Andrade Nery, José de Mello Gouvêa, Joaquim José Pereira de Mello, Euzebio Dias Poças Falcão, Luiz Coutinho d'Albergaria Freire, Conde de Linhares D. Rodrigo, Augusto Xavier Palmeirim, João Pereira Crespo, D. José Maria de Araujo Corrêa de Lacerda, Bernardo Miguel de Oliveira Borges, Augusto Xavier da Silva.

Vozes: — Esta tudo alterado, não se póde votar.

O Sr. Presidente: — Sempre precede a discussão das verbas respectivas aos differentes Ministerios a do projecto de lei do orçamento; mas soffrendo essas verbas alteração, a commissão deve estar preparada com as alterações respectivas para as offerecer na discussão do projecto. O que esta em discussão é o artigo 1.º no § 1.º

O Sr. Xavier da Silva: — Parecia-me que se podia dispensar a votação sobre este artigo 1.º A Camara já votou o orçamento de cada um dos Ministerios, e cada um destes paragrafos indica a cifra votada para os respectivos Ministerios... (Uma voz: — Não é assim.) Pois então a Camara não votou para a Junta do Credito Publico a somma de 3:600 contos, que se indica neste § 1.º? Votou, e esta somma não soffreu alteração. Parecia-me por tanto desnecessario estar a votar os paragrafos, porque as verbas que nelles se hão-de consignar, hão-de ser aquellas que a Camara votou, e a commissão não podia ler esse trabalho preparado sem que acabasse a discussão do orçamento, só se mandar agora mesmo buscar á secretaria cada uma das verbas, que a Camara votou para os differentes Ministerios.

O Sr. Presidente: — Não póde deixar de votar-se cada paragrafo em separado. A respeito do § 1.º não houve alteração; nesta parte averba que se votou, é a mesma que se acha no paragrafo.

(No acto de votar).

O Sr. Xavier da Silva: — Não póde ser; diz-se que a despeza é de 12:000 contos, e ella foi elevada a mais...

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O Sr. Presidente — Entende-se que só se vota o § 1.º, e depois a somma geral dos paragrafos se votará em separado.

Foi logo o § 1.º approvado por 45 votos contra 13.

§ 2.º

O Sr. Presidente — E a mesma verba que se votou.

Foi approvado por 47 votos contra 9.

O Sr. Xavier da Silva: — (Sobre a ordem) Eu pedia a V. Ex.ª que consultasse a Camara sobre se consente que os 3.º até ao 8. fiquem para ser tractados na occasião da ultima redacção, porque a respeito das verbas nelles consignadas houve alteração; neste sentido mando para a Mesa a seguinte:

Proposta. — «Proponho que a votação dos §§ 3.º até 8.º seja adiada para a ultima redacção.» — Xavier da Silva.

Sendo apoiada — foi approvada sem discussão por 53 votos contra 3.

O Sr. Presidente — Passa-se por tanto ao

§ 9.º — foi approvado sem discussão por 49 votos contra 4.

§ 10.º — approvada por 47 votos contra 8. Art. 2.º

O Sr. Xavier da Silva — (Sobre a ordem) Por parte da commissão mando para a Mesa a seguinte:

Emenda. — «Proponho a eliminação do artigo 2.º —; Xavier da Silva.

Foi admittida por 40 totós contra 8. — E julgando-se logo discutida por 49 votos contra 6 — Foi approvada por 47 votos contra 7.

Art. 3.º

O Sr. Xavier da Silva Sôbre a ordem.) Eu vou mandar para a Mesa uma outra redacção a este art. 3.º, pois que pelo modo como esta redigido, não satisfaz aos fins que a commissão teve em vista, e podia dar logar a muitos equivocos. É certo que no orçamento foram eliminados alguns vencimentos, por isso que alguns empregados optaram por outros; e é necessario, que quando esses empregados deixarem quaesquer commissões que exercem, e voltem aos seus empregos, se lhes satisfaça os seus ordenados que estão marcados na lei, e séde vencimento áquelles que não exercerem qualquer commissão; sendo para isso preciso dar-se logar a que se possa abrir um credito supplementar; portanto para prover a estas circumstancias, mando para a Mesa uma nova redacção ao art. 3.º que é a seguinte

Emenda. — «O Governo poderá mandar abrir creditos supplementares para satisfazer os vencimentos que foram eliminados neste orçamento, dos empregados que desempenham qualquer logar de commissão, quando voltarem a exercer os seus respectivos empregos, e os vencimentos destes cargos de commissão quando forem desempenhados por outros empregados. — Xavier da Silva.

Foi admittida por 55 votos contra 2.

O Sr. Silva Cabral Sr. Presidente, a idéa que está no art. 3.º é substituida por uma idéa inteiramente nova (apoiado) e sobre a qual é impassivel que a Camara se julgue habilitada para votar sem a meditar. No art. 3.º tractava-se d'uma hypothese inteiramente differente, fallava-se nos logares vagos, fallava-se no preenchimento para esses logares vagos, e estabelecia-se até um absurdo completo, porque fallando-se de logares vagos nos quadros, e despachos para esses logares, entendia-se que podia haver algum augmento de despeza, e que por consequencia se devia habilitar o Governo para abrir creditos supplementares para fazer face a esse augmento de despeza 1.. Era impossivel esta hypothese; porque os logares estão dentro do quadro, esses logares tinham o vencimento competente; e é claro pois que da transferencia dos empregados d'um quadro para outro, ou promoção, não podia, de maneira nenhuma, vir augmento de despeza. E eu vejo, que na proposta agora apresentada não se faz mais que prestar homenagem aos principios aqui offerecidos pela opposição a respeito das verbas de ordenados, que se eliminaram.

Como pois a idéa apresentada nessa proposta é inteiramente differente da que estava no art. 3.º, e como eu quero, e a Camara deve querer, que se vote, sobre este objecto, com perfeito conhecimento de causa, por isso será minha opinião que esta proposta seja impressa no Diario do Governo d'ámanhã para ser então discutida (apoiados), e neste sentido mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Proponho a impressão da proposta no Diario do Governo, para ter especial discussão quando se julgar opportuno.> — Silva Cabral.

Sendo apoiada, e entrando portanto em discussão, disse

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, é fóra de duvida que a proposta contem em si materia nova; eu concordo, por isso, em que ella seja impressa no Diario do Governo; mas, visto have-la apresentado como cousa minha, e não por parte da commissão, peço tambem que, além de ser impressa no Diario, seja remettida á commissão do Orçamento para a examinar (apoiados.)

O Sr. Moniz — E só para dizer, que a materia em questão precisa ser um pouco mais desenvolvida, e por isso concordo com o adiamento a fim de que ella seja examinada pela commissão, e por cada um de nós, imprimindo-se a nova proposta no Diario do Governo.

Julgou-se a materia discutida unanimemente. E pondo-se a votação a

Proposta do Sr. Silva Cabral — foi approvada por 51 votos contra 1.

Se a proposta do Sr. Xavier da Silva havia de remetter-se á commissão de Fazenda? — Decidiu-se affirmativamente por unanimidade.

Passou-se ao

Art. 4.º, e § 1.º — foi unanimemente approvado sem discussão

§ 2.º — approvado sem discussão por 46 votos contra 3.

§ 3.º

O Sr. Moniz — É sabido que no orçamento escaparam algumas verbas a respeito de instrucção, e para prevenir os inconvenientes que daí possam resultar, eu vou mandar para a Mesa um additamento a este paragrafo.

Leu-se logo na Mesa a seguinte

Emenda. — «E com a instrucção publica» — Moniz.

Foi admittida por 47 votos contra 7.

O Sr. Silva Cabral — Sr. Presidente, eu estou bastante incommodado, mas, apesar disso, farei algumas reflexões para sustentar o systema que tenho seguido de combater qualquer despeza, que não esteja estabelecida na lei. Ainda ha pouco eu ouvi dizer a

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um membro da commissão de Fazenda, sobre um objecto em questão — «isto é da lei, logo deve approvar-se?? — muito bem, admitto esse principio, nem posso deixar de o admittir, e por isso pergunto eu agora — a em que lei esta o estabelecimento da companhia da guarda municipal, de que falla o § 3.º em discussão?...

Sr. Presidente, todos nós sabemos que tractando-se do orçamento se approvou uma verba para a despeza com seis companhias da guarda municipal; todos nós sabemos que em consequencia dos acontecimentos extraordinarios de 6 d'outubro de 1846 foi creada mais uma companhia da guarda municipal; creação feita por um decreto da Dictadura, no qual se dizia, que apenas terminassem as circumstancias extraordinarias que tinham pedido a creação da mesma companhia, ella não continuaria. Creou-se pois essa companhia, porque então havia necessidade de sustentar a segurança da Capital, havia a guerra civil, e parte da guarda municipal estava fóra de Lisboa; mas hoje que senão dá nenhuma dessas circumstancias, como se poderá sustentar a existencia della, e a legalidade do decreto 1... Sr. Presidente, não e possivel conservar mais uma companhia da guarda municipal, além das seis que d'antes existiam; não ha necessidade de lançar sobre o Thesouro um onus pesadissimo, porque é preciso ter em vista quanto custa ao Estado um official, e um soldado de infanteria, ou cavallaria da guarda municipal, em relação ao que custam os de linha.

Sr. Presidente, organisações desta natureza não podem de maneira nenhuma estabelecer-se senão em virtude de lei. O Governo se por ventura entendia que era necessario mais uma companhia da guarda municipal permanente, devia tractar de apresentar uma nova organisação daquelle corpo, devia apresenta-la de sorte que podesse justificar todas as consequencias que queria tirar desse principio; mas neste ponto o Governo tem sido indolente, como tem sido a respeito de todos os mais.

Eu já na sessão passada lhe fiz vêr a necessidade de legalisar este facto, e em janeiro deste anno a de trazer uma proposta de lei ao Parlamento, que tractasse tambem de organisar este corpo. E até por essa occasião, Sr. Presidente, quando eu combatia pela pureza das douctrinas, houve quem quizesse fazer espalhar que eu era inimigo da guarda municipal! Se eu hoje me calasse, esses brados, que então se levantaram de proposito para atemorisar espiritos timidos, de certo se havia de suppor que tinham influencia tambem no meu espirito; não têem; eu não posso approvar uma cousa, que vem aqui introduzida da maneira mais indouctrinal, mais contraria a todos os principios; não posso aqui approvar de maneira nenhuma esta despeza para se tornar permanente, e quando vier este objecto á discussão, eu hei de clamar, que no estado do paiz, no estado da Capital, não é preciso que sustentemos mais uma companhia da guarda municipal; e hei de sustenta-lo sem temer, nem esses tenores, nem esses boatos, porque eu sou aqui unicamente Deputado da Nação, e só combato pelos unicos principios, que devem regular um Deputado da Nação.

