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N.º 9. Sessão em 12 de Junho 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 49 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

Não houve correspondencia, porém mencionou-se na Mesa a seguinte

Representação. — Da camara municipal de Ponte de Lima, apresentada pelo Sr. Correa Caldeira, pedindo que seja approvado o Projecto do Sr. Pereira dos Reis para a extincção do monopolio do sabão. — Á Commissão de Fazenda.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, mando para a Mesa tres requerimentos dos mesarios dos compromissos maritimos da cidade de Tavira, Villa Real de Santo Antonio, e Olhão, em que se pede o cumprimento da Lei de 9 de julho de 1842 que isemptou do recrutamento os mestres e pescadores. Já se tem fallado aqui algumas vezes neste negocio, por isso tomo a liberdade de pedir a V. Ex.ª de prover com urgencia a estes requerimentos.

Ficaram para seguir os termos regulares.

O Sr. Andrade Nery: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Augusto Xavier da Silva encarregou-me de participar a V. Ex.ª e á Camara, que não podia comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão do parecer n.º 60. (Vid. sessão de 9 de junho).

O Sr. Lacerda (Antonio): — Sr. Presidente faço uso da palavra com satisfação, por ter de pugnar por uma cousa que, além de justa, é politica e generosa. Não me atterram nem a dureza dos termos com que se entrou nesta discussão, nem insinuações desfavoraveis, porque com a mão sobre o coração posso dizer que a minha consciencia está pura; erguendo a voz a favor daquelles que pertencem a um partido que perseguiu toda a minha familia, e a mim me tem feito velar noites na sentinella perdida, me tem derramado o sangue, e ameaçado a vida em muitos combates. Combati-os porque eram inimigos da liberdade, do meu sonho de mancebo, e que eu amava com a fé com que se ama tudo em verdes annos. Mas elles então eram fortes e poderosos, e hoje são desgraçados, imbelles, succumbindo á fome e á miseria. (apoiados)

Sr. Presidente, é para admirar a opposição que soffre o art. 6.º do projecto; e para admirar que em 1849 se venham atirar ao meio da Camara idéas de intolerancia, e excluivismo, que para os sectarios do Usurpador seriam de desdoiro, mas que para o partido liberal são um baldão vergonhosissimo. É para admirar que se apresente á Camara o sudario ensanguentado da crueza e intolerancia barbara de um partido para se aconselhar intolerancia, e crueza; para se insinuar que este partido deve estar eternamente separado do resto da Nação, e que é um novo Cain, fulminado por Deos, e condemnado para todo o sempre. Penalisa-me profundamente similhante doutrina.

A Camara não é de um só partido, não é a Camara deste ou daquelle partido, (e desgraçados dos liberaes se o fosse) a Camara é de todos os partidos, e representa a Nação inteira. (apoiados) Todos os interesses, todos os direitos, todas as necessidades, devem merecer igualmente o seu desvelo, considerando

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os objectos de conveniente altura, sem os afferir pela bitola do egoismo, ou de considerações particulares.

A questão de que se tracta, Sr. Presidente, e importantissima, no meu entender; não é questão de pessoas, mas de principios; e dissesse ella respeito a tres ou a trezentos individuos me era indifferente. Esta questão encerra um pensamento além de justo, generoso, conveniente, e politico.

E justo porque dá consideração a serviços feitos ao paiz antes de 1828; os quaes já se demonstrou exuberantemente terem direito a recompensa depois do acto de amnistia de 1834. E generoso e politico porque tende á tão desejada união da familia portugueza.

Este pensamento fecundo e nobre foi acolhido por alguem com o sorriso da incredulidade, para não dizer com o da irrisão; foi calumniado atrozmente. Confundiu-se uma impossivel fusão com a união pela lei, e com a lei; com a união leal e sincera, sob uma mesma bandeira da Rainha e da Carta: chamou-se a isto uma chimera, uma utopia; julgando-se possivel que uma parte consideravel da Nação seja excommungada, forme uma raça de verdadeiros ilótas, uma familia de invilecidos parias. Mas isto é que não é possivel, porque repugna com o coração e com a razão; e se não compadece com o credo de liberdade, que sejamos tolerantes, e nos tractemos como membros de uma mesma familia, (apoiados)

Sr. Presidente, com o generoso pensamento da união da familia portugueza têem sido trazidas á Camara varias propostas. E como foram combatidas? Salva uma ou outra explosão de intolerancia, tem-se apenas dicto que a providencia deve ser geral, e abranger a todos; que a medida não deve ser incompleta; e um illustre Deputado ate accrescentou — que era generosidade aos pedaços Quando porém se apresentou o anno passado um projecto, que attendia a todas as classes do partido vencido em Evora-Monte, a sua leitura foi interrompida por alguns illustres Deputados da opposição, que então se mostraram indignados e furiosos pelas prescripções do mesmo projecto.

E quando na Camara foi apresentada uma proposta, tendente a reintegrar alguns officiaes que haviam pedido a demissão pelos ultimos acontecimentos, eu a defendi com todas as minhas debeis fôrças, mas perguntaram-me pelos miguelistas, agora perguntam pelos liberaes; e com este jôgo inutilisam as propostas; sendo por uma notavel coincidencia o mesmo illustre Deputado o que se encarregou em ambas as vezes de fechar a Camara neste circulo vicioso.

Sr. Presidente, porque se não póde dizer tudo, dizer que nada se deve fazer, é enthronizar um sofisma prejudicialissimo: equivale a dizer, que senão emende a vida, e se não comece a ser virtuoso, porque se não póde ser sancto de repente; — que se não estude porque não é possivel ser sabio de salto.

Sr. Presidente, os ultimos acontecimentos da Europa evidenciam a precisão que os Governos teem de organisar, mais do que força fysica, força moral para resistir ás tentativas demagógicas. O Governo de Hespanha, tantas vezes citado pelos illustres Deputados, conheceu toda a força desta verdade, e tractou logo de chamar ao gremio do partido liberal os partidarios de D. Carlos: e todos sabem as grandes vantagens que lhes concedeu: postos, empregos, condecorações dadas pelo Pretendente lhes foram affiançados; e peço á Camara, que note que os carlistas estavam em muito peior situação do que os partidarios do usurpador; porque se haviam revoltado contra um Governo que o era de direito, e de facto, e que estava constituido; ao passo que entre nós houve Um Governo illegitimo, tyrannico; mas que se havia revestido das fórmas legaes.

E o que resultou do generoso pensamento que o Governo de Hespanha poz por obra? Resultou o falhai a tão elaborada tentativa de guerra civil na Catalunha, e provincias Vascongadas.

E direi aos illustres Deputados que para impugnar o artigo, tentaram mostrar a inutilidade, e inefficacia da amnistia, que Cabrera, Forcadell, Tristanis, e outros caudilhos não acceitaram a amnistia; e peço á Camara note bem esta circumstancia que invalida completamente o argumento dos illustres Deputados; ou para melhor dizer o volta contra os proprios que o vibraram (apoiados.)

Sr. Presidente, ameaçou-se com o despotismo do norte, affigurando esta Camara investida pelos cossacos, mas não se quizeram fazer cargo de que o monstro que agora ruge temeroso, é a demagogia desgrenhada, e sanguisedenta. O despotismo no occidente da Europa e impossivel, e mesmo no norte a sua hora derradeira está assoar: — tempo virá, e não esta longe, em que toda a Europa ha de ter liberdade mais ou menos progressiva, mas regrada, porque esses potentados do norte ainda quando vencessem, havia de acontecer-lhes o que succedeu aos antigos conquistadores — tomaram os costumes, e adoptaram o culto do» vencidos. >

Affirmou-se que a questão que se ventila, é um plano tenebroso, e que se querem sei vir das espadas ferrugentas de Evora Monte: — dizer isto de uma medida defendida, e apoiada por illustres, e provados caracteres é jogar, e perder o direito de ser acreditado.

Sr. Presidente, já que se fazem tão inqualificaveis enunciações direi á Camara, farei patente á Nação, que esta nobre idéa de chamar o partido de Evora Monte ao gremio liberal não é de hoje. Alguma das nossas maiores illustrações politicas a tencionava levar a cabo com toda a generosidade, e em grande escala; e é muito possivel que um illustre Deputado que então representava um elevado papel, soubesse alguma cousa deste negocio, e o approvasse. Impugna-a agora, mas: Altri tempi, altri pensieri (apoiados.) Tambem se disse que o partido liberal não é forte, e o miguelista incorregivel. Mas se o partido liberal não e forte, é porque esta dividido, e lamento isto do coração: estou porém convencido de que no momento do perigo elle se ha de apresentar unido, e forte como nos dias da sua gloria.

Dizer-se o partido miguelista incorregivel é uma expressão de odio, e de rancor que só as perseguições soffridas podem justificar. Como se póde saber se o pai tido miguelista é incorregivel? Por espaço de annos tem estado, com poucas excepções, quieto, 0 socegado. Macdonald, apesar do seu prestigio, bem pouca gente acareou; e foi preciso que os liberaes os chamassem no Porto, dando-lhes postos, e titulos, para que elles se lhes unissem.

Sr. Presidente, esse partido tem por bastante tempo pagado as suas faltas, o seus erros, e crimes. Qual é o partido que póde atirar ao outro a primeira pe-

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dra? Querem assenta-la á mesa do orçamento, disse um illustre Deputado. Não é verdade, porque se lhe quer dar apenas uma fatia de pão. E esse pai tido, como o filho prodigo, ha de contentar-se com as migalhas que cairem da mesa do pai de familias, com tanto que elle -e levante, o abrace, e o reconheça.

E concluo pedindo á Ca ma ía que seja justa, politica, e generosa; elevando-se á altura da sua missão; porque colherá as bençãos deste paiz, que é de todos, e para todos (apoiados.)

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, se para vencer uma causa qualquer podessem prevalecer aos olhos de uma Camara Legislativa, perante a sabedoria e a razão do Parlamento, argumentos de sentimentalismo, deveria pelos argumentos que apresentou o Orador precedente, approvar-se o parecer da commissão, é as alterações feitas ao projecto na outra Camara; porém o que é certo é que o illustre Deputado não tem empregado meio algum para convencer a razão, da justiça da cousa que advoga. Esta questão tem sido tractada, de um lado, fazendo-se vêr á Camara a historia dos ultimos successos; do outro lado querendo-se apagar a memoria de todos os padecimentos, querendo-se por todas as maneiras, a titulo de uma supposta bandeira de conciliação, apresentada nos dous campos, o esquecimento de tudo. E impossivel, que isto se consiga de dous partidos antipathicos: e basta pronunciar as duas palavras — Absolutismo e Liberdade — para vêr a grande distancia, que entre ellas existe.

