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N.º 18. Sessão em 25 de Junho 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 48 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada sem discussão e unanimemente. Expediente.

Officios. — 1.º Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, participando que serão remettidas ao seu destino as duas collecções de documentos parlamentares, que acompanhavam o officio de 16 do corrente, dirigido áquelle Ministerio. — Para a Secretaria.

2.º Do Ministerio da Fazenda, dando os esclarecimentos que lhe foram pedidos, sobre o requerimento dos contractadores do Tabaco de 1837 a 1840, em que reclamam uma indemnisação. — A commissão Especial do Orçamento.

O Sr. Franco de Castro: — Participo a V. Ex.ª e á Camara que a deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade dois auctografos de decretos das Côrtes Geraes, tem sido recebida hoje ao meio dia, com a affabilidade, que caracterisa Sua Magestade.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, visto ter se discutido a lei de meios, que o Governo tinha pedido se discutisse com preferencia a qualquer outra, entendo ser agora occasião de se discutirem os dois projectos apresentados pela Administração passada, para serem restituidos ao exercito os officiaes de Evora-Monte, e que pediram as demissões na ultima guerra civil. Eu penso que a actual Administração não deixará de os adoptar, pois que estão conformes com o seu programma, e com os principios de justiça e de conciliação, que tem enunciado nesta Camara, e em outros documentos officiaes; e porque tambem não póde deixar de reconhecer a necessidade e conveniencia de se adoptarem medidas, que tornem verdadeira e effectiva a amnistia, restituindo a cada um os direitos que perdesse, em virtude das occorrencias politicas

Sr. Presidente, apesar do objecto do requerimento que vou fazer ser urgentissimo, não pedirei a urgencia, antes desejo fique para segunda leitura, para que tendo o Governo conhecimento delle, possa declarar a sua opinião; e se elle o não apoiar, conto já com a sua rejeição, e então antes o retirarei, porque apesar de muitas vezes me terem sido rejeitadas propostas, que entendo serem de justiça, ainda me não pude acostumar a velas rejeitar sem sentir um grande desgôsto. Um objecto similhante já aqui foi discutido em umas poucas de sessões; a Camara e o Governo já adoptaram uma provisão a respeito dos antigos juizes, que tem bastante relação com estes projectos, dando uma prova de que esta possuida de sentimentos de moderação, e da justiça que assiste aos antigos empregados, para que se lhes dê uma remuneração pelos seus serviços, e sem de alguma maneira incorrer em contradicção, não podem recusar-se a approvar estas medidas: aliás dar-se-ía occasião a dizer-se, que a aposentação, que se concedeu aos magistrados antigos, foi uma necessidade, para senão pôr embaraços ao projecto, em que os actuaes são considerados de um modo excepcional e inqualificavel.

Os motivos que deram logar ao adiamento do projecto que se principiou a discutir, tem cessado, e não se queira que tambem se diga, que o adiamento equivaleu a uma rejeição; a proposta que eu fiz, foi até que as commissões respectivas dessem o seu parecer sobre os outros projectos que tinham com elle relação, e neste sentido foi votado. A não se querer que agora tenham andamento, falle-se claro, e exponham-se francamente os motivos, que o Governo e a Camara tem, para que não sejam convertidos em lei; mas para isto é necessario que cheguem á discussão. Eu confio em que a Camara tem ainda as mesmas convicções sobre a politica que convem seguir-se, e que por isso ha de approvar o requerimento que vou mandar para a Mesa, e é o seguinte

Requerimento. — Requeiro que seja dado para ordem do dia o projecto n.º 43, em que o Governo pede auctorisação para melhorar a situação dos officiaes da Convenção de Evora-Monte, — Ferreira Pontes.

Sr. Presidente, aproveitarei esta occasião para chamar a attenção da commissão de Fazenda sobre o meu projecto das prestações dos egressos, que ha tanto tempo esta em seu poder, assim como sobre uma proposta minha, e outra do Sr. Deputado pelo Algarve, para se attender ás religiosas necessitadas do Reino. Não sei que motivos terá tido a commissão para demorar esses pareceres; eu não quereria que sobre mim recaisse a immensa responsabilidade de ficarem deferidas para outro anno medidas de tanta urgencia, e de que depende talvez a vida de muitas dessas infelizes; e algumas antes de serem soccorridas, perecerão, victimas da fome, e de todas as privações que acompanham a pobreza e a miseria. Alguns conventos existem, mesmo no centro da capital, aonde em muitos dias senão accende lume, por não terem lenha; veja a Camara se se devera pôr de parte umas propostas que tendem a dar alguns meios para podérem occorrer ás primeiras precisões da vida, áquellas que foram privadas das suas rendas, e a quem o Estado é devedor ainda de grandes sommas.

Sr. Presidente, no estado de adiantamento em que vai a sessão, talvez não tornarei a usar da palavra, e por isso a Camara me permittira que com franqueza e lealdade lhe declare que vou pouco satisfeito com o resultado dos trabalhos parlamentares: e que se os meus constituintes me perguntarem o que se fez em beneficio do paiz, não sei o que lhes hei-de responder. Sinto do maior modo ter de observar, que nenhuma providencia se tomou que melhorasse algum ramo de administração publica. A questão das estradas, que são reclamadas de toda a parte, ainda fica adiada. As classes desvalidas ficára na mesma triste situação, em que se achavam, e nenhuma providencia, das que foram reclamadas para melhorar a sua sorte, foi adoptada — O culto e o clero ahi ficam tambem no abandono a que se acha votado desde ha muitos annos — Se me perguntarem se os tributos diminuiram, não posso deixar de di-

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zer que continuam os mesmos com a differença de que algum que era temporario, fica agora perpetuo, que o que se defferiu para outro tempo são os melhoramentos, e as reformas, que as necessidades publicas reclamavam. E alem disto fica o paiz ameaçado de ser subcarregado de novos impostos, porque é o que claramente disse o Sr. Ministro da Fazenda na primeira vez que nesta qualidade se apresentou no Parlamento, e apesar das explicações que depois deu, ainda se não desvaneceram as apprehensões e os receios que se conceberam. E necessario que o Governo se convença de que não é por meio de novos impostos que póde organisar as finanças, por que não basta só que se decretem, é preciso saber-se se ha meios de se pagarem, e eu estou convencido de que o paiz, em quanto não melhorar, e não augmentar o valor dos generos, não póde com os impostos que tem, e que d'ahi procede em parte o atraso que se experimenta nas cobranças das rendas publicas. — No interesse do proprio Governo, e da ordem publica peço ao Sr. Ministro da Fazenda que esta presente, declare quando lhe parecer conveniente, positiva e cathegoricamente, que se hão de fazer as reformas necessarias para igualar a receita com a despeza, sem augmento de tributos e sem serem aggravados os antigos, mas simplificado o serviço dos diversos ramos de administração, de modo que se possa reduzir o numero de empregados, porque repartições existem em que se poderão dispensar mais de metade; só assim ficará o paiz seguro de que não pezarâo sobre elle mais encargos, em quanto não tiver mais meios de os satisfazer. Veja o Governo se consegue o tirar os generos de producção nacional do preço infimo em que se acham, e que subam ao medio de outro tempo, que então não haverá difficuldade em se lançarem e cobrarem novos tributos, mas em quanto isto se não verificar o augmentar os que existem, alem de injusto, seria um grande êrro politico, e a experiencia do passado deve ensinar nos a ser cautelosos e a não expormos o paiz a novas perturbações.

O Sr. Presidente — Vai dar-se seguimento ao requerimento. Quanto ao segundo objecto, que tocou o Sr. Deputado, a commissão o tomará na consideração que merecer. Em quanto ao ultimo permitta-me o illustre Deputado que lhe diga, que não guardou a circunspecção e dignidade propria do logar, não é ao Sr. Deputado a quem incumbe fazer censura a esta Camara, nem tinha direito para a fazer (apoiados;, nem mesmo tinha occasião de a fazer. O Sr. Deputado deseja escrever para o Diario, mas a Camara deseja trabalhar para o paiz (apoiados). Eu creio que a Camara, por não estar attenta, e que não chamou em peço o Sr. Deputado a ordem, eu quiz deixa-lo fallar, mas ao Sr. Deputado recahe-lhe uma grave censura, por aquillo que fez incompetentemente (apoiados)

O Sr. Ferreira Pontes — Peço a palavra.

O Sr. Presidente — Não póde ter a palavra sobre este objecto, porque não ha nada em discussão. O Sr. Deputado falla naquillo, que lhe parece, sem ter base para fallar, e acabou de fazer uma censura fortissima a esta Camara, que a Camara em pêso devia stygmatisar. Vai lêr-se o requerimento do Sr. Deputado. (leu se) Como se não pediu a urgencia, fica para segunda leitura.

O Sr. Lopes de Lima — Sr. Presidente, quando eu pedi a palavra, estava na casa o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, e eu tinha pedido a palavra, porque desejava dirigir a S. Ex.ª tres perguntas, a que supponho que poderia logo responder: comtudo como S. Ex.ª saíu depois, e consta-me que esta na outra Casa, aonde a discussão exíge a sua presença, vou mandar para a Mesa um aviso de interpellação, daquillo que eu tinha a perguntar, e S. Ex.ª em uma das sessões seguintes poderá responder. Mando pois para a Mesa a seguinte

Indicação — Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar ácerca das promessas feitas pelo Ministerio transacto, para apresentar, na sessão legislativa do anno seguinte, projectos de melhoramento da administração das Provincias do Ultramar, e o orçamento daquellas Provincias, e os meios de occorrer ao seu deficit. — Lopes de Lima.

Mandou-se fazer a communicação.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, eu tenho de ir para a outra Casa do Parlamento, aonde se discutem projectos de fazenda, que exigem a minha presença; julgo por consequencia conveniente fazer a seguinte declaração a V. Ex.ª — Ha tres illustres Deputados, que me querem interpellar sobre pontos de que recebi hoje nota: dois dos illustres Deputados, que me querem interpellar, não estão presentes, nem ainda mesmo que estivessem presentes, eu estou habilitado para responder já ás suas observações, porque não pude colligir ainda as informações necessarias para isso; mas ha uma outra interpellação, que é a do Sr. Deputado Assis, a respeito da qual eu estou habilitado para responder, quando V. Ex.ª julgar conveniente dar a palavra ao illustre Deputado para esse fim; — e peço a V. Ex.ª Sr. Presidente, que note que agora não posso dizer as horas em que virei aqui, porque tenho de estar na outra Casa do Parlamento, aonde objectos importantissimos exigem a minha presença; estou prompto para responder já, se V. Ex.ª convier.

O Sr. Presidente: — As interpellações, segundo o regimento desta Casa, em quanto não houver outra decisão da Camara, só teem logar na hora da prorogação, por consequencia não podem ter cabimento em outra occasião; mas o Sr. Ministro declarou que objectos do serviço publico o chamavam á outra Camara, que não sabia quando poderia comparecer nesta, e que se declarava habilitado para responder desde já á interpellação, que annunciou o Sr. Assis de Carvalho: todavia para ter logar já a interpellação e necessaria a dispensa do regimento, e sobre isso consulto a Camara.