Sr. Presidente, não é n'uma lei de despeza annual, apresentada por similhante fórma, que se deve estabelecer uma despeza permanente como esta: devemos saber primeiro quanto custa esta companhia, em segundo logar como esta organisada, em terceiro logar devemos saber se ella é necessaria, e todas estas cousas precisam de uma lei especial, precisam que se tracte nella especialmente de todos estes objectos. O Governo tem não só violado a lei de 6 de novembro -de 184-1, mas tem violado a propria lei de 26 de agosto de 1848, porque eu já aqui lhe perguntei — Por ventura fostes vós pedir auctorisação para esta despeza? Perguntei — existe a companhia? Existe. Como lhe tendes pago? E, ou não, com o dinheiro da Nação? Não podia dizer que não, porque felizmente apresentam-se as verbas. — «Se é com o dinheiro da Nação, chega-vos o dinheiro que se votou para o pagamento da guarda municipal?» — Não, foi necessario despeza extraordinaria. — «Para essa despeza extraordinaria que devíeis fazer? Devíeis pedir um credito supplementar.?> — Pergunto ao Governo — pedistes este credito supplementar, fostes ao Conselho d'Estado para elle vos ser auctorisado? Não; logo tendes violado a lei em duplicado sentido, em triplice sentido; e sendo assim, tendo violado a lei, ainda hoje vindes apresentar este mesmo facto n'um artigo de uma lei de despeza!...

Sr. Presidente, aqui tracta-se de despezas, tracta-se de forragens, se o Governo tem razões para sustentar que a companhia da guarda municipal, essa 7.ª companhia que nem se atreveram a comprehender no orçamento, é necessaria, venha propol-a, mas discutamos então a necessidade, a maneira da sua organisação, discutamos mesmo se a organisação da guarda municipal como ella esta, se os seus vencimentos são inteiramente conformes com as circumstancias; mas vir aqui apresenta-la de uma maneira tal, e offender a lei, é offender todos os principios, é offender a propria seriedade do acto.

Por consequencia vou mandar para a Mesa a eliminação do credito supplementar em relação á 7.ª companhia da guarda municipal.

Leu-se logo a seguinte

Emenda. — «Proponho a eliminação das palavra

— com a companhia da guarda municipal, e differença do preço das forragens da mesma Guarda.»

— Silva Cabral.

Foi admittida por 57 votos contra 3.

O Sr. J. L. da Luz: — Sr. Presidente, sinto que nas cadeiras dos Srs. Ministros não esteja o Sr. Presidente do Conselho, e Ministro dos Negocios do Reino, a quem competia defender a necessidade da existencia da 7.ª companhia da guarda municipal; mas espero que o Sr. Ministro da Fazenda esteja habilitado, trouxesse commissão para poder responder sobre o assumpto.

Eu não posso dizer á Camara nem ao illustre Deputado senão o que se passou na commissão a este respeito. A commissão tem os mesmos sentimentos do illustre Deputado; não deseja que se faça despeza alguma, que não esteja auctorisada por lei; mas quando se tractou de votar a despeza necessaria para a sustentação da guarda municipal, examinou-se a relação que veio do Ministerio do Reino, e notou-se então que além das 6 companhias que vinham no orçamento, existia mais uma de que não se tinha dado conta no mesmo orçamento; a commissão reconheceu que eram 6 as companhias creadas por lei, e que a existencia da 7.ª não tinha apoio nenhum em disposição legal; o Sr. Ministro do Reino disse que a despeza que se fazia com a 7.ª companhia pouco

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podia exceder áquella que devia fazer-se com as 6, se ellas estivessem elevadas ao complemento que a lei lhes determina; suppunha elle, e creio que é assim, que as vacaturas que existiam nas seis companhias davam a receita sufficiente para se satisfazer a 7.ª companhia. Eu não estou a fazer outra cousa senão dar informação do que se passou, porque o juiz da necessidade de uma 7.ª companhia da guarda municipal não é a commissão, nem podia ser a commissão, é o Governo, que é o responsavel pelo socego publico; portanto estou dizendo o que se passa. A commissão tambem lhe pareceu que esta razão não era bastante para se sustentar uma 7.ª companhia, porque se os soldados eram os que faltavam nas outras, distribuidos pelas outras podiam subsistir as 6 companhias com a força necessaria para se manter o socego. A commissão tambem não desconheceu que organisada deste modo a guarda municipal com uma 7.ª companhia havia exorbitancia do estado maior que se podia dispensar; uma vez que os soldados fossem necessarios, distribuindo-os pelas outras companhias; mas o Sr. Ministro do Reino disse que por ora não reputava a cidade, nem o Reino em estado de poder dispensar o serviço de uma 7.ª companhia da guarda municipal. Estas são as razões que o Sr. Ministro deu, e aí esta o Sr. Ministro da Fazenda que estaria presente nessa occasião, e ha de confirmar tudo o que acabo de dizer. Então avista do receio de que fosse perturbado o socego publico pela eliminação de uma companhia da guarda municipal, a commissão não teve duvida em annuir que fosse em credito supplementar, e não incorporada no orçamento como seria, se fosse uma nova companhia creada por uma lei.

Tambem se fizeram instancias ao Sr. Ministro do Reino, em abono da verdade seja dicto, para que elle trouxesse á Camara uma proposta de lei para creação da nova companhia; e S. Ex.ª disse que estava persuadido que o serviço daquella 7.ª companhia era temporario, e não podia chegar, segundo elle comsigo considerou as cousas, até á reunião das Côrtes para o anno que vem; e então entendeu, e a commissão concordou, em que fosse lançada em credito supplementar, porque era realmente uma despeza, que naturalmente não chegaria até ao fim do anno.

Aqui estão as razões que por parte da commissão ha para dar ácerca da 7.ª companhia da guarda municipal; e segundo ellas não podia a commissão, sem declaração cathegorica da parte do Governo neste sentido, apresentar proposta de eliminação: mas se o Sr. Ministro disser que a companhia não é precisa, a commissão concorda em que essa eliminação se faça.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, depois das observações que fez o illustre Deputado auctor da proposta, observações que me parece que devem trazer o convencimento, e dar a maior lucidez á questão, não esperava eu (mas alegra-me, porque me alegro sempre que vejo sustentar a verdade) a revelação do illustre membro da commissão de Fazenda, que não é senão um apoio a todas as razões, que deu o illustre Deputado auctor da proposta. Se alguma cousa fosse necessario mais, para provar a justiça com que a proposta foi feita, eram as reflexões que acaba de apresentar o nobre Deputado membro da commissão, com uma sinceridade que lhe faz honra, e que espero que a Camara na sua votação ha de attender convenientemente.

O nobre Deputado sentiu que não estivesse presente o Sr. Ministro do Reino, é o sentimento geral que acompanha a cada um dos Deputados que fazem parte desta Camara, e que acompanha, e deve acompanhar, aquelles que amam e desejam que o serviço publico seja convenientemente desempenhado, e que os deveres do Parlamento, e a responsabilidade dos Ministros sejam uma realidade, e não uma ficção. A ausencia dos Srs. Ministros daquelles bancos, o silencio, e quasi o onus que impõe a um unico collega o Sr. Ministro da Fazenda para responder não só pela sua repartição, mas por todas as repartições, é uma cousa inaudita no Systema Representativo (apoiados) uma cousa que não tem significação, que a não póde ter, que não póde ter justificação, que é a primeira vez que acontece.

Sr. Presidente, estamos nós em uma Camara Constitucional, estamos nós no anno de 1849, estamos nós discutindo o orçamento da despeza do Estado? Porque não estão sentados nas suas respectivas cadeiras os differentes Conselheiros responsaveis da Corôa, aquelles que devem á Camara os esclarecimentos das despezas, que se votam? Nem ao menos a Camara nas suas votações poder apresentar ao paiz a razão de que essas votações são pedidas em nome do serviço publico pelos respectivos Ministros! Nem ao menos o esclarecimento, que é uma especie de justificação ao voto: nem ao menos isso! Silencio, ausencia, completo despreso do Parlamento. Eis-aqui a divisa, que apparece nesta discussão do orçamento!

Portanto tem razão o nobre Deputado para sentir a ausencia do Sr. Ministro do Reino; mas havemo-nos afeiçoar, havemo-nos acostumar a essa ausencia, porque ella tem sido tão longa, e promette ser tão duradoura, que inclusivamente ha de ter a força de poder matar a saudade.

Sr. Presidente, a illustre commissão de Fazenda sente, não deseja que despeza nenhuma se faça que não esteja auctorisada por lei. Permitta o nobre Deputado que lhe reflicta ainda, que não só é desejo da commissão, mas é dever; a illustre commissão de Fazenda o que não póde, é apresentar ao Parlamento despeza que não esteja estabelecida por lei; e todavia o nobre Deputado foi o primeiro que reconheceu que esta despeza não esta auctorisada, que a 7.* companhia da guarda municipal repousa unicamente no arbitrio do Ministro, e não em lei, e que estes factos successivos tendem a degenerar o Systema Representativo, e tendem a converter o Parlamento em uma chancellaria sem nome, sem significação, sem responsabilidade possivel.

Sr. Presidente, o que quer dizer vir-se pedir ao Parlamento a votação da despeza de uma companhia da guarda municipal sem haver lei, que justifique esta despeza? O que quer dizer essas justificações ineditas, dadas, no seio de uma commissão, por um Ministro da Corôa, que devia ter já o anno passado apresentado uma proposta, quando lhe foi exprimido esse desejo daquelles bancos, e destes bancos? Qual é a razão, que justifica o Sr. Presidente do Conselho?

Sr. Presidente, se fosse necessario a cada momento estar avivando os factos, para provar que este Parlamento não significa nada aos olhos do Governo, se fosse necessario, não só notar a ausencia daquellas cadeiras; mas todos os factos accessorios, havia mais este; porque se quer continuamente desvirtuar o Par-

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lamento, obrigando-o a votações que não teem nenhuma justificação possivel. Que custava ao Sr. Ministro da Corôa redigir uma proposta traze-la, legalisar este acto, collocado no terreno da legalidade, em logar de o collocar n'um terreno falso?

Sr. Presidente, ha uma cousa a que não sei fallar nunca, e á verdade do Systema Representativo, á — honra dos Corpos Co-Legislativos; desde o momento em que, por sacrificios continuos, por exigencias absolutas e absurda, se obriga o Parlamento a não cumprir os seus deveres, ameaçando-o com o espectro do terror, a continuamente estar fazendo estas votações que não se podem justificar, ha de chegar o dia em que o Parlamento perca a sua auctoridade perante o paiz. Não sei se se marcha a este fim, mas vejo que os factos todos provam que se marcha a elle.

Sr. Presidente, porque razão, continuamente, a cada instante, tractamos de estar aqui illudindo as consequencias naturaes do Systema Representativo! Porque razão quando acontece, que um Deputado procura ouvir a opinião do Ministerio sobre qualquer assumpto, porque razão não se acham os Srs. Ministros nos seus logares! (apoiado) Porque razão quando qualquer Deputado deseja saber em virtude de que lei esta auctorisada uma despeza que aqui está, porque razão, digo, não apparece o Ministro respectivo apresentando essa lei ao Parlamento! (apoiado) Porque razão se obriga uma commissão tão respeitavel como e a illustre commissão de Fazenda, a dar uma defeza (que não é defeza) em justificação do Governo! Porque razão obrigam os Srs. Ministros a illustre commissão de Fazenda a representar este papel na Camara, e a Camara á representar este papel no paiz? É isto possivel?!..