Sr. Presidente, não são, não podem ser os que atacam o art. 6.º do projecto, aquelles que se regulam pela bitola do egoismo; não tenho parentes, nem bens alguns, representados nesse partido, mas tambem não tenho condecoração alguma a pedir; digo, que nós não temos em vista interesses mesquinhos, como alguem quiz inculcar; o que nos cumpre saber é, se esta medida que se quer votar, póde ser extensiva ou não a differentes classes. Mas perguntarei, estamos nós fazendo uma lei de violencias 1 De certo que não: o que estamos é repellindo uma provisão que se introduziu neste projecto, a qual não é compativel nem com as conveniencias, nem com a politica; estamos repellindo uma provisão que tende a igualar em direitos a magistratura constitucional que prestou juramento ao Governo Representativo, com a magistratura antiga. Queremos uma lei de proscripção, e de vingança!... Nós não proscrevemos ninguem; o que entendemos é que as providencias applicadas á magistratura constitucional, não podem ser applicadas da mesma forma aos juizes das alçadas. Qual seria o Parlamento que descesse da sua dignidade para sanccionar uma lei de proscripção e de vingança? Aonde estão aqui os Neros e os Calligulas para exercerem essa tyrannia? Acaso esta Camara presta r-se-hia a desempenhar um semilhante papel? Pois porque esta Camara entende que não póde collocar nas mesmas circumstancias os homens que se mantiveram? firmes ao seu juramento, e que defenderam as instituições liberaes, com aquelles que guerrearam estas mesmas instituições, segue-se que estamos fazendo uma lei de violencia? Quando nós pedimos que se apresente uma lei geral e completa para a examinarmos e discutirmos, podeis vós dizer que queremos uma lei de vingança? Pois quando nós pedimos um pensamento completo para o examinarmos e discutir-mos, póde-se dizer que estamos urdindo a tea para uma nova proscripção? (Apoiados).

O calor da discussão tem levado os nobres Deputados ao excesso de pintar como algozes aquelles que combatem o art. 6.º; dizendo — Que nós estamos sedentos de violencia, que não temos feito outra cousa ha 14 annos, senão apertar o nó na garganta das nossas victimas; que somos uns novos inquisidores, accendendo as fogueiras com uma mão, e indicando ao mesmo tempo com a outra as victimas que se hão de queimar — E por ventura será isto exacto?... Para se conhecer quaes são os sentimentos que animam um e outro partido, basta vêr os seus actos; basta comparar os actos desses homens, com os actos dos homens fieis aos seus principios, para se conhecer se nós somos os perseguidores (apoiados); basta vêr que esse partido que se aponta como sacrificado, está gosando de todos os direitos civis e politicos, discute pela Imprensa, tem um jornal seu em que apresenta as suas opiniões, tem a grande arma da Urna, e as portas do Parlamento abertas: ora o nobre Deputado ha de confessar que quem gosa de todos estes direitos e vantagens, não se póde dizer que é tyrannisado, nem que contra elle se exercem actos de violencia (apoiados); isto mostra a grandeza dos principios do Systema Representativo.

Tambem se disse — que esse Partido era uma raça de Illolas — mas eu pergunto aonde estão os Spartiatas? Aonde estão os vergões da? cadeias? Aonde esta a escravidão que colloca na urna os escravos juntos dos seus senhores? Pois um partido que tem levantado por mais de uma vez a bandeira da sedição, e que ainda ha pouco a levantou, póde dizer-se, que esse partido é uma raça de Illotas? Isto podia adduzir-se como uma bella figura de rethorica; mas o que não póde ser nunca é uma verdadeira politica; o que é effectiva mente, é uma inexactidão politica perante os factos (apoiados).

Hontem disse um illustre Deputado — Que a questão não tinha sido ainda bem comprehendida, que se ignorava a grandeza della — talvez isto seja assim,: se o nobre Deputado considerar a questão pelo numero de homens a quem ella diz respeito, e se tivesse mesmo a bondade de fazer um calculo arithmetico para provar que a medida póde comprehender 3 mais 2 igual a 5 individuos, se a considerar assim, tem razão; mas se o nobre Deputado se elevasse a altura dos principios e considerasse as consequencias que se seguem da approvação desta medida, se attendesse a que se quer uma união monstruosa e impossivel, então já veria que a questão é mais importante do que lhe parece. Nós não fazêmos guerra a pessoas; isto era uma questão mesquinha, que não podia caber no Parlamento (apoiados) nós fazêmos outra cousa, nós estamos defendendo principios de eterna justiça; o que nós queremos, é que se não faça uma lei parcial para proteger uns poucos de individuos, quando milhares delles estão nas mesmas circunstancias (apoiados).

Disse tambem outro illustre Deputado — Que a commissão tinha tido o pensamento de imitar o Poder Moderador na sua moderação — realmente não sei a que veio aqui o Poder Moderador; creio que esta expressão só por equivoco podia ser lançada na Camara: por que para a discussão não póde ser constitucionalmente invocado um Poder do Estado, é prohibido aos membros das duas Casas do Parla-

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mento o invocarem essa Auctoridade Constitucional. A Camara não póde ver diante de si senão o Poder Executivo, o unico que é responsavel para com ella; e talvez fosse a este que o nobre Deputado se quiz referir: mas désse as frazes timidas que ouvi, não me convencem ainda da utilidade da medida, nem tambe me levam a julgar que o Governo quizesse, nesta occasião, por a sua existencia ministerial na approvação do art. 6.º

O mesmo nobre Deputado invocou tambem o procedimento da outra Camara, aonde os Palmellas, os Terceiras e outros homens notaveis déram o seu vo-lo ao principio do art. 6.º Eu julgava que o illustre Deputado quando se senta nesta Camara, tinha fixado as suas idéas politicas, e que não viria aqui perfilhar as de qualquer individuo, sem saber quaes eram as suas.

Sr. Presidente, disse-se mais, que nós chamando assim estes magistrados antigos, aposentando-os por uma disposição sinuosa, a par da magistratura moderna, adquiriamos uma grande força moral: mas aonde esta essa força moral? Se é para reunir a Familia Portugueza, se é para juntar á roda do Throno todos os subditos portuguezes, pergunto, aonde esta o compromisso, que provas tem dado esses homens de adherencia ás instituições?... O illustre Deputado encarregou-se de dizer, que a liberdade estava arreigada entre nós; mas S. S.ª devia lembrar-se de que houve uma guerra em 1830, depois da revolução franceza, e depois da restauração, que appareceram as ordenanças de julho, e que a Nação leve de vir disputar ás ruas a sua liberdade; houve Polignaes; e quem nos assegura que não appareçam agora mais generaes das victorias de Marengo, e Àusterlitz?

O illustre Deputado, comparando a facção realista com o filho prodigo, fóra do tugúrio paterno, andando errante, pintou-o depois abraçando, e reconhecendo seu pai, e recebendo as migalhas da sua mesa, arrependido verdadeiramente do procedimento que tivera; mas o que é verdade é que o partido realista, que o illustre Deputado compara com o filho prodigo, não se arrependeu, e não veiu receber o benção de seu pai; separou-se em 1826, e de então para cá não o vimos senão com as armas na mão para nos fazer guerra. Não póde, por, ser comparado ao filho prodigo, mas sim a Cain, fugindo da face de seu pai.

Sr. Presidente, como homem estou prompto sempre a abrir os braços a todos os partidos, não tenho a menor idéa de vingança contra nenhum, mas como Deputado, como homem publico tenho deveres a preencher; tenho de meditar primeiro que tudo nas circumstancias do paiz. Como homem justo entendo, que uma lei que abrange só tres ou quatro individuos, não e uma lei que deva vir ao Parlamento; porque uma lei que tracta de quatro individuos, e deixa outros que estão nas mesmas circumstancias, na miseria, não é justa, é um sofisma.

Portanto rejeito o artigo 6.º, porque o julgo altamente perigoso, e porque não vejo nelle senão um pensamento de recrutar serviços pessoaes, e não uma vontade firme de trazer ao seio da Familia Portugueza os individuo de todos os partidos.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, usarei da palavra pela terceira vez, para sustentar a provisão do artigo 6.º, que tem dado assumpto a esta longa discussão, e principiarei por observar, que passando a emenda, em que se propõe a sua suppressão, revoga-se em uma parte principal a amnistia, que se concedeu no fim da guerra civil, talvez sem se querer. Os illustres Deputados que a teem sustentado, não deram, a meu ver, á amnistia a sua verdadeira significação, ou, por assim lhes convir, a confundiram de proposito com o perdão particular de uma pena ordinaria, quando é muito diversa; o perdão só produz o effeito da remissão da pena, é concedido a uma, ou a poucas pessoas determinadas, a amnistia a muitas, incertas, e indeterminadas, remonta ao facto, lira toda a criminalidade, e as suas consequencias, rehabilite o amnistiado para os cargos publicos, independentemente de nova graça, e colloca-o perante a lei tão puro, como se não tivesse praticado o delicto. A amnistia não é só um acto de clemencia ordinaria, de justiça, e de humanidade, e tambem um acto de alta politica, dictado pelo interesse geral da sociedade, e pela necessidade de pacificar o paiz, porque depois das grandes commoções politicas, é indispensavel o conceder-se, para trazer ao paiz, que as tem soffrido, a ordem, e a tranquillidade; e é esta a razão, porque todos os vencedores, tanto antigos, como modernos, as tem sempre concedido, com mais, ou menos restricções, e a fé publica exige, que se cumpram com lealdade.

Porém os illustres Deputados não vão conformes com esta doutrina, quando pertendem sofisma-la, e que se cumpra só em parte, isto é, que os amnistiados sejam isentos das penas, e que não sejam processados criminalmente, mas que fiquem perpetuamente inhabilitados para os empregos publicos: e o que é mais ainda, que percam o direito que tinham ás recompensas pelos serviços feitos á patria, mesmo antes dos acontecimentos politicos, que déram causa á guerra civil. Os illustres Deputados querem que um militar, um juiz, e todos os outros empregados, que serviram a sua patria por muitos annos, ante» de 1828, fiquem privados das recompensas a que teem direito, só porque continuaram a servir desde esse anno até 1834, mesmo em logares, e repartições estranhas á politica. Elevar o espirito de exclusivismo, e intolerantismo muito adiante, é querer que o paiz não sáia do estado violento em que se acha, é dar occasião a novas reacções, e abalos, cujas funestas consequencias estamos sentindo, e sentiremos por muito tempo. Desenganem-se por uma vez, que não é possivel que o paiz se pacifique com medidas excepcionaes, e que um partido que quizer só para si os commodos, e que os encargos pesem sobre os seus adversarios, não póde sustentar-se por muito tempo no poder, sem recorrer a medidas violentas, e oppressoras, que depois trazem as reacções, e o transtôrno da ordem publica.

Sr. Presidente, quando um illustre Deputado o Sr. Lopes de Lima, estava orando, e disse que a amnistia era perdão, disse eu em um áparte, que era mais, que era tambem esquecimento, o nobre Deputado acceitou a explicação, e que convinha nella, para que fôssem esquecidos todos esses homens que a amnistia tivesse abrangido: oh Sr. Presidente, eu nunca esperei vêr aqui enunciada uma semilhante proposição! E fazendo justiça ás boas intenções do illustre Deputado, entendo que são daquellas expressões que escapam no calor da discussão. Quererá por ventura que fiquem de fóra do gremio da Familia Portugueza

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todos os cidadãos, que directa ou indirectamente tomaram parte nas nossas dissensões civis? Mas então devem tambem ser isentos do pagamento de tributos, e dos mais encargos da sociedade, ou querer-se-ha que fiquem esquecidos, sòmente quando se tractar de medidas, d'onde lhes provenha alguma utilidade e vantagem?