Por unanimidade dispensou-se o regimento, para ter logar a interpellação.

O Sr. Assis de Carvalho — Sr. Presidente, a minha interpellação é muito simples, esta concebida na pergunta que dirigi por escripto a S. Ex.ª

Eu desejo que a resposta do Sr. Ministro da Fazenda, de qualquer modo que ella seja, se S. Ex.ª convencionar nisso, seja lançada na acta. Desejo saber: se o Governo se julga auctorisado, sem approvação das Côrtes, a contractar com a companhia das Obras Publicas algum outro pagamento, que não seja o estabelecido pelo decreto de 19 de novembro. Desejarei ouvir a resposta de S. Ex.ª; se ella fôr em conformidade dos meus desejos, não tenho mais reflexão alguma a fazer, mas pediria então, se S. Ex.ª convencionar nisso, que a resposta seja lançada na acta.

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O Sr. Ministro da Fazenda: — Eu confesso a verdade: não suppunha que a interpellação comprehendia este ponto, pareceu-me que o illustre Deputado queria interpellar o Governo sobre o estado em que se achava a liquidação da companhia das obras publicas; o illustre Deputado ajunta agora outra pergunta...

O Sr. Assis de Carvalho — A minha interpellação não dizia respeito ao estado dessa liquidação.

O Orador: — Pois então é porque não vi bem; li-a na occasião em que vim para as Côrtes, e formei esta idéa della; mas posso responder tambem ao que o illustre Deputado pertende.

Esta interpellação, Sr. Presidente, pertence rigorosamente mais ao meu collega o Sr. Ministro do Reino, por isso que é negocio que tem corrido sempre pela repartição do Reino, e foi por essa repartição, como o nobre Deputado sabe, que foi creada uma commissão encarregada de liquidar as contas dessa companhia. Eu tive a honra de ser nomeado presidente dessa commissão, e por consequencia nesta qualidade posso tambem dizer alguma cousa ao illustre Deputado. Essa liquidação estava terminada na occasião, em que Sua Magestade me fez a honra de me chamar aos seus conselhos; creio que a esta hora todos os papeis já estão na Secretaria dos Negocios do Reino; ainda hoje mesmo fallei ao vice-presidente da commissão, que me substituiu; o relatorio, e mappas foi necessario, depois de assignados, manda-los encadernar, e talvez que essa circumstancia désse logar a que esses papeis ainda não tivessem subido ao Ministerio do Reino; entretanto assevero ao illustre Deputado, que a liquidação, que era o objecto da commissão, esta acabada.

Agora em quanto á pergunta que o illustre Deputado me dirige, eu não accordei a respeito disso com os meus collegas, mas o Gabinete não póde ter senão uma resposta a dar: o Gabinete não tem auctorisação nenhuma para outras despezas que não sejam aquellas, que constam da legislação existente; o decreto de 19 de novembro tinha estabelecido um meio especial de pagamento para a companhia das obras publica», e qualquer alteração que havia de se fazer a esse respeito, necessariamente ha de ser feita pelo Corpo Legislativo, porque não póde ser feita sem sua auctorisação. Creio que tenho respondido sufficientemente ao nobre Deputado, porém se ainda não esta satisfeito, estou prompto a dizer o que se me offerecer ao que perguntar.

O Sr. Presidente: — Mandou-se buscar á Secretaria a nota da interpellação do illustre Deputado, porque houve alguma duvida sobre a interpellação, e vai lêr se (leu-se.)

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, eu estou satisfeito com a resposta do Sr. Ministro da Fazenda, nem elle deu a entender que podia ser outra, sendo um rigoroso observador das leis.

Diz S. Ex.ª que os pagamentos que se fizerem á companhia das Obras Publicas, no estado actual da legislação não podem ser feitos por outro modo que não seja pelo estabelecido no decreto de 19 de novembro; e que qualquer outro modo que se estabeleça, deve ser por determinação de uma outra lei, approvada pelas Côrtes; bem; mas eu pedia a S. Ex.ª que conviesse comigo em que se lançasse na acta esta declaração. A companhia, já houve tempo em que teve esperança de um outro pagamento, e tem precedentes a seu favor; para prevenir o modo como as cousas vão ás vezes no nosso paiz, e não por desconfiança que eu lenha de S. Ex.ª, nem do Governo, é que desejava que ficasse consignado na acto o que o Governo declara: — que a legislação que rege o pagamento á companhia das Obras Publicas, até agora é o decreto de 19 de novembro, e que qualquer outro modo de pagamento que se lhe queira estabelecer, não póde ser sem approvação das Côrtes, sem um projecto de lei, que altere aquella que regula hoje. Se S. Ex.ª convem comigo, lança-se na acta.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, eu já me expliquei sufficientemente a este respeito; mas não tenho difficuldade alguma em repelir ao illustre Deputado, o que é necessario para o tranquilisar, e direi que, quando chegou a interpellação ao Ministerio da Fazenda, eu ordenei que se extractasse o que havia áquelle respeito, e que se resumisse tudo em uma nota unica; naturalmente no extracto que se fez, não se comprehendeu a pergunta por maneira, que se percebesse que era este o objecto da interpellação; entretanto torno a dizer: estou habilitado para responder da mesma maneira: eu respondo, que o Governo não está auctorisado a prover ao pagamento das sommas que se liquidarem em divida á companhia das Obras Publicas, senão em virtude do decreto de 19 de novembro, e convenho em que toda e qualquer alteração, que se faça a este respeito, não póde ser feita, senão pelo Corpo Legislativo, em virtude de uma lei especial. Entretanto isto não foi objecto a respeito do qual tivesse accordado com os meus collegas, mas eu estou prompto como Ministro da Fazenda, a responder por esta declaração, pelo principio que acabo de estabelecer; se o illustre Deputado exige que seja lançada na acta, não ponho dúvida nenhuma.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado requer, que se lance esta declaração na acta, e o Sr. Ministro convem; mas uma declaração de qualquer membro do Governo não se lança na acta, senão pela propria redacção delle; por consequencia, se o Sr. Ministro convem que se lance na acta, tem de a redigir.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sim, Senhor, pois eu a redijo (pausa.)

Continuando: — Aqui esta a declaração, veja o nobre Deputado, se ella lhe agrada.

Declaração: — Convenho em que se não póde alterar o resultado do pagamento estabelecido por decreto de 19 de novembro de 1846, para as sommas a que se podér provar que a companhia das Obras Publicas tem direito, senão por uma lei especial. — Antonio José de Avila.

Mandou-se lançar na acta, por unanimidade.

O Sr. Palmeirim: — Mando para a Mesa uma representação da camara municipal de Braga, na qual conformando-se, e apoiando, com os seus desejos, o projecto ultimamente apresentado pela commissão Especial de Estradas, sente com tudo não vêr preceptivamente consignada entro as que primeiramente se devem fazer, a que liga a cidade de Braga com villa de Guimarães. Defeito aquelles dois pontos são dos mais industriaes e commerciantes do Minho, e constituem o coração daquella provincia, onde o fluxo e refluxo do commercio mantem a grande vida de todos aquelles districtos.

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A Camara Representante lembra uma proposta, que dirigiram ao Governo em 1848 varios proprietarios, capitalistas, e pessoas das mais notaveis, offerecendo um projecto de empresa para a ligação dos dois pontos alludidos; projecto que póde hoje vingar, segundo a ultima opinião da commissão das Estradas; e mesmo variar deforma, dando o Governo não uma subvenção, mas tornando-se accionista da mesma empresa, ate á quantia de 10 contos de réis.

Sr. Presidente, os povos pedem tambem a conclusão da estrada entre o Porto e Braga, e entre o Porto e Guimarães; e consta-me que neste sentido se aparelham varias representações da provincia do Minho, como proporcionando similhantes trabalhos grandes meios de riqueza e de civilisação futura; e visto ter o Governo asseverado que adiava o projecto das estradas só por 3 dias, a fim de o apreciar, e achar os meios de se levar a effeito, peço ao Governo, visto que esta presente, que quando apreciar aquelle trabalho, tenha em vista a representação da Camara de Braga, que mando para a Mesa.

Aproveito a occasião de ter a palavra para lembrar a necessidade de se discutir o parecer da commissão ácerca do Banco de Portugal, que desde 1846 vive de um modo provisorio, sem lei fixa que regule os seus direitos e os seus deveres; e esta incerteza prejudica o restabelecimento do seu credito, e por isso e este um dos assumptos de primeira ordem, que devem tractar-se nesta Camara. Além de que nesse projecto vem tambem regulado o fundo de amortisação, materia sobre que versou já hoje a interpellação de um illustre Deputado, e a resposta ao Governo.

Por todas estas razões, tômo a liberdade de lembrar á Camara esta materia, que o fado tem reservado sempre para os ultimos dias da Camara.

O Sr. Presidente: — A representação manda-se extractar; e em quanto ao projecto a que se refere, já esta dado para ordem do dia, e ha de entrai em discussão na ordem em que esta dado.

O Sr. Costa Bernardes: — Mando para a Mesa duas representações, uma da camara municipal de Guimarães, e outra da camara municipal de S. Thyrse, ambas sobre objecto de estradas.

Segundas leituras.

Proposta. — Proponho que seja dado para ordem do dia de segunda feira o projecto n.º 33. — Fontes Pereira de Mello.

Não foi admittida por 39 votos contra 9.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Mando para a Mesa a seguinte

Indicação. — Peço que seja convidado o Sr. Ministro da Guerra para vir dizer a esta Camara qual é a opinião em que esta acêrca da reintegração proposta pelo Ministerio anterior, e que diz respeito a alguns officiaes militares, que pediram a sua demissão em virtude dos ultimos acontecimentos politicos. — Fontes Pereira de Mello.

O Sr. Presidente: — Manda-se fazer a competente communicação.

O Sr. Ministro da Guerra: — Eu não tenho duvida de satisfazer o nobre Deputado desde já por parte do Governo.

O Sr. Presidente: — As interpellações tem uma hora determinada; como porém o Sr. Ministro da Guerra esta prompto a responder já, consulto a Camara, se dispensa o regimento para este fim.

Dispensou-se o regimento por 44 votos contra 43 para ter logar agora a interpellação.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, tendo eu na sessão passada apresentado uma proposta, pedindo que fosse dado para ordem do dia o projecto n.º 33, a Camara resolveu não julgar urgente esta minha proposta. Por essa occasião provoquei os Srs. Ministros da Guerra e Marinha, que então se achavam presentes, para que emitissem a sua opinião sobre este assumpto; SS. Ex.ªs ficaram silenciosos. Vendo hoje que a minha proposta depois de ter segunda leitura, não foi admittida á discussão, entendi que devia provocar uma declaração da parte de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, para que me dissesse, se o actual Gabinete estava nas mesmas idéas a respeito destes officiaes, em que estava o Gabinete anterior. Eu considero esta questão politica; e foi debaixo deste ponto de vista, que eu me dirigi ao Sr. Ministro da Guerra, por ser o mais competente, visto que este objecto prende com a sua repartição. É certo que S. Ex.ª deve ter combinado com os seus Collegas sobre um objecto tão importante como este é, e por isso não admira ter S. Ex.ª declarado, que se acha habilitado para responder a este negocio. Eu entendo que um Governo que quer entrar numa nova era politica, que abriu esta nova era com um acto de conciliação e tolerancia, como foi a amnistia que se publicou ha poucos dias no Diario, este Governo não póde deixar de estar de accordo com o pensamento de um projecto verdadeiramente politico. Por tanto sem fazer mais ponderação alguma, pedia a S. Ex.ª que declarasse qual a opinião do Governo sobre este importante objecto, que foi trazido á Camara pelo Ministerio anterior.

