O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 308

(308)

N.º 20. Sessão em 27 de Junho 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 48 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada sem discussão e unanimemente.

EXPEDIENTE.

Officios. — Um do Sr. Deputado Jeremias Mascarenhas, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas. — Inteirada.

O Sr. Sousa Lobo: — Mando para a Mesa uma representação da Camara Municipal de S. Lourenço do Bairro, pedindo a conservação do districto administrativo de Aveiro.

O Sr. Palmeirim: — Ainda que a sessão esta muito adiantada, e que o resto de duração que ainda possa ter, deva ser dedicado a objecto de interesse geral, comtudo ha dois projectos, que dizem respeito a particulares, que muito desejava que ainda fôssem discutidos nesta sessão, e são os projectos n.º 5 e 19, sendo o primeiro para se contar o tempo de serviço ao tenente reformado Antonio da Cunha Sousa e Brito, e o segundo para o Governo sei auctorisado a reformai com metade do soldo o ex-commissario pagador João Bernardino de Carvalho

Peço pois a V. Ex.ª que, quando a ordem dos trabalhos o permittir, queira ter a bondade de pôr em discussão estes dois projectos.

O Sr. Presidente: — Tomar-se-ha em consideração em occasião opportuna o pedido do Sr. Deputado.

SEGUNDAS LEITURAS.

Proposta. — Proponho que as votações desta Camara, pelo resto das suas sessões até ao proximo encerramento, se verifiquem pelo methodo seguido anteriormente a ultima resolução da Camara a este respeito. — Corrêa Leal.

O Sr. Corrêa Leal: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se permute que retire essa proposta.

O Sr. Presidente: — Como ainda não foi admittida, póde reina-la sem licença da Camara, e por consequencia fica retirada.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão, na especialidade, do projecto n.º 73. sobre a reforma do art. 630 da Novissima Reforma Judiciaria.

O Sr. Presidente: — Hontem votou — se o art. 6.º, e agora Segue-se o § 1.º

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a colação e approvado unanimemente e tambem sem discussão foram approvados o § 2.º por 47 votos contra 3; e o 3 par 48 votos contra 2.

Entrou em discussão o § 4.º

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, este paragrafo póde dar occasião a algumas duvidas na pratíca Na Reforma Judiciaria, art. 630 § unico, diz-se — Que o executado, tendo interposto algum aggravo, póde pedir ao juiz que o exequente preste fiança ou dê penhores bastantes, no caso de querer continuar a execução. — No paragrafo porém que esta em discussão, emprega-se a palavra «qualquer?» para comprehender a revogação daquelle paragrafo da Reforma a respeito dos aggravos, a fim de que d'ora em diante não seja necessario nem a fiança, nem os penhores, para o caso de ler o exequente interposto aggravo.

Vê-se pois que é uma revogação directa daquelle § unico do art. 630, no entanto não me parece estar sufficientemente esclarecido, e digo a razão que tenho para assim pensar. O art. 6.º tracta sómente dos aggravos de petição, e é disto mesmo que se tracta nos paragrafos 1.º 2.º e 3.º, logo a disposição do § 4 º, attentos os antecedentes, parece que não póde estender-se, senão a qualquer aggravo de petição, ficando assim excluido o aggravo d'instrumento. É pois necessario explicar-se isto de modo que o paragrafo se entenda dos aggravos de petição e de instrumento. Para evitar pois o inconveniente que se póde seguir na pratica, eu quereria que se accrescentassem estas palavras — qualquer aggravo de petição ou de instrumento.

Creio mesmo que a commissão não teve outra coisa em vista. Neste sentido pois, que a palavra qualquer neste logar inclue tanto os aggravos de petição tômo os de instrumento, não mando para a Mesa proposta alguma; mas senão fôr este o sentido em que esta redigido o paragrafo, então mandarei para a Mesa uma proposta, que a Camara tomára na consideração que merecer, por ora limito-me a estas observações, e espero pela resposta do illustre relator da commissão, que já pediu a palavra.