Tambem se disse que os direitos dos magistrados antigos não podiam comparar-se com os das actuaes, porque mesmo os das relações e dos tribunaes podiam ser demittidos de um para outro dia: convenho em que segundo a antiga forma do Governo podiam ser exonerados, porém da possibilidade ao facto vai uma distancia immensa, os seus titulos eram perpetuos, e tanto as nossas leis como o Governo reconheceram sempre nestes juizes o direito de serem conservados, em quanto servissem bem, e não se ha de apontar um caso, em que sem graves êrro sou crimes no seu officio fossem demittidos.

Sr. Presidente, em 1833 o Governo reconheceu o direito que os antigos empregados tinham a ser considerados nas respectivas repartições, mas recorreu-se a um ardil, extinguiram-se essas repartições, crearam-se outras para onde passaram as mesmas attribuições, e devendo transferir-se tambem esses empregados não aconteceu assim, e trarei por exemplo o antigo Erario, aonde havia muitos empregados de reconhecida probidade e intelligencia, mas que ficaram de fóra, para serem despachados outros, que com quanto sejam muito dignos, não tinham servido emprego algum publico; e o mesmo aconteceu, com poucas excepções, nas outras repartições; e observe-se o pessoal dellas, e vêr-se-ha quantos empregados antigos ahi se acham.

Disse-se tambem que havia um grande plano tramado contra as actuaes instituições; eu não sei se ha ou não motivo para se empregar este argumento ad terrorern, o que sei é que os illustres auctores da proposta, que se fez na outra Camara, dão bastantes garantias para se acreditar que fóra mal havido, e que não deve haver receios de que com ella se tenha em vista o transtorno da ordem publica; pela minha parte assevero que sou estranho a esse plano, assim como a todas as intrigas e combinações politicas, o que desejo são os melhoramentos dos diversos ramos de administração publica, e a união de todos os cidadãos dos diversos partidos, porque della depende a prosperidade e tranquilidade publica, mas esta não se ha de conseguir com medidas parciaes que favoreçam uns com exclusão de todos os outros.

Não se querem leis de vingança, exclamou um illustre Deputado, que sustenta a emenda; mas permitta-se-me observe que estas não consistem só em se fazerem processos crimes, e em se imporem penas corporaes: as leis que lançarem um anathema perpetuo sobre os cidadãos amnistiados para não podérem ser chamados aos cargos publicos, e que os privem do direito ás recompensas pelos que já tiverem servido, tambem merecem este nome.

Sr. Presidente, com esta medida tem muita relação os dois projectos, que o Governo apresentou para melhorar a situação dos officiaes militares da convenção de Evora Monte, e para ser auctorisado a restituir ás suas patentes os que na ultima lucta pediram as suas demissões. Eu propuz o adiamento deste ultimo, porque entendi que deviam ser discutidos simultaneamente, e para evitar as apprehensões que alguem tinha de que não havia uma vontade decidida de que o primeiro passasse nesta sessão; apprehensões que os factos confirmam, visto que tem decorrido tanto tempo, sem que o Governo tenha promovido o seu andamento; e o meio de as desvanecer é fazer com que se discuta quanto antes: a discussão que tem agora havido, adiantará muito a desses projectos; e pedia por isso a V. Ex.ª os desse para ordem do dia de uma das sessões proximas.

Esta questão que nos tem occupado, é de summa importancia, não só pelo que diz respeito aos individuos da antiga magistratura, mas pela relação que póde ter com outras, e porque a solução que tiver, dará a conhecer se a Camara segue uma politica justa e conciliadora ou uma intolerante e exclusiva; por isso espero que me relevará o ter-me demorado tanto em sustentar a provisão que se combate, e confio em que ha de rejeitar a emenda.

O Sr. Costa Xavier: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se a materia esta discutida.

Decidiu-se affirmativamente por 50 votos contra 8.

O Sr. Faria Barbosa: — Requeiro que a votação sobre a eliminação do art. 6.º — seja nominal.

Decidiu-se affirmativamente por 32 votos — mais da terça parte dos votantes.

O Sr. Presidente: — Se não houvesse propostas sobre alguns artigos, podia haver uma só votação sobre o parecer da commissão; mas como ha quatro propostas, e todas foram classificadas como emendas, tem de principiar a votação pelas mesmas propostas. A primeira é do Sr. Mexia, nos termos seguintes:; (leu-se, e veja-se a sessão de 11 de junho)

Foi rejeitada por 38 contra 29.

O Sr. Presidente: — (Continuando) A segunda é do Sr. Silva Cabral nos termos seguintes: (leu-se, veja-se a sessão de 11 de junho).

Sobre esta proposta é que a Camara decidiu que houvesse votação nominal.

Procedendo-se pois á chamada, disseram

Approvo — Os Srs. Agostinho Albano da Silveira Pinto, Albano Caldeira Pinto de Albuquerque, Antonio Aveliino Corrêa Pinto, Antonio da Cunha Sotto-Maior, Antonio Ferreira da Motta, Antonio Pereira dos Reis, Antonio Xavier Cerveira e Sousa, Carlos Brandão de Castro Ferreri, Domingos Manoel Pereira de Barros, Eusebio Candido Cordeiro Pinheiro Fintado, Filippe Marcelly Pereira, Francisco Antonio Gonçalves Cai doso, João Amaro Mendes de Carvalho, João Baptista da Silva Lopes, João da Costa Xavier, João de Deos Antunes Pinto, João Pereira Crespo, Joaquim José Pereira de Mello, Joaquim Manoel da Fonseca Abreu Castello Branco, José Bernardo da Silva Cabral, José Joaquim Lopes de Lima, José Maria Marques, José Maria de Sousa Lobo, José de Mello Gouvêa, Luiz Augusto Rebello da Silva, Zeferino Teixeira Cabral de Mesquita, João Rebello da Costa Cabral.

Rejeito — Os Srs. D. Alexandre José Botelho, Antonio de Almeida Portugal Corrêa de Lacerda, Antonio Augusto Mello Castro de Abreu, Antonio Bernardo da Silva Cabral, Antonio José d'Avila, Antonio José dos Reis, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, Antonio de Mello Borges e Castro, Antonio do Rego Faria Barbosa, Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco, Augusto Xavier Palmeirim, Barão de Francos, Barão da Torre, Bento Car-

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doso de Gouvêa Perereira Côrte Real, Carlos Bento da Silva, Estevão Jeremias Mascarenhas, Eusebio Dias Poças Falcão, Francisco José da Costa Lobo, Gabriel Antonio Franco de Castro, D. Guilherme Germano da Cunha Reis, Henrique de Mello Lemos e Alvellos, Innocencio José de Sousa, João Chrysostomo Freire Falcão, João Elias da Costa Faria e Silva, Dr. Joaquim José Pereira da Silveira, Joaquim Rodrigues Ferreira Pontes, José Augusto Corrêa Leal, José Ignacio de Almeida Monjardim, José Julio do Amaral, D. José Maria de Araujo Corrêa de Lacerda, José Maria Pereira Forjaz, Lourenço José Moniz, Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos, Luiz Coutinho de Albergaria Freire, Dr. Luiz do Pilar Pereira de Castro, D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, Nicoláo Carolino Ferreira, Sebastião Francisco Grim Cabreira, Rodrigo de Moraes Soares, João de Sande Magalhães Mexia.

Foi portanto rejeitada a emenda de eliminação par 40 votos contra 27.

O Sr. Presidente: — (Continuando) A terceira é do Sr. Cabral de Mesquita; vai lêr-se para se ver se esta prejudicada, e no caso negativo votar-se: (leu-se, veja-se a sessão de 11 de junho).

Foi rejeitada por 38 contra 26 rotos.

A quarta é do Sr. Pereira de Mello nos termos seguintes: (leu-se, veja-se a sessão de Vi de junho).

Foi rejeitada por 40 contra 25 votos.

Agora segue-se o parecer da commissão.

Foi approvado por 42 contra 24 votos.

O Sr. Palmeirim — Mando para a Mesa o seguinte parecer da commissão, (leu)

O Sr. Presidente: — Como conclue pela remessa a outra commissão, remette-se.

Passa-se ao parecer n.º 30. Vai lêr-se.

E o seguinte

Parecer. — A commissão de Legislação examinou com a maior attenção o requerimento do Sr. Deputado Estevão Jeremias Mascarenhas, e todos os documentos a que elle se refere.

E considerando que os factos a que alludem, são do dominio da jurisdicção meramente ecclesiastica, em virtude da qual foram já fulminadas algumas penas canonicas; é de parecer que, na presença de direito estabelecido pelo decreto de 29 de julho de 1834, não compete a esta Camara o tomar deliberação alguma sobre o objecto do requerimento do dicto Sr. Deputado, feito na sessão de 9 do presente mez.

Sala da commissão, em 31 de março de 1849. — Tem voto do Sr. João Elias. José Maria Pereira Forjaz (vencido), Luiz de Almeida Menezes e Vasconcelos, Antonio de Mello Borges e Castro, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Eusebio Dias Poças Falcão, Joaquim José Pereira de Mello, Antonio do Rego Faria Barbosa.

O Sr. Forjaz: — Sr. Presidente, tendo assignado vencido o parecer que se discute, estou constituido na dura necessidade de expressar o meu voto — serei breve.

A commissão de Legislação foram presentes os officios do reverendo Arcebispo Primaz do Oriente, remettidos pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, relativos aos factos, que se imputavam a dois illustres Deputados pela India.

Eis-ahi o relatorio desses officios — Em officio de 21 de outubro participou o reverendo Arcebispo ao Ministerio da Matinha e Ultramar a pronuncia de um dos illustres Deputados — por culpas commettida no seu officio e ministerio parochial — enviando copia do despacho proferido no requerimento do mesmo, no qual pedia o andamento legal do processo, a que se negou o reverendo Arcebispo, com audiencia do respectivo Promotor, e com o fundamento do que o art. 27 das Carta Constitucional o vedava, eleito como se achava Deputado as Côrtes.

Sr. Presidente, entra aqui a questão, se a pronuncia ecclesiastica tem os mesmos effeitos da judicial, — questão, que seria grave antes das ultimas leis da nossa regeneração politica, — mas avista das sabias provisões que tiraram ás auctoridades ecclesiasticas as prerogativas no temporal, limitando as ao que fosse pura mente espiritual á vista da disposição do decreto de 29 de julho de 1833 acha-se resolvida negativamente.

A Religião não precisa de penas temporaes; promove-se unicamente pela persuasão, castiga peccados. e não crimes, pune-os simplesmente com censuras, penitencias, privações das graças, que a Igreja concedeu aos fieis; mas se essas offensas se convertem em actos extremos, que offendam tambem a sociedade, ficam sugeitas ás penas temporaes, e dellas tomam conhecimento as auctoridades civis

Na hypothese presente falla-se de culpas commendas no officio parochial, não encontro palavras, donde se conclua, que se offendeu o Estado, não duvido nesta parte subscrever ao parecer.

