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N.º 3. Sessão em 4 de Junho 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 55 Srs. Deputados.

Abertura — Depois do meio dia.

Acta — Approvada unanimemente.

CORRESPONDENCIA.

Officio. — Do Ministerio da Justiça, acompanhando o mappa do lançamento, e cobrança das congruas no districto administrativo de Vianna do Castello nos annos economicos de 1845 a 1848: continuando desta fórma a satisfazer ao requerimento do Sr. Ferreira Pontes, approvado pela Camara. — Para a secretaria.

O Sr. Antunes Pinto: — Mando para a Mesa uma representação, assignada por 185 habitantes de Setubal, pedindo providencias para que seja restabelecida a cadeira de grammatica latino, que existia naquella villa.

Ficou para seguir os termos regulares.

O Sr. Moraes Soares: — Mando para a Mesa o seguinte

Requerimento. — «Requeiro com urgencia que o Governo mande as representações que lhe teem sido dirigidas pelas auctoridades, e camaras municipaes do Alto Douro, ácerca do estado de decadencia do commercio dos seus vinhos.» — Moraes Soares.

Julgado urgente por 46 votos contra 3, foi logo approvado por unanimidade.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Vou lêr e mandar para a Mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu, e irá transcripto no fim do indice deste volume.)

(Continuando) Peço a urgencia, e que seja impresso no Diario do Governo.

Decidida a urgencia por 48 votos contra 2 — foi remettido á commissão do Ultramar, ouvida a de Fazenda.

Impressão no Diario do Governo — rejeitada por 47 votos contra 4.

SEGUNDA LEITURA.

Do requerimento do Sr. Rebello da Silva para serem convidados os Srs. Ministros a assistir ás sessões, sempre que se tractar dos negocios da sua repartição. (Está transcripto na sessão do 1.º de Junho.)

Não foi admittido por 43 votos contra 13.

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ORDEM DO DIA.

Continua a discussão na generalidade do projecto n.º 53 (Vid. sessão do 1.º de Junho.)

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, continuando o meu discurso, começarei por perguntar a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, qual o motivo que houve para mudar essencialmente de opinião em relação á que tinha o anno passado como Deputado nesta Casa? Sr. Presidente, eu vou lêr á Camara as opiniões de S. Ex.ª, que estão consignadas no Diario das Côrtes, vou demonstrar qual era a opinião de S. Ex.ª anno passado como Deputado, quando se tractava do projecto n.º 34, em comparação com a opinião que tem S. Ex.ª este anno como Ministro, tractando-se da mesma materia. Senão houver razão importante que justifique esta mudança de opinião, isto é, da de Deputado para a de Ministro, que justifique esta contradicção, direi que S. Ex.ª não da sufficientes garantias como Ministro para não mudar uma segunda vez. S. Ex.ª o anno passado, quando se discutia o projecto n.º 34, defendeu as idéas, e principios do meu projecto, queria só amortisação, e eu preciso saber qual a razão do estado que levou S. Ex.ª não só a mudar de opinião, mas até a fazer esta questão, questão ministerial. Disse S. Ex.ª o anno passado como Deputa é o seguinte (leu.)

Assegurou S. Ex.ª que com a quarta parte em notas de admissão nos pagamentos ao Estado, e por conta do Estado, havia de vir ao Governo uma perda de 500 contos no agio das notas. Depois em resposta a uma pergunta diz o Sr. Lopes Branco (leu.)

Isto para mostrar que o agio diminuia, e aqui esta o Sr. Deputado Albano apoiando esta asserção do Sr. Lopes Branco. (O Sr. Albano: — Apoiado, agora digo o mesmo, e estou por tudo que o nobre Deputado quizer, (riso) O Orador: — O Sr. Albano justificou que o agio havia de diminuir, mas o Sr. Albano já este anno disse inteiramente o contrario disto. (O Sr. Albano: — Apoiado, e direi tudo que quizerem.) (riso)

Disse mais o Sr. Lopes Branco (leu)

Já se vê que o anno passado notou o Sr. Lopes Branco como Deputado, ao Governo a situação em que se ía collocar, e perguntou ao Governo como e que elle se sairia desta situação, indo ter unia perda de 500 contos com as nota.? Este anno pergunto eu, o Sr. Lopes Branco como Ministro — como é que S. Ex.ª poderá sair dessa situação. Qual é a situação em que o Sr. Lopes Branco como Ministro se vai collocar, approvando, e até fazendo questão ministerial da conservação, ou continuação de uma lei que, segundo a opinião de S. Ex.ª deve trazer para o Thesouro um grave prejuizo? (O Sr. Ministro da Fazenda: — O anuo passado discutia-se um projecte» de lei, este anno ha obrigação de cumprir a lei) O Orador: — Eu logo responderei a isso, em logar competente.

Diz mais o Sr. Lopes Branco o seguinte (leu) Sendo pois, segundo a opinião de S. Ex.ª o Sr. Lopes Branco, muito precaria a situação em que se ia collocar o Governo pela approvação do projecto 34, situação de que seria difficil sair o Governo, sendo certo que havia de apparecer um deficit, sendo tambem certo que o Thesouro havia de lei uma perda de 500 contos de íeis, e tudo isto resultado da ad missão da quarta parte em nota» nos pagamentos feitos ao Estado, e por conta do Estado, se esta era & opinião de S. Ex.ª o anno passado, pergunto, qual a razão d'Estado que levou S. Ex.ª a adoptar agora uma opinião differente?.. S. Ex.ª já me apontou uma, e eu depois, apontarei duas; disse ha pouco S. Ex.ª é porque o anno passado discutia-se um projecto de lei, e este anno já esse projecto é lei, e como tal é necessario cumpri-la. Sr. Presidente, quando o Deputado que é Ministro d'Estado, reconheceu como Deputado, que um projecto que passou é prejudicial ao Estado, e que é injusto, tem restricta obrigação de propôr a sua derogação; S. Ex.ª pois logo que reconheceu que essa lei era injusta, e prejudicial ao Estado, a primeira cousa que devera ter feito, era propôr a derogação dessa lei, esta é a missão importante do Ministro d'Estado; mas S. Ex.ª não só anão propoz, mas até a não acceitou, porque S. Ex.ª rejeita o projecto da maioria da commissão que é exactamente o mesmo que S. Ex.ª queria como Deputado; quer pois S. Ex.ª que continue a reger no Estado uma lei que é injusta, e prejudicial ao mesmo Estado: como é que se explica isto?.. Tambem S. Ex.ª nos disse, ha dias, que a lei era permanente. Oh! Sr. Presidente, pois n'um Governo Representativo póde-se admittir uma similhante proposta?.. Pois no Systema Representativo ha leis permanentes?.. Pois qual é a lei do Estado que tem mais o caracter de permanencia?.. Não será a Constituição?.. Porém não contem essa em si logo disposição para poder ser alterada, quando assim convenha ao bem e necessidade do Estado?.. Se a Constituição contem em si os meios de ser reformada quando se demonstrar que ha necessidade disso, se a Constituição que deve ser a lei mais permanente do Estado, não é inviolavel, como se póde dizer que ha leis que são permanentes?.. Pois não demos já nós o anno passado um documento de que se podia alterar a Constituição pela necessidade do momento, declarando que o art. 63 da Carta não era constitucional?..

Talvez haja uma outra razão pela qual S. Ex.ª não possa acceitar como Ministro d'Estado, o meu projecto de lei, e será porque tem já meios de haver um emprestimo com que possa satisfazer ás despezas do Estado neste anno economico, e que já se lhe tenha offerecido algum emprestimo grande, com o qual talvez esteja ligada esta grande medida. Sr. Presidente, sempre que se tractam grandes medidas d'Estado pelo lado de finanças ha um grande numero de mutuantes que offerecem logo dinheiro ao Governo; sempre que se tracta de fazer passar uma grande medida de fazenda, ha logo grande numero de interessados, que não teem duvida em fazer emprestimos ao Governo, e talvez que alguma circumstancia tenha apparecido agora neste sentido, e com isso esteja ligada a permanencia da lei. dão-se sempre nestas occasiões estes casos, e diz-se logo — se a medida passa, o emprestimo terá logar; senão passa, fica de nenhum effeito: mas se isto assim é, se existe tal Idea, não deve ella fazer grande pêso no anímo de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, porque S. Ex.ª conseguindo eliminar do orçamento o deficit de 450 contos causado pelo agio das notas, vem o deficit a ficar reduzido a 500 e tantos contos, e de certo não são precisos glandes sacrificios para attenuar o deficit que fica existindo, e mesmo o Sr. Ministro da Fazenda exonerado que seja o orçamento do deli-

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ficil produzido pelo agio das notas, fica muito mais livre, e em melhor posição para podér verificar qualquer operação.

Parece-me que não ha motivo plausivel que, neste ponto, justifique esta differença de opinião que existe da parte de S. Ex.ª como Deputado, e como Ministro; julgo que S. Ex.ª andaria muito mais convenientemente, e faria até um bem ao seu paiz, se por ventura conservasse as mesmas idéas, e os mesmos principios, que o anno passado teve a respeito deste objecto.

Tambem ouvi dizer, que era precisa a continuação da lei de 13 de julho, porque havia muitos interesses, e contractos creados á sombra dessa lei; eu não concordo em que haja grandes interesses creados á sombra da lei de 13 de julho, e parece-me que os que ha, ficam melhorados; mas veja a Camara quaes são as consequencias que se deduzem de similhante principio: a mais obvia será que o decreto de 19 de novembro de 1846 deve ser permanente, porque á sombra delle foram creados maiores interesses, e quererá a Camara tomar a responsabilidade desta consequencia? Mas o principio póde levar-nos a maiores absurdos como são que todas as leis de fazenda devem ser permanentes, porque á sombra de todas se formam interesses, que não é justo prejudicar! Quererá a Camara acceitar todas estas consequencias? Eu pela minha parte não admitto o principio, assim como não admitto á applicação; as leis podem, e devem ser alteradas quando são injustas, e prejudiciaes combinando os interessei do Estado com os dos particulares, e é o que se faz pelo meu projecto de lei.

Sr. Presidente, passando a responder ao illustre Deputado que tinha acabado de fallar antes de mim, direi em geral, que é tal a força da verdade que se contem no meu projecto, que fazendo S. Ex.ª de questões pequenas questões de grande importancia, e contrafazendo muitas vezes «i ordem das cousas na sua argumentação, a força da verdade era tal no meu projecto, que fez de S. Ex.ª, grande nas pequenas cousas, pequeno na presença da grandeza da verdade: porém as faculdades intellectuaes de S. Ex.ª são accessiveis a toda a verdade, acceita a verdade quando lhe é demonstrada; eu tenho uma prova individual e particular do que affirmo naquella questão de numeros que ha pouco tivemos: os argumentos apresentados por S. Ex.ª não tiveram aquelle valor, que costumam ter na sua bôca, e S. Ex.ª foi docil, cedeu concordando comigo em que o lucro que receberam os contribuintes com a quarta parte em notas a40 por cento, era de 4 por cento. Espero que ha de mostrar a mesma docilidade a respeito deste projecto.

Eu tenho já respondido a alguns argumentos que S. Ex.ª tinha apresentado; continuarei a responder aos que se seguem.

Diz S. Ex.ª que a receito publica em metal é de 4$800 contos de réis, e calcula esta receita pelas verbas seguintes (leu), contracto do tabaco 1521 contos.»