O Sr. Ministro da Guerra: — Respondendo por parte do Governo á interpellação que acaba de fazer o nobre Deputado, posso assegurar-lhe que muito folgamos que haja tempo para este projecto podér entrar em discussão; se por ventura esta discussão tiver logar nesta sessão, a opinião do Governo não será desfavoravel ao projecto.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Não posso deixar de estar satisfeito com a resposta de S. Ex.ª; interpretando-a como eu a entendo, quer dizer — que o Governo adopta completamente as idéas, que se apresentam naquelle projecto, e que sendo o Governo favoravel ao projecto, elle continua a ser projecto do Governo. — Entretanto se o Governo quer effectivamente fazer acreditar á Camara e ao paiz, que os seus desejos e o seu pensamento é o de conciliar a Familia Portugueza, então não se deve limitar unicamente a dizer que a sua opinião não é desfavoravel ao projecto; é necessario que faça mais alguma cousa; é necessario que venha pedir á Camara a discussão deste projecto, (apoiados) Se o Governo entende que este objecto deve ser discutido nesta sessão, para que os seus desejos não fiquem inutilisados, o Governo deve solicitar o andamento deste negocio, como solicita o andamento de todos aquelles que entende serem questões politicas; por exemplo, como o Governo solicitou a lei de meios, pospondo esta dois projectos importantes que estavam dados para ordem do dia. O Governo sabe que tem na sua mão, de accordo com a maioria da Camara, o fazer passar qualquer medida, sob pena de não se seguir o Sys-

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tema Representativo; porque quando entre a Camara e o Governo houver discordancia, é claro que deste modo não podem existir estas duas entidades; mas estando a maioria da Camara de accordo com o Governo, (como devo suppôr) se S. Ex.ª quer fazer acreditar, por parte do Governo, que são estes os seus desejos, e as suas idéas, (como sinceramente acredito) deve solicitar a discussão deste projecto, a fim de que elle seja dado para ordem do dia, quanto antes. Eu não faço proposta nenhuma neste sentido, porque já são duas que faço, e que têem sido rejeitadas pela Camara, e por isso não faço agora uma terceira proposta; mas outro tanto não acontece ao Governo, se a fizer, porque elle tem a maioria que o apoia.

O Sr. Ministro da Guerra: — Parece-me que ninguem duvidará que os desejos da parte do Governo são que este objecto possa ser discutido ainda nesta sessão; mas sendo este um negocio unicamente pessoal, não me atrevo a pedir que elle seja anteposto a outros de interesse geral do paiz. (apoiados) Entretanto, repito, que a opinião do Governo é favoravel ao projecto, e que deseja a restituição destes officiaes, alguns dos quaes eu conheço, sendo todos bons officiaes.

Ordem do dia.

Discussão na generalidade do projecto n.º 73. É o seguinte

Relatorio. — Senhores: A commissão de Legislação examinou, com a attenção que lhe cumpria, o projecto de lei, apresentado nesta Camara pelo Sr. Deputado, D. Luiz de Pilar Pereira de Castro, no qual o illustre Deputado, com o fundamento de se ter tornado altamente ruinoso aos interesses dos litigantes, e incompativel com a -boa administração da justiça, o artigo 630.º da Novissima Reforma Judiciaria propôz — a emenda, ou reforma deste artigo, para que se escrevessem em separado os aggravos de petição interpostos dos despachos proferidos nos autos de execuções de sentença — a eliminação do acto conciliatorio previo ás mesmas execuções; — e a pena de prisão contra o executado, sempre que a execução se não acabar no praso de tres mezes, como dispõe a ordenação do Reino no livro 3.º, titulo 86.º, § 18.º

A commissão, tendo meditado sobre tão importante assumpto, considerando-o em quantas relações póde ter com a prompta, e boa administração da justiça, sente não poder concordar com as idéas do illustre Deputado no que respeita á eliminação do acto conciliatorio, e á pena de prisão contra o executado. Fazer reviver as execuções pessoaes contra os devedores fallidos de bens por acasos da fortuna, serviria apenas para cevar o odio, e a vingança dos credores; e além de injusto e inhumano, seria um perfeito anachronismo com as idéas do systema liberal; assim como seria uma inutilidade decretar aquella pena contra os executados dolosos, e fraudulentos, porque contra estes lá se acha estabelecido o procedimento legal no artigo 623.º da Novissima Reforma Judiciaria. E similhantemente proscrever de preparatorio para as execuções de sentença o acto conciliatorio, se não coevo, de certo resuscitado com o Systema Representativo entre nós, seria tolher em muitos casos o bem, sem evitar algum mal, por isso que sendo o unico, que póde resultar da conciliação

a demora necessaria para dar-se logar a ella, a commissão vê por outro lado, no acto conciliatorio, a possibilidade de ahi acabarem muitas execuções, e muitos litigios.

A commissão todavia, no que respeita ao artigo 630.º da Novissima Reforma Judiciaria, abraçou o pensamento do illustre Deputado; e penetrada da summa utilidade dos aggravos de petição pela promptidão com que, por muitas vezes, se teem obtido por meio delles, e se poderá obter a reparação de uma injustiça, acompanhada de males imminentes, e em muitos casos quasi irremediaveis; mas convencida tambem dos gravissimos males, que teem produzido, e podem continuar a produzir, se a disposição daquelle artigo continuar a ser entendida, e praticada com os innumeros abusos, como até aqui; procurou evitar estes, sem cortar os meios de defeza ás partes, conciliando os direitos destas com os principios de uma prompta, e boa administração de justiça; e neste sentido tem a honra de propôr á Camara o seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º O aggravo de petição será sempre interposto no cartorio do escrivão, por termo nos autos, precedendo despacho do juiz, de quem se aggrava, dentro de cinco dias, contados da publicação do despacho de que se interpozer, e independentemente da intimação deste, estando as partes em juizo, ou por si, ou por seus procuradores. A petição de aggravo com o accordão, ou despacho compulsorio, com os autos, e com resposta do juiz recorrido, ou sem ella, será apresentada no juizo superior dentro de dez dias, contados da interposição do mesmo aggravo.

§ unico. Nenhum juiz mandará tomar têrmo de aggravo, sem que na petição se declare a lei, principio de direito, ou praxe offendida: o juiz que o contrario fizer, será necessariamente condemnado nas custas do recurso pelos juizes da alçada.

Art. 2.º Quando dos despachos proferidos nas causas, que não forem de execução de sentença, se interpozer aggravo de petição, e o juiz reconhecer, que sómente é competente o aggravo no auto do processo, e que o interposto tende sómente a retardar o andamento da causa, poderá manda-lo tomar em separado, sem suspensão do progresso daquella, e nos termos do artigo 6.º desta lei.

Art. 3.º Os aggravos de petição serão decididos na mesma sessão, em que se apresentarem: para este fim serão distribuidos por máo do presidente, como lhe forem apresentados, sem os ler ou examinar, a cada um dos juizes presentes na sessão, e pela ordem em que se acharem collocados. Todos os accordãos serão publicados no fim della pelo juiz mais moderno.

§ 1.º Serão adjuntos daquelle juiz, a quem o aggravo foi distribuido, os immediatos, que forem necessarios, pela ordem em que estiverem collocados na secção.

§ 2.º Quando algum aggravo offerecer tal difficuldade, que º relator se não julgue habilitado para o decidir, ouvido o parecer do presidente, e dos adjuntos, se lavrára accordão dessa decisão, fazendo-se nelle menção daquelle parecer, que será assignado pelo presidente, relator, e adjuntos. Deverá, porém, o relator apresenta-lo impreterivelmente na primeira conferencia da sua respectiva secção, a fim de ser julgado.

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§ 3.º Os aggravos de petição, que se interpozeram para os juizes de direito, serão decididos por estes no praso de tres dias. Os que contravierem este preceito, sem causa justificada, serão responsaveis pelos damnos e prejuizos, que causarem ás partes.

Art. 4.º Aos escrivães da primeira instancia nas cidades de Lisboa, Porto, e Ponta Delgada, ficará competindo fazer os autos conclusos á relação para a decisão dos aggravos de petição: serão obrigados por isso a faze-los apresentar na respectiva sessão, e a recebe-los no fim della, lavrando nos autos o têrmo de publicação.

§ 1.º Serão tambem competentes os mesmos escrivães para escreverem os termos de revista e de aggravo, para o Supremo Tribunal de Justiça, de que tracta a lei de 19 de dezembro de 1843, precedendo despacho do juiz relator do accordão, ou do juiz, que tiver proferido o despacho, ou sentença; e ficando, nos casos de revista, o traslado, que ordena o § 17.º do artigo 681.º da Novissima Reforma Judiciaria: do mesmo modo serão obrigados a fazer apresentar os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, e a recebe-los, decididos que sejam os recursos.

Art. 5.º As disposições dos artigos 1.º e 3.º desta lei, são applicaveis, no que lhes disser respeito, aos aggravos de petição interpostos dos accordãos da relação, que impedirem, ou denegarem a interposição das revistas, de que tracta o artigo 2.º da carta de lei de 19 de dezembro de 1813.

Art. 6.º Nos autos de execução de sentença, em que se não disputarem artigos de habilitação, de bemfeitorias, de liquidação, e de preferencia, todos os aggravos de petição, que se interpozerem, serão escriptos em autos separados, autuando-se para isso a petição do aggravante, sem que por titulo algum se lhe possam juntar por linha, ou por appenso os autos da execução. Exceptuam-se, porém, os aggravos interpostos de despachos, que tiverem ordenado entrega de dinheiro ou prisão, os quaes serão escriptos nos proprios autos, estando o juizo seguro com penhora ou deposito, ou não sendo a prisão decretada contra o depositario por infidelidade, ou rebeldia na entrega do deposito.

§ 1.º Nos aggravos que se mandarem escrever em separado, fica dispensado o accordão, ou despacho compulsorio. E por isso, feita a petição de aggravo, para o que o escrivão facilitará os autos no seu escriptorio ás partes, ou seus procuradores, a fim de tirarem os apontamentos necessarios, e apresentada que seja ao escrivão, este fará conclusos os autos ao juiz recorrido, para, no praso de vinte e quatro horas, sustentar o seu despacho, ou reparar o aggravo. Findo este praso cobra-los-ha impreterivelmente, com resposta, ou sem ella, e os remetterá ao juizo superior.