Sr. Presidente, fallarei de outro illustre Deputado — Em officio de 2 de novembro remetteu o reverendo Arcebispo Primaz do Oriente ao Ministerio da Marinha e Ultramar as copias do officio dirigido ao cahido dessa Cathedral, no qual, a vista das averiguações a que procedeu, declarou, que o outro illustre Deputado pela India fóra suspenso da administração do cofre do preostado, que lhe tinha sido confiada, privado de seus direitos e prerogativas canonicas, e mandado entrar em processo por «estarem manifestas muitas circunstancias do procedimento desregrado do referido conego, distraindo dinheiros publicos, demorando os pagamentos, e tambem os recibos pagos servindo-se delles para fins illicitos.»

Ultimamente em officio da mesma data remetteu o reverendo Arcebispo Primaz ao governador geral do Estado da India os documentos, que comprovaram esses extravios, que se imputavam, a fim de se proceder em conformidade das leis.

Eis-hi o que consta desses papeis, que estão sobre a Mesa

Escravo do meu dever, esquecendo os individuos, avaliando unicamente os factos, passei pelo dissabor de me apartar da opinião da maioria da commissão de Legislação.

Não venho fazer accusações, não sustento a exactidão desses factos, tomo-os como se classificaram, nada mais.

Sr. Presidente, considerando, que a factos taes, assim classificados correspondem penas criminaes e não canonicas; que delles tomam conhecimento as auctoridades civis, e não ecclesiasticas; que foram seguidos de circunstancias aggravantes, que na opinião do reverendo Arcebispo causaram geral escandalo, e verificados n'uma administração fiscal, que lhe estava confiada, entendi, não serem do dominio da jurisdicção ecclesiastica, como diz o parecer.

Attendendo o que esses factos foram pelo mesmo

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prelado communicados ao governador geral da India, para mandar proceder em conformidade das leis, estou persuadido, que devemos substar na decisão deste objecto, até que seja presente o processo, que se deve reclamar. Eis-aqui o meu voto.

Sr. Presidente, a minha opinião funda-se nos principios da razão, da justiça, e da dignidade do Parlamento.

Como classificarem culpas canonicas crimes civis?

Como dizer ser em do dominio da jurisdicção meramente ecclesiastica factos, que affectam directamente a sociedade?

Dos officios do reverendo Arcebispo vê-se, que a respeito de um illustre Deputado se fallou de culpas espirituaes, e de outro de crimes civis; de um tractou-se de um processo ecclesiastico; de outro deu-se conhecimento ao poder temporal; constituindo assim a mesma differença, que a commissão devia fazer.

Sr. Presidente, o Sr. Deputado, a quem alludo, juntou aos officios do Governo, uma declaração de resalva passada pelo cabido dessa, mas peço licença, para dizer, que a restituição em factos taes não impede a acção legal, serve apenas no julgamento de circunstancia attenuante, e de mais o mesmo cabido declarou em officio de 12 de novembro e que este desembaraço refere-se unicamente ao saldo e não ao modo como elle procedeu, não sendo uma retractação da acta anteriormente celebrada.

Eu poderia entrar em novas considerações, mas ficarei por aqui, o meu fim foi unicamente expressar o meu voto

Sr. Presidente, lamento a necessidade de expressar o meu voto, peço que se acredite que o fiz prendo de um dever, a que não podia faltar.

Concluo, os documentos fallam de crimes civis. Os officios alludem a processo criminal. — A Camara esta no conhecimento de que se imputam factos taes a um de seus membros, e este conhecimento foi-lhe officialmente transmittido pelo Governo; a honra da Camara, e do proprio interessado, exigem que se peçam pelo Ministerio competente informações. Eis-ahi o meu voto.

O Sr. Pereira de Mello — Sr. Presidente, a commissão regulou-se pelos papeis que lhe foram presentes, e remettidos pelo Governo a esta Camara; a commissão não tinha obrigação alguma de constituir-se accusadora dos individuos que fazem o objecto deste parecer, e que hoje são membros desta Camara. Dos papeis que tenho na máo, e que estiveram presentes na Secretaria para todos os Srs. Deputados verem, consta o seguinte, e é simplesmente o que consta — que o arcebispo primaz do Oriente mandara proceder contra o nobre Deputado, membro desta Camara, a que o precedente Orador se referiu, pelo juiso ecclesiastico. A commissão não quer saber se aquelle juiso ecclesiastico foi ou não competente. Mas sendo certo que no processo apresentado a esta Camara não apparece nada mais do que o officio do arcebispo primaz do Oriente, pelo qual consta mandar proceder no juiso ecclesiastico contra aquelle individuo, a, commissão entendeu que depois de um facto ser subjeito á jurisdicção ecclesiastica, e nesta Camara não apparecer participação da pronuncia, nem participação do juiz do processo, a Camara não podia procedei mais adiante, porque é este o preceito do art. 27 da Carta Constitucional: a commissão entendeu que

devia obrar com toda á imparcialidade, e parece-me que assim obrou, julgando pelos papeis que lhe foram presentes (apoiados) os quaes sendo estes que tenho na mão, delles não consta que a esta Camara viesse participação de pronuncia remettida pelo juiz da culpa para a Camara depois ver ou decidir se o processo devia ou não continuar, como é expresso no mencionado art. 27 da Carta (apoiados.)

Repito, não ha nada mais que o officio do arcebispo, por onde consta que mandou proceder contra este individuo, que é hoje membro desta Camara: e é no juiso ecclestastico certo que tambem foi presente á commissão, por esse mesmo illustre Deputado, um documento pelo qual se mostra, que esta exonerado dessa responsabilidade pela caução que ajunta ao processo. Eis pois a razões que a commissão teve para dar o parecer que deu: nem outro podia apresentar nesta Camara em presença dos papeis remettidos á commissão, e em presença da disposição do art. 27 da Carla (apoiados.)

O Sr. Forjaz: — Sr. Presidente, não tencionava tornar a fallar neste desagradavel objecto, mas expressões, e argumentos ouvi, que me levaram a pedir a palavra; insisto na minha opinião.

Sr. Presidente, argumenta-se com o art. 27 da Carta Constitucional; diz respeito á criminalidade posterior á eleição, e não anterior; marca a maneira da participação á Camara; e assim póde dizer-se supprida pelos officios do Governo, sendo certo, que as auctoridades do Ultramar se correspondem com a Camara por via do Ministerio.

A Camara esta no conhecimento, de que a um desses membros se imputam factos, que na sancção de direito tem a classificação de crimes, e pelos quaes foi processado; a honra da Camara exige, que se esclareça a verdade, mas esta não póde esclarecer-se, sem que se reclamem novas informações.

A Camara não se constitue em acousadora; mas sim em zeladora da sua dignidade, e da dignidade desse seu membro, sollicitando, que venham esclarecimentos, fazendo, que appareça a verdade.

A Camara acha-se ao facto da existencia de um processo criminal instaurado contra um de seus membros, cumpre exigir o processo, examina-lo, e assim esclarecer a verdade.

Lendo os officios do reverendo arcebispo, vê-se, que esta auctoridade, depois de ter procedido ás precisas averiguações, e depois de ter suspendido esse illustre Deputado das funcções, que exercia no cabido de Gôa, participou ao governador geral da India os factos, a que se alludiu, remettendo os papeis, e mais documentos, que os comprovavam.

Similhante participação da auctoridade ecclesiastica á auctoridade civil é considerada, e como geralmente se diz, relaxar esse individuo assim indiciado de criminalidade ao Poder Judiciario.

A commissão não achou nota authentica da pronuncia civil, é verdade, mas achou nota da culpa nos documentos, que acompanharam os officios do reverendo arcebispo.

A commissão não podia classificar taes factos em culpas ecclesiasticas, nem póde querer, que ellas se processassem no fôro canonizo, pois seria desconhecer todos os principios.

Todos conhecem a illustração, e rectidão do illustre arcebispo primaz, suas eminentes qualidades fazem desapparecer a menor sombra de parcialidade,

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ou inimisade; sem comtudo se contestar, que podia ser illudido, e para assim se mostrar, venham esclarecimentos sobre os factos arguidos.

Concluo, que avalio os actos, como foram avaliados pelas respectivas auctoridades, que faço votos, para se mostrar inteiramente illibada a conducta do nosso illustre collega, mas, sendo esta uma das questões de honra, que podem affectar a Camara, e o nosso collega nella interessado, julgo conveniente, honroso, e justo, que pelo Ministerio da Marinha e Ultramar se exijam informações, sobre o estado do processo, que a auctoridade ecclesiastica requesitou á auctoridade civil, pois nenhuma outra cousa indica a participação, que se lê nos papeis remettidos pelo Ministerio. Para que officiou o arcebispo ao governador geral dando parte do occorrido, e enviando os documentos comprobativos desse facto?.. Com que auctoridade podia o governador geral constituir-se jury do merecimento desses factos para suspender a sua remessa ao Poder Judicial?..

Não sei. Tomando os factos como se apresentaram, avaliando-os como se avaliaram; apresento com franquesa, e lealdade a minha opinião — decida a Camara, o que entenda justo.

O Sr. J. Mascarenhas: — Sr. Presidente, é com receio, e com grande receio, que me resolvi a tomar parte neste debate; e este receio provem, de que eu não possa nelle conservar o sangue frio, a moderação e placidez que exigem as conveniencias parlamentares; devo eu sem duvida temer, que num discurso, cujo fim é repellir de mim uma criminalidade que a calumnia inventou, e mesquinhos sentimentos da mais feia, e miseravel inveja fomentaram, para vêr se desta arte se conseguia menoscabar, e denegrir a minha boa reputação, ganha com muitos sacrificios na minha longa carreiro publica, e que preso e estimo, como a unica e a mais preciosa joia, que um homem possa ter nesta vida; devo eu sem duvida temer, que apesar da minha firme resolução de não ultrapassar neste discurso os limites da moderação, placidez e conveniencia, que devem ser fieis companheiras dos debates parlamentares, que apesar de todos os esforços que pertendo empregar, para não me escapar palavra alguma, ou expressão, que se possa classificar de vehemente, calorosa e parlamentarmente inconveniente, que não obstante esta minha resolução e intenção, eu compenetrado da hediondez da calumnia, e occupado de defender do crime, que a inveja mais maligna me quiz assacar, aproveitando-se da minha ausencia, solte alguma expressão, senão injuriosa, mas ao menos que se possa taxar de inconveniente, e menos parlamentar; e se isto acontecer, desde já previno a Camara, que semilhante expressão não será filha da minha intenção, mas sim do desafogo do amor proprio indevidamente offendido em seu melindre; e peço antecipadamente a indulgencia ao Parlamento.