O Sr. Pereira de Mello: — A intenção da commissão é aquella mesma que o illustre Deputado acaba de explicar; e nem da palavra qualquer, como esta escripta, se póde deduzir outra cousa; portanto parece que não vale a pena fazer questão, visto que a commissão declara que a palavra qualquer entende-se com declaração aos aggravos tanto de petição, como de instrumento; porque a intenção da commissão foi revogar o paragrafo unico do art. 630 da Novissima Reforma Judiciaria

Não havendo quem mais pedisse a palavra, julgou-se a materia discutida unanimemente, e foi approvado o § 4.º por 53 votos contra 3. — O art. 7.º foi approvado sem discussão por 48 votos contra 6, e da mesma maneira o art. 8.º por 51 votos contra 5, e o paragrafo unico por 53 votos contra 4

O Sr. Agostinho Albano: — (Sôbre a ordem.) Mando para a Mesa um parecer da commissão do Orçamento sobre a proposta do Governo, para sei auctorisado na despeza extraordinaria do anno economico do anno futuro ate a quantia de libras 4.200, para pagamento dos titulos de presam, que foram liquidadas em Londres.

O Sr. Presidente: — Manda imprimir-se com urgencia. Continua a discussão do projecto n.º 73.

O Sr. Antunes Pinto: — Eu tambem tenho a mandar para a Mesa uma proposta para prevenir

Página 309

(309)

um caso que a practica do fôro me tem demonstrado, que é necessario que se previna, e então peço licença para nesta occasião mandar a minha proposta para a Mesa a fim de ser considerada antes de se votar o art. 9.º A experiencia tem-me mostrado, que é necessario que se adopte uma medida para que os aggravos sejam julgados desertos, e não seguidos todas as vezes, que senão fizerem os preparos dentro de 30 dias, como se segue com as appellações; e para que senão retarde sentença neste caso, parecia-me conveniente, que interpretando-se o art. 738, § 1.º da Reforma Judiciaria se declarasse que para assim serem julgados estes aggravos senão requeria a citação do appellado. Neste sentido pois mando para a Mesa o seguinte

Additamento. — Art. 9.º Passados 30 dias depois de distribuido o aggravo de instrumento, sem o recorrente ter preparado, será julgado deserto, e não seguido sem necessidade de citação das partes.

§ unico. Na deserção de que tracta o § 1.º do art. 138 da Reforma Judiciaria, não se requer a citação do appellado.

Foi admittido por unanimidade.

O Sr. Pereira de Mello: — A commissão não póde tomar em consideração o objecto de que tracta a proposta do illustre Deputado, porque não era esse o objecto da sua missão; assim como tambem eu não estou habilitado por parte da commissão, para declarar que a approvo; por consequencia nesta parte fallo sómente como Deputado, e neste sentido permitta-me o illustre Deputado, que eu neste ponto de jurisprudencia não partilhe as suas opiniões. O paragrafo unico do art. 738 da Reforma Judiciaria não estabelece que seja necessariamente julgada deserta, e não seguida a appellação, quando o appellante não prepara no espaço de 30 dias; estabelece sim que o possa ser, se senão preparar dentro de 30 dias, e nesta conformidade foram julgadas differentes causas por accordão da Relação, seguindo-se appellação deste recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por meio de revista, e estas revistas foram todas concedidas, por isso mesmo que a Ordenação exigia que para as appellações serem julgadas desertas, e não seguidas era indispensavel, que o appellante fosse citado. Agora vem a questão de direito — Se será necessario que o appellante seja citado para ser julgada deserta, e não seguida a sua appellação? Digo que é indispensavel. São muitos os casos, em que. o appellante póde ter um impedimento legal, para não poder ter preparado a sua appellação em tempo competente; e se fóra de acontecimentos extraordinarios se póde dar este caso, como por exemplo, molestia do appellante, a falta do mesmo, e morte delle; e, por consequencia, inconveniencia dos seus herdeiros de poderem ter meios de mandarem procurador ao districto da Relação; se isto póde acontecer em casos ordinarios; se o impedimento legal é uma excepção legal, e legitima, porque não se lia de dar isto em virtude de acontecimentos extraordinarios; se se tem interrompido por mais de uma vez a correspondencia de provincia para provincia, e até mesmo dentro da mesma provincia, de terra para terra? Não tem decorrido muito tempo que isso aconteceu com a provincia do Alemtejo, e do Algarve, em que as communicações por causa da revolta se interromperam, de fórma que os appellantes não puderam mandar preparar, e nem se puderam mandar citar, e nem puderam mandar procuração para ajuntar ás appellações. E pergunto eu; neste caso deviam estas appellações ser julgadas desertas, e não seguidas? Não, por certo; eis aí a razão porque a Ordenação do Reino manda que seja citado o appellante para ver julgar de deserta, e não seguida a sua appellação, e eis a razão, porque no Supremo Tribunal de Justiça se deu provimento ás appellações, em conformidade com o § 1.º do art. 738, e nisto não innovou jurisprudencia; applicou a jurisprudencia actual, e é claro que muito bem andou em conceder provimento, mandando que todos os appellantes fossem citados para ver julgar desertas, e não seguidas as appellações; e estas são as razões, porque eu não posso partilhar das idéas do meu illustre amigo, e collega.