Como S. Ex.ª abstractamente, nos deu como receita do contracto do tabaco em metal 1521 contos, preciso dizer, que o contracto do tabaco sendo na sua origem contractado por 1521 contos, foram-lhe deduzidos por um decreto 148 contos, e se lhe descontam nas suas prestações para os juros e amortisação do emprestimo dos 4:000 conto. 300 contos;

logo se deduzirmos 448 contos, que é a somma das duas deducções, fica o contracto do tabaco como receita sòmente em contos. Vá se e que W uma differença de perto de 500 contos nesta verba de S. Ex.ª

A outra verba é 111 contos de sello de verba S. Ex.ª sabe muito bem que nesta quantia entram 35 contos de notas, nem mesmo tem a quarta parte em notas e as tres em metal, quasi tudo e notas, producto dos cinco por cento de sello das loteria da Misericordia, o qual entra todo em notas, porque as loterias são feitas nesta moeda, mas além desta addição tem o sello de verba mais outra de 17 contos com a quarta parte em notas, que são de sellos dos conhecimentos de cobrança dos impostos, que tambem admittem a quarta parte em notas, os quaes são pagos pelos contribuintes, e entram na conta geral dos m«>mo«impostos, são dois vintens de sello em todos os bilhetes de cobrança. Já se vê que a parcella sello de verba que S. Ex.ª trouxe como receita toda em metal, dá um augmento contra S. Ex.ª, por que dá mais que a quarta parte em notas, por quanto sendo a quarta parte em notas25 ou 27 contos, só os 35 contos da loteria fazem romper a differença da quarta parte. Já vê que esta parcella é contra S. Ex.ª, e a meu favor, dá mais notas do que metal; o mesmo sello de verba considerado no seu total de cento e tantos contos tem muitas addições, em que podem entrar quatro partes em notas; já se vê que esta verba admitte mais no-las que metal, e que é contra S. Ex.ª

Poz S. Ex.ª tambem no papel sellado uma addição, que já se vê que não póde ser computada como a computou em 192 contos metal, mas eu farei uma reflexão a S. Ex.ª: a maior parte das pessoas que gastam papel sellado são escrivães e tabelliães, e estes para ganharem o que lhes resulta da entrada de um quarto em notas compram acima de uma moeda de papel sellado. Eu sei de muitos aqui em Lisboa que compram mais de duas moedas e tres moedas: já se vê que nem mesmo aqui póde valer o argumento de S. Ex.ª, porque necessariamente deve ser considerada como receita com a quarta parte em notas para ser diminuida da quantia em metal, que o Sr. Deputado calculou.

Por consequencia lemos já a deduzir dos 4:800 contos era metal 500 contos da do tabaco, 111 do sello de verba, porque essa verba é a meu favor, lemos a fazer uma diminuição nos 192 contos do papel sellado; e temos a dedusir 1.900 contos que o illustre Deputado não soube aonde havia de accommodar, e disse-nos: estes 1:900 contos podem-se accommodar nas contribuições minimas, aonde não entra senão metal. Vamos pois o ver se os 1:900 contos se podem accommodar nas contribuições minimas.

As decimas, Sr. Presidente, estão-se calculando em 1:500 contos: são as decimas aonde ha o maior numero de addições minimas que não admittem notas, mas eu quereria dar mesmo a S. Ex.ª todos os 1;500 contos como addições minimas, ainda faltavam 400 para 1:900. Aonde quererá admittir mais essas addições minimas? Nas alfandegas? Os direitos das alfandegas quasi todos são superiores a 4:800 réis.

(Houve aqui uma interrupção, que não percebemos, da parte do Sr. Avila).

O Sr. Deputado está-me interrompendo!... In-

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terrupções continuamente não, algumas pequenas interrupções sim, mas continuamente não, porque nem dão tempo a responder a cada uma.

Eu vou tirar uma conclusão rasgada e complexa do principio de S. Ex.ª para responder a todas as suas interrupções. Diz o nobre Deputado — os 1:900 contos que restam a accommodar para apparecer a somma de 4:800 contos em metal, provem das addições minimas em que não se admitte a quarta parte em notas; a consequencia geral seria que a somma das addições minimas seria igual á quarta parte da receita publica, em que deviam entrar notas com pouca differença, o que é um absurdo á primeira intuição.

(Nova interrupção do mesmo Senhor, que tambem senão percebeu).

Faça favor de dizer o que quizer, que estarei em pé para ouvir.

O Sr. Presidente: — Não é possivel admittir as interrupções, porque transtornam a ordem dos trabalhos.

O Orador: — Eu admitto interrupções alternadas, mas continuamente é impossivel que admitta.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado póde continuar o seu discurso.

O Sr. Avila: — No Parlamento não se dão lições.

O Orador: — O illustre Deputado tem um sestro que lhe é muito prejudicial, e para o qual peço licença para lhe dar um conselho, e é que veja se o elimina. O sestro de S. Ex.ª consiste em querer persuadir á Camara que a sua intelligencia é superior a todas as outras consideradas individual ou collectivamente: esta supremacia é mal calculada pela pessoa interessada nella (apoiados e riso), é um sestro que S. Ex.ª tem (O Sr. Avila: — Essa palavra — sestro — não é parlamentar). É uma palavra portugueza, e não é palavra injuriosa; digo isto por S. Ex.ª nos vir dizer que nós não entendemos da materia. Pois S. Ex.ª tem direito de dizer que nós não entendemos da materia, e não tenho eu direito de dizer que S. Ex.ª tem o sestro de querer para si sómente o direito de intelligencia! É querer muita supremacia para a sua individualidade, o que eu não estou disposto a admittir

Vê-se por tanto, Sr. Presidente, que dos 4:800 contos que o illustre Deputado queria que fossem receita em metal deduzidas as verbas que acabei de dizer, fica uma parte metal ainda inferior áquella que eu dei de 2 880 e tantos contos.

S. Ex.ª para reforçar o argumento, deduzindo a sua parte mot dica da receita publica dá só para a quarta parte em notas 1:250 contos de réis. As alfandegas, Sr. Presidente, no orçamento do anno passado, e pelo deste anno com pouca differença, rendem só ellas 5:000 contos E então em nada mais se admittem notas? S Ex.ª depois de arranjar os seus 4:800 contos disse-nos: ficam só para a quarta parte em notas 1250 contos, e eu depois de mostrar que não ha 4:800 contos em metal na receita em que não entra a quarta parte em notas, pergunto a S Ex.ª, que sendo os rendimentos das alfandegas 5.000 contos, em que entra a quarta parte em notas, o que fica sendo tudo o mais? S. Ex.ª dir-me-ha, tudo o mais é metal, é o que póde dizer; mas parece-me que ninguem da Camara admittirá esta consequencia.

Depois concluiu que o Estado sómente perde 81 contos, tractando do que ganha com as inscripções. Sr. Presidente, este argumento do resgate das inscripções é commum ao meu projecto, porque tambem por elle se amortisam, e se resgatam as inscripções que estão no Banco; por consequencia é um argumento nullo, porque é argumento a favor do projecto, e da carta de lei de 13 de julho. A respeito da conclusão que S. Ex.ª tirou, que só se perdiam 81 contos, eu poderia usar de um recurso ordinario desta Camara, que era entregar S. Ex.ª ao Sr. Ministro da Fazenda, que o anno passado nos disse que se perdiam 500 contos, deteria entrega-los um ao outro, porque me parecem contradictorios. Pois S. Ex.ª assignou o orçamento em que se pede 300 contos para a perda das notas, e mais credito para o que se possa perder, e vem em poucos dias dizer-nos que se perdem sòmente 81 contos!! Estas cousas aqui não teem partido, nisto entendem-se todos perfeitamente, é uma colligação em que todos se entendem perfeitamente.

Diz mais S. Ex.ª quem é prejudicado no projecto são os empregados publicos, porque pelo augmento do tributo diminue a receita em 1000 contos, e diminuindo assim, se os empregados publicos até agora recebiam <ó 4 mezes no anno, agora não receberão senão 5. Mas eu perguntaria a S Ex.ª, de que dados tirou esta conclusão — que a receita publica diminuirá l000 contos? Eu vou demonstrar o contrario.

Se S. Ex.ª pela carta de lei de 13 de julho de 48, diz que se fez um beneficio aos contribuintes de 4 por cento, e a receita publica diminuia, quando pela doutrina de S. Ex.ª devia augmentar, havendo o beneficio desses 4 por cento, não se segue que pelo facto de augmentar 6 por cento, a receita publica diminua certa e determinadamente l000 contos de réis, quando é certo que a receita das alfandegas, que é a maior, e mais importante, não esta sujeita a essas regras, porque os generos nellas despachados não se consomem pela maior parte em Portugal. Se fosse admissivel a doutrina de S. Ex.ª, as pautas das alfandegas deveriam ser desde já consideravelmente reformadas; e parece-me que não é essa a doutrina de S. Ex.ª, nem de seus amigos politicos; nem me parece que S. Ex.ª quando fôr Ministro da Fazenda, quererá governar com a receita que lhe ha de vir desse systema.

Estes principios de economia politica, applicados á alfandega de Lisboa são errados, e eu desejava uma sessão secreta para o fim de se tractar deste negocio; porque é necessario que se saiba que a maior parte dos generos que pagam direitos nas duas alfandegas de Lisboa, e Porto, não se consomem em Portugal: e já que proferi esta proposição, tirem os nobres Deputados a consequencia desta doutrina. Já se vê que a imposição não vai carregar sobre o consumidor em Portugal, nem se póde dizer que os generos hão de levantar; a experiencia mostrou pelo beneficio de 4 por cento, que os generos não levantaram nem diminuiram, mas sim estiveram no mesmo preço. Porém supponhamos, que pela theoria abstracta de economia politica, se devem seguir as consequencias do nobre Deputado; como calculou o nobre Deputado, que a perda era de 1000 contos com o tributo de 6 por cento? Parece-me que o illustre Deputado não teria dados, donde pudesse tirar esta quantia determinada de 1000 contos; podia di-

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zer pelos principios abstractos, que a receita publica podia diminuir, mas determinar logo 1000 contos porque se augmentou 6 por cento 1 Desejava que S. Ex.ª me explicasse isto arithmeticamente. Eu já fiz vêr na sessão passada a contradicção em que estão os nobres Deputados, quando tendo-se mostrado tão zelosos pela permanencia, e inviolabilidade das pautas, apresentando requerimentos de differentes classes da sociedade, precedidos de um prologo eloquente, insistindo pela permanencia, e inviolabilidade das pautas, querem agora na discussão deste projecto, o beneficio de 4 por cento, porque as pautas estão excessivamente oneradas.

Disse tambem o nobre Deputado que os vinhos não podiam mais com tributos; e eu digo que por este mesmo motivo, o meu projecto deve ser approvado. O Governo, e a Camara votaram para a companhia da agricultura do Alto Douro 150 contos, em que entra a quarta parte em notas; e porque a companhia recebe esta quantia, desconta a cada um dos lavradores, nas 20 mil pipas que é obrigada a Comprar, 600 réis em cada pipa; e approvando-se o meu projecto, são alliviados os lavradores de pagarem 600 réis em cada pipa. Portanto se o illustre Deputado diz que o vinho não póde com mais tributos, é por esta razão que S. Ex.ª deve approvar o meu projecto.

«Que o Governo ha de vêr-se obrigado a fazer operações de credito, com prejuizo para a fazenda» a este argumento responderei, que o Governo pelo meu projecto vê-se em menos necessidade de recorrer a operações de credito; e já se vê que estando elle em menos necessidade, esta em menor perigo de as fazer, por menos esta livre dos inconvenientes que resultam destes emprestimos Eu entendo que o Governo ha de achar mais facilmente quem lhe empreste dinheiro, quanto mais facilmente organisar a fazenda publica; e esta organisa-se mais facilmente, quanto mais depressa o deficit acabar; ora este deficit acaba mais rapidamente com o meu projecto, logo o Sr. Ministro da Fazenda ha de extinguir o deficit, e ha de por consequencia achar mais facilmente quem lhe empreste dinheiro. O credito publico não se ha de estabelecer senão quando se extinguir o deficit, organisar-se a fazenda, e diminuir o preço do dinheiro; em quanto o Governo se vir obrigado a estes meios extraordinarios, conservando-se o preço subido do dinheiro, e não se extinguindo o deficit, é que elle se ha de vêr obrigado a fazer operações de credito com prejuizo para a fazenda. (Muitos apoiados) Diz o nobre Deputado que o agio tem diminuido — porém eu já demonstrei por uma tabella que vem junta ao relatorio da commissão de Inquerito, que o agio esta hoje igual ao que estava em setembro de 48, a 2$000 réis a 2$080 réis; não passa daqui; este é o facto.

O ultimo argumento de S. Ex.ª foi, que o pensamento da carta de lei de 13 de julho de 48, era que o imposto addicional em notas não fosse um verdadeiro imposto; este é um principio donde se deduzem umas poucas de consequencias; o nobre Deputado quer que o imposto fosse antes um beneficio, dizendo ser este o pensamento da carta de lei de 13 de julho, isto é, que o agio se conservasse, e que as notas não melhorassem de condição — mas eu vou ler um periodo do relatorio da commissão de Fazenda, pelo qual se vê que não é este o pensamento da carta de lei de l0 de julho, mas sim era que o agio diminui augmentando-se a circulação; o pensamento que remou na maioria da Camara foi, que havendo a circulação de um quarto em notas nos pagamentos do Estado, e havendo a amortisação dos 10 por cento, o agio necessariamente havia de diminuir, (apoiados) O periodo é o seguinte (leu.) Ora ainda este principio esta em contradicção com o outro pensamento do nobre Deputado, a respeito da amortisação das notas; diz S. Ex.ª — que a lei de 13 de julho é permanente n'um pensamento, e variavel no outro. — Realmente não posso combinar como isto assim seja; mas supponhamos que isto assim é, pergunto como se entende uma rapida amortisação? Já se vê que a amortisação desapparece vindo as notas ao par; e se ellas estão quasi ao par, o tributo para a amortisação é uma cousa nulla na opinião do nobre Deputado. O illustre Deputado arguiu a commissão de que não tinha entendido a lei, porque não combinava a circulação com a amortisação; direi eu que foi S Ex.ª quem não entendeu a lei, porque querendo a diminuição do agio pela circulação, e forte amortisação, não quer que o imposto seja de 10 por cento, quando o agio não der beneficio aos contribuintes, e por conseguinte não quer diminuição do agio: e parece-me que esta falta de intelligencia da lei é mais grave da parte do illustre Deputado, do que aquella que a commissão commetteu na opinião do illustre Deputado, com referencia a um artigo, o qual fallava só de amortisação.