Para evitar pois os inconvenientes a que fiz referencia, para entrar no debate com placidez, moderação, e desapaixonadamente, esquecer-me-hei do auctor desta imputação, e do fim mesquinho, que nella se propoz; passarei em claro muitos factos, que viriam a pelo, e serviriam para a Camara compreender donde resultou esta calumniosa accusação feita contra mi in, e qual o fim, que se propoz o seu auctor; não direi, que esta foi a astuciosa prevenção para de algum modo poder fazer-me, ou figurar como parcial, e despeitoso, quando, em desempenho dos sagrados deveres, que me impõe a alta, e honrosa missão de eleito do povo, tivesse eu de unir a minha voz á das corporações respeitosas, que tem elevado até o Throno da Soberana suas queixas, ou que levantasse no recinto deste Parlamento a minha voz para as apresentar aos Representantes da Nação, e do paiz inteiro: serei pois generoso, e mais generoso, que pedia a defesa da minha reputação, para dar um solemne testimunho aos meus adversarios, e a esta Camara, e á Nação inteira, de que nem o espirito de vingança, nem o desejo de desforrar presidem aos meus actos, nem regulam a minha conducta, quer privada, quer publica Eis os motivos, Sr. Presidente, porque voto ao silencio tudo quanto podia ter dicto, sem faltar á verdade, e á justiça, e que por ventura muito valeria para devidamente ser avaliado, e pesado o meu procedimento, e do meu adversario, e passo a entrar na materia.

Sr. Presidente, a illustre Commissão de Legislação, quando disse no seu parecer em discussão, que não competia a esta Camara tomar conhecimento das accusações feitas contra mim, e meu collega o Sr. Corrêa pelos officios do arcebispo, que lhe foram remettidos, andou muito bem, e como devia; o seu illustre relator acaba de desenvolver no seu luminoso discurso tantos, e tão solidos argumentos, que, na minha humilde opinião, elles não tem resposta, É desnecessario pois cançar eu a attenção da Camara, occupando-me em estabelecer a natureza do sacerdocio, e do Imperio; em mostrar, que o fim deste é o bem estar temporal, e daquelle a salvação das almas, que segundo a differença dos fins tambem são diversos os meios de os attingir, e que desta diversidade nasce a differença de essas attribuições, e nella consiste à linha de separação entre um e outro: não me deterei em provar, que se o sacerdocio ultrapassa os limites de sua jurisdicção, e usurpa a do Imperio, quando se abalança a querer conhecer de materias temporaes, tambem o Imperio usurpa attribuições proprias, e privativas do sacerdocio, todas as vezes que se intromette em conhecer das materias espirituaes, e que nem um, nem outro, sem incorrer na pena de incompetencia, e impropriedade, póde legislar em materias, que não sejam de sua alçada. Estabelecidos estes principios, que são obvios, e que não podem escapar á intelligencia, e sabedoria da Camara, principios, que não admittem duvída, nem contestação penso escusado dizer, que na Carta Constitucional nunca se podia regular sobre materias espirituaes, que são da privativa alçada do sacerdocio, e pensar o contrario seria fazer atroz injuria á religião, e piedade do Augusto Dador da Carta Constitucional: logo os crimes, e pronuncia de que se falla no art. 27 da Carta Constitucional, não são crimes ecclesiasticos, mas temporaes, não contra Religião, mas contra a sociedade.

E certamente, Sr. Presidente, não póde deixar de ser assim, e deixarmos de entender assim o artigo 27 da Carta: qual foi o espirito que presidiu a sua redacção? Qual o fim, que se pertendeu nessa disposição? Responde o nosso compatriota o Sr. Silvestre Pinheiro de honrosa memoria, este sabio e insigne Publicista Portuguez, nas suas observações aos artigos 26 e 27 da Carta Constitucional, e diz, que o intuito desta disposição é, que os membros de dois Corpos collegislativos não fiquem impedidos pela pro-

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nuncia, e prisão para fazerem parte do respectivo corpo, e que o Poder estranho assim não influa no Poder Legislativo; vou ler este paragrafo do auctor relativo aos artigos 26 e 27 da Carta, (leu) Ora pergunto eu agora ao nobre membro da commissão, que se assignou vencido; julga S. S.ª que dos crimes e processos ecclesiasticos provem algum impedimento para os membros das Camaras continuarem a funccionar, e exercer independentemente a sua nobre missão? Ha de reconhecer comigo, que não; porque S. S.ª, que é um conspicuo jurisconsulto, sabe melhor do que eu, que um juiz ecclesiastico em suas sentenças não póde inflingir pena alguma corporal; que a pena canonica não traz inhabilidade alguma civil, e politica; e que esta é a expressa disposição do decreto de 29 de julho de 1833.

Figuremos no entretanto, por momentos, que se comprehendem no artigo 27 da Carta crimes até da jurisdicção ecclesiastica, e que sendo pronunciado nesse juizo algum Par, ou Deputado, deve o respectivo processo subir á competente Camara, para dar andamento ulterior; pergunto eu agora ao nobre Deputado, sella a meu respeito alguma pronuncia? O mesmo officio do arcebispo, que me imputa o crime de delapidação, diz expressamente, que não ha pronuncia, e pertende que se tome o seu officio por pronuncia: o illustre Deputado é sobejamente instruido para não reconhecer por pronuncia um simples officio; porque S. S.ª sabe, quaes os requisitos, qual a sua base, quaes em fim as formalidades prescriptas pelo direito paro existir uma pronuncia.

Mas diz o illustre Deputado, que no officio do arcebispo se diz, que os respectivos papei foram enviados ao govêrno do Estado para se proceder; e que por conseguinte julga que a Camara deve mandar saber, se houve ou não processo, e pronuncia: Sr. Presidente, a pertenção do illustre Deputado parece-me inconveniente e illegal.

Qual o artigo da Carta, que obriga a Camara a pertender ser denunciante dos crimes de alguns de seus membros? Não ha nenhum; antes eu julgo que um precedente semilhante traria consequencias muito inconvenientes; porque dizendo-se em algum jornal, em algum officio, ou escripto particular (porque o arcebispo nas cousas que não são de sua attribuição, é um mero particular), dizendo-se, digo, que algum membro das Camaras tinha commettido algum crime, seria a respectiva Camara obrigada a mondar inquirir, se existe ou não semilhante crime, processo, e pronuncia. O illustre Deputado decerto não quer acceitar semilhantes consequencias, porque présa como deve presar o credito e honra das Camaras co-Legislativas. Além disto sabe o nobre Deputado, que o haver processo não é o mesmo que haver pronuncia, porque póde existir, ou instaurar-se aquelle sem existencia desta, e a Carta no artigo 27 sómente diz, que, quando for o pronunciado Deputado ou Par (note bem o Sr. Deputado e a Camara, que o artigo não diz, quando houver processo) então o juiz suspendendo ulterior andamento dê parte á respectiva Camara. Não accrescentarei nada mais para sustentar o parecer da commissão, porque o seu illustre relator o tem sustentado dignamente, e como costuma em todas as opiniões que apoia; para isto não carecia do meu fraco apoio. — Mas direi alguma cousa cobre os crimes, de que somos arguidos o meu amigo o Sr. Corrêa, e eu.

Seria longo, Sr. Presidente, se quizesse expor todos os crime, de que é arguido o meu amigo o Sr. Corrêa, as diligencias que promoveu para se livrar delles, antes que viesse a esta cidade, e obstaculos, que se lhe puzeram para não o fazer, disto dara á Camara uma idéa ainda que incompleta este documento, que tenho na mão; é um despacho interlocutorio do juiz da causa, que pede especial attenção por sua originalidade, e que constata, que o Sr. Corrêa fez todos os esforços para se desembaraçar; mas resistiu-lhe uma força superior; peço attenção a Camara para o ler, e entendo que a não poderá deixar de divertir por sua originalidade, (leu)

Quanto ás imputações feitas a mim, limito-me a ler um artigo communicado, que no jornal de Bombaim foi publicado na minha ausencia e sem minha sciencia, que sem necessidade de commentario manifesta, como tudo isto foi tramado, por quem, e para que fim. (leu)

O Sr. Pereira de Mello. — Vou ver se respondo, em breves palavras, aos argumentos do illustre Deputado, que assignou o parecer como vencido.

Quando eu citei o artigo 27.º, o illustre Deputado, que me precedeu, disse, que o artigo 27. era só applicavel ao Deputado eleito: S. S.ª enganou-se, de certo foi engano; o que queria dizer, e que era applicavel só ao Deputado, já depois de approvada a eleição. Mas se S. S.ª combinar o artigo 26.º com o artigo 27.º, da comparação de ambos ha de concluir necessaria, e juridicamente, que o artigo é applicavel tanto ao Deputado eleito, como ao Deputado, que foi pronunciado depois de approvada a eleição: o artigo 26.º decreta, que nenhuma auctoridade poderá prender um Deputado, etc. já se vê que este artigo comprehende tanto o Deputado, que fôr pronunciado antes de tomar assento na Camara, como aquelle que fôr pronunciado depois; a consequencia é forçosa, é juridica. Por consequencia o artigo 27.º combinado com o 26.º, dá em resultado, em consequencia juridica, que a sua disposição é applicavel tanto ao Deputado, que fôr pronunciado depois de eleito, e antes de tomar assento, como ao que fôr pronunciado depois de tornar assento.

Agora quanto ao outro argumento, para sustentar o parecer da commissão, eu vou ler á Camara qual é a sentença, a parte final da sentença que houve contra o illustre Deputado, a respeito do qual se debate o parecer da commissão (leu). Eis aqui a sentença. E pergunto eu: é civil, ou é canonica, importa esta sentença uma pena canonica, ou uma pena civil? É canonica, ninguem póde dizer o contrario. Ouça mais a Camara: o officio, diz o illustre Deputado, foi remettido ao governador geral da India para mandar proceder; perdôe-me S. S.ª, não foi remettido o officio para mandar proceder, eu vou ler ao illustre Deputado o officio que tenho presente (leu), remetteu uma cópia delle, e disse — Se elle entendesse que eram necessarios os authografos dos documentos, que lh'os mandasse pedir — prova evidente de que não era para mandar proceder. E ha uma prova de que o governador não mandou proceder, porque se elle o fizesse, esses papeis deviam estar na secretaria, e o officio da secretaria de Estado dos Negocios da Marinha aqui o tenho presente (leu). Pergunto, se o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha tivesse em seu poder alguns officios remettidos pelo governador com a cópia da

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culpa civil, deixa-los-ia na secretaria, deixaria de os remetter a esta Camara? Não por certo Ora a commissão não teve a cópia authentica da culpa civil, ao menos remettida pelo arcebispo, já não quero que fosse a participação dada pelo juiz, como manda a Carla, mas bastaria para a commissão suspender o seu juiso, para emittir outro parecer, que ao menos viesse uma cópia authentica de culpa civil remettida pelo arcebispo; mas não existe documento senão da culpa canonica; e á commissão não tocava decidir, se a culpa era civil, se era ecclesiastica; isso é que não lhe pertencia; por certo nem á commissão, nem a esta Camara pertence discutir, se o crime era civil, se era ou não ecclesiastico: o que competia porém á commissão era dar um parecer em presença dos documentos, e em conformidade com o artigo 27.º da Carta Constitucional. Não ha cópia da culpa civil, que fosse remettida a esta Camara, e a commissão não a tendo presente, não podia, segundo os rigorosos principios de direito constitucional, deixar de dar o parecer que deu (apoiados).