Foram lidas, e approvadas sem discussão a? ultimas redacções dos projectos n.ºs 74.º. e 7&.º

O Sr. Antunes Pinto: — Sr. Presidente, tendo a minha proposta duas partes muito distinctas, o illustre relator da commissão só se fez cargo de responder a uma dellas. A minha proposta abrange a appellação relativa aos aggravos de instrumento, e ao mesmo tempo a intelligencia do artigo da reforma relativo ás appellações, dois os objectos distinctos. Será conveniente que os aggravos de instrumento se julgue deserto e não seguido sem a parte vir preparada? Haverá conveniencia publica em que se julgue a deserção, ou ficará suspensa a decisão, deixando correr a causa na 1.ª Instancia? E innegavel que póde acontecer que venha depois uma decisão nos aggravos, a qual vá prejudicar a sentença já dada. Portanto é de conveniencia, tanto para a boa ordem do processo, como para interesse das partes, que se julgue a deserção nos aggravos de instrumento. Ninguem me poderá contestar estas vantagens sendo adoptado o que se acha na minha proposta. A outra questão é esta: será necessario citar o aggravante ou appellante para que elle vá vêr julgar a deserção? Eu entendo que não era necessaria a citação não obstante o que a Ordenação diz, e não obstante mesmo a intelligencia dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, fundado na Ordenação e nas razões de analogia tiradas da lei de 19 de novembro de 43, mas é certo que ao art. 738 da Reforma se tem dado varias intelligencias desde certa época por diante nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Para evitar essa variedade de decimaes, é que eu desejava agora que se desse uma interpretação authentica a este artigo para se entender que não é necessaria a citação para a deserção do recurso. Portanto a questão limita-se a isto, se póde convir ou se conviria neste logar fixar-se esse principio ou intelligencia, porque tractando nós sómente de aggravos, porque razão fallaremos de apellações? Eu entendo, que era logar proprio para de uma vez se acabar com o arbitrio neste ponto, e dariamos ao publico uma medida de grande proveito. Finalmente a minha proposta contem duas partes, a primeira é para que se julgue deserto e não seguido o recurso, independentemente da citação da parte, nos aggravos de instrumento passados 30 dias, e isto para não serem suspensas essas decisões cora prejuiso e gravame das partes, e ao mesmo tempo os damnos que possam resultar do processo. Decididos os recursos em praso breve, póde acontecer que a decisão vá influir muito na direcção da causa e destruir ás vezes inteiramente a decisão que se tinha to-

Página 310

(310)

mado; e portanto parece-me de toda a conveniencia estabelecer-se a doutrina que esta na minha proposta a respeito dos aggravos de instrumento. Agora quanto á interpretação que eu pertendo dar ao art. 738 no seu § unico, vejo que a Camara não esta sufficientemente habilitada para ella, e vejo que a commissão já por um dos seus membros declarou que não concordava com a intelligencia que lhe pertendo dar, e por isso retiro o § unico da minha proposta, e neste sentido vou mandar para a Mesa uma proposta; eu» quanto ao mais tractarei em occasião opportuna de apresentar um projecto não só a respeito deste artigo da Reforma, mas a respeito de outros muitos que precisam ser reformados, e para o que já tenho tomado varios apontamentos.