§ 2.º Ao processo de aggravo poderão juntar-se quaesquer certidões, que as partes requererem, ou o juiz mandar extrair dos autos da execução; mas por tal fórma, que o aggravo seja apresentado no juizo superior dentro dos dez dias contados da sua interposição; por quanto, sendo apresentado fóra deste praso, não se tomará conhecimento do recurso.

§ 3.º Na expedição destes aggravos os escrivães preferirão este a qualquer outro trabalho. Aquelle escrivão que fôr convencido de negligencia, malicia ou dólo, ou seja não facilitando no seu escriptorio os autos ás partes, ou não extraindo com promptidão as certidões requeridas, ou não cobrando, e apresentando os autos nos prasos marcados, será suspenso a arbitrio do juiz, e ficára responsavel pelos damnos e prejuizos, que causar ás partes.

§ 4.º Interposto qualquer aggravo pelo executado, não será o exequente obrigado a prestar fiança, ou dar penhores bastantes para continuar a execução. Porém, se o executado obtiver provimento no aggravo, e o exequente recorrer do accordão, o escrivão não remetterá os autos, sem tirar certidão deste, que entregará ao executado, para com ella poder requerer ao juiz recorrido, que o exequente seja obrigado a prestar fiança, ou a dar penhores bastantes no caso de querer continuar a execução.

Art. 7.º Os artigos de êrro de conta, quando forem de maior quantia que a de seis mil réis em execução, que corra perante juiz ordinario, ou de maior que a de vinte em execução, que corra perante juiz de direito, terão a mesma ordem do processo, que, para os embargos do executado, se acha estabelecida nos artigos 618.º, 619.º, 620.º, 621.º e 622.º da Novissima Reforma Judiciaria.

Art. 8.º De todos os despachos proferidos em autos de inventario, em que forem interessados orfãos, menores, ausentes, ou outras pessoas por direito incapazes de reger, ou administrar seus bens, e em que não estiver julgada a partilha, sómente ficará competindo o aggravo no auto do processo. Os juizes que mandarem escrever outro aggravo, ou delle conhecerem, ficam responsaveis pelos damnos e prejuisos, que causarem aos interessados.

§ unico. Exceptuam-se, porém, os aggravos interpostos nos casos dos artigos 394.º, 402.º, 403.º, 413.º, 438.º, 439.º, 446.º, 447.º, 454. 456.º e 457.º da Novissima Reforma Judiciaria, os quaes continuarão a ser de petição, ou instrumento; mas serão interpostos, e processados nos termos do artigo 6.º, e 1.º, 2.º e 3.º desta lei, se a partilha ainda não estiver julgada.

Art. 9.º Ficam desta fórma declarados, e regulados, na parte correlativa, os artigos 390.º, 396.º, 413.º, 630.º, e seu §, 675. §§ 1.º e 2.º, 693.º, §2.º, 696,º, § 2.º, e 749.º, § 1.º da Novissima Reforma Judiciaria, e revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 7 de junho de 1819. — Bento Cardoso de Gouvêa Pereira Côrte Real, José Ma ria Pereira Forjaz, Eusebio Dias Poças Falcão, João Elias da Costa Faria e Silva, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Antonio de Mello Borges e Castro, Luiz d'Almeida Menezes e Vasconcellos. — O relator, Joaquim José Pereira de Mello, Antonio do Rego de Faria Barbosa.

O Sr. Castro Pilar: — Sr. Presidente, esta em discussão o projecto n.º 73 na sua generalidade: e quaes são os pensamentos genericos deste projecto? Entendo, que entra na generalidade desta discussão sustentar, como questões preliminares, as disposições do meu projecto primordial; examinar, se existem ou não verdadeiros abusos, que justifiquem a reforma do artigo 630 da Nov. Ref. Jud.; examinar emfim, se em presença de taes abusos, os aggravos de petição se devem proscrever, ou sustentar, mas com restricções, que obviem a chicana.

Em relação ao primeiro ponto, Sr. Presidente, duas tem sido as minhas resoluções: foi a primeira sustentar em toda a sua plenitude as idéas do pro-

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jecto primitivo; mas hoje a minha resolução é outra: e fazer um sacrificio de meu pundonor á brevidade da discussão, prescindindo de sustentar as minhas idéas primitivas, com quanto ainda me affectem as minhas primeiras convicções; pois qual seria o resultado de incorporar na discussão a sustentação de todas as idéas primordiaes? Fora mister reenvial-as para a Mesa em forma de emendas ou substituições, admittirem-se ou não á discussão, discutirem-se longamente, e votarem-se depois, complicando assim e dilatando consideravelmente a discussão d'um objecto, sobre o qual cumpre, que do Parlamento sáia quanto antes uma medida de reconhecida utilidade.

Nem eu, Sr. Presidente, entro nestas cousas por espirito de vangloria; não é meu proposito sustentar e fazer adoptar as minhas idéas em toda a sua integridade; o meu alvo é ser um instrumento intelligente e consciencioso de uma providencia geralmente reclamada. E que certeza teria eu, por outra parte de que, em uma materia meramente opinativa, fana adoptar minhas particulares opiniões? Declaro á illustre commissão, que pelo prelo farei saber os solidos fundamentos de minhas convicções; a tanto me obriga o empenho, que tenho em não demorar por mais tempo um objecto de summa utilidade.

Dou graças á commissão por apresentar, posto que tarde, o seu parecer sobre o projecto primodial; tambem lhe dou graças, por abraçar a base principal do meu projecto, aquella base, em que eu sempre disse mais insistiria; já não é para mim pequena gloria, ou pequeno triumfo; mas ainda dou mais graças á opinião publica, que a respeito da materia em questão ha mostrado, quanto é verdade o que della dizem alguns sabedores — que é a rainha do mundo — foi mister que a opinião publica desenvolvesse todo o seu imperio pelos clamores dos litigantes no Fôro, pelos meus proprios brados no Parlamento, pelo orgão da associação dos Advogados, e até pelos queixumes dos tribunaes ao Governo, para que a commissão saisse do desalento, em que por muito tempo jazeu, titubeando em dar o desejado parecer; não de certo por considerações, mesquinhas (não serei eu quem ouse dizel-o); mas porque recuou diante das difficuldades da materia: eu proprio reconheço que o assumpto é difficil, e mais me convenço á vista dos defeitos, que o projecto em questão ainda encerra, apesar de tão profundamente meditado. Ao mesmo passo porém que dou graças á commissão por taes motivos, não posso deixar de lhe levar muito a mal, que no juiso critico feito no relatorio de seu parecer ácerca do meu projecto primordial, imaginasse, ainda mesmo por hypothese, que eu nesse mesmo projecto quizesse fulminar ao executado uma pena de prisão arbitraria, quando não pagasse, independentemente do caso de dólo ou fraude; pois que fôra mister ignorar a cultura do seculo, e estar demasiadamente possuido d'um romanismo que tão pernicioso foi em Roma entre os plebeos e patricios, entrando no numero dos vexames, que por vezes fizeram que o povo se retirasse despeitoso para o monte Sacro e Aventino. Eu estava muito longe de tal barbarismo: ainda era estudante de direito patrio, e já me não era estranha a lei de 20 de junho de 1770 §. 19, e o assento que a ampliou; não podia ignorar, que essa lei suscitou a recta observancia da Ord. L. 3. T. 86 §. 18, impondo ao exequente a impreterivel obrigação de provar o dólo ou fraude da parte do executado, para lhe poder infligir a pena de prisão; bem como o citado assento declarou, que a referida lei desobrigando de prisão os devedores impossibilitados, sem fraude, de pagarem a seus credores, comprehendia os que se achavam presos ao tempo de sua publicação, não só por dividas civeis, mas tambem por dividas crimes: a este respeito pois não póde deixar de me causar estranheza o juiso critico da illustre commissão, qual se acha no respectivo relatorio de seu projecto.

Passando porém aos verdadeiros pontos da generalidade do projecto, occorre em 1.º logar examinar, se existem ou não verdadeiros abusos á sombra do artigo 630 da Nov. Ref. Jud. e taes que exijam a reforma do mesmo artigo.

A este respeito, Sr. Presidente, não ha que duvidar; são frequentes e escandalosos; interpoem-se aggravos de petição dos despachos mais curiaes do magistrado, daquelles despachos, que elle não póde deixar de proferir, sem faltar á ordem geral do processo: aggrava-se do despacho, que manda cumprir o accordão, que denegou provimento a um aggravo; aggrava-se do despacho, que manda cumprir o acto de desistencia, que o executado offerece ácerca de algum aggravo principiado; aggrava-se do despacho, que assigna dia para julgamento de uma causa; aggrava-se do despacho, que indefere qualquer requerimento disparatado com o processo; em fim a cada passo se interpõem aggravos, que redundam unicamente em menoscabo da auctoridade do magistrado, e deste modo não ha execução possivel, em presença do artigo 630 da Nov. Ref. Jud. E por esta razão, que os proprios tribunaes se tem levantado contra taes abusos, como se vê nomeadamente do relatorio do Presidente da Relação desta Capital ao Governo, do qual extractamos o seguinte: (leu). Daqui se vê, que o digno Presidente se queixava das muitas revistas de aggravo tendentes só a espaçar as execuções. Mas para que é provar aquillo, de que a mesma illustre commissão esta persuadida? O facto de se resolver a dar um parecer sobre o objecto em questão prova, que ella chegou a reconhecer a existencia e gravidade dos males que o artigo 630 terá occasionado.

Cumpre por tanto passar ao outro ponto generico, que occorre depois do mencionado; — Se os aggravos de petição se devem proscrever, ou restringir? A tal respeito seja-me licito historiar um pouco.

O art. 630 veio reproduzir a respeito d'aggravos de petição a doutrina da velha Philippina, retrogradando assim para o seculo 16, e fazendo reapparecer toda a theoria d'aggravos, que o direito canonico, reagindo contra o direito romano, e inculcando sempre um espirito d'indulgencia e benignidade para com os opprimidos, havia introduzido: dest'arte se restabeleceu uma legislação, que já fôra reformada em 22, 32, e 37. Na 1.ª época jurisconsultos eximios, entre os quaes florecia Borges Carneiro, animados do fogo sancto da liberdade, e d'um espirito reformador, entre outros objectos não se esqueceram de extirpar os aggravos de petição, deixando sómente ficar os de instrumento e de auto do processo: na 2.ª época o decreto de 16 de maio deu em terra com toda a machina d'aggravos, conservando apenas o de auto do processo: na 3.ª voltou-se ao justo meio estabelecido em 22: em 1840 finalmente tornaram a apparecer todas as tres especies d'aggravos, sem que precedesse a tal respeito discussão alguma, como

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sei vê das actas das sessões, que estão em cima daquella Mesa (apontou para lá): dellas se vê, que na sessão de 30 de setembro de 1340 o respectivo Ministro pediu com preferencia a discussão dos paragrafos d'um projecto do Governo sobre organisarão de justiça, em que se tractava dos aggravos de petição, acontecendo que essa materia passasse sem discussão. Já se vê por tanto que o art. 630 não merece tal veneração, que senão possa e deva reformar em harmonia com o espirito das épocas anteriores: e então, com quanto os aggravos d'instrumento pareçam preferiveis, não só para estabelecer uma legislação uniforme em todo o Reino, mas tambem porque as maiores despezas, a que dariam azo, tornariam mais cautelosos e prudentes os que recorressem a elles; todavia é certo que os aggravos de petição depois de tão longo tempo de uso, não podem deixar de ter creado habitos e interesses; e podendo-se prescrever de maneira, que se aproximem a aggravos de instrumento, não deve haver inconveniente algum em se conservarem, mas com restricções justas e efficazes. Estando pois neste ponto d'accordo com a commissão, segue-se o examinar, se o projecto em questão contem essas justas restricções.