Mas a razão dos Srs. Ministros é satisfatoria — «Pouco maior despeza se póde fazer com a 7.ª companhia da guarda municipal, por quanto as vagaturas successivas que ha nesta guarda quasi, diz o Sr. Ministro do Reino, dão a somma necessaria para manter esta companhia. « — Então se o Sr. Ministro do Reino por meio deste calculo, por meio de evoluções de algarismos chegou ao seu resultado, para que vem esse credito supplementar? O que significa elle aqui? Parece-me que a illustre commissão de Fazenda quando no seu seio recolheu esta defeza, ou explicação do Sr. Ministro do Reino, tinha uma pergunta a fazer-lhe — Pois se S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino não precisa de augmentar a despeza, que faz a guarda municipal por ler mais uma companhia das que lhe estão marcadas por lei, para que precisa do credito supplementar?... Mas se precisava de augmentar no orçamento a despeza que faz aquella companhia, porque razão não apresentou a Camara o pedido para a sua conservação? (Apoiado) Nós não perguntamos á illustre commissão de Fazenda, nem podemos perguntar, porque razão não te concluiu esta despeza no orçamento do Ministerio do Reino; a commissão tem obrigação, dever restricto de não apresentar no orçamento verba de despeza nenhuma, pelo seus principios, pelo credito do Governo Representativo, que não seja; fundada em lei, (Apoiado) tendo meios, porque não sendo meios havemos de dar-lh'os, logo que se reconheça que é indispensavel essa despeza: mas o que não se póde fazer, é sair do caminho legal para entrar nos caminhos, e atalhos que são sempre fataes ao Governo e a todos os Governos, e que desvirtuam o Systema Representativo. (Apoiado)

Mas o Sr. Ministro do Reino ainda adduziu outra razão que nos deve encher de terror, quando disse que da existencia da 7.ª companhia da guarda municipal estava dependente a segurança publica de Lisboa, Porto, Coimbra, e de todo o Reino!.. Não acredito que a segurança e tranquillidade publica do paiz esteja dependente de mais aquella companhia: pois o Sr. Ministro do Reino que adduziu esta razão, não é o proprio que frequentes vezes nos tem aqui dado as mais gratas noticias, de que o paiz arde todo no amor da sua Administração; e no mais vehemente desejo de conservar o Governo de S. Ex.ª! Seria irrisorio querer combater a razão dada por S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino na commissão, porque se a segurança publica repousasse unicamente na 7.ª companhia da guarda municipal, em muito pouco perigo estava o paiz. (Apoiado) Mas o que admira e que a illustre commissão de Fazenda julgasse tambem o paiz em necessidade de reclamar a existencia dessa companhia, em quanto que o Governo aqui, todos os dias, e lá fóra por meio dos seus orgãos em todos os jornaes, nos pinta o paiz dando graças ao Altissimo, de nos ter conservado, e de haver uma Administração tão activa, tão energica, tão tolerante, e tão proficua como a que preside a este Reino.

Sr. Presidente, esperarei ainda que a illustre commissão de Fezenda, depois das explicações que deu o seu nobre relator que acabou de fallar, medite bem este negocio, e que veja se póde propôr á Camara despeza alguma, que não esteja auctorisada por lei, e se podem admittir-se para esta despeza sei votada, as duas razões panicas, que foram adduzidas no seu seio pelo nobre Ministro do Reino, razões que fogem a luz da publicidade, e que não teem o mais leve atricto da discussão. Estas duas razões são, em primeiro logar — as vagaturas que ha na guarda municipal sustentam, ou supprem a despeza que se faz com a 7.ª companhia, e por isso não ha augmento de despeza — e então, ou se ha de reconhecer conforme a declaração do Sr. Ministro que não e necessario votar-se esse credito supplementar que vem propôr-se, ou que sendo necessario augmentar-se com mais uma companhia o corpo da guarda municipal, além daquellas que são determinadas por lei, o Governo póde, e deve vir propo-la ao Parlamento por meio de um credito supplementar, quando reconheça que as circumstancias pedem o augmento da força militar, e que tem necessidade della. (Apoiado) Em segundo logar — que a segurança publica exíge a conservação da 7.ª companhia da guarda municipal. Se a segurança publica exíge a conservação desta companhia, exige igualmente a demonstração de que não estamos, como se tem asseverado, n'um estado de paz octaviana, mas que estamos ao contrario n'um verdadeiro estado de perigo.... Póde ser o desgosta em que se acha todo o paiz, por ser governado por uma Administração que não vigia, nem governa, nem administra. Voto contra o antigo (Muito bem)

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, parece-me que não póde approvar-se a eliminação deste artigo, como propõe o nobre Deputado. Por decreto de 14 de maio de 1846 foi creada a 7.ª companhia da guarda municipal, attenta a necessidade que havia deste augmento de força publica em consequencia da» circumstancias extraordinarias em que então se

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achava o paiz; e tendo sido revogado esse decreto por outro de 30 do mesmo mez e anno, foi outra vez por decreto de 19 d'outubro de 1846 creada provisoriamente a 7.ª companhia da guarda municipal. Este decreto diz assim (leu). Ora Sr. Presidente, a carta de lei de 19 d'agosto de 1848 deu força de lei a todas]as medidas, adoptadas durante a Dictadura, de disposição permanente, e entre essas medidas era comprehendido o citado decreto de 19 d'outubro, que effectivamente continha uma disposição legislativa. Mas, Sr. Presidente, este decreto determinava a creação provisoria daquella companhia, emquanto durassem as circumstancias extraordinarias; não era pois uma lei ordinaria, e por esse motivo e que a commissão entendeu que devia propôr um credito supplementar para a despeza que se faz com ella em quanto durar; porque se fosse uma cousa ordinaria, deveria essa despeza vir no orçamento. Parece-me portanto que a commissão andou regularmente estabelecendo o credito supplementar, em quanto existir essa despeza; sendo as circumstancias as mesmas que se deram o anno passado para ella se votar; se porém os nobres Deputados assim o entendem, faça-se uma lei para acabar essa companhia; mas emquanto ella existir, ha de haver a despeza, e por consequencia uma lei que a auctorise (apoiados).

Se o Sr. Ministro do Reino estivesse presente, melhor poderia esclarecer este negocio: pela minha parte eu não fiz mais que explicar as razões que a commisão teve para adoptar o artigo.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, eu não tinha tenção de entrar no debate; todavia é esta uma questão importante, e sobre a qual devo dizer a minha opinião. Estou convencido que no orçamento não se podem conceder meios ao Governo para se augmentar mais uma companhia para a guarda municipal de Lisboa; por que entendo (e tenho-o sustentado por mais de uma vez nesta Casa) que não é o orçamento a lei competente para fixar a força que deve existir no paiz (apoiados).

Sr. Presidente, o decreto que auctorisa a creação de uma 7.º companhia da guarda municipal de Lisboa, allude ás circumstancias extraordinarias em que se achava então o paiz, e é sómente debaixo deste ponto de vista que podia conceder-se que se augmentasse a força militar na cidade de Lisboa, e em todo o Reino; mas se nós não podemos na presença das praticas constitucionaes incluir no orçamento uma verba especial para pagar alguma força militar, que não esteja auctorisada por lei, tambem não podémos na presença das conveniencias auctorisar essa despeza, porque as circumstancias que deram logar á creação de mais uma companhia para o corpo da guarda municipal de Lisboa, caducaram completamente (apoiados). Sr. Presidente, quaes são, visto que se chama para o campo das conveniencias, as circumstancias em que se acha actualmente este paiz, que senão dessem ha quatro, ou seis annos, para exigir-se que se augmente a força militar da cidade de Lisboa, ou do Reino? Pois não se votaram ainda este anno nesta Casa mais 6:000 homens para o Exercito, porque importava votar esses 6:000 homens a eliminação da antiga clausula, de que o Governo era obrigado atê-los licenciados como até aqui? Pois não votamos tambem este anno os batalhões nacionaes, que ainda augmentaram mais a força publica Pois estes corpos, por isso mesmo que não existiam ha quatro ou seis annos no paiz, não se reputaram mais um elemento de força, para que podesse dispensar-se essa 7.ª companhia da guarda municipal, que nunca existiu neste paiz senão depois das circumstancias extraordinarias o exigirem? Pois como ha de esta Camara votar uma verba para um augmento de força militar que não esta auctorisado por lei, e que não é reclamado pelas circumstancias? (Apoiados). S. Ex.ª alludiu á situação excepcional do paiz n'aquella época; mas, Sr. Presidente, diz o nobre relator da illustre commissão de Fazenda, invocando a opinião do nobre Ministro do Reino, que aquella força era indispensavel, porque d'ahi dependia o socego publico da Capital, e do Reino; mas o illustre relator da commissão de Fazenda disse ao mesmo tempo, (referindo-se ao que tinha tambem avançado S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino) que as praças da 7.ª companhia da guarda municipal não accresciam para a despeza, porque eram as vacaturas das outras companhias, que a suppriam: se isto assim é, qual é então a força que vem sustentar a tranquilidade publica da Capital? Qual é então esse augmento de força, de que depende o socego publico no paiz? São 3 officiaes, um capitão, um tenente, e um alferes?!.... Parece incrivel que se avance semelhante asserção, parece incrivel que estejamos á mercê de tres officiaes para não sermos devorados pela hydra da anarchia!... Muito fracos são os esteios do Governo, quando necessita destes sustentaculos para se conservar no Poder!.. Se é exacto que das vacaturas se preenche a 7. companhia da guarda municipal, então são os tres officiaes, que sustentam o socego publico da Capital; e se não é exacto, como havemos nós devotar esta verba? Mas effectivamente isto não é exacto, porque no orçamento do Ministerio do Reino, no logar competente, la vem averba necessaria para os quadros completos das outras companhias, e lá não se mencionam vacaturas. Sr. Presidente, a despeza que se apresenta, não é uma despeza insignificante; eu já a calculei aqui á pressa, anda por 17 contos de réis, não mettendo em conta o azeite para luzes e outros objectos: mas ainda quando a despeza não fosse senão de 30 réis entendo que, pela fiel observancia dos principios que somos obrigados a respeitar nesta Casa, não podemos votar uma força, que não esta auctorisada devidamente por lei, e que não é reclamada por circumstancias iguaes áquellas que obrigaram o Governo a crear esta força nos tempos excepcionaes (apoiados).

Sinto muito que não esteja presente o nobre Ministro do Reino, porque é precisamente elle que devia responder pela verba a que se allude; e parecia-me que o mais conveniente, e o mais parlamentar era que se adiasse esta discussão até que S. Ex.ª apparecesse: entretanto se a Camara não quer votar este adiamento que proponho, desde já declaro que não posso votar pela auctorisação do credito supplementar ao Governo, porque aquella companhia não esta estabelecida por lei, e por consequencia não póde vir mencionada no orçamento uma despeza para ella, porque é caricato que se diga, que a tranquilidade publica do paiz repousa sobre tres officiaes da guarda municipal (riso).

Leu-se logo na Mesa a seguinte

Proposta. — a Proponho o adiamento até que esteja presente o Sr. Ministro do Reino.» — Fontes Pereira de Mello.

Sendo apoiada, entrou em discussão.

