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M. F. da Trindade Sardinha = Joaquim Gonçalves Mamede-= Carlos Cyrillo Machado O sr. Presidente:

Foi admittida para ir á commissão — A ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da de hoje. — Está fechada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Discurso que devia lêr-se a pag. 182 col. 1.ª, lin. 73, da sessão n.° 9 d'este vol.

0 sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa uma moção.

Depois do bello discurso que a camara acaba de ouvir ao illustre deputado o sr. Manuel da Silva Passos, discurso que mostra que os annos não murcharam antes tornaram mais viçosas as flores da sua eloquencia; discurso proferido por um homem que nós lemos encontrado ha mais de vinte annos sempre firme na brecha, sempre vigoroso na luta, sempre decidido no seu posto, para manter as liberdades publicas e os fóros da propria reputação; depois d'este discurso, repito eu devia acanhar-me de tomar a palavra. O sr. Manuel da Silva Passos é um homem que ha de deitar o seu nome na historia, o meu obscuro não passará de certo dos echos que n'esta sala póde achar a minha voz.

N'esta questão é a consciencia que nos dieta o dever, e é a verdade que nos illumina a consciencia. O sr. Manuel Passos, como cidadão, como pae extremoso e como homem politico póde dizer: lerei de arrepender me de culpas como homem, mas como cidadão posso pôr a mão no coração e exclamar: não tenho de que me arguir! Nós igualmente, e como elle, tambem com a mão na consciencia, fortes e firmes, havemos de dizer: pedimos a administração em logar da arrematação, e julgâmos que pediamos o melhor. Tambem nós perante o Juiz supremo, que nos ha de julgar a todos, perante Deus, perante a nação, perante a liberdade, podemos levantar a mão, e exclamar como Enguerrand de Marigny, victima infeliz de outra epocha: não trahi o meu rei, não trahi a minha patria, posso caír sacrificado ao odio e ás calumnias, mas a verdade me vingará um dia.

Não foi, não era de certo a intenção de um generoso e nobre caracter, como é o do orador que pronunciou n'esta casa um discurso que ficará memorado, deixar de fazer justiça á sua propria consciencia; e homens d'estes, da sua generosidade e elevação, quando fazem justiça a si, fazem-na a todos; mas tambem é licito e permittido aos que tão largamente combatem pela opinião opposta, o deduzirem aqui o direito que lhes assiste, de repelirem com a mesma força de energia, com o mesmo convencimento profundo, com o mesmo sentimento de amor da patria: nós defendemos a causa que reputávamos optima, porque entendemos que a administração não era perigosa nem arriscada, porque a nosso ver ella trazia o imposto e a fiscalisação publica a um principio geral, lucrando-se mais com o principio geral, do que com a excepção; esta foi a grande fôrça que nos attrahiu.

Não quero tomar tempo á camara, e hei de ser muito breve nas reflexões que lhe vou submetter. A questão não hei de trata-la largamente, porque não se discute agora outra vez a generalidade. Este negocio apresentou-se aqui sempre de um lado como questão de receita, e do outro apresentámo-lo sempre sem perder de vista o interêsse do thesouro, e como homens que não duvidávamos da receita, mas que desejavamos que se trouxesse o imposto (porque não é outra cousa) ás regras geraes e fixas applicadas a todas as contribuições.

Sou filho de um lavrador. Como o nobre deputado alludiu aqui aos seus antepassados com aquella elevação de caracter, que faz sempre honra, tambem direi: não nasci de duques nem de archiduques, nasci de um magistrado probo, e descendo de uma familia de lavradores; e honro-me tanto de levar á sepultura intacto este nome que me legaram, do que se descendesse de grandes titulos e genealogias. S. ex.ª exaltou-se, exaltando nos seus a gloria pacifica da charrua; citou os verdadeiros brasões do trabalho, que para nós, homens da classe média, são a magna carta de emancipação e nobreza. E não fallo de Portugal, mas de paizes estrangeiros, aonde ha muitos individuos que não escondem um nome que representa muitas vezes a leviandade de um rei, ou a desgraçada cumplicidade de pessoas, de familias, e até de cousas.

Sou filho de um homem que vestiu uma beca, mas sou neto de um humilde e honrado lavrador do Douro, e honro-me tanto d'isso, torno a dizer, que não trocava por nenhum outro o appellido de meu pae. Mas sou tambem lavrador; e se me persuadisse de que as consequencias da votação da camara a favor da administração haviam de pesar gravemente sôbre o homem do campo, avergado de fadiga, e com a mão calosa do cabo da enxada e do arado, sobre o homem que fecunda com o suor do rosto o sulco da charrua, e que arrasta uma existencia laboriosa e cansada mezes sobre mezes para aquecer o lar domestico e saciar de pão os filhos; se me persuadisse d'isto, não votava seguramente pela administração; mas não o receio; porque julgo que se o lucro apparecer na praça para arrematar é porque espera, e conta ganhar, e o estado, gerindo pelos mesmos meios, e usando do mesmo methodo, não deve perder sob pena de incapacidade para tudo.

A administração por conta do estado, e a arrematação são dois monopolios, todos o conhecem; o principio é o mesmo, ninguem o contesta; mas a differença consiste em que n'um o estado é que impõe sacrificios, e no outro o interêsse particular é quem coíbe o fructo d'elles. Eis a differença e parece-me essencial. Oxalá que venha um dia propicio, e com elle desça o favor do céu sobre as nações para que todas entrem na regra normal! Oxalá que amanheça o dia em que a subsistencia do pobre, os generos indispensaveis para a sua alimentação e de seus filhos possam passar isentos de tributos! Venha a hora bem saudada, em que a fatia que o desgraçado reparte pelos filhos entre e sáia livre de qualquer taxa, e que sobre os fructos da terra não cáia a acção do fisco, desatando-se por si mesmos laços da rêde inexoravel que estende sobre o trabalho do campo, sobre uma das industrias mais sagradas do homem, porque ara o seio da mãe commum, e tira d'elle a sustentação dos povos! Deus apresse n'este sentido os destinos do mundo; mas por ora, como o illustre deputado, tenho a opinião de que não devemos aggravar os encargos do trabalho e das industrias, para isentarmos uma fantazia e um vicio como o tabaco. Nenhum de nós manifestou essa intenção, nem os que propunham a arrematação nem os que sustentavam a administração. Direi mais, que feliz será a epocha em que podermos aceitar o principio que devia ser a regra geral, não por mais liberal, não porque livra de todos os vexames, mas porque acaba com as excepções odiosas, fallo do principio do livre fabrico e da livre venda do tabaco. E digo que esse principio não significa em parte nem menos vexames nem menos oppressão, e posso prova-lo.

Em Inglaterra, paiz onde se não admitte a livre cultura mas sim a venda e o fabrico, o imposto é de 1$200 réis por cento; as alfandegas vigiam, os empregados espiam por toda a parte a fraude, tornando a passagem difficil e ardua ao contrabando; e todavia o que succede? Diz um grande escriptor inglez, um homem profundo e circumspecto, que o consummo legal em Inglaterra equivale a metade do consummo fraudulento.

Na Austria succede quasi o mesmo; e as queixas são constantes no parlamento britannico, e são constantes perante o gabinete austriaco contra os vexames que exerce o fisco;