Julgou-se logo a materia discutida por 54 votos contra 5. E pondo-se a votação o

Parecer n.º 30 — foi approvado por 52 votos contra 9.

O Sr. Presidente — Passa-se ao projecto n.º 66. É o seguinte

Relatorio. — Senhores: A commissão do Ultramar, tendo examinado a proposta do Governo n.º 54 A, e o parecer da illustre commissão do Orçamento, que approva a mesma proposta, entende que a Camara deve auctorisa o Governo a dispender até á quantia de dezóito contos de réis metálicos, para fundar uma colonia agricola no districto de Mossamedes, de cujo estabelecimento espera a commissão se tire bom resultado para o paiz: assim como tambem sirva de asylo aos nossos compatriotas, que circumstancias extraordinarias obrigaram a deixar a provincia de Pernambuco, onde se achavam, e a procurar a protecção da sua patria em algum ponto dos dominios portuguezes: por similhantes razões é de parecer a commissão, que a proposta seja convertida no seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º E o Governo auctorisado a dispender até á quantia de dezóito contos de réis metálicos com a fundação da colonia agricola, que vai estabelecer-se no districto de Mossamedes, na provincia de Angola.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 23 de maio de 1819. — Bispo Eleito de Malaca, Conde de Linhares (D. Rodrigo), Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, Grim Cabreira. José Maria Marques, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, José Ignacio de Andrade Nery, (Tem voto do Sr. Ferreira da Motta).

Proposta a que este projecto se refere n.º 54 A.

Relatorio. — Senhores: As dissenções politicas que ultimamente teem tido logar na provincia de Pernambuco, no Imperio do Brasil, e o terror que infundiu o desastroso fim que alli experimentaram alguns individuos, impelliram varios cidadãos portuguezes a quererem estabelecer-se n'algum local das nossas provincias do Ultramar, onde commodamente podessem fundar uma colonia agricola. Com estas vistas representaram elles ao Governo os desejos que a tal respeito nutriam, pedindo-lhe no mesmo tempo a concessão de varios auxilios, debaixo de certas condições, uma das quaes era o adiantamento de alguns meios pecuniarios para a compra de tres engenhos de fabricar assucar, devendo a despeza desta compra ser, mais ao diante, embolsada ao listado pelos individuos a quem os respectivos engenhos fossem distribuidos.

As vantagens da formação de uma colonia agricola em qualquer das possessões portuguezas de Africa, são de tal magnitude para os interesses do commercio, e navegação, além do augmento que póde dar ao consumo dos nossos productos industriaes, e agricolas do Reino, que o Governo entendeu dever immediatamente tomar, debaixo da sua particular protecção, a representação que a tal respeito se lhe dirigira, como já se participara ás Côrtes no relatorio, que o meu antecessor lhes apresentára. Com as vistas de se realisarem as promettidas vantagens, ordenou então o Governo, que na mesma provincia de Pernambuco se formasse uma commissão, para que, na conformidade das instrucções, que «e lhe enviaram, e que se acham annexas ao citado relatorio, promptificasse o que necessario fosse, tanto para a acquisição dos objectos que se pediam, como para a viagem dos individuos, que se prestassem a fazer per te da sobredicta colonia agricola, auctorisando-se ao mesmo tempo o respectivo consul portuguez, em Pernambuco, a sacar sobre o Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar a importancia das despezas, que houvessem de fazer-se com aquella promptificação, na intenção de se pedir ás Côrtes a precisa auctorisação na primeira occasião opportuna. — A mesma commissão foram igualmente remettidos todos os documentos, e memorias, que no Ministerio, a meu cargo, havia sobre a salubridade do clima de alguns dos locaes da Africa portugueza, e que por conseguinte pareciam mal proprios para uma colonia da natureza daquella de que se tractava, e o resultado foi escolher-se o districto de Mossamedes para nelle se dar começo á projectada colonia.

O local escolhido parece ser uma garantia do acerto com que a commissão installada, em Pernambuco, tem procedido no desempenho do que se lhe incumbira, visto ser o districto de Mossamedes aquelle que effectivamente se antolha, como o mais proprio para o estabelecimento de uma colonia agricola, segundo as noticias officiaes que ha na secretaria a meu cargo. A mesma commissão participou já, que perto de duzentos subditos portuguezes tinham dado o seu nome para ir para Mossamedes, sendo a maior parte deles artistas, e agricultores, devendo todos partir para o seu destino até fins de abril ultimo. Com esta participação veiu igualmente a noticia de se terem tambem comprado tres engenhos para a fabricação de assucar, sacando-se pela sua importancia, e pela de mais alguns objectos comprados, montante em oito contos de réis, sobre o Ministro da Marinha.

Neste estado de andamento em que esta a projectada colonia agricola de Mossamedes, entendeu o Governo dever nomear um official de reconhecido prestimo para governador daquelle districto, nomeação que effectivamente esta feita, achando-se o no-

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meado em via para o seu destino, a fim de que, chegando a Mossamedes ao mesmo tempo que os respectivos colonos, tracte, por todos os meios ao seu alcance, de dar todo o possivel impulso ao progresso da colonia, que alli se vai estabelecer.

A necessidade de levar hoje ao cabo um negocio já tão adiantado, e de tanta magnitude pelas importantes consequencias, que delle se podem seguir para o paiz, obrigam actualmente o Governo a vir pedir ás Côrtes a auctorisação de uma verba de despeza para similhante fim, e é pelos motivos expostos, que tenho a honra de apresentar-vos a seguinte

Proposta de lei. — Artigo 1.º É o Governo auctorisado a dispender até á quantia de dezóito contos de réis metálicos com a fundação da colonia agricola, que vai estabelecer-se no districto de Mossamedes, na provincia de Angola.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 8 de maio de 1849. — Barão de Villa Nova d'Ourem.

O Sr. Moniz: — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara se dispensa a discussão da generalidade deste projecto, a fim de ser discutido na especialidade.

Decidindo-se affirmativamente por 43 votos contra 12, poz-se em discussão o

Artigo 1.º

O Sr. Castro Ferreri: — A Camara acaba de resolver que se passe á discussão da especialidade deste projecto, porém como eu não vejo presente o Sr. Ministro da Acarinha, o qual é indispensavel que declare se tem os meios necessarios para fazer esta despeza, por isso mando para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Proponho o adiamento até estar presente o respectivo Ministro. 55 — Castro Ferreri.

Sendo apoiada, disse

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — (Sobre a ordem) Eu não quero entrar na questão do adiamento; e tenho sómente a fazer uma declaração á Camara: o Sr. Ministro da Marinha não póde tardar, já se lhe mandou recado, mas em quanto elle não chega, eu não terei a menor duvída em sustentar o projecto, por parte do Governo; porque este negocio teve logar durante o tempo em que servia aquella Pasta, por isso julgo-me tão habilitado como o Sr. Ministro da Marinha, o qual como acabei de dizer não póde tardar. Por tanto á vista desta minha declaração confio que o nobre Deputado que pediu o adiamento deste projecto, cederá delle.

O Sr. Castro Ferreri: — (Sobre a ordem) Visto o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros declarar que está habilitado para sustentar o projecto, então peço licença para retirar a minha proposta de adiamento.

Concedeu-se-lhe retira-la por 40 votos contra 8.

O Sr. Pereira de Mello: — Estou muito longe de combater o pensamento do projecto; agora quanto ao meio e aos meios, é que me parece que, sem ouvir algumas explicações e saber mesmo se a fazenda publica esta habilitada para occorrer a esta despeza, nas circumstancias tão graves em que nos achamos, não poderei dar o meu voto ao mesmo projecto. No relatorio que precede a proposta, vejo eu que o Governo já tem antecipado quantias aos individuos que se acham em Pernambuco, e que pretendem organisar esta colonia; vejo tambem do mesmo relatorio que se pertende despender quantias para a compra de engenhos, ao pagamento dos quaes se hão de obrigar os individuos que os receberem; mas esta obrigação ou clausula não vejo eu no projecto. Desejo tambem saber se esses colonos partiram já de Pernambuco para Mossamedes, se já lá estão, e quaes são as vantagens que elles promettem; desejo igual mente saber, se o Governo já mandou effectivamente comprar os engenhos, e qual é a fonte d'onde hão de vir estes 18 contos de réis; porque quando eu vejo não se effectuarem despezas de primeira necessidade, por falta dos meios precisos, entendo que deve saber-se não só a fonte d'onde hão de vir estes 18 contos, mas tambem se esta despeza é feita pelo Thesouro Publico de Portugal, ou se o é pelos rendimentos da provincia, em que esses colonos se vão estabelecer. Por tanto sem querer impugnar o pensamento do projecto, porque o acho governativo, concluo dizendo que, em quanto não forem satisfeitas estas minhas exigencias pelo Sr. Ministro da repartição competente, eu por certo não posso dar o meu voto a favor do projecto.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, achando-se agora presente o Sr. Ministro da Marinha, parece que devia ser elle quem tomasse a palavra; mas como S. Ex.ª não ouviu as perguntas do Sr. Deputado, por isso tomarei eu a liberdade de dizer alguma cousa, deixando depois ao meu nobre collega a tarefa de sustentar o projecto.

Esta tentativa não é nova para a Camara; quando aqui se discutiu a Resposta ao Discurso da Corôa, declarei francamente tudo quanto havia occorrido a este respeito. Esta tentativa nasceu das perseguições que ultimamente soffreram os portuguezes em Pernambuco, por occasião da revolta que alli teve logar: e veio ao Governo uma muito numerosa assignatura de portuguezes, com alguns benemeritos cidadãos á sua frente, pedindo que o Governo auxiliasse a sua saída d'alli para alguma das nossas possessões Ultramarinas; que os soccorresse e lhes désse alguns meios para poderem transportar-se, não só com vantagem daquella nossa provincia, mas tambem da mãi patria; e que se lhes desse alguns instrumentos agrarios, e se lhes fornecesse alguns engenhos. Tudo isto pedia medidas urgentissimas: a tentativa era certamente bem propria para dar grandes vantagens, e parecia que o Governo não devia hesitar um momento a este respeito; as Côrtes não estavam abertas, houve Conselho de Ministros, e resolveu-se em Conselho dar-se-lhes todo o apoio, (apoiados)

Mandaram-se por consequencia as instrucções necessarias para se crear uma commissão em Pernambuco, afim de abrir os creditos necessarios para comprarem os instrumentos que precisassem, e finalmente para fazerem a escolha das pessoas proprias para esta colonisação essencialmente agricola. Tudo isto se fez, e o Governo nesta parte foi secundado além das suas esperanças; a maior economia presidiu aos actos desta commissão, e a maior circunspecção na escolha que fez das pessoas que deviam formar esta colonisação; ella podia ser mais numerosa, podia ser composta de homens empregados no commercio, mas a commissão preferiu os homens empregados na lavoura; compraram-se tres engenhos de assucar, e alguns instrumentos agrarios, e fretou-se um navio para os transportar: a expedição deve estar no mar desde 20 de maio.