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O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu voto contra o adiamento proposto pelo nobre Deputado, porque não é culpa nossa a ausencia do Governo: senão ha Governo, ao menos ha Camara. Depois que a Camara ouviu a declaração dos dois illustres membros da commissão, não póde approvar esta verba, porque para se auctorisar a creação da 7.ª companhia da guarda municipal, invoca-se a segurança publica; e quando se tracta da despeza necessaria para esta companhia, diz-se que ella será feita pelas vacaturas; se isto assim é está claro que é desnecessaria esta verba de 17 contos (apoiados). Reduzi os vossos argumentos a um dilemma: agora escolhei. Se se attender a que o Ministerio da Guerra esta augmentado com 300 contos, se se considerar que ha mais 30 contos para os batalhões nacionaes, e que ha mais agora 17 contos para uma companhia da guarda municipal, que foi creada em circumstancias extraordinarias, a Camara não póde de fórma alguma approvar a verba, aqui lançada. O Sr. Ministro do Reino não toma parte nos debates; entende que póde tractar o Parlamento sem consideração, não apparece na sua cadeira como rigorosamente lhe cumpria: não tem principios, não apresenta systema: limita-se simples e frouxamente, por contar de antemão com a docilidade da maioria, a inserir fugitivamente, sem clareza. n'uma especie de relatorio uma verba, que não é reclamada por consideração alguma, e que de mais a mais não esta auctorisada por lei. Pois como se póde invocar a segurança publica para justificar a existencia da 7.ª companhia da guarda municipal, quando o Governo diz, que a anarchia não ergue a cabeça, e que quando o queira fazer, ha ahi uma máo de ferro para a esmagar! O Governo deve bem-dizer as revoluções, porque as invoca constantemente para fundamentar a necessidade das suas medidas. Senão tivesse havido em 1846 uma revolução, se o Governo agora não estivesse a chamar por outra, o que seria do actual Ministerio!

Pela vossa regra, o Parlamento serve apenas para votar soldados e dinheiro: não se tractando de bayonetas ou de contos de réis, não fazeis o menor caso das vossas obrigações perante a representação nacional. No principio da actual sessão não vos mostrou um illustre Deputado, que fallou sobre este assumpto, a illegalidade d'uma 7.ª companhia na guarda municipal, por isso que não estava auctorisada? Não teve o Governo d'então para cá tempo sufficiente para apresentar uma proposta de lei neste sentido, como era sua obrigação? Mas não se fez nada disto, porque senão respeitam principios, porque o Governo entende que a Camara é uma simples chancellaria, e que ha de votar tudo quanto elle quizer; não é assim, o Governo deve ter systema e principios, e jámais póde sair destes principios; o contrario é absolutismo, e não ha nada tão cruel como um despotismo disfarçado (apoiados). A commissão de Fazenda não tem dito por mais de uma vez que senão póde approvar despezas, que não estejam auctorisadas por lei? Invoca-se a lei para uma cousa, e para outra não!.... Esta 7. companhia creada em outubro de 1846, apresentará a mesma necessidade em maio de 1849? Hoje ha guerra civil? Hoje a guarda municipal sae para fóra de Lisboa para combater a revolução, acampa hoje no Alto do Viso? Pois não se fez sempre o serviço da capital com 6 companhias? Se a guarda municipal é para policia, bastam as 6 companhias; se é para politica, então lá tem o exercito e os batalhões (apoiado).

Concluo votando contra o adiamento, porque entendo, que elle não significa cousa alguma: a Camara já tem bastante conhecimento do facto para o approvar ou rejeitar; e se o Sr. Presidente do Conselho não esta presente, a culpa não é nossa.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, antes de se entrar na discussão do adiamento, eu havia pedido a palavra primeiro, que o nobre relator da commissão de Fazenda me dirigisse o convite, que me fez para eu responder por parte do Governo — se por ventura o Governo ainda entendia ser necessaria a companhia da guarda municipal de que se tracta — depois veiu esta questão do adiamento, e entendi que devia igualmente pedir a palavra para o combater por parte do Governo; e por esta occasião farei tambem as breves e pequenas observações, que tinha a fazer sobre a questão principal.

O que nós vemos nesta questão é a existencia de um facto, e vem a ser — a existencia d'uma companhia de mais no corpo da guarda municipal de Lisboa, que na presença do Parlamento até aqui se tem conservado, e sustentado, entrando a despeza desta companhia nas differentes folhas, pelas quaes se paga áquella repartição. Portanto o Governo, e a commissão de Fazenda, consignando na lei do orçamento este facto, presta homenagem aos principios, porque pede ao Parlamento os meios necessarios para satisfazer esta despeza. Mas este facto, como já observou um illustre Deputado, não veiu d'um arbitrio do Governo, veiu d'um decreto publicado, é verdade em circumstancias um pouco mais differentes daquellas em que estamos; mas entretanto um decreto houve, por cima do qual (para assim dizer) passaram já duas leis do Parlamento, que em nenhum dos seus artigos consignaram a revogação deste decreto. O que é certo, é que esta companhia da guarda municipal tem continuado a «fazer serviço nesta capital diante dos seus habitantes, e na presença do Parlamento, quando elle tem estado aberto. Ora será compativel com o interesse publico, e mesmo com o serviço pelo modo que hoje se acha detalhado nesta capital, que por um rasgo de penna se diga — Não haja de hoje por diante a 7.ª companhia da guarda municipal?.... — Esta simples consideração deve convencer a Camara de que não era possivel acceitar a proposta do nobre Deputado. E além disto vem ainda reforçar mais o inconveniente de se approvar essa proposta, a declaração que o Governo fez, perante a illustre commissão de Fazenda, de que por ora não podia prescindir do serviço da 7.* companhia da guarda municipal; declaração que eu repito, não só em nome do Sr. Ministro do Reino, mas em nome do Governo, que eu aqui represento, e cuja opinião a falta do Sr. Ministro do Reino não inhibe que seja apresentada. E por esta occasião direi, que S. Ex.ª se não esta presente, é porque motivos de serviço o impedem de ter vindo; e de certo assim é pelo que pertence aos outros dois meus illustres collegas os Srs. Ministros da Guerra, e da Justiça, que estão na Camara dos Dignos Pares assistindo á discussão de objectos pertencentes ás suas repartições. Mas em quanto ao Sr. Ministro do Reino deve-se mais attender a que elle é encarregado de duas pastas, qual dellas mais importante, e das quaes uma só basta para lhe levar todo o tempo,

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quanto mais duas simultaneamente, sendo que a segunda muito principalmente hoje o occupa, por ser o dia de receber o Corpo Diplomatico.

Portanto, Sr. Presidente, feitas estas declarações, e a de que o Governo não póde prescindir ainda do serviço da 7.ª companhia da guarda municipal, havendo a Camara de convir em que o juiz deste negocio é o Governo, e que se tracta de assumpto de confiança, se a Camara o honra com essa confiança, não póde deixar de approvar esta verba. E aqui esta mais uma circumstancia em que os illustres Deputados deviam observar a boa fé, com que o Governo em tudo procede, pois podendo esta despeza vir no orçamento, veiu no credito supplementar, e porque? Porque não era uma despeza ordinaria: e isto significa a intenção que o Governo tem de dissolver a 7.ª companhia, logo que chegue a occasião de se achar, que não é necessaria; razão de mais para a Camara se prestar a approvar esta despeza.

Ora o argumento que se pertendeu tirar da explicação, que o Sr. Presidente do Conselho deu, e que o illustre relator da commissão de Fazenda apresentou sobre a despeza — de que effectivamente não era despeza, por isso que as vagaturas compensavam isto que o parecia, mas que a final o não era. — S. Ex.ª não quiz dizer o que os illustres Deputados, que combatem a verba, tiraram por conclusão, nem podia ser essa a que se continha nos principios por S. Ex.ª estabelecidos: o que S. Ex.ª quiz dizer, foi que para se poder dissolver a 7.ª companhia da guarda municipal, sem fazer isso differença ao serviço, o Governo deixaria de ir provendo as vagaturas das outras companhias, e que, finalmente, quando o serviço permittisse que se dispensasse a mesma 7.ª companhia, ella se acharia quasi de facto dissolvida. Isto é o que S. Ex.ª quiz dizer, porque de outro modo era de certo uma contradicção, a qual não é possivel suppôr em quem se acha á testa dos negocios publicos, que tem obrigação de ver como as cousas se passam, e como são. Não, Sr. Presidente; quando se fallou em vagaturas, teve-se em vista isto — que attendendo á necessidade de observar a lei, e de dissolver-se um dia essa companhia, o Governo deixaria de ir provendo essas vagaturas, e assim, sem perda do serviço, dado um certo espaço, a companhia se achava dissolvida, e satisfeita por consequencia uma, e outra circumstancia.

Para explicação, não preciso dizer mais; apenas direi, que o Governo nunca considerou a maioria da Camara como uma chancellaria; o Governo tem pela maioria, que o honra com a sua confiança, a maior consideração, e esta certo que estes argumentos sobre indolencia, e demora de trabalhos, não podem ser ouvidos por ella, sem bastante reprovação (apoiados). Portanto, Sr. Presidente, eu concluo declarando, por parte do Governo, que não é possivel prescindir do serviço da 7.ª companhia da guarda municipal, e que o Governo tractará de dissolve-la, apenas veja que não é necessaria.

O Sr. Pereira dos Reis: — Sr. Presidente, sinto não estar de accordo com o illustre Deputado meu amigo, quando disse que senão póde haver Ministerio, ao menos haja Camara; entendo que é preciso haver Camara, e Ministerio: se aqui não vier o Ministerio, se não der contas exactas de si, a Camara é impossivel; isto parece-me doutrina corrente. — Sr. Presidente, eu não tenho dado provas de indolencia, tanto quanto cabe em mim, tenho procurado desempenhar a missão que me foi incumbida; se alguem ha que mereça a consideração de indolente, é da maioria E ponto indubitavel para mim a necessidade do complexo do Ministerio; entendo conveniente que elle esteja reunido nesta Camara durante as nossas sessões; outro qualquer serviço é nada em vista deste, e deve cessar. Tractent fabrilia fabril o Sr. Ministro da Fazenda não póde por mais encyclopedico que seja, dar conta de toda a discussão que compete aos diversos Ministerios; não tem a mesma responsabilidade, a mesma significação, a mesma força que tem cada um dos differentes Ministros nas suas competentes repartições: o Ministerio e solidario, e verdade, nas questões geraes assim o entendo, mas nas questões especiaes, é forçoso que esteja presente o respectivo Ministro.

Sr. Presidente, eu não quero abusar da paciencia da Camara, nem ir além das raias que me são impostas pela propria letra da discussão era que estamos empenhados; tracta-se do adiamento; e ainda que eu nunca peço que as discussões se adiem, tenho que este adiamento é indispensavel.

Diz-se que apresentar-se aqui a verba que discutimos neste artigo, era uma homenagem prestada aos principios constitucionaes: mas por um lado assevera-se que a 7.* companhia da guarda municipal foi creada por um decreto da Dictadura, e por outro lado que para se lhe pagar é forçoso abrir um credito supplementar: aqui apparece uma contradicção palpavel, contradicção que não póde defender nem a subtilesa de Scotto.