Farei um juizo critico de todo o projecto olhado em globo, usando do mesmo direito de que a illustre commissão usou a respeito do meu projecto primordial.

Qual é a filosofia deste projecto?

Deve consistir em duas coisas: adoptar um pensamento regulador de todo o projecto, e um systema verdadeiramente filosófico, pelo qual se caminhe do todo para a parte, do geral para o particular. O pensamento regulador é evitar dois extremos; assim o restringir demasiado a liberdade natural, que qualquer tem, de recorrer dos gravames que se lhe fazem, como continuar a fomentar e alimentar a chicana: facilitar o recurso e difficultar a chicana, eis os dois poios, entre os quaes deve girar todo o projecto. Porem o projecto não preenche estes requisitos: continua a deixar a porta aberta á chicana em muitos casos, occupando-se demasiadamente da parte regulamentar, e sendo pouco explicito, generico e definido na parte propriamente preceptiva: classificam-se especies em que se obvia a chicana; e outras especies, em que se não obvia; é o que se observa nos art. 2.º e 6.º: não vemos no art. 2.º uma regra verdadeiramente generica: no art. 6.º achamos uma regra embrulhada com uma excepção, e esta envolvida no mysterio d'um argumento a contrario sensu; ao mesmo passo que no mesmo paragrafo se encontra outra regra explicitamente estabelecida. O art. 2.º esta contradictorio com o paragrafo unico do art. 1.º; pois que sendo aquelle facultativo e este preceptivo, como a maior parte dos casos, em que os aggravos tendem a obstar ao andamento da causa, é quando elles deixam de ler os requisitos impreterivelmente exigidos no paragrafo unico, vem a ficar ao arbitrio do juiz o tomar ou não em separado taes aggravos, e por conseguinte não se lhe poderá impôr a rigorosa responsabilidade estabelecida do dito paragrafo unico.

Finalmente, o projecto tem tal extensão na parte regulamentar, que até se póde denominar ultra petita ninguem pedia tantos regulamentos; os inconvenientes que por ventura havia no andamento material do processo dos aggravos eram suppriveis pela destreza e actividade d'um bom procurador; não é ahi que esta a raiz do mal; esta sim na indefinida amplitude do disposto no art. 630, devendo por conseguinte o artigo ser directamente alterado com disposições preceptivas mais explicitas e genericas, do que são as principaes, que se contém neste projecto. Essas disposições regulamentares, com que tanto abunda o projecto, serão adoptaveis tão sómente quando as disposições principaes forem mais explicitas, genericas, e definidas. Como pois estas não tem esses requisitos, e a todo o projecto falta o verdadeiro systema, não podemos approva-lo tal qual se acha; mas na especialidade o procuraremos aperfeiçoar, offerecendo varias emendas que não tem em seu abono só a nossa limitada auctoridade, mas a dos advogados mais conspicuos da Capital, as quaes emendas espero que a Camara devidamente apreciará, na certeza de que os pareceres das commissões não devem ser approvados taes quaes se apresentam; mas sim vero ao seio da Camara, para ahi serem retocados e aperfeiçoados, soffrendo a chancella do juizo commum de toda a Camara.

O Sr. Xavier da Silva: — (Sobre a ordem) Mando para a Mesa um parecer da commissão do Orçamento sobre uma proposta do Governo, bem como um parecer da commissão de Fazenda. — Peço que o primeiro parecer seja mandado imprimir com urgencia.

O Sr. Presidente — A ambos os pareceres dá-se o destino conveniente. Continua a discussão da ordem do dia, e tem a palavra o Sr. Pereira de Mello.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, ainda que nomeado relator da commissão indevidamente, em relação aos meus limitados conhecimentos, todavia não querendo declinar a honra que a commissão de Legislação desta Casa me fez, sou obrigado a usar da palavra, para sustentar a doutrina do projecto na sua generalidade, atacado pelo illustre Deputado, que acabou de fallar, com relação a differente pontos. Por mais que eu queira em um momento fazer a dissecação do discurso do illustre Deputado, confesso que me e impossivel fazel-o, por que o illustre Deputado misturou o seu discurso, ora com elogios á commissão, ora reconhecendo que o trabalho era difficil, e no fim do seu discurso, já depois de ter chamado ao projecto imperfeito e defeituoso, concluiu dizendo que não tinha methodo, nem systema, nem connexão, e por ultimo pediu que fosse tractado com toda a deferencia. Sim, Senhor, deferencia haverá com o illustre Deputado; pela minha parte assevero lhe que não hei de sair do campo da intelligencia, se bem que a commissão depois que ouviu dizer ao illustre Deputado que o seu projecto não tinha methodo nem ordem, e até, que não tinha filosofia, estava no seu direito de poder empregar expressões iguaes ás do illustre Deputado; não o fará.

Agora respondendo á ultima parte do discurso do illustre Deputado, direi que, o que me parece, é que S. S.ª não analisou bem o projecto. Se o nobre Deputado se désse com vagar á sua analyse, acharia que elle contem tres partes muito distinctas. A primeira parte providencia acêrca dos aggravos de petição em geral; a segunda ácerca dos aggravos das execuções de sentença; a terceira acêrca dos aggravos dos inventarios era que houverem menores. Esta é que é a ordem do projecto; cada uma destas par-

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tos necessariamente ha de ter parte preceptiva, e parte regulamentar. Por tanto já vê o nobre Deputado que a commissão teve pensamento na confecção deste projecto: na primeira parte estabeleceu providencias acêrca dos aggravos de petição em geral, abraçando o pensamento do illustre Deputado no seu projecto com relação aos aggravos em todas as causas, fossem ou não de execução, e por isso estabeleceu o preceito, e parte regulamentar: na segunda parte limitou-se sómente aos aggravos dos processos de execução.

O illustre Deputado declarou que tinha feito sacrificio das suas opiniões, ou que fizera sacrificio do seu pondunor, em attenção a que a commissão não abraçara dous dos pensamentos envolvidos no projecto, que apresentou a Camara; mas que com tudo as suas opiniões ainda eram as mesma», e que elle se reservava para as sustentar por escripto, e esperava que lhe respondessem. Nisso não póde haver duvida nenhuma, e eu, se a esse tempo tiver vida e saude e estiver nas circunstancias, desde já digo ao nobre Deputado, que acceito a luva, e escreverei alguma cousa para sustentar as nossas opiniões relativamente á pena de prisão.

O nobre Deputado diz, que a Commissão lhe fizera a injustiça, no dilemma que estabeleceu no projecto, suppondo que elle queria a pena de prisão contra o executado pobre fallido de bens. Ora o projecto do illustre Deputado pedia a pena de prisão na conformidade da ordenação do livro 3.º tit. 86, § 18, o é a isto a que a commissão se refere, A commissão não quiz de maneira nenhuma suppor a hypothese que o nobre Deputado diz, a Commissão fez um dilemma e disse — este preceito da ordenação contra o executado fallido de bens não póde ter logar, é fazer reviver as execuções penaes — mas não disse que o illustre Deputado queria fazer reviver a pena de prisão contra os executados fallidos de bens, e olhe o nobre Deputado para o relatorio do parecer da commissão, e verá que não acha lá nada disso. Ora se se não dá nada disso a respeito destes, contra os executados dolosos e fraudulentos tambem não é preciso, por que lá tem na reforma judiciaria o meio de evitar esse dólo e essa fraude; e eu espero que S. S.ª faça mais justiça ás intenções da commissão. A commissão quando tractou de regular este processo, não teve em vista pessoas, teve em vista principios geraes, e portanto não podia de maneira nenhuma a commissão avançar a proposição que o illustre Deputado imaginou, para a podér combater, e por isso repito se o nobre Deputado lêr com attenção o relatorio do projecto, estou certo que não ha de lá achar a idéa que quiz combater tão gratuitamente.

O nobre Deputado a respeito da questão, se os aggravos deviam ser proscriptos ou conservados, abraçou a opinião da commissão, declarou que queria, e era de opinião que se conservassem. Nesta parte não combateu o projecto, mas parece que achou contradicção no artigo do projecto, ou declarou que a commissão se declarava contradictoria entre o artigo 1.º e a disposição do artigo 2.º, logo terei occasião de responder a esse argumento, por quanto quero agora occupar-me a responder a algumas reflexões que o illustre Deputado se encarregou de fazer a respeito dos aggravos de petição, e tambem serei breve.

Sr. Presidente, o nobre Deputado deu a entender, fallando a respeito do artigo 630 da Reforma, que se tinha voltado ás ideias do seculo 16.º, abraçando o aggravo de petição em toda a sua extensão, relativamente ás execuções, e isto quando esse artigo tinha sido reformado em 1822, 1832 e 1840. Declarou mais que os aggravos de petição tinham sido, parece-me, permittidos e auxiliados pelo direito canonico.

E sobre isto que se me offerece fazer algumas reflexões, e então farei uma succincta historia a respeito dos aggravos de petição.

Sr. Presidente, os aggravos da petição na Monarchia Portugueza nasceram, pela primeira vez, pela mesma razão que nasceram na 2.ª Quem ler a historia da jurisprudencia portugueza hade achar a verdade desta proposição, que acabo de ennunciar. Sr. Presidente, desde o estabelecimento do direito canonico em Portugal, direito que pela maior parte foi abraçado neste paiz, instaurou-se o recurso das appellações, e este foi tão lesivo, e passou a abusar-se tanto delle, que os povos se viram na necessidade de não querer usar de taes recursos, e fizeram queixas ao rei, e é das queixas ao rei que trazem origem os aggravos de petição. Os aggravos de petição começaram pela primeira vez pelas custas, mas em 1500 e tantos já se fez mudança entre aggravos de petição e aggravos de instrumentos. Ora agora a segunda vez foi posterior a 1832; veio o decreto de 1832 estabelecer uma nova fórma de processo e jurados, e tirou todos os recursos, á excepção do aggravo de petição. E que aconteceu d'aqui? Não havia despacho, de que se não appellasse, e por mais simples que elle fosse, appellava-se. Os juizes, como viam a falta de recursos, mandavam tomar as appellações, e eis-aqui como muitas vezes um processo alcançou 1.ª 2.ª 3.ª e 4.ª appellação.

Ahi estão processos nos cartorios dos escrivães, aonde se póde saber a verdade. Houveram queixas e clamores, e o Ministerio de 1840 viu-se obrigado a publicar a lei de 28 de novembro de 1840.