A Camara consentiu unanimemente que fosse retirado o § unico do additamento.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, eu costumo e faço todas as diligencias possiveis por limitar-me sómente ao que é necessario, e muito principalmente, quando fallo para os homens doutos e entendidos, porque entendo fazer um grande desperdicio á Nação o dizer cousas inuteis e desnecessarias. Eu fallei sómente das appellações, porque entendi que a appellação se achava comprehendida nos aggravos de instrumento porque era do mais para menos; o meu illustre Collega versadissimo nas questões de fôro, e muito illustrado na sciencia da jurisprudencia ha de convir comigo que eu necessariamente quiz fazer argumentação demais para menos; se eu sustentei que para a decisão das appellações era necessaria a citação, com muita maior razão eu devo sustentar que ella deve ser necessaria para a decisão dos aggravos de instrumento, e nestes aggravos não tem interesse nenhum o aggravante em» demorar a sua decisão; ao contrario, e seu interesse que o recurso seja decidido com brevidade; por consequencia não se póde dar o inconveniente que o roeu Collega acabou de referir, e portanto repito que por modo algum póde ser Admissivel a proposta do meu nobre amigo, emquanto quer que neste canoas appellações sejam julgadas desertas e não seguidas, sem necessidade de citação; e todas as vezes que houver de retirar esta determinação da sua proposta, eu não terei duvida em convir com ella.

O Sr. Antunes Pinto: — Em vista do que acaba de dizer o illustre Relator, não duvido retirar as palavras — sem necessidade de citação das partes.

Não havendo quem mais pedisse a palavra; julgou-se a materia discutida por unanimidade, e foi approvado o additamento, salva a redacção, por 45 votos contra 3.

O Sr. Presidente: — Tem agora logar o tractar-se d'uma proposta, que na discussão da generalidade mandou hontem para a Mesa o Sr. Mascarenhas para que esta lei, assim como a Nova Reforma Judicial sejam postas em execução no Ultramar. Vai lêr-se a proposta, para ser submettida a admissão. (Leu-se — V. a sessão antecedente). Foi admittida por 45 votos contra 5. O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, talvez pareça estranho á Camara, que eu tome a palavra sobre um objecto, em que sou inteiramente leigo; mas não é para discutir a doutrina do projecto, porque para isso não estava eu de maneira alguma habilitado; mas para que pedi a palavra, foi unicamente para emittir a minha opinião ácerca do

additamento, por isso que nelle se quer applicar a legislação do Reino ás provincias Ultramarinas, as quaes se acham em circumstancias muito especiaes.

Eu entendo que é sempre um grave êrro, todas as vezes que nós queremos legislar, ou que queremos applicar ás colonias portuguezas a legislação do Reino; porque a legislação daquellas provincias não concorda com a do Continente do Reino; ha circumstancias que são obvias a toda a intelligencia, que queira por alguns momentos reflectir no estado especial daquelles paizes. Para desviar qualquer applicação que se queira fazer das nossas leis do Reino ás provincias do Ultramar, basta considerar a circumstancia de que é um paiz onde ha homens livres e escravos; isto só basta para alterar qualquer applicação da legislação em geral do paiz; alem de muitas outras considerações, como o atrazamento de civilisação, que ha naquelles povos.

Emfim eu não entro nessa materia; mas não posso de maneira alguma convencer-me de que essa applicação seja conveniente ás provincias do Ultramar, e ate se tem determinado pela Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha, que as leis que se sanccionam no Reino, não se ponham em execução em nenhuma das provincias do Ultramar, sem uma expressa determinação da mesma Secretaria; e até se bem me lembra, a Constituição de 1838 determinava que não fosse applicavel a legislação do Reino ás provincias Ultramarinas, sem uma expressa determinação que assim o ordenasse. Portanto já se vê que é uma inconveniencia muitissimo grande o querer applicar as leis do Reino ás provincias Ultramarinas