Portanto concluo dizendo que, á vista de tudo quanto tenho expendido positivamente a favor do meu projecto, e á vista de tudo que tenho respondido ao nobre Deputado por Vizeu, voto pelo meu projecto por que evita a continuação de uma lei que é prejudicial ao Estado, é injusta, e contém em si estimulos de immoralidade.

O Sr. Corrêa Leal: — Sr. Presidente, depois da lucidez e proficiencia com que tem sido tractada esta questão, depois que tão distinctos e competentes Oradores têem crusado as forças da sua intelligencia, e do seu saber para sustentar de parte a parte suas encontradas opiniões, parecerá que grande deve ser a minha temei idade para tambem tomar a palavra nesta materia, ousando levantara minha voz neste Parlamento sobre assumpto tão delicado; mas não esta mais na minha mão; sabendo que podia dar o meu voto silencioso, todavia desejo motival-o, e só fallando poderei dar a razão que serve de fundamento a esse voto. Já o anno passado tive a mesma temeridade; tambem fallei sobre notas, fallarei este anno, e se a minha competencia me não habilitar para o fazer, a minha consciencia, e desejo de pronunciar o meu voto me dão sufficiente coragem para não ficar silencioso.

Dois projectos para a extincção das notas se acham em discussão; um, o da maioria da commissão, quer obter um fim, fazendo cessar o seu emprego nos pagamentos ao Governo, e por conta do Governo; o outro, o da minoria, no pensamento do Governo, quer a mesma extincção, mas conservando aquelle emprego, até ao seu total desapparecimento por meio da queima.

Emittindo a minha opinião sobre cada um delles, não tractarei esta questão na lingoagem scientifica, e technica; isto é, não farei calculos, não empregarei algarismos, não trarei para aqui addições, subtracções, e multiplicações, outra será a fórma da mi

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nha argumentação. A sciencia já fallou á sciencia, agora a vulgaridade das minhas palavras fallará ao vulgo.

Observo que as notas já foram um representante tão valioso como ouro e prata. Veio essa catastrofe de 184b, 5:000 contos representados por ellas não acham o seu metal correspondente, e o representante caiu porque não apparecia o representado.

Indagando agora a causa disto, pergunto se o Banco teria 12 milhões de crusados nos seus cofres para pagar; não tinha; e porque não tinha? Porque o seu devedor, o Governo, tambem os não tinha. Ora o Banco sem prata, o Governo sem prata, e os que tinham prata, sem ser o Banco nem o Governo, com ella enferrolhada, que se havia de fazer? Apertar a cabeça nas mãos, e dizer — Misericordia meu Deos! Foi um flagello como outro qualquer, foi uma peste, um terremoto, foi uma revolução, e uma revolução é peior que um terremoto, que uma peste. Todos perderam, perdeu o Governo, perdeu o Banco, perdeu o commercio, perdeu a industria, perderam os capitalistas, perderam os funccionarios publicos, perderam todos. Ora uma occorrencia em que todos perdem, todos se queixam, mas todos se devem resignar com o facto, restando-lhe só pronunciar o meio mais facil e mais prompto de fazer cessar o motivo da perda, o motivo da queixa.

Deste modo cheguei ao ponto principal da questão que nos occupa. Que queremos nós? Que desejamos nós? Fazer desapparecer, quanto antes, e do modo que mais suave seja, esse papel depreciado. Na minha opinião, o modo mais prompto, e mais suave e a continuação dos meios que se tem adoptado, e por consequencia a lei proposta pela minoria da commissão é a mais prompta, porque em dois ou tres annos estão queimadas todas as notas, que é o mais suave, porque o sacrificio que para isso se faz, póde-se dizer que não é nenhum, em comparação do beneficio que se alcança. E não se diga que a lei de l.*3 de julho de 1848 é uma lei velhaca; velhaco e o que engana com dólo, não cumprindo a promessa; a lei não enganou, nem deixou de cumprir o que prometteu: logo não é velhaca, não enganou, porque os 10 por cento que exigiu, foi para queimar, e não deixou de cumprir o que prometteu, porque de facto queimou. O projecto da minoria, o projecto do Governo e fantástico!! Não é; é real, e mais que real, é prodigioso; pois não será milagrosa uma lei que, ao passo que realisa um tributo, faz um beneficio ao tributado? Não é fantástico para o effeito, porque os 10 por cento cobram-se e queimam-se; e não e fantástico para o Governo, porque elle com essa queima paga uma divida..Mas os empregados publicos? Mas os juristas? Aqui é que vem o sentimentalismo. Toda a vez que o credito senão abate, toda a vez que a Junta do Credito Publico não suspenda os seus pagamentos, toda a vez que o Governo se vá habilitando a diminuir o atraso aos empregados publicos, de certo os juristas e empregados hão de receber de melhor vontade o quarto em notas, do que a promessa do pagamento em metal, com a incerteza de se realisar essa promessa. Sr. Presidente, o projecto da minoria fortifica o credito, inspira confiança, e affiança a estabilidade de uma medida, cuja permanencia muito ha de concorrer para a prompta extincção das notas, e por consequencia para a progressiva diminuição do seu agio. O Governo não perde, porque a perda que tem na pequena parte de notas que rebate, é de sobejo compensada pela divida que paga, e pelos juros que deixa de pagar.

Concluo portanto votando pelo projecto da minoria, que é tambem o projecto do Governo.

O Sr. Carlos Bento: — Sr. Presidente, antes de dar maior desenvolvimento á discussão desta materia, sou obrigado a dizer ao nobre Deputado que acabou de fallar, que, com quanto dissesse não entrava nesta questão pelo lado dos algarismos, e não fallava senão ao vulgo, me parece que o seu discurso não preencheu o fim que teve em vista; e sinto dizer-lhe que foi um pouco inexacto no que affirmou, e é para lamentar que estivesse tão preso ao seu convencimento para desconhecer a verdade dos factos, quando nos veio dizer que em 1846 correram ao Dance 5:000 contos de réis em notas, e que a causa disto foram os successos daquella época; o nobre Deputado esta perfeitamente enganado, e era melhor que antes de fallar nisto procurasse saber qual a existencia das notas no Banco de Lisboa, e qual a quantidade das que existiam fóra em maio de 1846, o que lhe seria facil conhecer se lêsse o relatorio do decreto de 19 de novembro: só assim poderia ser accreditada no vulgo a sua asserção. Tambem o nobre Deputado nos disse que por essa causa o agio tinha subido consideravelmente, e por isso as notas tinham perdido todo o seu valor. Ora o vulgo se acreditasse tudo isto, estava bem aviado; é preciso, quando se diz que se tem um convencimento profundo, que os factos não nos contradigam; esta depreciação das notas foi de 5 por cento no principio daquella época; nunca de 10 por cento (apoiados). Ora já o nobre Deputado vê que quando proferir cousas que estejam em contradicção com os factos, não póde ser acreditado pelo vulgo, é melhor não as proferir ou então recorrer a outro argumento — quem tem confiança vota, quem não tem não vota.

Sr. Presidente, de que se tracta primeiramente? Parece-me, segundo o que se tem ouvido a alguns dos illustres Oradores, que se tracta da continuação do credito de uma especie depreciada de papeis: bastava o simples enunciado desta proposição, bastava um dos illustres Oradores dizer «seu quero a continuação do credito desta especie de moeda» para emmudecer tudo immediatamente. Mas quando se disser que esta moeda faz perder 40 por cento do seu valor nominal, então não se precisa outra questão para oppôr a este desejo. Realmente nunca vi nada tão docil como os algarismos (apoiados) mas o que os algarismos nunca poderão destruir, é o facto da permanencia de 40 por cento de prejuiso em uma moeda, de que se quer continuar o credito. Ora esse credito acha-se porventura nas leis da continuação delle! Diga-se antes que isto é um descredito maior; diga-se quaes são os meios governativos com que se conta para acabar esse descredito; mas fallarmos em continuação de credito na presença das circumstancias actuaes que se pertendem conservar, é uma pura irrisão.

Fallou-se nesta Camara da permanencia da lei que se tracta de revogar em algumas das suas partes. Ora, para que virá a idéa de permanencia de lei nesta Camara?.... Dizer-se que no Poder Legislativo não ha poder para revogar as leis; dizer-se aos que impugnam este principio, que isto é uma banali-

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dade, não me parece muito conforme aos conhecimentos dos illustres Deputados, que apresentaram o argumento da permanencia da lei. Pois algum dos nobres Deputados desconhece que o Poder Legislativo tem direito de interpretar, alterar, e revogar as leis, quando a experiencia tem mostrado a necessidade de as alterar ou revogar? Então se se sabe isto, para que sequer pôr em duvida; e que significa argumentar-se com a permanencia da lei? Algum motivo houve, quiz-se dar a entender que a permanencia das idéas a respeito do curso desta moeda era a base essencial do seu credito; assim seria se por acaso as circumstancias em que nos temos achado, não contrariassem esta proposição. Sr. Presidente, que tem havido a respeito da moeda de que se tracta? Tem havido permanencia; ainda que nós hoje nos sujeitassemos ao sacrificio de menos circulação, a que actualmente existe era sufficiente para emmudecer o testemunho da evidencia que nasce dos factos successivos, das alterações completas que se tem feito sobre esta moeda. O Sr. Presidente, e invoca-se a permanencia a respeito do estado de cousas que tem sido sempre o mesmo neste paiz, que já era o mesmo o anno passado, quando se discutiu a lei de 13 de Julho, e que é ainda hoje uma garantia do seu futuro Ao contrario não sei que haja moeda que mais alteração tenha soffrido, e então não se diga que é por certos individuos ou certos estabelecimentos soffrerem grandes prejuisos e grande abalo no seu credito com esta alteração, e bastava mesmo a Camara ver que esses estabelecimentos tem ás vezes dado ás medidas legislativas o caracter da mudança a respeito dessa moeda, e senão veja-se o decreto de 19 de novembro de 1846 que estabeleceu a flutuação da moeda de que se tracta (apoiados). Pois se acaso este principio da permanencia da lei é uma condição necessaria do seu credito, qual a razão porque os individuos que deviam empregar mais esforços, e pôr da sua parte todos os meios para continuar esse credito áquella moeda, foram os proprios que inseriram na lei a fluctuação della? Pois não sabem todos que o decreto de 19 de novembro estabeleceu que as notas tivessem curso forçado nos pagamentos do Estado, e por conta do Estado ate 31 de julho de 1847, e que depois de julho de 1847 até 1848 só fôssem admittidas em <2 terços dos pagamentos e 1 terço em metal, e que dahi em diante as notas entrariam em metade dos pagamentos? Pois não 9e sabe que o primeiro decreto que devia fundar o credito dessa moeda, foi o que se lembrou de estabelecer taes disposições que tiraram todo o caracter de permanencia, com que agora se quer argumentar? E não se sabe que houve depois um decreto de 10 de março que tractou de estabelecer como se estabeleceu no decreto de 19 de novembro, que o curso da moeda fosse alterado, querendo que entrasse só metade daquella moeda nos pagamentos do Estado, e por conta do Estado, e esse decreto foi publicado de accordo com a direcção do estabelecimento, que se pinta unico conhecedor das causas que produziram as alterações desta moeda! Aqui teem os illustres Deputados outra alteração nesse decreto não proposta por estabelecimento algum, mas publicada pelo Governo na ausencia do Parlamento, quando não podia ser influída por discurso algum dos Membros do Parlamento, nem por suggestões nenhumas de alguma opinião e nada; ao contrario foram disposições adoptadas de accordo com a direcção do Banco, porque o decreto de 10 de março alterou o que estava estabelecido, assim como alteraram disposições anteriores dos decretos de 30 de junho, e 11 de septembro. E que grandes esperanças se não deram nessa occasião, a que se não disse de vantajoso, o que não se encareceram os resultados que haviam tirar-se desta operação! A assembléa geral do Banco tinha reclamado contra a permanencia do decreto de 30 de junho, e dizia que se por acaso tornassem outra vez a restabelecer-se os pagamentos por metade, melhor resultado se havia de tirar: sem pie se dizia que os resultados haviam de ser mais favoraveis; em todas as occasiões que se tractava de alterar o modo como esta especie de moeda teria de ser recebida, se esperava que o credito a respeito della melhoraria, mas nunca aconteceu assim; e a respeito da ultima medida que se tomou, alguem, que não tracta das cousas, só quanto ao presente, um digno membro do Tribunal do Thesouro Publico não teve duvida em dizer, que não era pelo meio que se estava adoptando que a situação das notas seria melhor;,e o que é certo é que o futuro encarregou-se de vir justificar esta opinião, porque o agio e credito das notas não melhorou, ao contrario tornou-se mais precario; nem mesmo a circumstancia de em certo tempo se determinar que as notas seriam recebidas pelo Estado pelo valor no mercado, nem isso mesmo deu logar a ser mais favoravel o agio.