Mas, diz o illustre Deputado = que essa lei não teve discussão = Não teve discussão, é verdade; mas foi porque nesse tempo abundavam na Camara eminentes talentos, principalmente em magistratura, e a verdade era tão palpavel pela experiencia, que tendo passado 3 ou 4 annos depois daquelle decreto, ninguem ousou levantar a voz contra semilhante medida. E desde então para cá, quando é que se levantou clamar algum? Dezoito annos são passados, e nunca se levantou uma voz contra os aggravos de petição, senão este anno, e não foi da parte de particulares, nem mesmo de corporações, ou da parte do Governo, ou da parte do relatorio, porque esse relatorio, que o nobre Deputado citou, nada tracta a respeito dos aggravos de petição, nem a respeito do artigo 630 da Novissima Reforma Judiciaria. Perdoe o nobre Deputado; nesta parte abraçou a nuvem por Juno.

O nobre Deputado deve tambem saber, que a commissão querendo nesta parte andar com toda a prudencia e circumspecção pediu ao Governo lhe fizesse saber, se nos relatorios dos Presidentes das Relações do Reino, ou Procuradores Regios haviam algumas representações contra os abusos, que se tinham feito contra os aggravos de petição, e em que consistiam; a commissão recebeu um officio do Ministerio dos Negocios da Justiça, dizendo (e esse officio esta junto aos papeis que devem estar ou na se-

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cretaria, ou sobre a Meza) que de nenhum dos relatorios dos Presidentes das differentes Relações, havia queixa ou reflexão ácerca dos aggravos de petição ou da doutrina do artigo 630 da Novissima Reforma Judiciaria, e muito menos constava isso dos relatorios dos Procuradores Regios; e esse relatorio que o nobre Deputado leu, é relativo aos abusos, que se tinham feito das revistas interpostas dos accordãos da Relação nos aggravos de petição; mas isto e uma cousa muito distincta e separada, porque o artigo 630 não tracta das revistas interpostas dos accordãos da Relação em aggravos de petições; disso só tracta a lei de 19 de dezembro de 1833. O Presidente da Relação da Capital, diz que muito se tinha abusado dessas revistas, por isso que se interpunham de todos os accordãos da Relação, proferidos em aggravos de petição, e dos accordãos que as negavam, se aggravava de petição para o Supremo Tribunal de Justiça. Mas que tem isso com aggravos de petição, que vão da primeira instancia para a Relação? Não em nada. Quero concordar que tivesse de interpor-se revista dos accordãos da Relação em aggravos de petição, mas isso não tem nada com o artigo 630 da Novissima Reforma Judiciaria, é disposição de um artigo da lei de 19 de dezembro de 1833.

Sr. Presidente, é necessario que a Camara saiba uma verdade de que a commissão se possuiu, e de que estão hoje muitas pessoas convencidas. Sr. Presidente, abusos do art. 630, ou dos aggravos de petição era possivel fazerem-se alguns em Lisboa, e Porto, e porque? Por uma razão unica: porque em Lisboa, e Porto os juizes que presidem á audiencia, são pelas mais das vezes diversos dos que presidem ao feito; — em Lisboa são seis juizes, e um preside ás audiencias, e então as partes vão á audiencia, e aí aggravado, manda-se escrever o aggravo, sem que o juiz, que preside á audiencia, saiba qual o despacho de que se aggrava, e por isso quando o juiz da causa o vem a saber, já não póde dar lhe remedio, e deste modo se protelam os feitos; agora nas outras comarcas do Reino, se as execuções se protelam, é porque os juizes querem, e a razão e obvia, é porque o juiz, que preside á audiencia, e o mesmo, que preside aos feitos, e então esta na mão deste mandar escrever o aggravo em separado ou nos proprios autos. Pois, que auctoridade haveria que dissesse ao juiz — «escreva em separado, ou nos proprios autos» — quando o juiz reconhecer, que o interponente tende sómente a retardar o andamento da causa? Nenhuma. Porque sempre que o juiz se convencesse da justiça do requerente, estava na sua máo mandar tomar o aggravo como quizesse; e certamente não haveria auctoridade, que lhe dissesse — mande escrever nos proprios autos, quando elle entendesse, que devia mandar escreve-lo em separado. Por consequencia só a respeito das comarcas de Lisboa, e Porto, e que cumpriria adoptar alguma providencia, e esta para os homens entendidos na materia podia limitar-se a que os aggravos de petição não sejam tomados senão por despacho dos proprios juizes dos feitos (apoiado.) Agora resta-me responder á irrogada contradicção em que a commissão foi collocada ao comparar-se a doutrina do art. 1.º com a do art. 2.º — No 1.º artigo a commissão estabeleceu o preceito unico; no emtanto a commissão foi ainda mais adiante, porque lhe lembrou uma hypothese, e com razão a commissão não podia deixar de fazer justiça a todos os magistrados; quero dizer, não podia nunca deixar de suppôr, que todos os juizes são intelligentes, e probos — esta é a persuasão que a commissão tem a respeito de todos os juizes; se ha excepções á regra geral, as leis não se fazem para excepções, nem devem regular para casos particulares, comtudo a commissão viu que havia entre elles juizes leigos, e por isso adiantou mais o seu projecto, estabeleceu mais alguma providencia, porque se todos fossem juizes letrados, e homens de lei em Portugal, estou persuadido que com o quesito que vem no primeiro artigo se podiam evitar todos os abusos, porque desde o momento, que o juiz mandasse escrevei o termo de aggravo em separado, não havia podér algum, que mandasse escreve-lo no proprio feito; isto são verdades demonstradas, póde dar-se todos os dias. Mas aonde esta aqui contradicção entre o 1. e 2.º artigo? A commissão estabelece no 1.º artigo, que o aggravo seja escripto por despacho do proprio juiz, e não seja escripto sem que na petição se declare a lei, principio de direito, ou praxe offendida, mas no 2.º artigo já dá o arbitrio ao juiz de mandar escreve-lo em separado — e então existe aqui contradicção alguma? Aonde? Eu tornara que fosse antes falta do nobre Deputado não ter sido bem entendido, mas eu não acho em tudo quanto expendeu, razão alguma para me convencer de que ha essa contradicção. Comtudo é possivel que o nobre Deputado tivesse em mente alguma outra idéa, que quizesse ou tivesse tenção de avançar, mas de facto não a avançou, e nessa que avançou, não ha contradicção nenhuma, que se note entre esses artigos, porque no paragrafo unico do 1.º artigo diz-se — Nenhum jury mandará tomar termo de aggravo sem que na petição se declare a lei, principio de direito, ou praxe offendida etc? — mas no 2.º artigo dá-se arbitrio ao jury para mandar escreve-lo nas causas, que não forem de execução de sentença, quando o jury entender, que sómente é competente o aggravo no auto do processo, e que o interposto tende sómente a retardar o andamento da causa — então póde o jury manda-lo tomar em separado, sem suspensão do progresso da mesma causa, e nos termos do art. 6.º — Aonde está a contradicção?. O que quer dizer é que póde muito bem allegar-se no requerimento para o aggravo um principio de direito ou disposição de lei offendida, e comtudo essa lei ou principio de direito no juiso de auctoridade não seja relativa á hypothese de que se tracta, porque a parte póde allegar o principio de direito, póde declarar que tal lei é offendida, e isto póde ser exacto em these, mas em hypothese póde não ser exacto, e então já esse aggravo tende a protelar a causa, e por isso a commissão dá arbitrio ao juiz para mandar escrever em separado; não ha differença entre um, e outro preceito, porque isto são principios de doutrina estabelecida; mas note-se que isto e para todas as causas, não é só para as de execução, porque para isto lá vem a disposição em geral.

Não sei se tenho respondido a todos os pontos que o nobre Deputado tocou no seu discurso; se algum tiver escapado, justo é que fique alguma tarefa aos meus illustres collegas, membros dá commissão, que estou certo me hão de coadjuvar exuberantemente. É esta a resposta que tenho a dar ao nobre Deputado; julgo ter desempenhado a promessa que fiz, e com mais generosidade, que o nobre Deputado, que com uma mão acariciou a commissão, e com outra

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esbofeteou-a. O nobre Deputado disse no principio do seu discurso, que dava louvores á commissão de Legislação por ter apresentado os seus trabalhos, e no fim veiu dizer que o projecto era uma obra que não tinha methodo, não tinha ordem, não tinha systema; bagatella! Ora eu creio que uma commissão de homens esclarecidos, quando apresenta aqui uma obra depois de um maduro exame, e depois diz que essa obra não tem methodo, nem ordem, nem systema, nem connexão, não sei que maior injuria se póde irrogar a essa commissão! Portanto parece-me ter procedido com mais generosidade, que o nobre Deputado; espero que attenda a esta razão especial, e que me não provoque a outro campo, que não seja o da intelligencia, porque embora o nobre Deputado tenha convicções, cada um tem as suas, e lá vem o campo da imprensa, em que o nobre Deputado deseja tractar esta questão, e para que estou muito prompto sempre que queira, mesmo para instruir-me.

Sr. Presidente, seja dicta mais uma verdade nesta Casa: tenho para mim, como filha da experiencia, que de todos os recursos que conheço de legislação Portugueza não considero nenhum mais prompto, nem mais conveniente, que o aggravo de petição, oxalá que se podesse estender, e dar em todos os casos.

Sr. Presidente, o recurso é tanto mais preferivel, quanto fôr menos moroso, e menos dispendioso ás partes; são estas as causas que fizeram organisar entre nós os recursos de aggravo; e é por isso, que eu gosto mais delles; porque não teem nada de estrangeirado; são perfeitamente Portuguezes; sendo de todos elles o aggravo de petição o mais conveniente, e é por onde se póde obter alguma reparação da injustiça por menos demora, e por menos dinheiro. Tenho concluido.

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, em outra occasião propuz a esta Camara a nomeação de uma commissão, não só para formar os Codigos Civil, e Penal, mas tambem para rever a Reforma Judiciaria; e indicar as disposições que a experiencia tivesse mostrado deverem revogar-se. Agora guiado pelos mesmos motivos que então me impelliram, e convencido da necessidade de alterar-se o art. 630.º da mesma Reforma, o qual tem dado occasião a excessivos abusos, não posso deixar de approvar na sua generalidade o pensamento do projecto, que se encaminha a melhorar esta parte do processo.

O primeiro objecto da discussão deve tender a verificar a disposição da lei que carece de reforma, e quaes os abusos que se têem introduzido. O art. 630.º admitte nas execuções os aggravos da petição, e de instrumento de quaesquer despachos. Ora o nosso Direito reconhece aggravos de tres especies: aggravo no auto do processo, o qual não suspende o processo da causa, e é decidido no Tribunal Superior, quando alli sobe por appellação; aggravo de petição, que interposto dos juizes da primeira instancia das comarcas, sedes das Relações, e, pela circumstancia de com elles subirem os autos, fica suspenso o progresso da causa; e finalmente aggravo de instrumento, que dos juizes das outras comarcas é levado para o Tribunal Superior, em separado, continuando o processo no seu andamento. Estes ultimos tambem têem logar dos accordãos interlocutorios das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça; e em particular do art. 630.º, que recebido o aggravo de instrumento nas execuções,

não podem estas progredir sem fiança, se o executado a exigir do exequente.