É talvez, Sr. Presidente, Portugal o unico paiz, que não tem uma completa legislação para cada uma das colonias. A França, a Inglaterra, a Hollanda, todas tem uma legislação especial, para cada uma das colonias. Na Martinica, por exemplo, não vigoram as mesmas disposições que regem Gorée, ou Bourbon; variam completamente. Em Hespanha, segue-se a mesma disposição, porque as Canarias tem uma legislação especial; não se governam pelas mesmas leis exactamente que a Havana, ou as Filippinas; de maneira que somos nos o unico paiz que queremos applicar a mesma legislação do Reino ás provincias Ultramarinas. Ora se a propria legislação das provincias do Ultramar é muitas vezes inconveniente, se se applicar em geral a todas as provincias, segue-se que é ainda muito mais inconveniente, quando se quizer applicar essa legislação do Reino ás provincias do Ultramar. «

Eu não contesto, nem posso contestar a um Deputado qualquer o propôr uma alteração, que julga conveniente para uma provincia Ultramarina, mas não a approvo, porque estou convencido de que ninguem deve estar mais ao alcance deste objecto tão importante do que o Governo: o Governo esta presente; não diz nada sobre este objecto; por tanto parece-me que não convinha conceder mal, auctorisações ao Governo, e muito principalmente, quando elle as não pede. Eu para mim acho que é um systema inconveniente o dar auctorisações ao Governo sem elle as pedir; basta que lhas concedamos, quando ellas são reclamadas pelas circumstancias; mas quando o Governo as não pede, querer por força auctorisa-lo, não acho que seja muito conveniente.

Página 311

(311)

O Governo não pensou ainda nisto; o Governo actual tem poucos dias na administração; «é por isso de suppor que não tenha tido tempo de pensar na Reforma Judiciaria para as provincias Ultramarinas; por isso não me parece muito conveniente conceder essa auctorisação ao Governo, auctorisação que até póde ser de graves inconvenientes, e grandes desvantagens para as provincias do Ultramar.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, a commissão não esta habilitada para adoptar o additamento offerecido pelo illustre Deputado por Gôa, e muito menos para que elle possa ser inserido neste projecto.

Eu sou informado de que a Novissima Reforma Judiciaria foi adoptada em Gôa, e nas outras possessões Ultramarinas, porque, vejo em quanto ás suas disposições geraes, que o Supremo Tribunal de Justiça esta concedendo e negando revistas, por violação dos artigos da mesma Reforma; por consequencia é obvio quanto ás suas disposições geraes, que a Novissima Reforma Judiciaria esta em vigor, não só em Gôa, mas em todas as provincias Ultramarinas.

Quanto ao pessoal muda isso muito de figura; não só porque a organisação da Magistratura nas Provincias Ultramarinas differe muito da do continente do Reino, mas até mesmo porque a distancia que vai de uma, ou outra provincia á metropole de Goa, faz com que muitas das providencias da nossa lei judiciaria, não possam ser applicadas para alli. A commissão não tem dados alguns, para poder saber, se algumas das provisões adoptadas neste projecto, que acabou de se discutir, em vez de serem convenientes, se serão prejudiciaes aos interesses das partes nessas provincias; e pelo que toca a Novissima Reforma Judiciaria não era logar aqui para ser inserida essa disposição. Por consequencia a commissão entende que essa providencia deve partir de uma medida geral da parte do Governo. Se o Governo entender que as providencias deste projecto podem ser uteis e convenientes, sendo adoptadas para aquellas possessões, o Governo terá o cuidado de propôr á Camara uma proposta de lei, na qual venham acautellados todos os inconvenientes, que possam seguir-se das provisões deste projecto. Portanto a commissão não adopta por sua parte este additamento, porque receia ir cair em graves males por falta de conhecimentos estatisticos, que devem existir no Governo; e como S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha senão acha presente, é mais uma razão para a commissão não poder approvar que este additamento seja Inserido neste seu projecto de lei

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, ainda que é muito lisongeiro para o Governo o voto de -confiança que se lhe quer dar, com tudo é necessario attender se, a que muitas vezes quando nós queremos fazer muito bem ás provincias Ultramarinas, podémos fazer-lhes muito mal, quando não estamos sufficientemente informados das necessidades daquellas possessões; e parece-me que é de toda a prudencia, quando se tracta de legislar para taes terras, irmos sempre com muita cautella, porque quando a legislação não é feita á vista de dados, e dados muito positivos, ella póde ser muito prejudicial.