Sr. Presidente, este objecto relativo a notas é um objecto bastante melindroso, as notas são tão melindrosas que se assemelham á sensitiva que murcha logo que se lhe toca; as notas resentem-se de qualquer mudança que se queira adoptar com relação ao modo como teem de ser recebidas pelo Estado, e entregues por conta do Estado. Eu, Sr. Presidente, não tenho confiança nenhuma nesta lei que ora discutimos, não tenho a menor esperança de que ella faça augmentar o credito das notas, ao contrario tenho serios receios a respeito della, estou certo que apesar da lei e dos esforços empregados pelo nobre Deputado que me precedeu, para demonstrar a bondade do seu voto, o credito das notas não augmentará (O Sr. Corrêa Leal: — Tambem não hade (descer com as palavras do nobre Deputado) O Orador: — Se o credito das notas não desce com as minhas palavras, tambem com as palavras de S. Ex.ª não hade subir, e muito menos hade subir com o voto do nobre Deputado, tanto mais quando acompanha ao nobre Deputado a particularidade de entender que é sua obrigação votar a favor de todas as medidas, de que o Ministerio faz questão Ministerial; portanto já se vê que o nobre Deputado tem de entreter a Camara, como fez ha pouco, sobre o votar n'uma medida segundo a declaração do Governo, e não segundo a conveniencia ou não conveniencia dessa medida.

Sr. Presidente, é minha opinião que esta medida em nada concorre para nos tirar da situação precaria em que nos achamos; de certo que a organisação da fazenda publica não se verificará com a adopção desta medida, e sem que a fazenda publica se organise, não ha credito publico, e tomar-se-hão inuteis todos os sacrificios que se exigirem.

Sr. Presidente, não ha muito tempo foi esta Camara testemunho da maneira efficaz com que o nobre Deputado, que me antecedeu, tratou de defender o projecto adoptado pelo Governo, porém é muito para notar que mostrando S. Ex.ª tanta confiança a

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respeito dos bons resultados deste projecto, ao mesmo tempo nos dissesse, que quando tinha notas, nem uma só lhe ficava em casa, que assim que as recebia, tractava logo de as levar á casa do cambista; S. Ex.ª faz nisto muito bem; mas é certo que esta declaração, feita da parte de S. Ex.ª, indica bem que vota pelo projecto pela confiança no Gabinete, mas não no projecto, porque se não fosse assim, S. Ex.ª não leria receios a respeito do estado precario das notas; porém é para admirar que não tendo, S. Ex.ª confiança n'um projecto, estando convencido que nenhuma utilidade póde vir delle ao paiz, não obstante defenda e vote muito a sangue frio por similhante projecto!

Sr. Presidente, os sacrificios que se exigem, são superiores aos beneficios que o Estado tira com a lei que discutimos, e com a permanencia da de 13 de julho tal como esta; portanto já se vê, que a Camara não deve admittir um projecto de lei, aonde não ha utilidade equivalente aos sacrificios que se pedem. Eu estou certo que o primeiro empenho desta Camara é tirar o paiz da situação em que se acha, é dar logar a pequena despeza, e tornar real toda a receita votada; e eu vejo que o projecto em questão tem dois vicios, augmenta a despeza, e prejudica a receita, e de certo não é este o melhor meio de conseguirmos o fim, que todos temos em vista. Ora para sairmos desta questão, a respeito da situação das notas, não basta os meios do projecto que discutimos, é mister lançar máo doutros.

Em primeiro logar, Sr. Presidente, já que o illustre Deputado nos fallou nas palavras imprudentes de um, ou outro Deputado, eu perguntarei — Que significação tem o chegar a esta Camara o illustre Presidente do actual Gabinete, em quem o illustre Deputado tem lido confiança, e mostra-o pelas suas votações. (O Sr. Corrêa Leal: — Torna-me a discutir outra vez.) Sim, Senhor, o illustre Deputado fallou, eu respondo ao illustre Deputado, creio que não se deve escandalisar de eu lhe responder, parece-me que não era motivo para isso. O illustre Deputado disse, que as expressões imprudentes de alguns Deputados tinham concorrido para o augmento do agio. Ora eu pergunto — É indifferente a opinião dos Conselheiros da Corôa em uma situação desta ordem? — O illustre Deputado, que dá tanto pêso ás expressões soltas por um dos cavalheiros, que se sentam nesta Camara, num logar de Deputado, não póde achar indifferente a opinião dos Ministros; ora não sendo indifferente a opinião dos Ministros, como é que S. Ex.ª póde tomar a responsabilidade desta medida, se eu lhe mostrar que mesmo no terreno em que combate, ha uma circumstancia, que invalida todas as suas consequencias? O illustre Deputado estabelece proposições de mathematica pura, mas nós aqui tractamos de mathematica applicada, como mathematica pura, acceito a sua proposição, como mathematica applicada é falsissima; é preciso calcular esta resistencia, esta força do attrito, sem isto são absurdas todas as nossas proposições, não chegamos aos nossos resultados, estabelecendo os mais verdadeiros de todos os principios, chegamos ás mais falsas de todas as consequencias. O que ouvimos nós dizer ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros? S. Ex.ª veiu a esta Camara, e disse — Hei de matar a agiotagem, ou ella me ha de matar a mim. — E isto principalmente, quando se tractava de uma questão, que tem relação com esta, quando havia quasi a certeza de que esta se ia tractar. E póde-se dizer, que estas palavras do illustre Presidente do Conselho não teem relação nenhuma com uma questão desta natureza? Póde-se suppôr que não ha na declaração, feita pelo illustre Presidente do Conselho de Ministros, nenhum protesto contra as disposições que nós queremos adoptar actualmente? A agiotagem não morreu, o Sr. Presidente do Conselho de Ministros esse é que adoeceu (riso), e realmente ninguem póde fazer um crime a uma pessoa por adoecer. Mas o que é verdade (e eu respeito a ausencia do illustre Ministro), é que houve uma proposição desta ordem apresentada na Camara pelo illustre Presidente do Conselho de Ministros, e que depois, quando o illustre Ministro da Fazenda veiu fazer uma declaração sobre a parte, que o Ministerio tomava nesta questão, esta declaração, á vista da precedente, não teve a força que teria, se ella não existisse, e por consequencia tende a invalidar os effeitos desta lei, porque a confiança tambem tem uma parte moral, e eu não sei que seja uma parte moral da confiança a certeza, ou apprehensão que haja, de que não houve concordancia da parte de todos os membros do Gabinete, para que esta lei seja posta em practica. Mas dir-me-hão o que já aqui se disse — Por ora não ha acto nenhum, que prove isso. — É verdade, recorreu-se aqui ao —.Quem cala, consente; — mas perguntarei eu — Por acaso esta Camara, se tem tenção de adoptar uma medida efficaz, contenta-se com isto? Contenta-se com este silencio, ou com a carencia desse acto? — A Camara não entendêra que esta medida teria outra força, se acaso soubesse a opinião de todos os membros do Gabinete, se effectivamente se tivesse vindo dizer-nos formalmente — Todos quantos constituimos o Governo, estamos na firme resolução de approvar uma disposição desta natureza, entendemos que é a melhor de todas, que é a unica conveniente? — Não imprimiria isso outro caracter a esta lei? Não é indifferente esta circumstancia: se é indifferente esta circumstancia, então não ha aqui nada que o não seja; se vamos recorrer ao despreso de todas estas circumstancias, se é indifferente a idéa que ha no paiz, de que os membros do Ministerio não estão concordes a respeito de uma medida sobre um assumpto importante, se me dizem que é isto indifferente, então não ha nada que o não seja, então estas questões do Parlamento são as mais indifferentes possivel. Quando considerações desta magnitude são despresadas, quando se me diz, que a respeito de confiança é indifferente que haja Uma concorrencia de circumstancias desta ordem, então digo que podémos votar a lei, que podemos votar a continuação do que subsiste, e entoar louvores aos 40 por cento de desconto, que ha perto de um anno existem á sombra dos beneficos effeitos desta lei, e que hão de continuar.

Mas o Estado não só não perde, mas ganha com este estado de cousas: o Estado é verdade que perde mais de 300 contos nestes descontos; mas o Estado vai ao Banco, e resgata 500 contos de penhores que lá tem, de penhores que representam divida fundada, nem póde ser considerada de outra natureza.» Mas pergunto: o Estado resgatando esses 500 conto9 senão fizesse esse resgate, ia pagar esses 500 contos? O Banco esperava que o Estado lhe fosse pagar esses 500 contos? Podia esperar similhante absurdo?

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Aqui o que ha a considerar e o juro que o Governo pagava por esses 500 contos; por consequencia com 300 e tantos contos vai resgatar 25, segundo o juro de 5 por cento, isto é, perde perto de 400 contos de réis, e faz 25 contos de ganho. Ora pergunto: um Estado, que não póde pagar a sua divida corrente, póde amortisar? Um Estado que existe permanentemente entre o atraso, as antecipações, e os emprestimos póde pagar a sua divida fundada? Um Estado que deve mais de 80:000 contos de divida fundada, póde amortisar essa divida? Podem amortisa-la outras nações mais ricas, mais poderosas que nós? Em Inglaterra, por exemplo, ainda no anno passado, quando se tractava da consideração da despeza cora a receita, notou-se que um. Ministro, o Lord Chanceler veiu ao Parlamento dizer — Este anno cessam as amortisações, porque a receita não iguala a despeza. Apenas houve este desequilibrio para a despeza corrente, o Ministerio entendeu que não podia mais co-correr a essas amortisações, e o contrario fôra um absurdo. Pois um Governo que amortisa a sua divida fundada, e que vai fazer emprestimos onerosissimos, que quer isto dizer? Como se entende isto l Pois o Governo não póde pagar a despeza corrente, a despeza corrente que elle esta ligado a satisfazer, a despeza corrente que significa o sustento, e o vestuario das classes que servem o Estado, não póde satisfazer a esta despeza na integridade, e vai pagar o que não esta obrigado a pagar, vai pagar capitaes, quando não era obrigado a pagar senão juros?! Isto não se percebe, Sr. Presidente, não sei se aqui ainda prevalece o argumento de quem tem confiança vota, quem não tem confiança não vota, mas, Sr. Presidente, haja que confiança houver, não ha confiança bastante para converter absurdos em razões. O Estado que não póde pagar a sua divida corrente, não póde amortisar a sua divida fundada quando deve mais de 80:000 contos, póde sim cuidadosamente tractar de a não augmentar; mas e isso o que se tem feito aqui? Oh! Sr. Presidente, quantos exemplos recentes de votações desta Camara contamos, que tendem a augmentar a divida consolidada? O Governo pois não póde pagar juros, e não póde pagar juros, porque seria a mais atroz das immoralidades, seria a mais completa das bancas-rotas, se o Governo podendo pagar juros lhes tirasse duas decimas, e deixasse tres semestres de atraso aos juristas; porém quereis ver a grande felicidade do Governo? Não póde pagar juros, mas amortisa a divida fundada, e diz — isto é um bem, comparado com o sacrificio que faz, ainda não perde!