Sr. Presidente, com grave detrimento da justiça tem-se abusado destes dois ultimos recursos, para se protelar a mesma justiça, de sorte que uma medida que a lei introduziu em beneficio publico, para acautelar a injustiça dos despachos interlocutorios, a chicana e a malicia tem-na convertido em fonte perenne de prejuizos ás partes, principalmente aos credores, com proveito dos caloteiros e máos pagadores. São immensos os exemplos, que a practica do fôro me tem feito apalpar, e aos quaes me tenho opposto com todas as minhas forças: tenho visto execuções por quantias liquidas serem demoradas, desde a primeira citação até á penhora, dois annos, e mais, não devendo aliás este espaço ser mais dilatado que os dez dias marcados pela lei. E porque meio a chicana estendeu tão largamente os seus vôos? Porque o executado se queixou da distribuição, e o juiz com a justiça o desattendeu, recorreu em aggravo de petição para a Relação; e d'alli para o Supremo Tribunal de Justiça, no que se consumiram tres ou quatro mezes. Voltando á primeira instancia, lançou o executado mão de outros expedientes, de sorte que a causa subiu até 3.ª vez ao Tribunal Supremo. O mesmo já observei em dois ou tres inventarios, que alguem interessava em querer demorar.

Os clamores geraes contra o processo nascem destes e de outros similhantes escandalos, que se devem remediar. Sei que muita gente ralha contra os juizes, e contra as formulas do processo; mas estas queixas em grande parte são sem fundamento, em quanto aos primeiros, e sem conhecimento de causa, em relação ao segundo. Sem as formulas não é possivel o processo, e sem o processo não é possivel administrar justiça, nem o dar-se a cada um o que é seu. Não servem ellas de garantia ás partes, de preparar as provas e a investigação da verdade, de prevenir o juiz contra a precipitação, e contra os mil enredos, que a astucia lhe prepara, para illudir a sua boa fé, e pôr em perigo a sua imparcialidade?

A perfeição do processo por isso consiste em ter as formulas indispensaveis para esclarecer a justiça, sem demorar a decisão; as suas bases são todas as formulas uteis e necessarias; o seu fim preparar os meios de chegar ao conhecimento da verdade e da justiça, no espaço de tempo mais breve possivel, e com a menor despeza possivel.

Não dou por tanto ouvidos á queixa daquelles que gritam contra todas as formulas, principalmente se ellas não têem para cima de vinte annos de existencia; e nisto refiro-me aos que declamam contra todas as leis modernas, só por serem modernas; mas não posso deixar de fazer côro com aquelles que clamam contra o abuso dos aggravos; e estou convencido de que se fará um serviço publico transcendente, se a Camara adoptar medidas para dar remedio a tantos males.

Sr. Presidente, tres systemas podem lembrar sobre a materia, pondo de parte o aggravo no auto do processo, o qual é tão inconveniente que nenhum damno faz, e só proveito aos litigantes. O primeiro systema proscreve e desterra inteiramente os aggravos de petição, e de instrumento; o segundo extingue só o de petição; o terceiro em fim conserva-os a ambos, moderando por tal modo o seu uso que não possam ser nocivos, nem dar fomento á chicana.

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Sr. Presidente, recorrendo á nossa historia do Direito, apparecem-nos tres épocas, em que podemos considerar o primeiro systema. Na primeira vejo admittido o recurso de appellação de todas as sentenças, ou definitivas, ou interlucotorias, nos reinados de Dom Affonso 3.º, e de Dom Diniz, seguin-d«-se nesta parte o Direito Canonico, e não o Romano, que só as admittia de sentença definitiva, ou com força de definitiva. Nesta primeira época eram desconhecidas estas tres especies de aggravo, posto que o não fosse outra de aggravos ordinarios, que não passaram felizmente para o actual processo. A segunda época data dos reinados de Dom Affonso 5.º, e de Dom Manoel, em que apparecem os primeiros vestigios dos aggravos de instrumento em primeiro jogar, depois de petição, e por fim do auto do processo: legislação que das primeiras collecções passou para a Fillipina, e d'alli vigorou até á Restauração da Carta. A terceira época finalmente abrange o decreto de 16 de maio de 1832, que aboliu os aggravos de petição e de instrumento, até que vieram as reformas do processo (de 1837, e de 1841), que os restituíram.

Ora, o primeiro destes systemas não é possivel admittir-se, porque envolve de tal sorte o processo com appellações, que é impossivel a administração da justiça. O codigo do processo francez admitte appellação das sentenças definitivas, e dos interlocotorios apenas no caso de prejudicarem o fundo da questão; mas dos despachos preparatorios não admitte recurso senão conjunctamente com a appellação, o que vem a ser o mesmo que o nosso aggravo no auto do processo.

Nesta parte estou inteiramente de accordo com a opinião da commissão, cru sustentar a necessidade dos aggravos, rejeitando por consequencia a opinião daquelles que inteiramente a repellem. É verdade que no processo commercial não ha aggravos de petição, nem de instrumento; com tudo lá administra-se bem a justiça, e não se repara que aquelle processo é um processo de sua natureza especial; é processo aonde ha jurados proprios, e conhecedores daquella materia, e pela maior parte as suas decisões são sempre rectas e justas; e é isto uma grande vantagem, que se não póde dar a respeito do processo civil; acho por isso muito boa a opinião da commissão em sustentar os aggravos tanto de petição como de instrumento.

Quanto á materia eu vejo que a commissão acautelou todos os meios de restringir e moderar. Em primeiro logar olhou ao tempo; a commissão vendo o que estava até aqui estabelecido a respeito dos dias que os aggravos se podem interpor, que era dentro em 10 dias, a commissão propoz menos de 10 dias, propoz 5. A commissão entendeu tambem que devia ficar ao arbitrio do juiz de 1.ª instancia para que elle podesse mandar escrever os aggravos em separado, todas as vezes que conhecesse que elles eram destinados para protelar os feitos, e isto é uma grande providencia e importante, ou um meio de evitar as chicanas, e todos os males que se estão praticando. Terceiro remedio que a commissão deu, pelo menos como eu entendo o artigo 6.º, é aquillo que dispõe a respeito dos aggravos com referencia a bemfeitorias e preferencias etc; e acho esta providencia util, e quando fôr occasião opportuna, a sustentarei, se a commissão precisar do meu auxilio para sustentar o artigo. Esta medida acho-a de summa utilidade, e de summa conveniencia, especialmente no que diz respeito aos inventarios.

Eis-aqui, Sr. Presidente, como eu ólho a questão na sua generalidade; eu poderei discordar em alguns pontos da illustre commissão; poderei discordar em alguma ou outra providencia; entretanto na sua generalidade adopto o systema do projecto, e desde já previno a Camara de que se a este projecto se accrescentasse uma outra medida, que eu tinha na mente, estou certo que se tinham remediado todos os inconvenientes; e quer a Camara saber qual é a causa principal, porque ha tanta demora, proveniente dos processos dos aggravos de petição? Eu a explico á Camara; não havia certamente este inconveniente antes da segunda lei de 19 de novembro de 1843; naquella data fizeram-se duas leis, essa foi a reforma do decreto de 32, e merece todos os louvores, e a outra que é da mesma data, foi quem trouxe ao fôro todos esses clamores, de que nós hoje temos os ouvidos aturdidos. De tudo se admittiu revista, porque na segunda lei, admittiram-se aggravos de petição para o Supremo Tribunal, sendo o accordão da Relação de Lisboa, o das outras Relações admittiram-se aggravos de. instrumento. Ora peço á Camara que attenda, qual a necessidade e o fim a que se destinam os aggravos. Os aggravos são para reparar uma injustiça, que se possa fazer; em geral é mais provavel que um só pratique uma injustiça, e faça um aggravo do que um corpo collectivo, e por isso achando razão para permittir os aggravos dos juizes de 1.ª instancia para as Relações, não acho a mesma razão para se aggravar das Relações para o Supremo Tribunal, e isto até mesmo pelo respeito que se devia ás Relações. Antigamente não se admittiam aggravos como hoje; só se admittia revista, mas nunca se permittiu que se aggravasse da Relação para outro Tribunal.

Saiba pois a Camara que o mal esta nisto; o mal esta no tempo que leva a decidir o aggravo de petição, porque ainda que se decida o aggravo pela Relação, interpõe-se revista para o Supremo Tribunal, desta maneira só na decisão de aggravos gastam-se 3 ou 4 mezes, e muitas vezes nos inventarios acontece que se aggrava logo no principio: aggrava-se por cansa da nomeação de conselho de familia; aggrava-se depois da nomeação dos louvados, e isto leva 2, 3, ou 4 mezes antes de voltar á 1.ª instancia: tornam-se morosos todos estes processos, sem se começar o inventario; e tudo isto se póde fazer impunemente, segundo a legislação actual.

O mal pois esta na lei de 19 de novembro, que permitte os aggravos da 2.ª instancia para o Supremo Tribunal. Ha um meio de obviar a estes inconvenientes, e eu terei occasião de o offerecer á consideração da Camara, quando se tracte da discussão especial, assim como espero apresentar mais algumas idéas a respeito dos aggravos, e estimo muito que ellas mereçam a approvação da commissão, e da Camara. Saiba a Camara que tudo quanto eu propuzer a este respeito, é dictado pelo amor da justiça, e pelo desejo que tenho de ver, que os processos marchem acceleradamente, mas sem comtudo prejudicar a investigação da verdade, e nem pela muita celeridade que muitas vezes se tenha, é que se conseguem os fins a que se dirigem os processos.

Em quanto á generalidade fico por aqui; não di-

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rei mais nada; a generalidade e, se deve ser reformado o artigo 630; neste caso julgo que toda a Camara esta accorde, no que póde haver divergencia é no modo de levar á execução essa reforma; isto é objecto da discussão especial, e eu nessa occasião apresentarei algumas emendas a diversos artigos do projecto.

(Lêram-se e approvaram-se sem discussão as ultimas redacções dos projectos n.ºs 59, 63, 64, e 65).

O Sr. Castro Pilai — Sr. Presidente, respondendo ao illustre relator da commissão, principiarei por observar que a» expressões, com que terminou o eu discurso, são por certo demasiado hiperbólicas, e dignas de toda a repulsa. Acariciar com uma das mãos, e esbofetear com a outra, são palavras que eu rejeito, como offensivas a mim mesmo ainda mais, do que a illustre commissão, a quem o seu relator as applica. Eu não fallei de maneira que taes expressões me sejam applicaveis, aqui ha uma hipérbole offensiva

Se eu estou persuadido que o projecto não tem methodo, nem systema, de que outras expressões me posso eu servir, do que dizer: — que não tem methodo nem systema?

Disse mais o nobre relator, que por mais que attendesse, não podia dissecar o meu discurso em partes. Ora eu lhe mostro, como se presta a uma facil divisão, fazendo-lhe uma recapitulação de todo elle. Divide-se em tres partes, na primeira disse eu o que sentia em relação aos pensamentos do projecto primordial, que a commissão rejeitou, e em relação ao modo como a mesma commissão os apreciou. Na segunda examinei os verdadeiros pontos que entram na generalidade da discussão; e na terceira finalmente um juiso critico de todo o projecto. Ora já vê o nobre relator, como todo o seu discurso se presta a uma facil dissecação.

