O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2323

Discurso do sr. Pinto de Araujo proferido na sessão nocturna de 29 de julho, e que se devia ler no Diario n.° 171 de 2 de agosto corrente, pag. 2053, col. 2.', lin. 41.

O sr. Pinto de Araujo: — Sr. presidente, pedi a palavra no capitulo 8.°, onde tinha mais cabimento o tratar-se da importantissima questão em que fallou o sr. Antonio de Serpa. Não me chegou a palavra na discussão d'esse capitulo; pedi-a no immediato, tambem não pude fallar; tomei por isso a deliberação de pedir a palavra n'este capitulo para fallar sobre tal objecto, com quanto diga respeito ao capitulo 8.°, e peço á camara me desculpe e releve esta transgressão do regimento, já que não é possivel ser de outro modo, porque «cndo eu deputado eleito pela localidade do Douro não podia de fórma alguma ficar silencioso, logo que n'esta casa se fallou na questão dos vinhos, e se pediram explicações ao governo a este respeito, exigindo-se-lhe que emittisse a sua opinião em tão importante assumpto. Não sei se será isto muito proprio, seja como for, tomo a liberdade de ler a proposta que vou mandar para a mesa, a qual fundamentarei (leu).

Pôde ser que e ta moção seja olhada como um adiamento indefinido á questão vinhateira do Douro. Pela minha parte declaro que não ha pensamento nenhum de adiamento, e só o de esclarecer sufficientemente a camara, attendendo a que a sessão está muito adiantada, e que sendo esta questão uma questão de interesse geral para o paiz, como confessou o nobre deputado, o sr. Antonio de Serpa, ella não pôde ser agora ti atada com a amplitude que demanda, e por isso nenhum inconveniente resulta de nomear-se uma commisão que a estude na propria localidade no intervalo deste á outra sessão. Tanto mais que a commissão de vinhos ainda não se occupou dos projectos que lhe estão affectos, pelas rasões que o nobre deputado, o sr. Antonio de Serpa, não ignora, e que não são tendentes a embaraçar o andamento dos mesmo* projectos.

Peço á camara, repito, que me releve o eu demora la algum tempo, que farei porque seja o menos possivel, por d'elle carecer para fundamentar a minha proposta.

O sr. Presidente: — A proposta não diz respeito ao capitulo que está em discussão.

O Orador: — Eu sei isso, e tanto que comecei pelo declarar; todavia vendo eu que a maior parte dos illustres deputados, que têem pedido a palavra sobre a discussão do orçamento, tem tratado de fazer propostas e de fallar sobre ellas, não estando a maior parte das suas propostas em relação com nenhum dos capitulos em que as propõem, e que a camara ainda não tolheu a nenhum deputado o direito de usar da palavra para as fundamentar, julguei assistir-me o mesmo direito; mas acredite V. ex.ª que, se a camara não quizer que eu falle fundamentando a minha proposta, eu mando a para a mesa reservando-me para a sustentar em occasião opportuna.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Parece me que, dizendo a minha proposta respeito a um objecto importantissimo, eu não posso deixar de justificar a posição que tomei apresentando-a, para que ella se não considere, como já disse, um adiamento indefinido á questão do Douro.

Quando na camara transacta se discutiu a questão de vinhos, disse se aqui, que essa questão estava completamente estudada, e que as idéas apresentadas na camara e manifestadas nos projectos de que ella então se occupou, eram as idéas que estavam na mente da maior parte dos individuos, que sustentavam a» boas doutrinas, e que a camara não podia ter obstaculo algum em approvar esses projectos. Eu não penso d’este modo, e não penso deste modo, porque entendo que a questão vinicola do Douro ainda não está estudada; e digo que não está estudada, porque não podem servir de regra, nem de base para se tomar uma resolução qualquer a este respeito, as idéas que a associação commercial do Porto, desde que foi creada, tem emittido successivamente ácerca de tão importante assumpto. A associação commercial do Porto, seja dito sem offensa, não tratou em epocha nenhum de estudar nem de aprofundar a questão vinicola do Douro; a associação commercial do Porto, dirigindo se muitas e muitas vezes ao parlamento, era diversas representações que fez, para se tomarem medidas a respeito do commercio dos vinhos n'uma ou outra epocha, nunca teve em vista senão attenuar os males que pesavam sobre o commercio dessas epochas em que ella representava; males que nasciam, não dos desvairamentos da lavoura, mas de certos arrojos commerciaes irreflectidos e impensados. Nem julgue a camara que eu venho aqui lançar uma asserção gratuita sobre um corpo tão respeitavel, como é o corpo commercial do Porto; e para provar á camara que não venho aqui lançar uma asserção gratuita sobre essa respeitavel corporação, que acato como devo, ha de permittir-me que eu lhe leia pequenos trechos, muito pequeno», de algumas das diversas representações que a associação commercial em differentes epochas dirigiu ao governo.