Eu poderia até recorrer a uma outra consideração, poderia mostrar que o Governo obtem esses titulos de divida por um preço muito superior, mais de dobrado, que o que elles teem no mercado; poderia ainda demonstrar o negocio que o Banco faz neste ponto, mas não quero, porque isso liga-nos com outras considerações, que a dizer a verdade tiram toda a força ao meu argumento, porque se diz ao mesmo tempo — ha o beneficio de uma amortisação a respeito das notas — e deste beneficio ressente-se todo o rendimento do Estado, porque não póde deixar de tirar vantagem da amortisação do papel depreciado, depreciação de papel cuja existencia liga as mãos ao Governo para poder entrar era operações de uma outra ordem, e transtorna a organisação da fazenda. Então não tractemos de ver o modo porque é resgatada essa divida, e diga-se: ao Banco devia-se, pague-se-lhe na totalidade. Mas o que não se póde negar é, que ha um tributo para amortisar essa divida, esse tributo, diz-se, para o Estado não dá perda, porque o Estado faz as suas despezas com uma parte de moeda depreciada, e então o tributo realmente ainda que seja um favor para os despachantes, não é uma perda para o Estado. Não é uma perda se se considera o effeito desta lei dentro das portas da alfandega, mas é uma perda se se considera o effeito desta lei dentro das portas das casas de cambio, e eu antes quereria que fosse dentro das portas da alfandega; por quanto acho que é mais improprio para o Estado, e peior para a moral publica que a perda seja nas casas dos cambistas, e não dentro das portas da alfandega, e mais não sou inimigo dos cambistas nem inimigo de ninguem, do que sou inimigo é de todos aquelles actos que provam o não se seguir um melhor systema de administração: e já se demonstrou até á saciedade que essa perda nas lojas dos cambistas alguem a ha de pagar, ou uma despeza correspondente a ella ha de deixar de ser feita, e que vai resultar uma perda de centenares de contos de réis que é necessario cobrir: ora quem ha de pagar esta despeza? Realmente é facil de ver, ou a banca-rota a respeito da sua totalidade, não se pagar aquillo que se deve, não se fazer uma despeza analoga, ou então os contribuintes ou immediatamente por meio de impostos, ou por emprestimos, que tudo lá vai dar, porque não sei quem se encarregará de pagar os emprestimos, senão os contribuintes.

Se o Estado póde pagar este prejuiso, então não se precisa recorrer a meios extraordinarios, por que esta despeza acredita-se pela amortisação das notas» Mas, Sr. Presidente, é preciso prestar homenagem aos factos; e os factos são todos concordes em mostrar que o agio das notas não tem obedecido á influencia benefica da lei: e se isto assim é, que certeza teem os nobres Deputados de que as despezas desta lei hão de ser mais beneficas do que aquellas que teem vigorado ha 18 mezes? Eu estou intimamente convencido de que a ultima nota que faltar para amortisar, ha de ter de rebater 40 por cento (riso). E preciso que a Camara saiba que o Estado dentro em dois annos tem pago 2 mil contos para amortisação de notas: ora 2 mil contos em dois annos já é alguma cousa; e com tudo o rebate das notas tem regulado sempre a 40, e mais, por cento. Direi mais á Camara (e esta é tambem a opinião de muita gente que tem estudado o assumpto, e que não fecha os olhos aos factos e á experiencia) que a amortisação das notas só por si, sem ser acompanhada de alguma outra circunstancia, não dá o credito a este papel (apoiados). Ha mais alguma cousa; isto não são só opiniões, são factos; tem-se ido recorrer a outros meios, por exemplo, ás capitalisações, mas isto o que prova é que não havia confiança absoluta na efficacia tardia desta mesma amortisação; digo tardia, por que este meio de amortisação ha de ser efficaz quando não houver nota nenhuma para descontar; mas como isto ha de levar muito tempo, ha de levar para mais de tres ou quatro annos, é uma eternidade no estado em que nos achamos. E necessario advertir que os homens versados neste assumpto de notas entenderam recorrer a outros meios, mas isto longe de produzir o effeito que tinham em vista, veio produzir o effeito contrario; por exemplo, — o estabelecer-se da parte do

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Banco de Portugal uma capitalisação de notas — á primeira vista parecia que esta medida havia de trazer comsigo um credito para esta especie de moeda; por que dizia-se, que retirando-se certa porção de notas da circulação, era credito que se lhes dava; mas effectivamente os factos vieram contrariar esta esperança, e bem de pressa mostravam que ella não era fundada. Se por acaso e5tas notas que o Banco capitalisou, ficassem encerradas dentro dos seus cofres, e não vissem outra vez a luz da circulação, então de certo que isto podia ainda provar alguma cousa em favor da medida; mas o que succedeu, foi que o Banco fez emprestimos sobre as notas capitalisadas, e mandou-as outra vez para o mercado; nem podia fazer outra cousa, por que o Banco pagava um juro, e elle queria tirar partido do modo por que pagava este mesmo juro. O que se seguiu daqui, foi que esta medida de capitalisação levada a effeito debaixo de outros principios poderia produzir outros resultados; mas agora o que não é possivel, é apresentar-se uma lei sobre este assumpto inexplicavel a todas as providencias.

Disse o nobre Deputado que um dos argumentos mais fortes com relação á questão que se tracta, e aquelle que ainda senão tinha empregado, era o argumento da elevação do agio; eu direi ao illustre Deputado ainda que este argumento se não tenha empregado, nem por isso deixa de subsistir da mesma forma; ha cousas que se sentem e que se não podem explicar, por exemplo, a vantagem de ver a luz é tão immensa, que ninguem dá parabens a si mesmo de ver a luz; pois por não se ter trazido o argumento da elevação do agio das notas, segue-se que alguem ignore que isto é um grande inconveniente, e que tem sido a causa de todas as medidas que até agora se tem adoptado?! Sr. Presidente, a maneira por que entre nós se tem andado a respeito do objecto de notas, tem dado logar a que tenha havido uma oscillação terrivel no valor desta moeda: realmente 40 por cento de desconto em cada nota e horroroso, é barbaro; é o symptoma mais completo do estado de desorganisação, em que se acha a Fazenda deste desgraçado paiz!...

O nobre Deputado lembrou ser a causa deste mal a guerra civil; mas ha uma consideração a fazer, é necessario viajar e sair do nosso paiz para vêr o que tem succedido n'outros paizes, aonde se têem dado circumstancias iguaes ás nossas: e não é preciso viajar muito, basta II bem perto, e passar a vista pelos acontecimentos bem recentes no paiz visinho. Que vimos nós ha pouco tempo ainda em Hespanha? Vimos levantar-se uma celeuma, e dirigirem accusações ao Governo, porque as notas do Banco em Hespanha soffriam o desconto de 9 por cento. Era para rn vêi como as folhas hespanholas tractavam este assumpto: o horror que causou em Hespanha um Banco que tambem estava ligado com o Governo, que tambem tinha contractos com o Governo, estar descontando as suas notas a 8 e 9 por cento: porém os clamores foram tantos que o Governo viu-se obrigado a lançar máo de medidas, e o mal cessou. Quando ha pouco tempo Vienna d'Austria estava cercada por um exercito, quando acabava de haver uma guerra ou revolução sanguinolenta, quando as bombas arrazavam os edificios daquella cidade, estavam as notas a 10 por cento. Quando a Inglaterra para luctar com a França se colligou com todas as nações da Europa, quando ella tinha os mares cobertos com as suas esquadras, quando fazia emprestimos e votava sommas para fazer face a toda esta despeza, o agio das notas do Banco de Inglaterra nunca subiu a 30 por cento. Eis-aqui o que se faz em Inglaterra...

O Sr. J. J. Guedes — Lá não se faz o que se faz aqui.

O Orador: — É verdade; lá não se faz o que se faz cá; lá não se fazem decretos de 19 de novembro de 1846 E agora vem a proposito dizer duas palavras a este respeito. Quando em 1757 houve uma crise em Inglaterra, não se fez um decreto de 19 de novembro, fez-se o contrario; não se disse que as notas do Banco de Inglaterra deixassem de pertencer, ao mesmo Banco, nem o Estado as tomou por sua, conta; o que é que se fez então? Veio Mr. Pitt e„ disse: — Peço-vos um bill de restituição para que o Banco não pague as suas notas, como elle quer pagai, por espaço de 52 dias — e durante 52 dias q Banco não pagou as suas notas: o prazo depois prorogou-se, é verdade, mas sempre se deu a entender que o Banco queria pagar as suas notas. Porém em, Portugal o que se fez? Eu o vou a dizer á Camara:. em Portugal desligou-se o Banco de satisfazer as suas notas, passou esse encargo para o Estado; é ao Estado que as notas têem custado mais, é o Estado que paga mais, e o Estado que pede mais amortisação de notas; e entretanto apesar dos grandes sacrificios, e das medidas que tem adoptado para garantir a amortisação das notas, ellas não têem deixado de ter o, desconto de 40 por cento, desconto superior ao que. tiveram as notas em França, na presença da revolução espantosa, que alli teve logar ultimamente, porque o desconto aí nunca excedeu a 20 por cento. E pondo de lado os exemplos de fóra, veja-se o que se passou a respeito do papel moeda, que, não obstante o estado incerto em que existia, e a nenhuma garantia do seu pagamento, ou amortisação regular, e alternada, no tempo em que foi extincto apenas soffria-o desconto de 25 por cento: (apoiados) porém entre nós as notas, não obstante estarem rodeadas de) medidas para a sua amortisação, apesar de haver a presumpção de que em 3 ou 4 annos estarão completamente extinctas, comtudo o desconto é sempre de 40 por cento, e o seu credito não tem augmentado-o paiz já não tem fé, pelos factos, nas medidas que se têem seguido a respeito dellas: e que importa que. a Camara diga, ou queira, que o credito das notas suba, se os factos vão logo contrariar esse desejo?

Sr. Presidente, a minha opinião é que o Estado só por si, e as leis que aqui votarmos, não podem melhorar o agio das notas, é preciso que mais alguem, no seu interesse, procure o meio de diminuir esse agio; porque, desenganemo-nos, não ha Banco nenhum com credito em quanto houver notas do Banco de Lisboa com descredito, e note-se bem, e mais uma das vantagens do decreto de 19 de novembro; o decreto de 19 de novembro, consentindo que se não pague esta especie de moeda, concedeu que se creassem outras notas, e daqui resulta que este, dois papeis, um com pagamento fixo, outro, com amortisação, fazem muito mal um ao outro, porque sendo ambos da mesma natureza, um e pago a vista, e o outro não. Eis aqui as causas que concorrem para o descredito desta moeda, e a demonstração de que não ha de ser por uma lei pura e simples, a qual até agora não tem produzido os resul-

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tados que se esperavam, que so ha de sair deste estado.

Ora eu perguntaria áquelles Senhores que argumentam com os factos consummados, se em junho de 1848 se dissesse a esta Camara — a lei que ides votar, ha de estabelecer o agio das notas permanente a 40 por cento ate á nova reunião da outra Camara — esta Camara votaria esta lei? Creio que não; estou persuadido de que esta Camara votou a lei suppondo que o agio desceria muito; não admitto que o fizesse julgando que o agio havia de continuar a 40 por cento, porque 40 por cento em uma moeda que tem uma amortisação tão forte, é um descredito. É de que resulta este descredito? É da lei poder ser alterada ámanhã ou depois? Não, Senhor, a Camara julga que em Portugal não se sabe o estado em que estão as finanças? Pois o paiz não vê os funccionarios publicos famintos, vendo-se obrigados a vender os seus recibos por quasi nada para poderem viver, porque o Governo lhes não paga? Pois o paiz não Babe os sacrificios e o enorme lucro que o Governo é obrigado a dar para obtêr dinheiro, para fazer os mais insignificantes emprestimos? Sabe de certo; por consequencia se vós tendes a certeza de que o descredito ha de continuar do mesmo modo, para que quereis exigir mais este sacrificio violento que não póde produzir resultado algum vantajoso para o paiz? Pois a Camara não tem acima de si os factos e a realidade, e não vê que as suas esperanças não podem desmentir essa realidade? Que importa que a Camara decida que ha de haver credito, como já houve um Soberano, que decidiu que uma praça aberta fosse uma praça forte? Que importa que a Camara decida que ha de haver credito, e que devemos sacrificar para isso 400 contos de réis, se as apprehensões são todas em contrario? E a respeito de apprehensões tenho a dizer alguma coisa. Os illustres Deputados mostraram graves apprehensões o anno passado, mas essas apprehensões estão agora resolvidas em facto, logo devem protestar, mais agora do que nunca. Naquelle tempo os inconvenientes eram uma simples apprehensão; hoje são uma realidade: se pois os illustres Deputados foram tão zelosos, que viram com antecipação qual havia de ser o mal antes delle existir; como é que não hão de hoje protestar? Depôs de verificadas as apprehensões e que nos havemos de resignar com os factos?