Sr. Presidente, este artigo deve ser adiado, por que prendem com elle outras questões, a respeito das quaes precisamos ouvir a auctoridade competente, e especial que é o Sr. Ministro do Reino. — A Camara estará lembrada de que tractando-se aqui da Santa Casa da Misericordia e Hospital de S. José, eu pedi varias explicações; votou-se o capitulo respectivo sem que essas explicações apparecessem, e por tanto deixei de tomar a palavra quando devia para combater nu occasião competente, por falta desses esclarecimentos. O artigo de que nos occupamos, é muito serio; sobre este ponto em que toquei, é preciso que o Sr. Ministro respectivo nos habilite para votarmos com conhecimento de causa; porque se tracta de uma administração que dispõe de centenares de contos de réis, sob a qual estão mais de quinhentos empregados, e a cujo respeito eu tenho informações exactas de pessoas competentes, que me affirmam estarem as duas repartições a que alludo, pessimamente administradas. E preciso pois que o Governo se explique sobre este ponto. Ao Ministro do Reino compete dar as explicações que pedi: se esta empenhado em algum serviço publico, esperemos que venha, mas não votemos ás cegas. Para tudo ha desculpa, e nós não podemos saber aonde esta o Sr. Ministro do Reino, ou os outros: mas sem podér desmentir o Sr. Ministro que esta presente, eu já vi nesta Camara factos, pelos quaes se prova que não é infallivel a opinião de S. Ex.ª relativamente ao incommodo dos seus Collegas do Ministerio: já se aqui disse que um Sr. Ministro estava com uma grande enfermidade, e elle appareceu pouco tempo depois naquelles bancos; já se disse depois, que outro estava sobrecarregado com o serviço publico, e elle estava banqueteando-se n'uma casa.

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(apoiados) Mas estivesse ou não em serviço, o do Parlamento prefere a todo e qualquer outro, seja de que naturesa for. Eu sei que ha quatro Ministros só, mas dividam-se; sei que ha discussão na Camara dos Pares, mas e de crer que lá não seja preciso mais do que um, e tres, pelo menos, deviam estar naquellas cadeiras.

Concluo pois pedindo á Camara que não vote esta verba, sem que lhe sejam dadas as necessarias explicações; e espero com muita ancia que me sejam transmittidas as que pedi ao Sr. Ministro do Reino, que são importantissimas: tracta-se da vida de muitos infelizes, tracta-se da administração das duas primeiras Casas de Caridade deste Reino, e não e isto negocio, a respeito do qual cerremos os olhos.

Por todas estas razões entendo que o adiamento é essencialmente necessario, porque vai nisso a honra da Camara, e a conservação dos principios que devemos seguir constantemente. Sr. Presidente, não se tracta de uma verba de 17 contos de réis, esta é a douctrina que lá fóra se defende, que não se sabe defender; não se tracta disso, que seria uma cousa mesquinha; de que se tracta, é de saber se o Governo cumpre ou não a lei, e se satisfaz aos seus deveres. _

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pelo muito desejo que tenho de me illustrar, cedo da palavra para ouvir o Sr. Corrêa Leal.

O Sr. Corrêa Leal: — Agradeço muito ao illustre Deputado a fineza que me fez, de ceder da palavra, porque podia ter a infelicidade de se dar a materia por discutida, e não poder dizer á Camara o que tenho a dizer a este respeito... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Podia estar descançado que deste lado (o esquerdo) não se pede, que se julgue a materia por discutida). O Orador: — Sr. Presidente, combato o adiamento, e voto contra elle, por julgar de toda a necessidade que este paragrafo seja discutido, e votado pela Camara segundo a Camara entender que o deve votar; e então, Sr. Presidente, hei de, pelo modo que tenciono votar, fallar a favor delle, e da sustentação da verba, que se propõe para este credito supplementar. O argumento mais forte que se tem apresentado contra a existencia desta verba, ou approvação deste credito, e porque a Camara não póde approvar a existencia de uma 7.ª companhia na guarda municipal, que não esta creada por lei, e que aquillo que não esta creado por lei, não póde, sem que o Governo tenha trasido a proposta para a sua creação, ser aqui votado; mas eu entendo, e estou certo que muitos outros illustres Deputados hão de entender como eu, que esta companhia esta provisoriamente formada, e que para esta despeza que é tambem provisoria e eventual, é que se pede o credito supplementar. Que a companhia foi creada provisoriamente, já a Camara sabe pela existencia do decreto que a creou, e os fundamentos com que foi creada; e tambem a Camara deve saber, que o Governo e o juiz proprio para lhe dizer até quando julga necessario a provisoria existencia dessa companhia; e por consequencia se a Camara presta confiança ao Governo, acceita-lhe a sua declaração, e approva-lhe a despeza temporariamente, e se lhe não presta confiança, retira-lhe a approvação, isto é, rejeita-lhe a verba. Mas diz-se — illude-se a Camara querendo que se julgue necessaria a existencia de uma companhia para augmentar a força da guarda municipal, quando essa companhia não monta a mais do que um capitão, um tenente, e Um alferes; portanto declarando o Governo que quasi despeza nenhuma faz, porque a 7.ª companhia equivale ás vagas que ha no corpo, segue-se que a 7.ª companhia é formada das vagas que ha nas outras 6, e o que ha a maior para sustentar a tranquillidade publica reduz-se a um capitão, um tenente, e um alferes. — Não é assim; é preciso ser sincero e franco com os nossos argumentos, e não os revestir de certa apparencia que ás vezes nos fascina e engana; não é assim. Quando se diz que a 7.ª companhia não é muito onerosa ao Thesouro Publico, porque existem vagas nas outras companhias que o corpo tem na sua organisação, quer dizer que em um corpo de 6 companhias numerosas, em um corpo grande numericamente fallando, sempre, por via de regra, ha muitissimas vagas, que estão todos os dias a apparecer por immensas, e innumeras eventualidades. — «Mas se ha essas vagas não é preciso o credito supplementar para a companhia.» — É preciso; porque da existencia dessa 7.ª companhia é que vem a compensação a essas outras faltas, que se dão nas outras companhias; é por existirem essas vagas nas outras companhias, que na 7.ª provisoriamente creada se quer a compensação dellas. Ora pergunto, o Parlamento tem ou não tem approvado sempre, em todos os tempos, verbas supplementares e extraordinarias? Tem, não o póde negar. Aqui mesmo vem verbas immensas que se não podem calcular sempre as mesmas, nem sempre existentes, e que podem de um anno para o outro ser eliminadas ou dispensadas, mas que podem não o ser, e que o Governo vigilante tem obrigação de prevenir-se com o credito competente para que lhe não falte na occasião, em que se dê a necessidade da existencia dessa verba. Ha alguma lei que creasse despeza para comprar papel? Pois aqui tambem vem uma verba para comprar papel para sellar. Ha alguem que diga que se vote despeza para tractar de 500 doentes? Não; porque póde haver 500, e póde haver 2:000, e para isso é que é necessaria a verba supplementar; e o mesmo acontece a respeito dos presos, etc. Pois é o mesmo que o Governo faz com a guarda municipal; previne-se. E em que tempo foi creada a companhia? Foi em outubro de 1846. a Mas o Governo podia desde logo, em uma circumstancia especial julgar que devia trazer uma proposta para a organisação permanente do corpo com 7 companhias em logar de 6?»» Não; porque a creava por certo tempo, e para certas circumstancias: logo como havia de ser, se a organisação do corpo era de 5 companhias, e se o augmento de 1 era para durante esse certo tempo? Ora o Governo prevendo que esse tempo teria um limite, não alterou a organisação do corpo, e provisoriamente pediu o credito supplementar. Agora apparece este credito supplementar, porque lho ha de negar a Camara? Quem não tiver confiança no Governo, rejeita a concessão da verba, mas em quanto a Camara prestar a sua confiança ao Governo, ha de votar-lhe a despeza eventual e temporaria, que elle julga necessaria. Por consequencia voto contra o adiamento, e julgo que deve ser rejeitado por desnecessario.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, eu voto pelo adiamento, e tanto maior motivo tenho para proceder assim, quanto vejo que, no decurso da discussão,

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alguns Srs. Deputados tom exigido a presença do Sr. Ministro do Reino, e Presidente do Conselho, para obterem de S. Ex.ª as devidas explicações, ou seja sobre o negocio da 7.ª companhia da guarda municipal, ou seja sobre o que diz respeito a Misericordia, ou seja pelo que toca á instrucção publica; ou em fim sobre outros pontos, que teem relação com este § 3.º a respeito das quaes são necessarias varias explicações dadas por S. Ex.ª Sr. Presidente, durante esta discussão ouvi proferir por um nobre Deputado uma asserção a respeito de votos de confiança, que eu não devo deixar passar sem o competente correctivo, e que esta Camara... (Entra o Sr. Presidente do Conselho, e Ministro do Reino.) Sr. Presidente, vejo já sentado no banco do Ministerio o Sr. Ministro do Reino, por isso não continuarei nas reflexões que ía a fazer, e parece-me que com a presença de S. Ex.ª cessa a necessidade do adiamento (apoiado.) Se eu podesse alguma cousa para com o illustre auctor do adiamento, eu lhe pediria para o retirar, a fim de podermos desde já entrar na discussão principal, visto que esta questão d'ordem nos proporcionou a occasião determos presente o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Presidente: — Não é preciso retirar-se o adiamento, porque esta prejudicado com a chegada do Sr. Presidente do Conselho, e Ministro do Reino. Continua a discussão do § 3.º

O Sr. Cunha Sotto-Maior — Sr. Presidente, não me parece necessario renovar a questão; naturalmente o Sr. Ministro do Reino já sabe, pouco mais ou menos, o assumpto de que tractamos. Discute-se uma verba para a 7.11 companhia da guarda municipal, a materia já esta esclarecida, julgo inutil repetir o que já esta dicto, e redicto; mas devo, ainda que em poucas palavras, responder a um argumento de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, que me não parece o mais competente para fallar nesta materia. Disse S. Ex.ª a Que esta despeza não tinha sido votada o anno passado, e comtudo ella se tinha feito.)? Sr. Presidente, este argumento não procede, este argumento não devia ter vindo do banco dos Ministros; o facto de se haver pago esta despeza, sem estar auctorisada por lei, não póde nem deve, de maneira alguma, influir no animo da Camara para vota-la agora. Tem-se demonstrado, até á evidencia, que a 7.ª companhia da guarda municipal não póde nem deve existir em presença da lei, e em presença dos apuros do Thesouro; e uma vez demonstrado que a companhia não deve existir, a Camara não deve votar a verba. A maioria foge constantemente das douctrinas, para se acastellar nos precedentes; os precedentes não constituem direitos, os precedentes não valem nada quando são absurdos, e dado esse caso nem se devem invocar.