O Governo vai occupar-se incessantemente de toda a legislação, que seja necessaria, para elevar aquellas possessões ao gráo de prosperidade, a que se deseja que ellas sejam elevadas, não só na organisação administrativa, como na organisação judiciaria e financeira; e parecia-me que era muito mais conveniente deixar este negocio para quando se tractasse da reforma judiciaria, ou d'uma lei especial que o Governo ha de trazer á Camara para essas possessões, porque é muito mais conveniente que as leis se façam com todo o conhecimento de causa, do que agora por um enthusiasmo, ainda que muito bem entendido, irmos adoptar uma medida que não se possa nunca levar a effeito, ou então, a levar-se a effeito, seja prejudicial e tenha inconvenientes. Por estes motivos pois pediria ao nobre Deputado, auctor da proposta, que a retirasse (Vozes: — Não esta na Sala). Então como não esta na Sala, pediria á Camara que a não approvasse, e que se esperassem do Governo os projectos convenientes, para se introduzir na legislação judiciaria das Provincias Ultramarinas os melhoramentos que se julgarem necessarios.

O Sr. Moniz: — Sr. Presidente, com quanto me sinta sempre animado nesta Camara, para promover tudo quanto for bem ás Provincias Ultramarinas, no caso actual acho-me perplexo; vejo que alguns Srs. Deputados, repugnam este additamento, como podendo envolver consequencias serias. E sabido, e é conhecido de todos que aparte da legislação entre as nações mais sabias e prudentes, varia a cada passo para as colonias, é bem sabido mesmo pela historia, que muitos dos maiores males que tem acontecido ás colonias, tem provindo da introducção de legislação nova nas mesmas colonias. Por outro lado é tambem certo que todas as vezes que nós pudermos applicar ás colonias algum bem, é do nosso dever faze-lo applicar.

Mas parece-me que ha um ponto, em que poderemos combinar; parece-me que o Governo já esta auctorisado para applicar a Reforma Judiciaria áquella das Provincias Ultramarinas, onde elle julgar conveniente. Nós actualmente não fazemos com este negocio, senão modificar a Reforma Judiciaria, e parece-me que mais proprio seria que passada a lei, o Governo applicasse esta modificação, quando elle a julgar conveniente. Se por ventura o Governo não esta auctorisado para fazer a reforma geral, em especial é particular, eu então seria de opinião que não se fizessem as cousas precipitadamente. Confesso pela minha parte que não estou sufficientemente habilitado para dizer a minha opinião ácerca do additamento, e então parecia-me mais conveniente, que tivessemos paciencia de esperar até que o Governo venha declarar, se tem ou não necessidade desta autorisação, porque se a tem para se lhe dar, a fim de que elle possa proceder com justiça; no entretanto parece-me que a não haver inconveniente, é de toda a razão que as provincias Ultramarinas gozem das mesmas vantagens que póde gozar a mãi patria.

O Sr. Andrade Nery: — Peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de consultar a Camara sobre se a materia esta sufficientemente discutida.

Julgou se discutida por 58 votos contra 2; e por unanimidade foi rejeitada a proposta do Sr. Mascarenhas. — O art. 9.º do projecto foi approvado sem discussão por 52 votos contra 3.

O Sr. Presidente: — Este projecto está concluido. Passa-se ao projecto n.º 72.