A situação da Camara, permitta-me que lho diga, e já o tenho repetido, mas não é inutil dize-lo outra vez: a situação da Camara não é a propria para resolver devidamente estas questões. Estamos cançados, e comparado o cançaço do corpo collectivo, com o cansaço do individuo, não se póde exigir mais de um corpo collectivo do que é possivel exigir do individuo. Ha uma tendencia da parte das assembléas, quando este estado de cançaço, tendencia, de que fallou já um escriptor publico, para os adiamentos. Ora esta tendencia vem quasi sempre, ou sempre, pela falta de impulso daquelles que estão á testa dos negocios do Estado, e estando a Camara precisamente nestas circumstancias, o que é que se póde esperar della? Nada, porque nada póde fazer. E ainda com isto temos uma desculpa; o mal que existe não o fizemos nós, tractamos de conservar o que está. É esta a unica desculpa que temos para com os nossos constituintes. Nós não fizemos mal, porque não fizemos nada. Ora isto de não fazer nada, em muitas

occasiões e um mal, mas na situação actual e o peior de todos os males, porque denota que nós não nos dirigimos por systema nenhum, e senão lêam-se os pareceres da commissão de Fazenda. O anno passado o que dizia a commissão de Fazenda, quando se tractou de questões que tem relação com esta? Dizia — adie-se a questão de fazenda, não se tracte de nada por ora, e effectivamente depois de se ter fallado com muito enthusiasmo na efficacia dos resultados que se haviam de tirar da conclusão dos trabalhos cadastraes, trabalhos em que a commissão de Fazenda fazia consistir a salvação deste paiz, adiou-se a questão de fazenda, e ficou para este anno ser organisada definitivamente com a ajuda dos trabalhos cadastraes; mas este anno já senão falla tanto em cadastro; hoje falla-se mais na contribuição de repartição; e diz-se — adie-se ainda desta vez a questão da organisação da fazenda, e descançar, porque para o anno havemos de ter a contribuição de repartição, e tudo se ha de organisar.

Por tanto, Sr. Presidente, podemos ir muito bem descançados para nossas casas, que para o anno vem a contribuição de repartição, e no entretanto os atrasos cada vez são maiores, o deficit cresce espantosamente, o desgraçado estado da fazenda cada vez se complica mais, e vamos descançados para nossas casas dizer aos nossos constituintes que ainda desta vez ficou tudo adiado para o anno!... Ora nós podiamos rir alguma cousa deste estado, senão pertencessemos a esta nação, mas como somos portuguezes, e havemos de partilhar effectivamente da fallencia governativa, havemos de forçosamente experimentar parte da perda, e por consequencia não nos podémos rir, pelo contrario devemos ter nisto o mais serio cuidado. Mas se eu fosse alheio a esta nação, era simples expectador, e confesso, senão fosse portuguez que me divertia desta anomalia, porque aqui não ha nada fixo; acontecem cousas que senão entendem; por exemplo, ficámos aqui em minoria de 7 votos, e diz-se depois — ha crise ministerial — e até se diz nesta Camara — que soquem não tem senso commum, é que não vê que ha crise ministerial!... Mas como se póde explicar isto num Governo Constitucional com o Parlamento aberto, e tendo o Governo uma opposição unicamente de 7 votos?!... Eu não entendo. Mas diz-se — a crise ministerial não estorva os nossos trabalhos; que tem que haja crise? Vamos nós continuando!.... Isto não se entende, ou por outra a tranquillidade nestes assumptos mostra a indifferença, ou desconhecimento completo da situação em que nos achamos.

Os calculos apresentados por um illustre Deputado que me precedeu, já em grande parte foram respondidos por outro illustre Deputado, e a dizer a verdade, parece-me que não era preciso esse trabalho, porque, diga-se o que se disser, ninguem póde negar factos que todos estamos presenciando. Pois póde negar-se que não tem havido perda para o Estado de mais de 300 contos de réis, com o agio das notas? Pois não esta isso demonstrado até á evidencia? E diz o illustre Deputado que da adopção do projecto da minoria da commissão ha de perda immediata para o Thesouro 200 contos de réis! Acho isto empírico.

Eu não sou de opinião de um novo imposto nos generos que se despacham nas alfandegas, mas não concordo com o nobre Deputado, que defendeu o pa-

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recer da minoria, quando sustentou que a continuação da lei era evidente, a respeito do imposto addicional, fazia diminuir o contrabando e augmentar o consumo. Tambem não concordo com S. Ex.ª quando diz que é preciso conservar o statu quo a respeito do agio das notas, porque se elle diminuir então torna-se inutil o pensamento da lei, pois que o grande pensamento da lei foi que o imposto nunca fosse imposto; o que eu vejo por isto e que algum de nós esta enganado: eu julguei que sempre se teve em vista tornar menor o agio das notas, porque esse recaía em beneficio de todas as ceasses; tambem me parecia que não se deixou de prestar cuidado a que ellas tivessem maior credito pelo resultado da pequena quantidade que apparecesse no mercado; mas agora vejo que S. Ex.ª esta de opinião contraria. O que é porém certo é que nem o commercio, nem a industria nem a agricultara hade prosperar em quanto o agio das notas fôr na escala subida, em que hoje existe: é em fazer com que esse agio diminua que nós devemos prestar todos os nossos cuidados, e não em conservar o statu quo, pois que este não traz senão prejuizos, especialmente para o Estado e para quem recebe por conta do Estado.

Ora, Sr. Presidente, pela maneira porque eu tenho visto correr esta discussão, parece quererem os Srs. Deputados que defendem o projecto da minoria, e ao Governo, arrogar a si o pensamento da lei em questão; não é assim; o que se acha escripto nessa lei, ou projecto, não é senão o resultado das differentes observações que se têem feito por um e outro lado da Camara; esta idéa da lei, a idéa do imposto nas alfandegas não veio nem do Governo, nem da commissão, por tanto será conveniente que os illustres Deputados não queiram arrogar a si uma cousa que lhes não pertence.

Sr. Presidente, tem sido já reconhecido que é horroroso o desconto de 40 por cento em cada nota do Banco, tem-se reconhecido que isto prejudica muito o credito publico, tem-se reconhecido que ha necessidade de empregar algum meio para que isto termine, mas eu vejo-me obrigado a dizer que este estado elevado do agio ha de continuar, em quanto convier a algumas pessoas, não obstante o que se pretende seguir para diminuir esse agio. A conservação da lei ora existente não dá garantias nenhumas de que, em pouco tempo, deixarão de ter logar os sacrificios que se pedem ao Estado: com a continuação da lei existente o Corpo Legislativo não faz nada a bem do povo, e a bem do credito dessa moeda; e é preciso, Sr. Presidente, que se tire partido dos nossos males, que consideremos o que se tem passado a respeito deste negocio das notas, e que tractemos de dar remedio á grave situação em que nos achamos collocados; do contrario vamos sujeitar o Estado a um sacrificio com que não póde, e sem utilidade alguma publica, nem vantagem para a classe que recebe do Estado.

Sr. Presidente, o Governo, pelo desfalque que esta lei lhe ha de necessariamente trazer na receita do Estado, ha de ver-se collocado em mil embaraços, e terá de recorrer a grandes sacrificios para obter os meios indispensaveis, a fim de occorrer á despeza publica. E por esta occasião, ainda notarei que é digno de todo o reparo que o Governo não tenha meios para satisfazer á despeza corrente, e queira preparar-se para já ir pagando juro, e amortisando algumas dividas; não acho isto muito coherente; parece-me que um Governo que não tem para as despezas correntes, não esta na obrigação de fazer amortisações; e todavia eu vejo que a amortisação se estabelece por este projecto. Não basta só dizer — queremos o agio das notas diminuido, queremos augmentado o credito das notas — não basta, para se ter uma e outra cousa, só o que determina a lei de 13 de julho de 1848, porque nós vimos que ella foi acompanhada d'amortisações, e qual foi o resultado?... Foi vermos as notas a 40 por cento, o que se tem conservado ate hoje, e a lei só por si não ha de fazer descer o agio. E é certo que a affirmativa solemne, a convicção, a consciencia na diminuição do agio, ainda nenhum dos illustres Deputados a comprometteu até este ponto, e fizeram muito bem; mas attenda a Camara a esta situação: nenhum dos illustres Deputados que votaram pela continuação do estado actual se comprometteu por isto. (O Sr. Agostinho Albano: Isso é claro, antes o contrario.) Já um illustre Deputado que combateu a favor da continuação do projecto nos disse — se não houver circumstancias extraordinarias, o agio ha de diminuir — foi um dos argumentos do illustre Deputado, que me levaram a votar contra a sua opinião, quando não houvesse outras razões

Disse o illustre Deputado, o seu discurso vem transcripto no Diario — í«E de esperar que concorrendo as cousas para a organisação da fazenda, e adoptando-se medidas...» — n'uma palavra deu a entender que, se regulassemos a nossa situação, o agio havia de diminuir. Eu estou perfeitamente de accordo neste ponto com S. Ex.ª; se o illustre Deputado me dá a garantia de se verificar esta circumstancia, então direi: — se o Governo estabelece a organisação da fazenda, se a póde estabelecer, se é tão senhor de si, que póde perder estes 300 e tantos contos, se paga aos empregados, de tal maneira, atrazam-se tão pouco os vencimentos que os empregados hão de supportar suavemente este encargo, os emprestimos que o Governo é obrigado afazer, são feitos com tão diminuto juro, com tanta vantagem, que realmente o Governo não vem a soffrer diminuição nenhuma a respeito das despezas; as antecipações que o Governo tem feito, e é obrigado a fazer, sobre os rendimentos futuros, são tão compensadas com o accrescimo dos impostos, que o Governo não se acha em má situação; se me provar que tudo isto existe, se o illustre Deputado me provar o impossivel, acredito na possibilidade da diminuição do agio.

E aqui não ha opposição, aqui não ha Ministerio, aqui não ha accusações deste lado, nem daquelle, aqui não ha indisposição contra um Ministro, ou contra todos, ha os factos, ha a considerar as questões de maneira que as paixões não offusquem a razão.

O illustre Deputado disse — effectivamente ha essa perda, e realmente era superior a todo o talento do illustre Deputado o negar que havia este grande inconveniente para as despezas correntes de se perder 350 contos de réis em descontos; era superior a todas as luzes, e conhecimentos humanos, ainda que ha uma escola filosófica allemã que sustenta que os factos não existem, que o que existe são as idéas, e realmente uma escola que tem muitos homens de talento, e sustentam que não existem os factos! Mas em quanto não admittir essa filosofia realmente acre. dito na existencia desta perda, nem podemos deixar

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de acreditar nella. Mas diz o illustre Deputado — de que procede esta perda? Procede por exemplo de o Governo, como não recebe todos os seus rendimentos, todas as suas receitas, ter, para satisfazer a prets, e outras despezas em metal, de descontar, e então claro esta que ha de haver uma perda, confesso que não entendo este modo de argumentar. Pois se o Estado recebesse toda a sua receita, não tinha da mesma fórma de fazer face a essas despezas, não havia da mesma fórma essa differença do metal para as notas? Pois o illustre Deputado para que o seu argumento fosse procedente, não devia demonstrar que a receita é toda a metal, que não ha notas, e que essa receita em metal que o Estado tem de pagar não soffria um prejuiso, quero dizer... Eu tenho alguma gloria em não entender isto, ha certas cousas em que tenho amor proprio de ter ignorancia.

O Governo é obrigado a pagar estas perdas: a Mas se a fazenda melhorasse?«Mas se a fazenda melhorasse o que recebia? Recebia mais. Mas recebia uma differente moeda? Creio que o Estado não paga as perdas, porque recebe menos receita. Mas adoptemos a hypothese do illustre Deputado: vamos ás garantias. Eu empraso a boa fé de S. Ex.ª Que garantias vê o illustre Deputado no futuro para o cumprimento pontual dos encargos da fazenda publica? Que garantias vê o illustre Deputado no futuro para que o Estado receba a sua receita a tempo, para que o Estado possa sem sacrificios immensos, sem os sacrificios que o collocam na impossibilidade de satisfazer aos seus encargos, regularmente satisfaze-los? O illustre Deputado tem bastante boa fé para me responder sobre este ponto. Que garantias tem o illustre Deputado que este estado vago, de que S. Ex.ª tira como consequencia essa perda que se soffre nos descontos, se remedeie? Aonde estão ellas? Estão na approvação de uma despeza superior em 600 contos á despeza do anno anterior? Estão nesse augmento de despeza, nos emprestimos, nesse atraso aos empregados publicos, nas antecipações? Oh! Sr. Presidente, (E nisto não ha uma accusação) quando se falla nestas cousas, dizem os illustres Deputados, e dizem bem, isso é filho das difficuldades Mas a minha questão é esta: não lanceis culpa ás difficuldades, se achais que essas difficuldades são uma garantia de que o Governo ha de satisfazer ao pagamento pontual das suas despezas. Depois note-se: esta amortisação se tivesse logar, devia se fazer dentro de quatro annos; ora dentro destes quatro annos acredita o illustre Deputado, e espera que a fazenda se regularise para não ter logar esta perda? É possivel que o illustre Deputado tenha similhante esperança? E quando o illustre Deputado não tem esperança sobre este ponto, como é que não póde deixar de ter receio da continuação deste flagello, deste flagello que aggrava essas circumstancias do Governo?