É certo que se tem atacado e atacado muito de frente os interesses da lavoura do Douro, dizendo-se que actualmente rege a industria vinicola do Douro uma legislação absurda, anómala, esquisita, extravagante e anachronica. Eu sou o primeiro a confessar que na legislação actual do Douro ha deposições inconvenientes (apoiados); mas, porque na legislação actual do Douro ha disposições inconvenientes ou absurdas, será logico que desses absurdos se deduzem argumentos para se concluir que o Douro não precisa de protecção? Porque a actual legislação é má, a industria vinicola do Douro pôde viver sem protecção? Isto, emquanto a mim, não é modo de argumentar, porque quem vae acobertar se com um absurdo, com uma disposição inconveniente para d'ahi tirar um argumento a seu favor, mostra que não tem outro ponto de apoio onde vá firmar-se, e que não pôde argumentar de outro modo senão fazendo reverter em seu proveito os absurdos existentes. Esta é que é a verdade.

Para fazer sentir mais os effeitos desses pequenos trechos, que hei de ler, das representações da associação commercial do Porto, não posso deixar de remontar a uma epocha muito anterior á creação da mesma associação.

Todos sabem que desde 1678 até 1755 a industria vinicola do Douro era completamente livre, como livre era o commercio dos seus vinhos; a liberdade de commercio era exercida em larga escala. Isto é uma verdade que ninguem pôde contestar, porque ninguem pôde provar que anteriormente á existencia da companhia que foi creada por alvará de 10 de setembro de 1746, houvesse algumas leis que tendessem a regular o commercio do vinho do Porto. E quaes foram os effeitos d'essa liberdade de commercio de que então gosava essa industria?! Não é necessario recorrer a testemunhos portuguezes que podem não ser insuspeitos.

Eu vou apresentar aqui a maior prova dos inconvenientes que resultaram d'essa liberdade do commercio que então gosou o Douro, invocando a auctoridade dos commerciantes inglezes. Parece me que toda a camara sabe, que o tratado celebrado entre Portugal e a Inglaterra em 1810 estabeleceu nos artigos 8.* e 25.° a reciprocidade de commercio para os subditos das duas nações, que n'ella* fossem residentes, ou ahi quizessem commerciar, gosando de todos os direitos e privilegios n'esta parte, não podendo restringir se, impedir-se ou por qualquer modo affectar-se a reciprocidade do commercio estabelecida por monopólios, privilegios ou exclusivos. Em virtude d'isto a feitoria ingleza, que então estava muito desacreditada, porque o seu descredito já vinha desde 1754, requereu ao parlamento inglez e ao conselho privado do commercio, que fosse extincta a companhia do vinhos de Portugal, porque era um monopolio que se oppunha á letra do tratado, e que não permittia que os commerciantes britannicos exercessem em Portugal o commercio dos vinhos, como anteriormente á sua instituição. Os commerciantes inglezes, isto é, os commerciantes engarrafadores inglezes, vieram oppor-se a esta pretensão da feitoria, declarando que não estava compre bendiria a companhia no tratado de 1810, porque se esse tratado de commercio quizesse attender á existencia de similhante instituição, considerando o um privilegio, não fallaria de monopólios, privilegios ou exclusivos futuros; e caso se entendesse que a companhia dos vinhos do Alto Douro não podia existir, por se lhe oppor a letra do tratado, uma grande rasão de conveniencia aconselhava a sua conservação, qual era, que desde que a companhia se tinha estabelecido em Portugal, e que as encommendas de vinhos eram satisfeitas por ella, os vinhos tinham sempre dado boa conta, que os seus preços eram regulares, e que o vinho do Douro tinha sempre maior saída; e que o parlamento inglez devia acautelar-se com a feitoria, porque ella pertendia voltar á fraude que anteriormente fazia. Essa questão está habilmente tratada deste folheto que aqui tenho publicado em 1813, e a camara ha de permittir me que eu lhe leia alguns periodos das observações feita» pela commissão nomeada no parlamento inglez para dar o seu parecer ácerca da petição da feitoria, a qual não foi attendida.

N* observação ao § 5/ da petição diz a commissão o seguinte:

«E indubitavel que o monopolio, de que aqui se falla é a companhia conhecida pelo nome de companhia geral da agricultura dos vinhos do Alto Douro. Ao que respondemos, affirmando positivamente que a companhia não é monopolio, o que esperámos provar com toda a evidencia.

«Se a companhia foi considerada unicamente como commerciante de vinhos, é claramente uma corporação de commercio sem mais privilegios do que aquelles mesmos de que igualmente participam os negociantes de ambos os paizes, e um corpo similhante de nenhum modo pôde ser chamado com propriedade um monopolio.