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Mandaram-se daqui todos os elementos necessarios para que elles podessem escolher o logar em que com mais vantagem se estabelecessem, tudo quanto havia de documentos na Secretaria lhes foi mandado, e escolheram Mossamedes; e escolheram muito bem: por consequencia não se póde duvidar que ha de haver bom resultado desta colonisação.

Tem-se tomado além destas outras providencias; deram-se instrucções, entre as quaes se prohibiu que fossem degradados para aquella colonisação; n'uma palavra tomaram-se todas aquellas cautelas que foi necessario tomar-se para proteger esta colonisação, para que ella se tirasse da marcha seguida até agora, a qual não tem dado bons resultados.

Quando eu deixei a Pasta da Marinha, o meu Collega abraçou com muita vontade tudo isto. Aqui a unica increpação que se póde fazer ao Governo, é de não ter trazido este projecto mais cedo; mas eu declaro que em parte a causa disto foi o estado de minha saude: eu já tinha dito ao Sr. Ministro da Fazenda que havia de apresentar um projecto para credito supplementar; e quando sahi da administração da marinha pedi ao meu Collega, que quanto antes apresentasse esse projecto para o credito supplementar. Não se tracta de pedir uma quantia que já esteja gasta, ou que mesmo seja toda necessaria, porque os instrumentos agrarios, e engenhos terão custado 8 contos de réis, e os fretes não poderão custar 10 contos; por consequencia parece-me, que se não gastará esta quantia toda; mas quando se gaste, entendo que é muito bem empregada. Já respondi, portanto, quanto ao estado em que isto se acha, relativamente á partida da colonia. Agora se a provincia de Angola ha de concorrer para esta despeza, isso dependerá muito das forças com que se achar. As ordens que foram, tiveram em vista que ella fizesse algum sacrificio, principalmente para concorrer em principio com os viveres proprios daquella localidade, afim de que esta gente não sentisse essa falta logo no principio; mas até que ponto hade concorrer, depende isso das forças do seu Thesouro.

Respondendo ao illustre Deputado o Sr. Pereira de Mello, que me perguntou, qual a fonte donde havia de sair esta despeza, direi, que não ha senão uma fonte para toda a qualidade de despezas, que é a fonte dos rendimentos publicos. O illustre Deputado tão antigo como é, e que tem sempre entrado em todos os principaes negocios publicos da Camara, não póde duvidar, que não ha senão uma caixa, donde sáem todas as despezas.

Sr. Presidente, não me parece que sejam estas as despezas que devemos temer, porque não são ellas por certo as que embaraçam o Thesouro; as quantias de que devemos temer, são, por exemplo, 3:000 contos para juros, 3:000 contos para a repartição da Guerra, e outras semilhantes; mas a respeito destas quantias ou haja os creditos suplementares, ou não, os embaraços hão de ser para o Estado da mesma natureza, e da mesma magnitude; não augmentam por este credito supplementar. São estas as explicações que tenho a dar.

O Sr. Visconde de Castellões: — (Sobre a ordem) Mando para a Mesa o parecer da commissão de Fazenda sobre as emendas feitas na Camara dos Dignos Pares ao projecto de lei, que proroga por mais 10 annos a isenção de direitos por entrada ás maquinas e utensilios agrarios nas provincias Ultramarinas.

O Sr. Presidente: — Não obstante estar ainda em discussão o art. 1.º, se a Camara assim o entende, póde já entrar em discussão este parecer, (apoiados)

Poz-se pois á discussão, e é o seguinte

Parecer N.º 73 G. — A commissão de Fazenda examinou as alterações feitas pela Camara dos Dignos Pares do Reino ao projecto de lei, pelo qual esta Camara resolveu que se prorogasse por mais 10 annos, o praso concedido pela lei de 10 de março de 1840, para que sejam isentos do pagamento de direitos por entrada nas alfandegas das provincias Ultramarinas as ferramentas, maquinas, e utensilios necessarios para uso da agricultura, e para a preparação dos seus productos até ao estado, em que ordinariamente entram no commercio.

Estas alterações tendo por fim declarar que as ferramentas, e utensilios necessarios para os fins que ficam referidos, só sejam introduzidas com a mesma isenção de direitos, quando forem de producção nacional, e levadas debaixo de pavilhão nacional, não destroem o pensamento da Lei; porque os utensilios pertencem ás maquinas, e com ellas importados, não podem deixar de se considerar como accessorios dellas para o seu despacho; essa distincção que se estabelece sobre as ferramentas, e utensilios, tende por consequencia unicamente a favorecer as obras nacionaes necessarias á agricultura, que pelas disposições que regulam as alfandegas do Ultramar, se acham sujeitas ao pagamento do direito de 2 por cento; e por isso a commissão é de parecer, que as alterações feitas pela Camara dos Dignos Pares á proposição de lei que proroga o praso concedido no art. 1.º da carta de lei de 10 de março de 1840, sejam approvadas por esta Camara, e que a referida proposição suba com ellas á sancção de Sua Magestade.

Sala da commissão de Fazenda, 11 de junho de 1849. — Visconde de Castellões, Antonio José de Avila, A. Albano da Silveira Pinto, José Lourenço da Luz. Eusebio Dias Poças Falcão. — Tem voto do Sr. Deputado Oliveira Borges, e de mais membros da commissão de Fazenda.

Alterações feitas na Camara dos Pares á proposição de lei de 23 de maio do corrente anno da Camara dos Srs. Deputados, prorogando por mais 10 annos o praso concedido no art. 1.º da carta de lei de 10 de março de 1840, que isenta do pagamento dos direitos de entrada nas alfandegas das provincias Ultramarinas as ferramentas, maquinas, e utensilios necessarios para uso da agricultura.

Art. 1.º E prorogado por mais 10 annos o praso concedido no art. 1.º da carta de lei de 10 de março de 1840, que isenta do pagamento dos direitos de entrada nas alfandegas das provincias Ultramarinas as maquinas necessarias para uso da agricultura, e para a preparação dos seus productos até ao estado em que ordinariamente entram no commercio.

Art. 2.º As ferramentas e utensilios para os fins mencionados no artigo antecedente, só serão introduzidos com a mesma isenção de direitos, quando forem de producções nacionaes, e levados debaixo de pavilhão nacional.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

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Palacio das Côrtes, em 8 de junho de 1849. — Duque de Palmella, Presidente, Francisco Simões Margiochi, Par do Reino, Secretario, Visconde de Gouvêa, Par do Reino, Secretario.

O Sr. Rebello da Silva: — Eu desejo saber em quanto, pouco mais ou menos, calcula a commissão a importancia deste beneficio que se concede ás possessões Ultramarinas; desejo saber se este beneficio é extensivo a todas; e quaes os generos a que é applicado; se debaixo desta classificação se entende só os instrumentos agrarios, ou tambem as maquinas.

O Sr. Visconde de Castellões: — As maquinas já estão isentas por lei de qualquer direito de entrada, agora as ferramentas e utensilios que pertencem ás maquinas são accessorios das mesmas maquinas. Ferramentas, entende-se enchadas, foices, machados, etc. mas isto é para quando forem em navios nacionaes. A importancia não se póde calcular, porque não vem ao Thesouro a conta do rendimento das alfandegas das provincias Ultramarinas, mas pelo que daqui vai para lá, se vê que essa exportação é de muito pequena importancia, infelizmente.

Julgou-se a materia discutida por 49 votos contra 3. E pondo-se logo á votação o

Parecer n.º 73 G — foi approvado por 49 votos contra 3.

Continuou a discussão sobre o art. 1.º do projecto n.º 66.

O Sr. Rebello da Silva — Sr. Presidente, pede-se á Camara num voto de confiança para se crear uma colonia agricola que se quer fundar em Mossamedes, a quantia de 18 contos de réis. É de crer que o Governo se prevenisse com todos os dados necessarios para provar que aquelle e o ponto, entre todas as provincias Ultramarinas, que mais convem para o estabelecimento desta colonia, e eu espero portanto que o Sr. Ministro esclareça a Camara sobre os seguintes objectos: — Que nos apresente a planta da colonia, em relação á população, aos objectos de commercio, á exposição agricola do local escolhido; bem como que nos diga a qualidade de colonia que pertende estabelecer, isto é, se é colonia agricola, penal, ou mixta, ou se é como são as colonias da nova Hollanda. Desejo saber primeiro isto, e desenvolverei depois as minhas idéas a este respeito.

Agora quanto á questão, eu perguntarei á Camara se não basta a náo Vasco da Gama com todas as despezas que esta fazendo, que são nada menos de 300 contos de réis, e se é ainda necessario que vamos augmentar essa despeza com um credito supplementar de 18 contos?... Sr. Presidente, ninguem mais do que eu deseja ajudar as nossas possessões Ultramarinas, mas perguntarei — Se no momento em que o Alemtéjo esta todo deserto, e a agricultura em todo o Continente se resente da falta de braços, da falta de população, se na occasião em que esta Camara se esta occupando das importantes questões do vinho do Douro, e financeira, se é neste momento que se deve votar um credito supplementar ao Governo para ir fundar uma colonia em Mossamedes? Sr. Presidente, parece impossivel, é inaudito que o Governo não attenda ás circumstancias em que se acha o Thesouro!... Julga o Governo que nos vem ainda da America a náo dos Quintos, como no tempo antigo? Agora só se vier de lá a náo Vasco da Gama, mas essa não nos traz dinheiro, traz-nos despezas. Não me admirava que o Governo, que nos acaba de dizer se consomem 3:000 contos em juros, e 3:000 contos com o exercito, se considerasse bem a nossa situação economica, viesse pedir alguns creditos supplementares para animar a cultura dos productos, e a desenvolução da industria nacional; mas admiro que no estado em que nos achamos, venha aqui propôr-se uma despeza de 18 contos de réis para uma colonia, e admiro tanto mais quanto que só votamos no orçamento a verba de 4 contos de réis para dar protecção a toda a nossa industria. Portanto logo que eu seja informado pelo Governo, qual o pensamento que o domina a respeito da especie da colonia, se é agricola, penal, ou mixta; quaes os objectos para que estes 18 contos de réis são applicados, porque se forem para a fundação d'uma colonia, creio que são muito pouco; e eu declaro que não tenho esperança de vantagem por aquella colonia em Mossamedes; emquanto digo me não forem dadas as informações a respeito dos pontos que toquei, não posso approvar o art. 1.º deste projecto.