Ora, Sr. Presidente, a hypothese do illustre Deputado tem só a infelicidade de ser a sua hypothese unicamente, e não ser a hypothese do Governo, é a grande infelicidade da hypothese do illustre Deputado, pela qual o Governo não perdia nada, mas pela hypothese dos Srs. Ministros, pela hypothese de um documento de capa azul chamado orçamento, o Governo perde 300 e tantos contos de réis. Ora realmente, se o illustre Deputado estivesse no Ministerio havia de trazer esta medida, e consequente com a sua hypothese diria — risque-se do orçamento essa despeza, que não é despeza, que não consinto figure na despeza, e então muito bem, então estava eliminado um dos principaes inconvenientes que vejo nesta lei, e eu podia dizer a S. Ex.ª Ministro da Fazenda nessa época a Muito bem, eu me conformo com este systema, ainda que me ficam algumas duvidas, algumas difficuldades, no entretanto já é uma grande vantagem.» Mas a hypothese do illustre Deputado não é do Governo, o Governo pensa de outra fórma differente, esta de accordo com os factos, o illustre Deputado vê os factos, e não faz caso delles, despreza-os, não se importa com elles, sobe á ultima das theorias, e como ha certa altura nas theorias em que não se divisam bem os factos, o illustre Deputado não divisa o agio das notas, nem as suas consequencias a respeito das despezas do Governo, e por conseguinte diz, que não ha perda; mas eu já demonstrei ao illustre Deputado que effectivamente havia uma differença, porque o illustre Deputado considera como uma despeza corrente a amortisação de um capital, e considera que os 500 contos do capital ficam amortisados por estes 500 contos das notas, quando o Governo não tinha apagar senão 5 por cento désse capital, isto é 25 contos de réis.

Aqui esta outra idéa. Não é divida fundada, em 35 o Banco emprestou milhares de contos de réis ao Governo, e pediu-lhe de penhor titulos que venciam um juro. Ora pergunto eu: o Banco contou naquelle tempo que o Governo lhe pagava a totalidade da divida? Talvez contasse; mas se o Banco ha uns poucos de annos conta que o Governo lhe paga aquella somma, digo-lhe que é uma insensatez. Pois o Governo podia pagar milhares de contos de réis ao Banco por esta occasião? Pois o Governo que se tem demonstrado que tem perdido milhares de contos de réis com o agio das notas, sejam quaes forem as hypotheses do illustre Deputado, porque póde fazer as hypotheses que quizer, mas eu leio-lhe todos os documentos, leio-lhe o decreto assignado pelo Sr. Conde do Tojal, em que diz que o Estado tem perdido mais de 1000 contos até 1847 com este agio, leio-lhe o relatorio do Sr. Franzini em que diz que só a Junta do Credito Publico nos pagamentos que tem a fazer para o Estrangeiro perde 400 contos de réis neste agio, leio-lhe todos estes documentos que fazem menção destas perdas, e accrescento que dentro de pouco tempo o Estado ha deter pago 2:000 contos de amortisação, e ha de ter perdido 2:000 contos de agio, e no meio destas circumstancias é que o Banco estava na esperança de que o Governo lhe levasse os milhares de contos de réis dos emprestimos de 35, e que havia de pagar-lhe esta divida? E ha só esta divida a pagar? Então se o Governo está nesta disposição, se o Banco espera que esta éa occasião de lhe pagar este capital, então vamos mais adiante, então lembre-se o Governo dos 1:600 contos de juros da divida interna, vamos a isso, que a occasião parece que é opportuna.

Isto, Sr. Presidente, vem só trazido a uma cousa, eu não digo que o Governo não deve pagar as suas dividas, mas o que digo, e perdôe-me o illustre Deputado, é que é um sofisma dizer, que o Governo actualmente não perde nada: em abstracto é verdadade que quem paga as suas dividas, não perde, mas é um absurdo que um homem que não tem dinheiro para comer, queira amortisar as suas dividas, é um absurdo que quem não se póde vestir, nem tem que

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comer, possa pagar as suas dividas; em hypothese é verdade, tem o illustre Deputado razão, mas é uma subtileza; o Governo na despeza corrente, quando muito, pagava 25 contos de despeza, mas diz-se: não perde nada, porque pagou os 500 que devia; mas perde tudo, porque o Governo, que se acha nestas circumstancias, e que não póde pagar nem os 25 contos, pagar 500 contos, nas circumstancias actuaes, nas difficuldades do Estado, perde muito Se acaso o Governo fôr ter com alguem, e lhe pedir 80:000 contos, e solver a nossa divida fundada, não perde nada, se o Governo pedir a alguem 80:000 contos e pagar a divida fundada interna e externa, digo que não perde nada, que ganhou muito, porque nó ganhámos desde então o não termos que satisfazer os avultados juros; mas o illustre Deputado diria que isto era possivel se não podessemos satisfazer as nossas despezas correntes? Hoje em dia essa theoria das amortisações tem o mesmo numero de adeptos que teve d'antes? O illustre Deputado sabe perfeitamente que ha muito quem pense a esse respeito de uma maneira diversa. E demais, nós havemos de amortisar a nossa divida, havemos de dizer, que ganhamos immenso com a amortisação do capital, quando não podemos pagar o juro? Este é que é o grande argumento. N'uma palavra cansar-me a semelhante respeito é perfeitamente inutil. O illustre Deputado na hypothese tem razão, que mais quer que lhe diga? mas na these do Governo não tem razão nenhuma, o Governo paga uma cousa que devia, paga 500 contos, mas o Governo na despeza corrente soffre um desfalque de centenares de contos de réis, e o Governo não pagaria senão os juros desse capital, e com uma disposição da lei vê-se obrigado a pagar o capital; por consequencia perde, e o illustre Deputado no rigor dos principios não póde obrigar o Governo a crear uma receita para fazer face a esta despeza, isto é pela theoria não póde fazer com que o Governo crie uma receita para este fim.

Sr. Presidente, esta discussão é muito simples. Quem não vê que o desconto de 40 por cento na depreciação desta moeda, com os sacrificios que se estão fazendo, é um facto que não se póde contestar? Quem dirá que nos regalamos com a existencia deste facto, cujas consequencias são tão fataes para a receita publica, porque, como já demonstrei, aquelles que lucram com as consequencias desse facto, são alguns que estão encarregados da fiscalisação da receita, e por consequencia ha um elemento de desmoralisação, e ha uma diminuição de receita? Aquelles que querem a continuação deste estado, effectivamente veem os inconvenientes, que a elles lhes resultariam do systema opposto; mas não podem de maneira nenhuma acabar os inconvenientes que elle traz comsigo. O que é certo, é que estes 25 por cento, não me parece terem os inconvenientes, que os nobres Deputados notam. Entenda-se bem que eu não faço a apologia de impostos novos; mas notarei uma cousa; por ventura estes 25 por cento impedem que se diminuam os impostos na alfandega? Quem me disser que o legislar para a diminuição de impostos da alfandega, depende d'uma medida geral de diminuição em todos os impostos, digo-lhe que diz um absurdo; e nisto vou de accôrdo com os mestres. Sir Robert Peei, quando tractou da diminuição de impostos na alfandega, não diminuiu todos os impostos; não foi á alfandega, e disse — Ficam diminuidos todos os impostos menos 10, ou 20 por cento — o que fez, foi diminuir os impostos sobre objectos de primeira necessidade, sobre objectos que haviam de ter um consumo mais immediato: e depois da diminuição destes impostos, reconheceu-se que o resultado tinha sido vantajoso. Por tanto se me perguntarem qual dos dois projectos é o melhor, digo que não acho bom nem o parecer da maioria da commissão, nem o da minoria; mas na alternativa em que estamos, tendo a Camara de approvar um delles, nesta contingencia digo, que antes approvaria o parecer da maioria da commissão; mas se me derem a escolher separadamente, digo que não approvo nenhum delles, porque lhes faltam as garantias necessarias para produzirem os resultados que se desejam: o que eu desejo é um projecto, que apresente amortisação, e capitalisação de notas, com a certeza de que ellas não irão outra vez para o mercado, e uma caixa para desconto de notas. Eis aqui os tres pontos sobre os quaes eu entendo deve ser baseado um projecto a este respeito, sem o que não póde esperar-se que a amortisação produza os resultados necessarios. Agora a respeito de impostos sobre generos de consumo, é indispensavel que elles sejam diminuidos quanto antes; e mesmo desejava que elles podessem ser diminuidos n'uma escala grande; mas por serem diminuidos n'uma escala grande, não obsta que se não possa estabelecer uma regra geral: e mesmo estimaria que os nobres Deputados me dissessem, que se não pagasse nada: mas eu pergunto, sendo isto assim, os 400 contos que faltam na receita corrente quem os paga? Os nobres Deputados faziam-me muito obsequio se me interrompessem... Pergunto: quem paga este deficit de 400 contos?... Não tive a felicidade de ser interrompido; mas isto prova a difficuldade de dar resposta a este argumento....

O Sr. Avila: — Eu darei a resposta quando tiver a palavra.

O Orador: — A resposta que o illustre Deputado dá, é uma hypothese scientifica que apresenta, em que se não perde nada; mas isto não é resposta que contrarie a verdade dos factos, (apoiados) Portanto se me perguntarem qual do a dois projectos approvo, digo que não approvo nenhum delles; mas se me disserem, que é indispensavel votar por um, ou por outro, então digo que antes votaria pelo parecer da maioria da commissão, porque é aquelle que é o mais possivel adoptar-se na presença das circumstancias; ainda que entendo que o melhor projecto era aquelle que estabelecesse amortisação, capitalisação, e uma caixa destinada para descontos de notas: estou certo que este projecto havia de dar resultados muito mais vantajosos do que estes que actualmente existem. Em todo ocaso passando este projecto da maioria da commissão, isto não impede de se fazerem as diminuições sensatas nos impostos da alfandega, que são as unicas que hão-de produzir bons resultados; e não as diminuições em geral, sem attenção á qualidade e natureza do imposto, (apoiados)

Julgam os nobres Deputados que é um elemento de credito o declarar a Camara, que a lei que actualmente existe sobre notas, ha de ser permanente; e eu entendo que o credito publico não precisa des-

Ha aqui uma grande lacuna, que o Sr. Deputado não suppriu quando reviu o discurso.

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ta declaração, porque o credito publico não se sustenta com uma moeda que esta a 40 por cento no mercado, e muito menos entendo ser necessario que a Camara faça a declarações de que ha de continuar eternamente esta ordem de cousas. Digo pois que se os nobres Deputados se contentassem em pedir ao Governo, que apresentasse uma medida neste sentido, concordaria com SS.as Ex.ªs, mas querer a permanencia do mal como garantia do bem, para depois se passar a um melhor estado, isto não póde ser admissivel, (apoiados)

Vou concluir, e concluindo direi á Camara que as paginas da nossa deploravel historia financeira até hoje, não se acham enriquecidas com factos que abonem muito a perspicacia das vistas daquelles cavalheiros, que tem sido chamados a resolver as questões financeiras, que se tem apresentado; não digo que a culpa tenha sido dos illustres cavalheiros que tem estado á testa dos negocios publicos, póde ser que a culpa tenha sido das circumstancias; porém o que é verdade, é que alguns destes cavalheiros se enganaram nas esperanças que ligavam ás medidas, que tinham adoptado, «E quem se não tem enganado» disse o illustre Deputado? E quem não ha de prestar testemunho ao illustre cavalheiro, que teve a sinceridade de fazer uma semilhante declaração7 Mas o que é verdade, é, quando nós temos o testemunho incontestavel dos factos, querermos persistir na opinião que tinhamos antes delles se realisarem, não póde esta declaração ser aceita como demonstração de que effectivamente entendemos bem aquillo que é mais conveniente fazer: eu estou convencido que se o nobre Deputado, antes de se votar a lei, soubesse os resultados que ella havia de dar, de certo não a tinha approvado...

O Sr. Avila: — Eu estou convencido que ella deu os resultados que eu esperava.