A creação da 7 a companhia da guarda municipal foi resultado de extraordinarias circumstancias pelos acontecimentos de 6 de outubro de 46; luctava-se então com a guerra civil; a guarda municipal tinha ao mesmo tempo de fazer a policia, e de combater; parte deste corpo saiu para fóra da cidade, por este facto diminuiu a sua força, era de primeira intuição augmentaria, mas agora, que as circumstancias são outras, agora que reina a paz octaviana, que ninguem perturba a inercia do Governo, que a resistencia é só passiva, não vejo a necessidade de mais uma companhia na guarda municipal: acabada a causa, cessa o effeito, findaram as causas que levaram o Governo a crear mais uma companhia da guarda municipal, logo essa companhia não deve existir. Esta votada uma maior força de linha, temos um exercito de 24:000 homens, votou-se igualmente a conservação dos batalhões nacionaes, ha por consequencia mais elementos de força; voto contra a verba, no entretanto como esta presente o Sr. Ministro do Reino, eu convido S. Ex.ª a dar-nos algumas explicações, e se ellas me convencerem, não terei duvida em reformar a minha opinião

O Sr. Presidente do Conselho, e Ministro do Reino — Sr. Presidente, eu serei muito breve nas explicações que der; o estado da minha saude não me permitte fazer muitos esforços.

Sr. Presidente, o decreto da Dictadura, pelo qual foi creada a 7.ª companhia da guarda municipal, foi sanccionado pela lei de 19 de agosto de 1848 (apoiados.) Devo dizer, por esta occasião que a despeza feita o anno passado não foi a mais que a verba geral votada para este ramo de serviço.

A necessidade da existencia da 7.ª companhia continua; felizmente estamos n'um estado de paz, como disse o nobre Deputado que acaba de fallar, temos esperança que ella continue, mas para que possa continuar e necessario que estejamos preparados para todos os acontecimentos. O Governo julga de absoluta necessidade a continuação, neste anno economico futuro, da 7.ª companhia da guarda municipal; e, por consequencia, acceita o credito marcado pela commissão, e não por proposta a este respeito, na intelligencia de que a commissão incluiria a verba necessaria para essa despeza (apoiados)

O Sr. Rebello da Silva — Sr. Presidente, a primeira cousa que eu nego, é que esteja comprehendido na lei de 19 de agosto o decreto da Dictadura para a creação da 7.ª companhia da guarda municipal, e nego porque lendo o art. 1.º dessa lei vejo que só deu força de lei aos documentos que continham medidas de execução permanente, e que comprehendiam materia legislativa, e o decreto que creou a 7.ª companhia, estabelecida para o momento, não contêm em si materia de execução permanente, nem materia legislativa; e não contendo pois este decreto nem materia de execução permanente, nem materia legislativa não podia ser, de modo algum, comprehendido na lei de 19 de agosto de 1848. A 7.ª companhia foi creada, como já disse, para as circumstancias de momento; expiraram essas circumstancias, deve acabar a companhia: foi neste sentido que então correu a discussão, em que se fizeram varias declarações, e em que se fez a lei. Vê-se, alem disto, que o decreto da creação da companhia positivamente dizia, que logo que acabassem as circumstancias extraordinarias, em que se achava o paiz, a companhia deixaria de continuar. Portanto já se vê que a 7.ª companhia existe sem lei que auctorise a sua existencia, o é isto que, por modo algum, esta Camara deve consentir; e assim não deve votar a verba que se pede para a sustentação dessa companhia: é preciso que de uma vez por todas se determine que o orçamento não deve conter verba alguma de despeza, que não esteja fundada em lei.

Sr. Presidente, quando entrou o Sr. Ministro do Reino referia-me eu a uma asserção aqui apresentada por um nobre Deputado a respeito de votos de confiança. Pela asserção do nobre Deputado vê-se que

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S. S.ª entende que todas as questões ministeriaes no Parlamento se devem reduzir a uma formula commoda e simples, que dispensa a discussão; basta ser questão classificada como Ministerial para a Camara, se tem confiança, votar por ella, e se a não tem, rejeita-la. Sr. Presidente, quando mesmo a questão do orçamento podesse ser considerada Ministerial, que não se considera, que nunca se considerou, e que seria absurdo se se considerasse, (apoiados) nunca podia a Camara admittir a idéa do illustre Deputado. Para essa confiança existir é necessario que exista a prova da razão, porque as maiorias decidem sempre pela razão; as maiorias não decidem pela amisade que teem para com os Srs. Ministros; não se tracta aqui de questões de amisade, as maiorias devem decidir segundo os principios de justiça. Mas o que eu vejo, é que entre a defesa apresentada pelo Sr. Presidente do Conselho, e a apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda, e o illustre Deputado, ha uma differença immensa. O Sr. Presidente do Conselho quiz sustentar que isto era uma despeza que estava auctorisada pela lei de 19 de agosto; o illustre Deputado, e o Sr. Ministro da Fazenda dizem, que era uma despeza provisoria; e o Sr. Deputado ainda disse depois, confundindo as duas palavras, que era uma despeza provisoria e eventual (riso.) Então o que é, Sr. Presidente, é a lei de 19 de agosto? E uma despeza provisoria? É eventual? É um credito supplementar? O que é? E que nos disse mais o illustre Deputado membro da commissão de Fazenda? Disse que não havia lei que justificasse a verba; mas disse ao mesmo tempo, que havia as razões, que passou a expor, e que apresentara no seio da commissão o Sr. Ministro do Reino.

Ora o que eu mais admirei, foi dizer o outro illustre Deputado, quando cheio de uma satisfação interior nos declarou que era o Governo o unico juiz para conhecer a necessidade da despeza, que uma vez que elle dizia ser-lhe necessaria, era indispensavel que a maioria lh'a votasse. O Sr. Ministro da Fazenda disse que não achava conveniente usar-se aqui da expies são — chancellaria — mas eu pergunto á Camara, se se seguisse a douctrina do illustre Deputado, qual era o resultado? Se o unico juiz competente para conhecer da necessidade das despezas é o Governo, se se quer fazer da questão do orçamento questão Ministerial, o que nunca se fez, qual é a consequencia que se tira?... Entretanto eu tambem rejeito a palavra chancellaria, por honra da Camara; nem foi no sentido em que o Sr. Ministro a tomou, que o Sr. Deputado pelo Algarve usou dessa expressão.

Mas o illustre Deputado ainda achou outra razão: disse S. S.ª — Porque não havemos devotar esta verba, pois não vem aqui tambem uma despeza para a compra de papel para sellar? E ha lei alguma que a auctorise? (riso) O illustre Deputado devia saber que ha uma lei especial para o papel sellado, e para se sellar o papel, é necessario que se compre; isto é uma cousa tão visivel, que nem merecia resposta.

Disse o Sr. Ministro da Fazenda, que o Governo não pode nem quer considerar a Camara uma chancellaria, por isso que a respeita muito; e que a prova esta na delonga dos seus trabalhos. Perdôe-me o illustre Ministro; o que digo não tem referencia alguma a S. Ex.ª nem lhe cabe a menor censura, porque sei a data em que S. Ex.ª entrou para o Ministerio, sei os trabalhos que tem feito, e o tempo que empregou para os fazer; mas os outros seus collegas não estão no mesmo caso de S. Ex.ª, esses não têem feito nada, têem jazido n'uma completa indolencia e incuria desde as cousas mais importantes até ás mais insignificantes; o Parlamento esta no segundo anno da sua sessão, e que tom feito? Que é das medidas importantes, que é das leis salvadoras que se nos pro metteram? Aonde esta a lei eleitoral, a lei das estradas, a lei administrativa, e outras de igual natureza? Estão adiadas; e porque? Pela negligencia e incuria do Governo. E que ha de dizer esta Camara aos seus constituintes? Que ha de dizer cada Deputado, quando se apresentar na sua provincia, e lhe perguntarem — Que fizestes em beneficio deste desgraçado paiz, tão digno de melhor sorte? Ha de dizer — Votei a falla ao Discurse do Throno, a lei de despeza, a lei de meios, e nada mais!... Eis o que a Camara tem a responder aos seus constituintes: eis a situação em que o Governo nos collocou, (apoiados)

Sr. Presidente, no tempo dessa guerra civil, quando a guarda munirei pai de Lisboa marchava para o Norte, nessa occasião fizeram-se declarações solemnes ao paiz; prometteu-se-lhe que se ía tractar da sua organisação, que se ía justificar o partido Cartista das accusações que se lhe fizeram, de ser menos economico na administração dos dinheiros publicos; prometteu-se-lhe que se íam fazer grandes economias: acabada a guerra, apresentou-se naquellas cadeiras um Ministerio, que prometteu satisfazer todas estas obrigações; prometteu trazer as convenientes propostas de lei, e disse que não apresentára a reforma de fazenda, porque não tinha havido tempo para isso: toda a Camara ouviu dizer o Ministro de então — «Este anno não houve tempo, mas para o anno ha de resolver-se definitivamente a questão de fazenda?» — > e, Sr. Presidente, aonde esta essa organisação da fazenda? Aonde esta a reforma dos direitos de consumo da alfandega? Aonde esta a reforma da administração dos impostos? Que se fez a respeito da administração civil? Nem ao menos se conheceu, que no tribunal contencioso era impossivel continuar o serviço só com os Conselheiros que tem, porque faltando um, já não póde haver deliberação. Pois nem houve tempo para trazer uma proposta á Camara para se attender a isso 1.. Eis-aqui a actividade do Governo; eis-aqui a que se reduziram todos os seus programmas, e todas as suas promessas; promessas que estão registadas no Diario da Camara, e que eu hei de trazer á memoria da Camara todas as vezes que se offerecer occasião.

Mas pergunto: se é corrente o que disse o Sr. Ministro, de que se prestava homenagem á Camara em se apresentar esta verba, sem auctorisação de lei para a formação desta companhia? Eu julgo que sé prestava sempre homenagem ao Parlamento, quando se discutiam os negocios perante o Parlamento, quando se lhe davam esclarecimentos, e quando não se votava furtivamente, e fóra dos tramites legaes.

Disse o Sr. Ministro — não se póde dispensar por ora a 7.ª companhia: — foi a mesma razão que se nos deu o anno passado: quando se perguntou aonde estava A auctorisação da despeza para essa Companhia da guarda municipal? Disse-se — ha de vir á proposta — primeira promessa que se não cumpriu.

Sr. Presidente, eu não posso approvar essas desculpas dos Srs. Ministros — de terem duas pastas — e outras razões similhantes; o Parlamento não tem.

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a conhecer senão o bom, e fiel desempenho dos seus deveres, e quando não possam vir á Camara, previnam a Mesa para se tomarem as medidas convenientes, mas não podem deixar de responder. Nem eu sou partidario dessas accumulações de pastas, que não podem servir de desculpa: se o Ministro não póde com duas pastas, largue uma, e se não póde com uma, retire-se; mas em quanto se não retirar, não póde deixar de vir aqui para ouvir as discussões, e explicar-se, a fim de a Camara poder votar com conhecimento de causa: porque nós não havemos responder ao paiz, quando fizermos uma votação irreflectida, que o Ministerio estava recebendo o Corpo Diplomatico, e por isso nos não póde esclarecer: isto não são razões para o paiz, e por consequencia não podem se-lo para a Camara.