«Se examinarmos as leis da companhia, acharemos que todas ellas são ordenadas para o fim especial do conservar a pureza do vinho do Porto, acautelando por todos os modos a sua adulteração, de que tem resultado 03 bons effeitos que conhecem, e confessam todas as pessoas versadas no commercio dos vinhos, e principalmente aquellas a cujo conhecimento tem chegado os abusos das lotações e falsificações com que se prevertiam os vinhos do Porto antes do estabelecimento da companhia, os quaes foram de facto a verdadeira causa do seu estabelecimento. Mas com que propriedade se pôde dar o titulo de monopolio a uma instituição que tem por objecto corrigir males notórios e importantes?»

Com relação ao § 13.° da alludida petição, observa a commissão o seguinte. N

«A maior parte dos inglezes interessados no commercio de vinhos requerem contra a extinção da companhia da qual resultaria a total ruina deste commercio, e como não podem convir em que a companhia seja monopolio, mas sim um competidor que concorre com os outros no commercio que a todos é franco, forçosamente hão de negar que os dois artigos do tratado, que fallam do monopolio, digam respeito á mesma companhia.»

Outros períodos podia ler, que como estes manifestara o pernicioso intento dos membros da antiga feitoria acabar com a companhia sob o pretexto da ser um monopolio, para á sua vontade continuarem no escandaloso commercio que faziam dos vinhos do Douro, lotando-os, adulterando-os e contrafazendo-os por todos os modos, para assim illudirem os consumidores, vendendo lhes uma cousa por outra.

Se a opinião do parlamento inglez foi desfavoravel á pertensão da feitoria, não o foi menos a do commercio, como manifestam as cartas dirigidas pelas diversas casas commerciaes de Inglaterra á commissão dos commerciantes installada em Londres, para pôr a claro as manobras da feitoria.

Essas cartas, que tambem estão impressas deste folheto, são bastante curiosas e dignas da attenção de todo o individuo que quizer esclarecer-se e convencer se da necessidade que ha em dispensar certa protecção á industria e ao commercio dos vinhos do Douro. Dispensando-me de fazer a leitura de todas, notarei apenas uma que vem muito a proposito:

«Glasgow, 22 de agosto de 1822. — Recebemos hoje a vossa carta de 19 do corrente, e attestâmos com a maior satisfação, e nos termos mais positivos, que a real companhia dos vinhos é e tem sido um estabelecimento de utilidade real para o commercio dos vinhos do Porto, e por consequencia para a renda e commercio de ambas as nações, e muito particularmente para o da Inglaterra e Escócia; verdade que devem confessar os mesmos membros da feitoria. Devemos tambem acrescentar que em todas as innumeraveis transacções do commercio que temos feito com a mesma companhia, por via da seus agentes em Londres, ainda não tivemos rasão para nos queixar da remessa de uma unica pipa do mau vinho; antes pelo contrario temos achado constantemente que podemos vender os vinhos que recebemos da companhia por mais 5 libras era pipa do que os membros da feitoria podem alcançar para os seus vinhos em Inglaterra; e isto unicamente em rasão da sua melhor qualidade. Temos comtudo observado que esses mesmos membros da feitoria declamam continuamente contra os vinhos da companhia, representando os como inferiores, etc... etc..; a nossa exposição, porém, é fundada em factos, e sentiríamos muito que a companhia fosse de alguma maneira paralysada no seu commercio por motivo de interesse proprio, ou por outros ainda peiores...»

Aqui está como o parlamento inglez e o commercio consideraram a questão levantada pela feitoria, pugnando sempre pela conservação da companhia, como meio unico de tornar insuspeita a pureza e a genuidade dos vinhos do Douro, pondo o commercio a coberto da fraude e das ambições dos especuladores, que só aspiravam a lucrar e não a commerciar.

Conheço que estou a tirar á camara o tempo de que carece para tratar de outros assumptos; todavia tendo a camara de tomar uma resolução a respeito da questão do Douro, eu não posso deixar de solicitar todos os esclarecimentos que tendam a esclarecer o parlamento em uma questão tão importante como esta (apoiados).

Desde a creação da companhia até 1822 correram as cousas de um modo regular, e tão regular que o commercio de vinhos augmentou de uma maneira consideravel. Mas se é verdade que grandes vantagens resultaram ao commercio dos vinho* da instituição du companhia, eu soa tambem levado a declarar... (Interrupção que não se ouviu, e uma voz: — Deixe votar alguma cousa.) que alguns inconvenientes se deram desse tempo, dos quaes me occuparei em occasião opportuna.

Eu não me opponho a que se vote tudo o que quizerem, desejo porém que a minha moção de ordem não tenha uma sorte desastrada, como desastrada é para alguem a questão de que me estou occupando.

Estudar a questão do Douro é a primeira ousa que cumpre fazer; é mau destes casos adoptar sem reserva a