O Orador — Á vista da declaração do nobre Deputado não continuo, porque não ha contribuição possivel; discordamos completamente; e sómente accrescentarei, que quem olhar para as notas do Banco e vir que se perde nellas 40 por cento, não precisa de mais nada para avaliar esta lei; e por consequencia quem invoca a permanencia desta lei, quer o descredito permanente desta moeda.

O Sr. J. I. Guedes: — Sr. Presidente, acham-se duas disposições capitaes neste projecto: a primeira, tirar o curso forçado ás notas que entram nos pagamentos feitos ao Estado, e pelo Estado: a segunda, um imposto novo de 10 por cento em notas; e daqui se verá a gravidade da materia, porque se tracta nada menos do que de uma questão de circulação e de impostos, e de certo não ha questões mais graves a resolver; bastando reflectir na natureza de cada uma dellas, para se reconhecer que é necessario marchar com muita prudencia, segurança, e conhecimento de causa.

Tenho ouvido muitas observações em redação á conveniencia do Governo e dos empregados publicos: sobre a perda do agio das notas que soffre o paiz; sobre a injustiça de que sejam os empregados publicos, e os juristas os que mais parte tenham na perda do agio pelo curso forçado; mas do que ainda não ouvi tractar aos que sustentam o projecto, é das obrigações sacratissimas que o Governo tem contraído para com os possuidores das notas; devendo ser esta aliás a primeira questão a considerar, porque ella envolve em si os principios de moralidade governativa, que é a base de todo o credito, e que é a condição essencial de todo o Governo honesto, assim como é a norma de todo o homem de bem na vida publica, e na vida particular.

Reservando-me porém para mais tarde tractar a questão da moralidade, antes de tudo julgo preciso restabelecerem-se bem os factos, e conhecer bem a situação actual, e por ventura combater as opiniões dos illustres Deputados que sustentam o projecto. Seguirei pois esta ordem, que, se não é a melhor, é todavia a que conduz mais depressa á questão.

Sinto entrar nesta questão já de muito máo partido, porque os nobres Deputados que teem combatido o projecto, teem já dito muito, e o que tinha a dizer era mais em apoio da sua opinião, do que accrescentar novas cousas ao que elles disseram, e que não foi destruido, apesar dos esforços empregados por alguns distinctos Oradores, que fallaram em sentido contrario,

O nobre Deputado por Vizeu provou com os calculos mais minuciosos, quanto deveria ser a perda exacta que o Governo soffria pelo desconto das notas, que recebia de mais do que as que pagava aos empregados, e aos juristas: e o calculo do Sr. Deputado é concludente; e o nobre Deputado pelo Algarve, combatendo aquelles calculos, antepoz-lhes outros, em que juntou as perdas do Thesouro, e as dos pagamentos que o Thesouro faz em notas, e assim não destruiu os calculos do nobre Deputado por Vizeu.

No entretanto tomarei a base que o illustre Deputado pelo Algarve estabeleceu, posto que teria muito nella que reformar; mas quero servir-me della, porque a minha argumentação é leal, e quero conceder o mais que puder aos meus adversarios.

O nobre Deputado disse que são 8:000 contos as quantias que o Thesouro recebe, em que entra a quarta parte em notas: são por tanto 2:000 contos de notas, as quaes reduzidas a metal a 40 por cento valem 1:200 contos: logo a perda são 800 contos.

O calculo esta na verdade exacto; mas qual seja a perda, que o agio das notas dá ao Governo, aos empregados e aos juristas, os membros da commissão não estão de accordo: por quanto o nobre Deputado, o Sr. Lopes de Lima, faz só subir a 1:350 contos as notas, que entram nos pagamentos do Thesouro; e sendo assim, em logar de 800 contos de perda, teriamos pelo mesmo agio 540 contos.

Sobre esta differença, os dois nobres Deputados lá se avenham entre si; pela minha parte dou de barato que sejam 800 contos: e só tenho a dizer ao nobre Deputado pelo Algarve, que se esqueceu de deduzir a importancia do imposto addicional, que entra no Thesouro, e que é applicado simultaneamente á amortisação das notas, e ao pagamento das dividas do Governo.

O nobre Deputado sabe, que em todos os pagamentos, em que entram notas, ha tambem os 10 por cento addicionaes; e calculando a receita em 8:000 contos, teremos que o direito addicional, que o Governo recebe, são 800 contos; logo o Governo perde no agio de 2:000 contos, 800 contos de réis em metal, e recebe 800 contos de réis em notas, que, ao agio de 40 por cento, dão a perda de 3,0 contos; por tanto a perda real e effectiva tomada em globo, de quanto perde o Governo, de quanto perdem os juristas, e os empregados publicos, sominado tudo, é

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na totalidade de 320 contos, se o Governo tiver de descontar as notas que recebe do imposto addicional.

Peço que os illustres Deputados fixem bem a sua attenção sobre este ponto: a totalidade da perda tornada em globo é de 320 contos em metal; mas os illustres Deputados vão reconhecer que essa mesma perda desapparece completamente.

O Governo não desconta os 800 contos de réis em notas que recebe pelo direito addicional: paga com elles pelo valor nominal uma divida de 800 contos de réis; e se perde por um lado, nos 2:000 contos das notas, que desconta, 800 contos, por outro recebe 800 contos em notas, com que paga sem desconto, pelo seu valor nominal, uma divida de 800 contos, e nestes termos ninguem poderá dizer que o Governo perde cousa alguma.

Mas ainda não fica aqui a situação do Thesouro; ella é ainda muito melhor; porque pagando o Governo sem nenhum rebate uma boa parte das notas que recebe, somma que os illustres Deputados calcularam em 1:175 contos as notas que entram nos pagamentos que o Governo faz. segue-se que o Governo só tem a rebater, tomando o calculo do nobre Deputado pelo Algarve, 835 contos, em que tem uma perda de 330 contos de réis, mas fica com 800 contos de direitos addicionaes; e assim por 330 contos que perde, o Governo tem 800 contos a favor. E pelo calculo do Sr. Deputado Lopes de Lima, tirando de 1:350 contos de receita 1:715 contos de pagamentos que faz o Governo, o resto para rebater é de 1750 contos de réis, que dão uma perda de 70 contos; ficando, segundo este calculo, o Governo com a perda, por um lado de 70 contos, e de lucro por outro de 800 contos: lucro portanto para o Governo, na hypothese do Sr. Deputado pelo Algarve, de 470 contos, e na do Sr. Lopes de Lima 730 contos.

Os empregados publicos, e juristas, esses sim, esses perdem o que o Governo ganha, porque recebem a quarta parte em notas, e a quarta parte em notas calculando a 40 por cento, dá uma perda de 10 por cento sobre os seus vencimentos; porém se o Governo lucra nesta operação, o Governo deve indemnisar os empregados: e a este respeito o nobre Deputado por Vizeu fez sensatas reflexões, com as quaes concordo, escusando de as repetir; e a Camara tem obrigação de attender esses creditos, e deve na discussão da lei de meios contemplal-os do melhor modo possivel; porque o Governo lucra, como tenho demonstrado, e por isso todos os sacrificios são bem cabidos para este objecto.

Sr. Presidente, do que tenho exposto concluo, sem receio de ser contrariado, que os sacrificios do Governo, os dos empregados, e juristas, tomados em globo, todos elles se reduzem unicamente a desviar da receita corrente, e a applicar para a amortisação de uma divida a quantia que o Governo recebe pelo direito addicional para a amortisação das notas — pois que se fosse comprehendido como receita para a despeza corrente o que o Governo recebe pelo direito addicional — o Governo teria um augmento de recursos muito consideravel: agora tem esses mesmos recursos, com a differença porém de que elles são applicados á amortisação de divida.

Eram estas pois, em relação ao Governo, as perdas que elle soffre com a amortisação das notas; e custa a conceber como Cavalheiros tão illustrados, e tão amantes do bem publico, viessem aqui avançar proposições tão contrarias á exactidão, e verdadeira apreciação dos factos. Espero que hão de convencer-se das razões que apresento; essas são de tal modo evidentes que não ha nada a oppor-lhes; e declaro que acceito uma discussão especial sobre este objecto, compromettendo-me aprovar as conclusões que tiro, e que podem considerar-se como uma verdade mathematica.

Entendo pois que posso bem oppôr ás 5 demonstrações do illustre Deputado pelo Algarve, esta simples demonstração: e para a 6.ª dellas em que o illustre Deputado elevou a perda das notas a 1:600 contos, essa ha de o mesmo illustre Deputado convir, que tendo accumulado á perda de notas o premio dado aos mutuantes, que fazem emprestimo ao Governo, não póde entrar em discussão, sem se separarem estas duas entidades; porque se os mutuantes fizerem emprestimos, em que entre parte dinheiro, parte papeis, ou parte notas — como cada cousa tem seu valor — elles calcularão o juro e o premio do risco, que querem tirar do emprestimo, e esse lucro ou venha dá differença de notas, da differença do valor dos papeis, ou venha donde quer que seja, não póde senão levar-se á conta do premio do emprestimo, e não á conta do desconto de notas; isto e bastante claro, e julgo que não carece de mais ampla demonstração.

Depois de ter assim respondido ao argumento principal em que a illustre commissão Especial apoia o seu projecto, passarei a fazer algumas considerações sobre outros argumentos apresentados pelos nobres Deputados.

Sr. Presidente, ninguem dirá que o augmento da quantidade de moeda na circulação faz subir de valor esta mesma moeda sem algum motivo especial, que exerça uma influencia poderosa e directa no emprego dessa moeda. A moeda tomada na expressão generica de mercadoria privilegiada esta sujeita, como qualquer outra mercadoria á alta ou baixa de preço, conforme a precisão que ha dessa mercadoria, e a abundancia e escacez della. Se, por exemplo, ha applicação só para dez, e ha moeda para quinze, se não ha alguma influencia especial, como uma crise monetaria, como a falta de confiança nos valores, que se offerecem para emprego da moeda, a moeda baixa de preço, porque excede muito ás precisões do emprego; e vice-versa, quando ha muita applicação para dar á moeda, e ha pouca abundancia de moeda no mercado, a moeda sobe de preço.

Dada uma certa quantidade de emprego para a moeda, se a circulação monetaria fôr augmentada extraordinariamente por auxilio de uma outra especie de moeda, ou de meio circulante, é fóra de duvida que do emprego, aonde esse meio circulante extraordinario se empregar, fica excluida a moeda; e tendo essa applicação de menos, hade por força accrescer a moeda, e por consequencia baixar o preço della. —

E para tornar isto mais palpavel, accrescentarei, que suppondo que n'um mercado de cereaes existe uma quantidade de trigos á venda para o consumo, e que aí concorre uma quantidade de milho, que, porque seja inferior alimento, ou porque não esta no gosto dos consumidores, tem menos extracção, todavia a differença de preços convida uma porção de consumidores a comprarem milho: é certo que a porção de milho que se vender, toma o logar a igual por

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ção de trigo, que se venderia, se o milho não viesse ao mercado, e assim diminuindo o consumo do trigo, augmenta a quantidade delle em relação á que era necessaria para o consumo. Daqui não póde deixar de vir a diminuição do preço do trigo.

Assim tambem a parte das notas que entra nos pagamentos, se ella fôr tirada da circulação, hade ser substituida por moeda metal, e por consequencia esta tem mais applicação, e em logar de augmentar diminue o meio circulante, e ninguem dirá que diminuindo a quantidade deste, elle descerá de valor.

Sr. Presidente, um dos argumentos poderosos com que eu contava combater triumfantemente o projecto, era pelo mal que elle fazia á circulação: e portanto fiquei maravilhado, quando vi sustentar o projecto com o mesmo fundamento com que o queria combater; mas pelo que deixo dito, parece-me fóra de duvida, que a concorrencia das notas na circulação fará augmentar o meio circulante, que por isso este de modo algum póde subir de preço, antes deve diminuir.

Mas estarão as notas na circulação? Um illustre Deputado que sustenta o projecto, disse — que não havia circulação de notas —; mas isto não é exacto absolutamente fallando; porque as notas além da qualidade generica de mercadoria, como todos os valores permutados, tem qualidades especiaes: e são papel de credito — papel moeda para certos pagamentos — meio circulante para outras transacções.

São papel de credito porque representam sommas que se promettem pagar em um prazo incerto; são papel moeda pela parte, em que entram nos pagamentos ao Estado, e por conta do Estado, ao Banco e por conta do Banco; são meio circulante para e o mercado de inscripções, de acções do Banco e outras companhias, e mais papeis de credito.

Sr. Presidente, deu a hora: peço a V. Ex.ª me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: — Fica-lhe reservada. A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje em todas as suas partes. Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.

O 1.º Redactor,

J. B. GASTÃO.

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