Sr. Presidente, eu sinto que o nobre Ministro do Reino fizesse aqui uma apparição tão subita, e que logo depois della se retirasse, sem dar a explicação dos outros pontos em que versava a discussão, e que estamos debatendo. Espero que S. Ex.ª se não retirou para fóra desta Casa; porque estão ainda vivas, na memoria da Camara, as palavras com que um illustre Deputado suscitou a sua presença sobre a commissão da Sancta Casa da Misericordia, e outro illustre Deputado sobre a instrucção publica; e por que é impossivel, que esta Camara possa votar questão nenhuma desta ordem, sem ouvir a opinião do Sr. Ministro do Reino.

Voto pois, nem posso deixar devotar, para que o Governo siga o caminho legal. Não quero saber agora quem é o juiz da conveniencia, ou da necessidade de augmentar, ou diminuir a força da guarda municipal de Lisboa; mas em que eu sou juiz, é em que o Governo conserva uma companhia da guarda municipal de Lisboa, sem ser pelos termos legaes. Portanto é de necessidade, que o Governo dê ao Parlamento todas as explicações de que elle precisa; porque nem a Camara, nem nenhum dos Srs. Deputados póde votar sobre uma questão, da qual não teem esclarecimento algum.

O Sr. Corrêa Leal: — Sr. Presidente, não pensava que tinha de fallar mais sobre esta materia; mas o nobre Deputado, que me fez a honra de tomar alguns apontamentos do meu discurso, obriga-me por este motivo a não deixar por assentadas as suas respostas, nem por acceitas as razões que deu, julgando que combatia as minhas. Eu sei que entro sempre com grande desfavor nestas questões do Parlamento; houve tempo em que fui mais timido, e em que suppuz menos, não digo do meu talento, nem da minha habilidade para fallar, mas suppuz menos da minha coragem, para tomar a palavra, na presença de tão abalisados talentos, e illustrações, como as que se sentam aqui; que para mais gloria da minoria, todos, quasi exclusivamente, se teem reunido para compôr o que se chama a minoria desta Camara... (O Sr. Rebello da Silva: — Isso faz elogio ao Governo). Mas não pense o nobre Deputado, que tomou conta destas minhas ultimas palavras, que com isso me tem pilhado em alguma inconveniencia, ou em alguma contradicção, mesmo daquillo que eu disser por diante. Eu tambem tenho uma intelligencia, que Deos me deu, e se as minhas faculdades não são tão apuradas como as do nobre Deputado, comtudo ainda as considero sufficientes para comprehender as questões, e comprehende-las

a ponto de me dizer a minha consciencia, que possa tomar a palavra sobre ellas. O nobre Deputado ha de permittir que eu lhe diga, que não destruiu nenhum dos argumentos que apresentei... (O Sr. Rebello da Silva; — Apoiado), e até me parece que de proposito não se quiz fazer cargo delles, e daquelles de que tomou apontamentos, não me dou por satisfeito com as suas respostas.

Sr. Presidente, eu disse que o Governo neste caso era o juiz competente: disse, que se a Camara lhe prestava confiança, votava, e se não lhe prestava confiança, rejeitava esta verba, ou outra qualquer questão em que o Governo interessasse; mas, Sr. Presidente, veja V. Ex.ª, e a Camara, que heresia eu aqui disse; veja V. Ex.ª que heresia eu aqui lancei, dizendo que o juiz competente era o Governo?! Pois quem será então o juiz competente? Para que é vir-se tomar conta d'uma palavra, que eu aqui disse, e que me não envergonho de a haver lançado na Camara, dizendo que o juiz competente era o Governo? Nenhum Deputado é o executor, que ha de dar cumprimento ás leis, nem saber as necessidades que o Governo tem para a conservação da paz, e da ordem; neste caso é elle o juiz competente, e então repito — se a Camara tem confiança no Governo, approva, e se hão tem, retira-lhe essa confiança, e rejeita essa verba.

Eu disse que a 7.ª companhia da guarda municipal de Lisboa fôra creada por um decreto provisoriamente durante certas circumstancias. Disse que o Governo não julgava que esta situação tivesse passado de todo, para se julgar dispensado da conservação desta companhia: disse que para a conservação desta companhia era preciso um credito supplementar para se lhe poder pagar: disse que havia uma Verba provisoria e eventual, e o nobre Deputado ate nisto julgou que eu tinha dicto, parece-me que quiz fazer sentir á Camara que eu tinha dicto um disparate. Pois, Sr. Presidente, ha nisto alguma inconveniencia da reunião destes dois adjectivos, provisorio e eventual? Pois então a eventualidade não cessa tambem? Pois se a eventualidade não é o mesmo que permanencia, se o provisorio não é permanente, onde esta aqui o desconcerto na união destas duas palavras?

Ora agora faz-se questão desta verba para a continuação da 7.ª companhia da guarda municipal de Lisboa; diz-se que não ha lei para se organisar a guarda municipal com 7 companhias; que se o Governo julga necessario, que aguarda municipal tenha 7 companhias, que trouxesse á Camara uma proposta para essa nova organisação, para que em lugar de 6, tenha 7 companhias, e que se essa organisação fosse approvada, então ficava legal. Mas para que é fallar assim, se o Governo julga que não precisa organisar a guarda municipal de Lisboa com 7 companhias, se o Governo tem na mente que ha de cessar a occasião em que seja precisa a existencia desta 7.ª companhia provisoria? Para que ha de a Camara, se tem confiança no Governo, que é o juiz competente das necessidades publicas, negar-lhe a verba que elle aqui apresenta? Eu entendo que a Camara não lh'a póde negar, sem primeiro lhe retirar a sua confiança.

Mas ainda ha outro argumento: a Camara votou aqui a força publica, a Camara votou 24 mil homens para a força de terra, votou aqui a força de mar e

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de terra, o pergunto eu, nessa votação vinha incluida a força da guarda municipal? Não vinha: por consequencia póde, ou não póde soffrer alteração? Essa alteração póde, ou não póde ser permanente, ou póde ou não póde ser provisoria em quanto senão julgar necessaria essa lei para a organisação da guarda municipal d'uma nova forma? Então em que vai o Parlamento contra as regras e contra os principios, a respeito da 7.ª companhia da guarda municipal? Eu declaro que a não sei. Em quanto á força de mar e teria, essa não se póde exceder, porque não se póde vir pedir sommas extraordinarias, por isso que tem uma somma já votada, além da qual senão póde ir: em quanto a esta força nem numerica, nem algarismicamente póde haver esta excepção; mas a respeito da guarda municipal não se dá o mesmo caso, póde haver necessidade de ser esse o corpo mais augmentado durante um certo tempo. Diz-se que a situação em que se creou a 7.11 companhia, já não existe, já passou: podemos por consequencia dormir o somno da tranquillidade, não ha mais novidade nenhuma; a situação da Europa não move os espiritos, nem nutre desejos, não ha mais nada disso, até em lugar de 7 companhias, podem-se reduzir a 2 ou 3, porque a situação é de paz.

Sr. Presidente, Si vispacem, para bellum. O Governo julga necessario esta companhia, o Governo declarou pelo Sr. Presidente do Conselho á Camara que não póde dispensar esta companhia: se a Camara tem confiança no Ministerio, presta-lhe esta verba, e senão tem confiança no Ministerio, retira-lhe esta verba; e o Ministerio sabe o que ha de fazer.

O Sr. Moraes Soares: — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente por 43 votos contra 22. E pondo-se logo á votação a

Emenda do Sr. Silva Cabral — foi rejeitada por 51 votos contra 11.

§ 3.º — approvado por 49 votos contra 8.

Emenda do Sr. Moniz — rejeitada por 44 votos contra 15.

Passou-se ao

§ 4.º

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, pedi a palavra, e muito pouco tempo levarei á Camara. Desejo fazer algumas perguntas a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, sobre uma questão que já o anno passado se suscitou nesta Cava. A questão dos impostos directos não póde deixar de ser trazida á Camara; e por isso desejo perguntar a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda: primeiro, se o Governo concedida a auctorisação que pediu para a reforma dos impostos directos, se julga auctorisado para no anno futuro apresentar um systema completo de impostos directos, que compreenda a arrecadação e lançamento desses impostos: segundo, se o Governo inclue nas suas medidas as necessarias para a prompta arrecadação dos impostos em divida: terceiro, se o Governo considera a circumvallação de Lisboa, como para sei vir de base a uma completa reforma dos direitos de consumo: quarto finalmente, se o Governo meditando sobre a proposta apresentada pelo Governo hespanhol ao Parlamento daquelle paiz tenciona fazei alguma alteração na pauta das alfandegas. São estas as perguntas, que tenho a dirigir a S. Ex.ª O Sr. Ministro da Fazenda. — Sr. Presidente,

eu tinha pedido a palavra com o fim de dizer, e aproveito esta occasião para esse fim tambem, que S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino esteve tão pouco tempo nesta Casa, porque tendo declarado que se achava bastante incommodado, como a Camara ouviu no principio da explicação por S. Ex.ª dada, o incommodo augmentou, e achou-se na necessidade de recolher-se a casa. Já se vê pois o motivo porque o Sr. Ministro do Reino esteve tão pouco tempo na Camara: mas se a discussão do § 3.º continuasse, eu teria a fazer mais uma vez o meu dever, pedindo novamente a palavra para responder, como podesse, ás objecções dos nobres Deputados.

Respondendo agora ás perguntas que o illustre Deputado que acabou de fallar, e meu Amigo, dirigiu ao Governo, direi, em quanto á primeira: que nas auctorisações que eu aqui apresentei, se por ventura ellas merecerem a approvação da illustre commissão de Fazenda, e da Camara, a minha intenção é effectivamente regular o imposto directo para preencher as condições que se acham declaradas nos artigos dessa mesma auctorisação, de modo que todos quantos devem contribuir para as despezas do Estado, contribuam effectivamente segundo as fôrças que tiverem; e assim acabar, desejarei que por uma vez, e completamente, a grande desigualdade que se dá, sendo uns effectivamente contribuintes, e outros figurando que o são.

Em quanto á segunda pergunta, o nobre Deputado tambem nas auctorisações que o Governo propoz ás Côrtes, tem a resposta que deseja, e vem a ser: que o Governo carece de estabelecer um praso para o lançamento dos impostos, estabelecer outro para os impostos se cobrarem, e estabelecer outro ainda para serem executados os contribuintes remissos, que não tiverem pago as contribuições dentro do que se lhes marcava para elles o fazerem, isto já se sabe depois de adoptadas tambem algumas providencias, que são necessarias para fazer effectiva a responsabilidade dos differentes Agentes do Governo.

Pelo que pertence á circumvallação, que é a terceira pergunta do nobre Deputado, direi tambem: que o Governo decidindo se a levar por diante esta obra, entende que della ha de resultar um grande proveito para o Thesouro, e que a receita das Sete Casas ha de augmentar debaixo do ponto de vista de se fazer completa e segura uma linha de circumvallação. Para isto o Governo tem duas idéas: a primeira é, que apenas a circumvallação esteja feita, deve formar-se um systema de fiscalisação, em virtude do qual possa essa grande obra produzir todos os effeitos.

E a este respeito, Sr. Presidente, direi o que me parece que já disse em outra occasião, e vem a ser: que me admira como as Sete Casas pelo modo, porque estava estabelecida a linha de fiscalisação, podesse ainda produzir a receita que o Governo recebe; parece impossivel, Sr. Presidente, que vendo-se a linha de fiscalisação que havia em toda a circumferencia da cidade, como as Sete Casas podessem ainda produzir o rendimento, que o Governo dahi recebe. Feita pois a circumvallação, o Governo tem tenção de fazer e ordenar um systema de fiscalisação, que emendando tambem os defeitos do actual, possa dessa obra tirar o maior resultado.