O Sr. Ministro da Marinha: — Sr. Presidente, eu na verdade não sei o que hei de responder ao illustre Deputado depois do que disse o meu collega dos Negocios Estrangeiros. O illustre Deputado desejou saber, se o Governo tinha os necessarios esclarecimentos sobre a população, posição, e outras circumstancias do ponto de Mossamedes; desejou que o Governo o esclarecesse sobre a especie de colonia que alli pertendia estabelecer, se era colonia — agricola — penal ou mixta: certamente que a isto já o meu collega respondeu, já disse que a colonia era agricola. Tambem desejou o nobre Deputado que o Governo apresentasse a planta da localidade, e alguns outros esclarecimentos; já se disse que os escriptos ou memorias relativas áquelles, e outros pontos da Costa d'Africa tinham sido remettidos para a commissão em Pernambuco, a fim de se informarem por ellas de qual seria o ponto mais proprio, e commodo para estabelecer a colonia. Pelo que toca á circumstancia apontada pelo illustre Deputado — de que a nossa provincia do Além-Téjo esta deserta, e que se admira que não estabelecesse aqui a colonia, e sim em Mossamedes — responderei, que os colonos que preferiram ir para a Costa d'Africa, que escolheram esta localidade, é porque não quizeram vir para o Além-Téjo.

O illustre Deputado tambem desejou saber, para que eram applicados estes 18 contos de réis: parece-me que a isso já tem a resposta no que disse o meu collega, o qual explicou os objectos para que eram applicados esses 18 contos, e do proprio relatorio da proposta consta tudo que ha a este respeito.

Sr. Presidente, tem-se dicto nesta Casa por differentes vezes que o Governo não procurava fomentar a industria, a agricultura, e o commercio nas nossas possessões Ultramarinas, e agora que se apresenta uma medida para o estabelecimento de uma colonia, e por consequencia, que ha de concorrer para o augmento da população, e para o desenvolvimento da industria agricola, e do commercio, admiro que se recuse dar um voto ao Governo para conseguir tão util, e importante fim (apoiados.)

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra unicamente para dizer, que na primeira vez que fallei, comecei logo por declarar, que estava conforme com o pensamento do projecto (apoia-

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do), estando tambem eu convencido de que esta medida ha de concorrer muito para fomentar a industria agricola, e o commercio das nossas possessões do Ultramar (apoiado): e nem as perguntas que eu ha pouco fiz, foram por querer fazer guerra ao projecto, (apoiado), e sim para collegir, se essa despeza que se vai fazer com a colonia, podia, de algum modo, deixar de sobrecarregar o Thesouro Publico tão immediatamente, e poder supprir-se pela receita de algum dos rendimentos da provincia de Angola, aonde pertence a localidade de Mossamedes: se isto fosse possivel, muito seria para estimar. Foi pois esta unicamente a razão, porque fiz ha pouco algumas perguntas, e não para combater o pensamento do projecto que eu adopto (apoiados.)

O Sr. Moniz. — Sr. Presidente, eu approvo o artigo em discussão. Nós temos aqui repetido por vezes que é preciso fazer alguma cousa para tirar utilidade das nossas possessões do Ultramar, e eu digo, que depois de perdermos o Brasil, é para as Costas d'Africa, que devemos voltar as nossas vistas: ora quem quer os fins, propõe os meios; as nossas possessões só por si não podem dar as vantagens, que dellas se querem tirar; é preciso lançar mão de alguns meios para que a industria, a agricultura, as artes, e o commercio alli possam ter algum desenvolvimento; e de certo que o estabelecimento desta colonia de que se tracta muito tem de concorrer para este fim (apoiados.) »

Sr. Presidente, nós nunca devemos ter receios em consentir que se façam despezas que de futuro podem ser productivas, isto é, que podem apresentar uma fonte de receita; e eu estou certo que a despeza que se vai fazer com esta colonia, ha de necessariamente dar este resultado (apoiados.) E muito bom fôra que não se limitassem as cousas só a esta colonia, e se aproveitassem todos os meios que podem servir de incentivo para a creação de colonias nas nossas possessões Ultramarinas.

Agora pelo que toca ao ponto escolhido, o de Mossamedes, digo, que foi muito bem escolhido, porque é o ponto mais central, e offerece mais commodidades tanto com relação ao commercio externo como interno: os terrenos são susceptiveis de produzir varios generos, e ha alli um elemento muito grande de commercio geral, é a pesca; e muitas nações estrangeiras teem inveja de não possuirem aquelle ponto.

Sendo pois certo que grandes vantagens hão de resultar do estabelecimento da colonia agricola em Mossamedes, eu não posso deixar de concluir pela approvação do art. 1.º deste projecto.

O Sr. Varios Bento: — Sr. Presidente, apresentaram-se-me difficuldades com a simples leitura deste parecer, mas depois de fallar S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, confesso que essas difficuldades ainda se tornaram mais consideraveis.

Realmente não era preciso que houvesse uma lei determinando, que quando se propõe uma nova despeza, se proponha a receita correspondente, o bom senso o indicava; mas este bom senso esta fortalecido por uma disposição legislativa. Apresenta-se uma lei para uma nova despeza de 18 contos de réis em metal. Donde ha de sair esta despeza? Diz-se: lá estão os creditos supplementares: mas os creditos supplementares não são receita, são despeza. Diz-se: lá esta o orçamento. Para que é o orçamento? Por isso mesmo que lá esta o orçamento, da maneira que esta, é que nós não podémos votai despezas noras, Ora, diz-se, estes 18 contos não podem fazer grande differença, não hão de ser mais ou menos 18 contos que hão de fazer desapparecer o deficit.

Sr. Presidente, é por este modo de argumentar (peço perdão ao illustre Ministro que o empregou) que nós nunca podemos verdadeiramente ter leis, que regulem a nossa fazenda; porque hoje são 18 contos, ámanhã são 300. Aí vem uma lei a respeito das estradas, em que se auctorisa o Governo (e peço perdão para dizer á Camara que esta auctorisação nâo se póde considerar com seriedade) agastar mais 300 contos, e não vem lei nenhuma de receita. É auctorisado o Governo para isto, é auctorisado para aquillo — ora realmente o Governo com estas auctorisações ha de fazer grandes cousas, senão se lhe estabelece o modo, porque as ha de realisar. Realmente não sei como o Governo acceita esta auctorisação sem se dirigir á Camara, e dizer: muito bem, essa auctorisação é muito louvavel, mas ao mesmo tempo peço-vos avós, Camara, que nos queirais indicar donde hão de sair os meios necessarios para fazer face a essa despeza. Não se faz nada disto, acceita-se a auctorisação, isto o que revela? Peço perdão a S. Ex.ª e á Camara para dizer, que não se tem confiança no que se vota; digo-o com uma sinceridade tal, que deve fazer acceitar sem opposição esta proposição, porque é verdadeira. Se por acaso nós tivessemos a certeza de que era séria a disposição que votavamos, haviamos de tractar dos meios de a realisar, mas aqui não se tracta disto. Sr. Presidente, quem ignora os embaraços da Administração actual? E no entretanto não é este o ultimo projecto de auctorisação para gastar, que o Governo ha de receber, não são só estes 18 contos: e pelo argumento que empregou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, é sempre a mesma cousa, não é o gastar-se menos esses 18 contos» que nos ha de tirar das difficuldades, em que nos achamos.

Ora, Sr. Presidente, peço perdão a S. Ex.ª para declarar que isto é a manifestação de que não podémos tractar senão do adiamento da questão financeira: a commissão diz: para o futuro hão de ser impostos, desta vez ha um emprestimo; mas o emprestimo diminue a possibilidade do pagamento das despezas do anno futuro, porque vai prejudicar a receita. E nós o que fazemos? Auctorisamos o Governo para novas despezas! E pergunto eu — nesta repartição todas as despezas que se tem feito, são as despezas indispensavelmente necessarias? E por outro lado não se deixarão de fazer despezas, cuja utilidade ninguem podia contestar. É verdade. Ora nesta Camara ainda ha muito pouco tempo se disse, — que nas desgraçadas provincias Ultramarinas era necessario estar descontando as rações para se poder ter fardamento, isto é, para não ter frio, e ter fome, e isto não foi contestado; e nós votamos actualmente mais 18 contos em metal: e aqui vem agora um desconto, uma perda para que hão de concorrer os funccionarios publicos, e os juristas, porque são em metal; as verbas em metal hão de apparecer todas as» vezes que se tiver de fazer despeza, quando se tiver de votar um projecto qualquer a respeito de notas, então não. Mas esta despeza ha de fazer-se em metal, e aí veem 18 contos em metal a respeito dos quaes os funccionarios publicos da metropole, e o» juristas hão de soffrer alguma cousa.

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Sr. Presidente, quando eu disse que não se podiam votar desta maneira estas despezas, é porque succede uma cousa, é porque não se fazem senão certas e determinadas despezas, os Srs. Ministros não podem fazer impossiveis, dão-lhes um orçamento em que se diz: gastem tantos 1000 contos de réis, mas os meios não chegam. Ora eis aqui o que não póde continuar. Um Ministro parece-lhe bom fazer um pomposo quartel do batalhão naval, levanta cunhaes, abre janellas, rasga portões, e diz — preciso disto — e não se pagam as despezas indispensaveis. Eis aqui o caminho em que vamos. Os Srs. Ministros não teem responsabilidade nenhuma, porque anão podem ter: os Srs. Ministros podem ter responsabilidade quando a Camara lhes diz — gastem — e não dá os meios? Não podem ter, era uma crueldade se a tivessem. Se a Camara dissesse — vamos exigir-vos a responsabilidade, porque não fazeis esse pagamento — elles respondiam — não pudemos porque não nos destes dinheiro — e realmente eu sempre quero vêr o que a inflexibilidade de uma Camara ha de poder contra este argumento. Não ha receita sufficiente. O que se segue daqui? Que não ha Governo, não ha responsabilidade, não ha nada serio, e ha pomposos votos de confiança sobre assumptos muito importantes; porque a minha questão não é da utilidade do objecto para que se vota a auctorisação, a minha questão é dos meios necessarios para se realisar este projecto. Os Srs. Ministros estão auctorisados para todas as despezas, mas não estão sufficientemente dotados com todos os meios. O que se segue? É que tem de limitar-se ás mais necessarias, e quem é o juiz desta necessidade? Em muitas occasiões ha de ser o arbitrio; em muitas occasiões os Srs. Ministros hão de se enganar, podem-se enganar, são homens, e a Camara o que faz? Auctorisa os Srs. Ministros para despezas maiores que aquellas para que lhes vota rendimentos; põe-os em circumstancias de muitas vezes serem injustos, porque teem de fazer escolhas, e preferir classes e objectos, para que hão de ser applicados os meios. E entretanto nós votamos aqui — façam mais esta despeza, gastem mais 18 contos! Eu não posso vota-los, porque não sei donde hão de sair, e porque sei que os Srs. Ministros já não teem satisfeito, por não poderem, ás despezas marcadas por lei.

Por consequencia não posso votar estes meios, quando não sei donde se hão de realisar.

O Sr. Presidente: — Convido os Senhores que são membros da commissão Mixta a irem occupar os seus logares na mesma commissão, agora que é a hora propria; e em consequencia disto não póde proseguir a discussão nesta Camara.

A ordem do dia para ámanhã é a que esta anteriormente dada, mas antes disso ha de tractar-se de alguns pareceres manunscriptos, que estão sobre a Mesa. Está levantada a sessão. — Passava das quatro horas da tarde.

O 1. Redactor,

J. B. GASTÃO.

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