O nobre relator arguiu-me de eu não combater o pensamento da commissão, de conservar os aggravos de petição, mas restrictos. Como podia eu combater esse pensamento, se elle é o principal do meu projecto, que a commissão recebeu? Neste ponto sustento o que era meu.

Sr. Presidente, eu insisto em dizer, que no projecto não ha o verdadeiro methodo; porque nelle as disposições não vem descendo do geral para o particular. Ratifico tambem o que disse quanto ao relatorio do presidente da Relação; e facto que elle se queixa das repetidas revistas que espaçam as execuções, estas revistas são as que se interpõem dos aggravos de petição, que assim como se excogitam a cada passo para protelar as execuções, tambem para o mesmo fim se excogitam as mesmas revistas interpostas da denegação de provimento aos aggravos de petição. Eu passo novamente a lêr. (leu) Já se vê que é exacto o que acabo de dizer.

Quanto ao que se disse relativamente á nacionalidade dos aggravos de petição, isso não destroe a grande influencia, que sobre elles attribuimos ao Direito Canonico, o qual identificando-se com os costumes portuguezes do mesmo modo que o Direito Romano, e reagindo contra este, veiu a estabelecer completamente os aggravos de petição.

Disse mais o nobre relator, que só agora pela primeira vez e que appareceu no Parlamento uma voz a pedir remedio contra os abusos dos aggravos de petição.

Porém, Sr. Presidente, se o nobre relator esta persuadido de que os abusos são tão reaes, como frequentes, como elle proprio confessa, e o segundo Orador, que fallou depois de mim o acaba de confirmar, é por certo fóra de proposito argumentar com uma cousa, que longe de ser objecto de estigma, o é de gloria.

Confrontando as sedes das Relações com os julgados das provincias, parece que o nobre relator quiz desconhecer, que nas provincias tambem se abusa muito dos aggravos de petição, interpondo-os dos juizes ordinario para os de direito, mas quando só em Lisboa e Porto existem os males, não era pouco remedia-los nesses pontos.

Finalmente, o projecto e sobejamente diffuso; é indefinido e contradictorio. Mãis definição nas disposições preceptivas, e menos extensão nos regulamentos preencheria o mesmo fim. Não ha duvida que o art. 2.º 6.º estão pouco definidos e genericos; tracta-se aí de classificações particulares, e implicitamente estabelecidas.

A contradicção entre o § unico e o art. 2.º é certa, pois que impondo-se naquelle paragrafo uma rigorosa responsabilidade ao juiz, que deixa interpor aggravos, sem os requisitos marcados no mesmo paragrafo, e dando-se ao mesmo juiz no art. 2.º uma faculdade arbitraria, de tomar ou deixar de tomar em separado os aggravos morosos, quaes são pela maior parte os que não se baseam naquelles requisitos, esta claro que a responsabilidade imposta no § unico vem a ser illusoria pelo art. 2.º, ou injusta. É necessario portanto expurgar o projecto de todos estes defeitos, para poder ser admittido.

O Sr. Ministro da Justiça — Sr. Presidente, tractando-se de um assumpto tão importante como este, porque tem por fim alterar um dos artigos da Reforma Judiciaria, o qual e actualmente o Codigo do nosso processo, entendo que não devo ficar silencioso, porque deve saber-se a opinião do Governo a este respeito, (apoiados)

É certo, e geralmente concordam todos os que teem practica do fôro, que da applicação, ou execução do art. 630.º da Reforma Judiciaria se tem seguido males consideraveis, porque as queixas geraes são: que na extensão que se tem dado áquelle artigo, as cousas não tem fim. Um litigante doloso acha alli um meio de protelar a decisão da causa indefinidamente, porque interposto o primeiro recurso, habilita-se para continuar a interpor quantos quizer, e quantos julga necessarios, para obstar á decisão final, com grave prejuiso dos interessados. Ora tendo este objecto por fim remediar estes inconvenientes e estes males, por parte do Governo não póde haver a mais leve opposição a que se approve na sua generalidade, antes o desejo: porque o Governo deve estar sempre attento aos clamores dos povos; deve-se empenhar quanto possa ser, especialmente em que os processos judiciaes sejam mais curtos, e os menos dispendiosos possivel.

Em quanto a especialidade os Srs. Deputados concordam, em que se for necessario admittir algum melhoramento nas provisões do projecto, elle se faça; e eu tambem quando for discutida a especialidade, tomarei parte nesta discussão, e direi por parte do Governo o que julgar conveniente que se addicione, ou que se emende no projecto.

O Sr. Poças Falcão. — Sr. Presidente, felizmente

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parece-me que a Camara, e o Sr. Ministro da Justiça estão concordes em que é de absoluta necessidade remediar os abusos, que se teem feito dos aggravos de petição; aquillo em que póde haver divergencia, é sobre o modo de remediar esses abusos; parece-me que ninguem se atreverá a dizer que elles possam ser totalmente extinctos. Mas o projecto da commissão foi taxado, sem systema, sem ordem, e sem filosofia; e eu sempre esperei que o nobre Deputado, que proferiu esta amabilidade a respeito do projecto da commissão, no fim do seu discurso apresentasse um novo projecto para substituir este, porque seria um mal gravissimo se se admittisse um projecto nestas circumstancias; mas não aconteceu assim; o nobre Deputado não quiz encarregar-se de defender o seu projecto O projecto primordial tinha tres artigos, cada um dos quaes continha tres principios bastante genericos; a commissão adoptou um destes principios, não pelas reclamações dos tribunaes, a que o nobre Deputado alludiu, porque o illustre Deputado quiz sustentar que esse relatorio do presidente da Relação de Lisboa dizia respeito aos aggravos de petição; porém se S. S.ª olhasse com attenção para este relatorio, veria que elle não diz respeito aos aggravos de petição, mas falla só das revistas, que se interpõem a respeito dos accordãos das Relações sobre os aggravos de petição, (apoiados) Mas como dizia: a commissão adoptou um dos tres principios consignados no projecto primordial, e rejeitou os outros dois; e com quanto o nobre Deputado dissesse que não sustentava agora estes dois principios contidos no seu projecto, comtudo bastante se demorou em sustentar outras cousas; até censurou a commissão por apresentar tarde o seu parecer sobre o projecto do nobre Deputado; mas eu escuso de fazer sentir á Camara a necessidade que a commissão tinha de pensar maduramente sobre o projecto para dar o seu parecer; porque rejeitando a commissão dois artigos do projecto, como rejeitou, não podia apresentar-se aqui sem vir prevenida contra os argumentos, que podessem apparecer por parte dó auctor desse mesmo projecto; e como o nobre Deputado tinha dicto que pensara muito maduramente no projecto antes de o apresentar, a commissão por isso mesmo tinha mais necessidade de o analysar, visto que adoptava um artigo só do projecto, e rejeitava os outros dois: entretanto o nobre Deputado não quiz encarregar-se de sustentar os dois artigos que foram rejeitados....

O Sr. Castro Pilar: — Eu estou prompto a entrar com o nobre Deputado n'um certamen sobre este assumpto, mas ha de ser fóra desta Casa.

O Orador: — Eu declaro que não acceito o duello fóra desta Camara: pois se estamos aqui em perfeita liberdade, e boa harmonia; se cada um de nós tem a sua cadeira como Deputado, qual ha de ser a razão, porque não havemos de entrar já nesta discussão, e termos aqui o duello? O duello da intelligencia é admissivel em toda a parte; agora o que eu não acceito é o duello lá fóra.

Sr. Presidente, o nobre Deputado insistiu, dizendo — Que o projecto não tinha ordem, porque apresentava principios muito geraes, e com grande numero de hypotheses; — se o nobre Deputado olhar com attenção para o projecto, conhecerá, que em primeiro logar o projecto tracta de remediar os aggravos de petição em geral; depois tracta do modo, por que estes aggravos hão de ser tomados, e decididos, e depois tracta dos aggravos de petição, especialmente ácerca das execuções, e a respeito dos inventarios; é sobre estes que versa a principal questão. O que é certo é que nas execuções, e nos inventarios é aonde se tem conhecido maiores abusos; e por consequencia era preciso, que a commissão se encarregasse de remediar os inconvenientes, a que tem dado logar os aggravos nesta parte, e mesmo porque esta era a idéa do nobre Deputado. Parece-me pois, que a commissão algum pensamento de ordem teve, quando redigiu desta fórma o projecto (apoiados). Tambem o nobre Deputado diz existir uma contradicção flagrante entre o § unico, e o artigo 2.º do projecto; porém eu peço ao illustre Deputado, que note, que no § unico se estabelece um preceito geral a respeito dos juizes mandarem tomar o aggravo; mas pela pratica que o nobre Deputado já disse, que tinha do fôro, deve conhecer, que, apezar deste principio geral, muitas vezes se interpõe recurso, não porque dahi se espere, que ha de vir justiça á parte, mas é só unicamente com o fim de demorar o processo; foi para acautelar este inconveniente, que a commissão disse — No caso que o juiz conheça, que é por chicana que se interpõe o aggravo, fica-lhe o arbitrio de o mandar escrever em auto separado; a grande vantagem que se segue da approvação do projecto da commissão, é evitar esta demora nos processos. A commissão não tem a filáucia de haver feito uma obra perfeita, e tanto se não vangloria de a ler feito, que ella de bom grado acceitará qualquer, que o» nobres Deputados apresentem, quando se tractar da discussão da especialidade; mas tendo o illustre Deputado impugnado as disposições contidas neste projecto, sempre esperei que o illustre Deputado apresentasse alguma emenda, ou substituição ao projecto. Parece que o illustre Deputado se queixou do relator da commissão, por haver dicto, que S. S.ª não tractára a commissão com aquella delicadeza, que é muito propria do caracter do nobre Deputado; mas em verdade não se póde negar, que o illustre Deputado, neste negocio, tem andado com alguma acrimonia; o nobre Deputado foi o proprio que confessou, que estava affectado; por isso pedia ao nobre Deputado, que mudasse de fleuma, para poder discutir o projecto com aquella placidez com que se devem discutir os negocios nesta Casa.

O Sr. Castro Pilar: — (Sôbre a ordem). Sr. Presidente, pedi a palavra sobre a ordem para declarar, que se a ordem dos trabalhos permittir, que, depois da discussão do projecto na especialidade, me seja possivel sustentar, em fórma de explicação, os pensamentos do projecto primordial, que a commissão rejeitou, desejo entrar nesse pleito Parlamentar com o Orador, que me precedeu, e que me fez uma censura indirecta.

Devo tambem declarar, que me julgo desobrigado de offerecer outro projecto em substituição, por isso que na especialidade faço tenção de mandar para a Mesa varias alterações.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação deste projecto n.º 73, e os projectos n.ºs 72, 74, 75, 70, 53, 67, 39, 20 e 36. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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