Eu, Sr. Presidente, respondendo nesta parte tambem ao nobre Deputado, digo que o Governo en-

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tende que completa o seu pensamento, se por ventura a Camara lhe conceder auctorisação para reduzir os impostos indirectos, que naquella casa fiscal se recebem; porque na verdade elles estão estabelecidos com um excesso tal a respeito de alguns generos, que até aqui esse excesso tem sido em grande parte a causa de muito contrabando que se faz, e de diminuir a receita, que naquella casa fiscal se arrecada.

Estou persuadido que nós acharemos o mesmo que em outros paizes, e em differentes tempos tem acontecido; e vem a ser, que diminuindo-se alguns impostos, isso importe um augmento de receita: e bem que este resultado não appareça no momento em que a medida se adoptar, entendendo eu que nesse momento a receita ha de diminuir na proporção tambem do imposto, creio que passado algum tempo (esta verdade demonstra-se pelos principios da sciencia economica, e pela experiencia dos outros Governos, e ha de tambem realisar-se entre nós) ha de ir augmentando, e ha de exceder a receita, que actualmente se arrecada. Isto pelo que pertence ás tres primeiras perguntas.

Pelo que pertence á quarta ha dever o nobre Deputado qual é o melindre ea importancia desta pergunta. Talvez que ella (e parece-me que o nobre Deputado disse alguma cousa neste sentido) tenha relação com a proposta que acaba de ser feita na nação visinha pelo seu govêrno: por ora é uma proposta simplesmente que esta apresentada no Parlamento; ninguem sabe qual o resultado que ella ha de ter. Mas o Governo Portuguez não tem actualmente outro dever a cumprir senão conservar o que acha; o Governo tem obrigação de pensar nos interesses do paiz debaixo de todos os pontos de vista; o Governo por consequencia tendo esta obrigação, hade resolver como entender, que é mais conveniente á causa publica, (apoiados)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, eu estava persuadido de que tinha havido um requerimento para se encerrar a discussão; mas parece-me que a hora é que a vai encerrar.

Poucas reflexões tenho a accrescentar ás respostas, que teve a benignidade de me dar o Sr. Ministro da Fazenda; estimarei que o systema que S. Ex.ª adoptar quanto ao imposto directo, seja tal (sobre tudo a idéa de definir perfeitamente os prasos do lançamento, cobrança e arrecadação) que dê os resultados que S. Ex.ª espera; mas parece-me que se não fôr combinado esse systema com o da rigorosa contabilidade superior, se o Tribunal do Thesouro não fôr trazido á sua verdadeira natureza; se o Tribunal de Contas não tiver o caracter que deve ter para ser um verdadeiro Tribunal de Contas; se todas as outras repartições annexas não estiverem montadas de fórma que o systema de fazenda habilite não só os Ministros, mas os proprios particulares a conhecerem perfeitamente o andamento dos negocios, e a serem esses negocios facilmente resolvidos; parece-me que toda a administração da fazenda hade estar confundida e deficiente, porque o Thesouro torna-se hoje um labyrintho de Creta; os empregados secundarios convertem-no todo n'uma difficuldade, n'um embroglio perfeito, como o Sr. Ministro ha de ter encontrado, ha de ter notado; mas não é agora a occasião de tractar esta questão. (O Sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado).

Quanto á cobrança da divida atrasada, espero que o Sr. Ministro seja feliz, e traga as propostas convenientes ao Parlamento; veremos o que dá a discussão; e sobre tudo desejarei que o Sr. Ministro possa, para o desenvolvimento dos melhoramentos que tem tenção de estabelecer, contar com aquella força, permanencia e felicidade, que é necessaria para os poder desempenhar.

Quanto á questão da circumvallação, acceito com prazer a promessa que S. Ex.ª acaba de fazer das duas cousas — melhoramento de fiscalisação, e reducção de direitos — e espero que essas medidas trazidas ao Parlamento e discutidas com placidez e exame maduro, hão de ser uma fonte de vantagens para o Paiz.

Quanto á quarta pergunta, não quiz senão prevenir a attenção do Sr. Ministro; e espero que o Sr. Ministro e o Gabinete aproveitem a mudança que vai operar-se no paiz visinho; de modo que quaesquer reformas que se adoptem alli, não colham o Ministerio em descuido, que veja as consequencias dellas, e não nos exponha a sentir os effeitos, e remediar os males, quando elles estiverem já sobre nós actuando.

Julgou-se logo a materia discutida por 58 votos contra 1. E pondo-se á votação o

§ 4.º — foi approvado por 47 votos contra 7.

Passou-se ao

O Sr. Assis de Carvalho: — E agora occasião, Sr. Presidente, de mandar para a Meza a seguinte emenda ao art. 5.º (leu)

Proposta. — «E prestação ás religiosas dos conventos do Reino.?? — Assis de Carvalho.

Posta á votação não se deu numero de votos que a validasse.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, continuarei a fazer algumas reflexões apezar do incommodo que sinto, e fal-as-ei unicamente para mostrar qual é o meu pensamento a respeito das disposições, que contém a lei em discussão.

Sr. Presidente, se queremos a sinceridade do Systema Constitucional, e necessario que nos não fiemos só na nossa consciencia; é preciso que além da consciencia procuremos illustrar-nos, e que não seja seguindo um caminho inteiramente errado que estabeleçamos o nosso voto, porque esse voto póde ter consequencias fataes para o paiz. Disse-nos um illustre Deputado que a sua consciencia lhe dictava que elle podia entrar com intelligencia em qualquer materia; e era nessa mesma occasião, Sr. Presidente, que se commettia uma das heresias mais flagrantes contra os principios do Systema Constitucional — no meio do Parlamento, á face de uma nação, em 1849, ouviu-se dizer: que o Governo era o juiz exclusivo da necessidade de uma medida! É preciso, Sr. Presidente, que se não tenha conhecimento algum do Systema Representativo, para, em appellação á sua consciencia, asseverar um similhante absurdo!... O Governo juiz exclusivo! De que? Por ventura o Governo não tem sobre si o juiz natural que é a nação, a nação representada pelas duas Casas do Parlamento? Não temos nós a obrigação de fiscalisar a observancia da lei? Não estão as nossas attribuições marcadas no art. 15 § 7.º da Carta Constitucional? Como podemos nós velar pela observancia da lei, se não pedindo a responsabilidade ao Governo, senão examinando se elle vem propôr ou não medidas conve-

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mentes e necessarias para o paiz?... Quando se asseveram similhantes cousas, deve de certo não se fiar muito na consciencia; porque a consciencia não é dada sem a intelligencia, e sem o estudo; e aqui vejo que não ha intelligencia, nem estudo. Não é estar aqui a discutir disjuncções de frases para mostrar o que será provisorio ou eventual: deixemos isto para a escóla; elevemo-nos como Parlamento á região dos principios; (apoiados) não queiramos estar aqui constantemente a mostrar que somos chistosos pedagogos para ensinarmos a fraseologia commum Os Parlamentos não podem de maneira nenhuma alcançar aquella auctoridade de que têem necessidade para dar a verdadeira força ás medidas, que sáem do seu seio, senão quando se mostram possuidos não só da dignidade da sua missão, mas da intelligencia sufficiente para a cumprirem.

Disse isto fazendo esforços sobre mim mesmo; e agora passo a fazer algumas reflexões sobre o paragrafo, que esta em discussão. Este § 5.º diz o seguinte (leu.) Eu combato as palavras — «os seminarios quando venham a instituir-se no decurso do anno economico — » e vou dizer com toda a simplicidade as razões em que me fundo, para combater as palavras a que me refiro. Eu entendo que estas palavras foram aqui introduzidas da mesma maneira, e com a mesma subrepção com que foi introduzida a 7.ª companhia da guarda municipal: entendo que separa aquella deve haver lei, para este negocio não só deve haver uma lei, mas esta compromettida a declaração do Ministerio feita naquellas cadeiras, esta compromettido tudo quanto é adjuncto ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros. Este negocio é muito grave; é preciso que se attenda á verdadeira historia da instituição dos seminarios, para poder avaliar-se devidamente a inserção destas palavras no § 5.º Todos sabem que para a instituição dos seminarios ha uma lei, e que esta lei marca positivamente os meios para serem alimentados ou sustentados, quando venham a ser instituidos, quando seja possivel instituir-se. Mas neste intervallo fez-se uma concordata: — e num dos artigos dessa concordata vem a obrigação de estabelecer os seminarios dentro do anno de 1849. Todos sabem qual é a historia da discussão sobre a concordata; todos sabem que sobre este ponto foi provocado o Governo a dar explicações serias, e graves; e o Governo não sómente a respeito deste objecto, mas a respeito de tudo aquillo que contém a concordata, julgou comprometter-se anão fazer cousa alguma, sem que este negocio viesse ao Parlamento para ser discutido devidamente, Por consequencia a inserção destas palavras neste artigo, quer dizer que o objecto não ha de vir ao Parlamento, porque estamos nos ultimos termos da sessão; e como, sem isso, depois de ter havido aquelle compromettimento, não é possivel discutir-se devidamente, não é tambem possivel approvar-se deforma nenhuma esta despeza. Demais, o que quer isto dizer? Quer dizer que além dos meios, que por ventura possam dar os bens das collegiadas, que são aquelles que estão destinados, e applicados por lei para a instituição dos seminarios, o Governo deverá dar do Thesouro Publico outros para essa mesma instituição. Ora poderemos nós approvar uma expressão que traz comsigo a obrigação desde logo, ou pelo menos a auctorisação, de introduzir sem conta, nem pêso, nem medida, a fixação das despezas proprias para esses seminarios? Poderemos nós approvar um credito supplementar indeterminado? Eu peço á Camara se lembre de que este negocio é muito grave; pois não só traz indirectamente a approvação daquillo que primeiramente se deve discutir no Parlamento, segundo o compromettimento do Governo, mas mesmo quando preventivamente fosse necessario tractar deste negocio, era preciso que isto se fizesse por uma lei que marcasse não sómente o numero dos seminarios, mas as despezas necessarias para fazer face a esses seminarios: o contrario disto é lançarmo-nos n'um vacuo, do qual não podemos de maneira nenhuma sair. Concluo pois mandando para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Proponho a eliminação das palavras — seminarios quando venham a instituir-se no decurso do anno economico,» — Silva Cabral

Posta á admissão não houve numero que validasse a votação.

O Sr. Presidente: — A Deputação que tem de ir assistir ao Te Deum, que se ha de celebrar no dia 31 pelas melhoras de Sua Magestade, será composta do Presidente, do Sr. primeiro Secretario, e dos Srs. Barão de Francos, Innocencio José de Sousa, João Elias, Silva Cabral, José Lourenço da Luz, Lacerda (D. José), José Maria Marques, Pereira Forjaz, Vaz Preto, e Visconde de Castellões.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram cinco horas da tarde.

O 1, Redactor,

J. B. GASTÃO.

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