E o seguinte

Página 312

(312)

Relatorio. — Senhores. A commissão de Legislação examinou muito attentamente o requerimento, que fizeram apresentar a esta Camara quarenta e um proprietarios das fazendas ou predios, que compunham o Reguengo de Tavira; e com igual attenção considerou o que a esta Camara fizera subir a camara municipal daquella Cidade, unindo os seus Votos aos daquelles seus administrados, e pedindo, que, juntos os requerimentos um ao outro, se tomasse uma das providencias, que estes pediam. Expõem os supplicantes, que, tendo gosado por espaço de 16 annos, desde a publicação do luminoso decreto de 13 de agosto de 1832, os beneficios, e fructos desta tão providente lei, que o libertou dos pesadissimos encargos, Vexames, e violencias, com que subsistia aquelle Reguengo por virtude do seu foral, e regimento dado no alvará do 1.º de junho de 1787, por isso que por aquella lei tinham sido extinctos todos os foraes, e todos os tributos ou pensões foraleiras, impostas pelos Reis deste Reino, ou pelos donatarios da Corôa, tornando-se alludiaes, e livres as propriedades nas mãos de seus possuidores, liberdade, e allodialidade, cujos fructos tinham gosado em tão largo espaço sem a mais leve duvida ou opposição por parte da fazenda ou das donatarias daquelle Reguengo; todos esses bens íam a desapparecer; e não só isto, mas grandes males, e novos vexames, estão imminentes sobre todos os supplicantes, chefes de outras tantas familias, males, e vexames, que hão poderão deixar de affectar a já definhada agricultura daquella provincia. Por quanto a prioresa, e mais religiosas do convento da! Estrella desta Cidade com a denominação do Santissimo Coração de Jesus, a quem fôra feita doação do Reguengo de Tavira pela Senhora D. Maria I por carta regia de 13 de janeiro de 1781, julgando-se com direito por virtude da carta de lei de 22 de junho de 1846 para continuarem a perceber as pensões foraleiras, que outr'ora se lhes pagavam, conseguiram, que o Tribunal do Thesouro Publico, em virtude da disposição do art. 48. do decreto regulamentar de 11 de agosto de 1847, por uma portaria ou chamado titulo com data de 8 de novembro de 1848 (cuja cópia remettida pelo Governo, a commissão tambem examinou) as auctorisasse, e as considerasse legal, e competentemente habilitadas para continuarem na administração dos bens, e rendimentos do mencionado Reguengo, segundo as disposições daquelle foral, e regimento do 1.º de junho de 1787, menos na parte revogada pela legislação em vigor, titulo ou portaria, que tinham feito apresentar ás auctoridades administrativas daquelle districto, e concelho, sem duvida, para começarem a exigir dos supplicantes aquelles pesadissimos, e vexatorios tributos que outrora pagavam, exigencia que não póde deixar de produzir males gravissimos, vexames sem conto, e com elles a ruina de muitas familias, e da propria agricultura daquella provincia. Os supplicantes, depois de compendiarem a historia daquelle Reguengo desde a sua origem, que data da carta de foral, e povoação dada pelo Senhor D. Affonso III á Cidade de Tavira em 1304, pela qual este Monarcha reservou para seu Patrimonio e Real Corôa todas as propriedades, moinhos, lagares, azenhas, adegas, e celleiros comprehendidos no terreno, que declarou Reguengo, até á publicação do referido decreto de 13 de agosto de 1832, tractam de demonstrar, apoiados nas opiniões de pessoas competentes, áquem consultaram, que a carta de lei de 2 de junho de 184.6, com quanto sob pretexto das necessidades do Thesouro Publico temperasse, e cerceasse o liberal, e generoso pensamento daquelle decreto de 13 de agosto de 1832, não comprehenderá em suas modificações o Reguengo de Tavira, cuja extincção, e bem assim a das pensões impostas pelo seu foral do 1.º de junho de 1787, nenhuma quebra ou alteração soffreu pelas provisões daquella lei declaratoria, por isso que se acha comprehendida no pensamento principal della, enunciado no seu art. 3.º, e não póde comprehende-se por fórma alguma na modificação, que estabelece no art. 6.º, porque as pensões do 4.º, 5.º 8.º, e dimidia, foram verdadeiros tributos emanados do direito senhorial, e impostas por titulo generico por força de lei, qual a daquelle foral do 1.º de junho de 1787, embora reduzidos á naturesa de pensões emphyteuticas por virtude dos contractos posteriores, a que esta lei os obrigou sob gravissimas penas.

Ponderam mais os supplicantes, que, sendo as bemfeitorias propriedade do emphyteuta, segundo todos os principios de direito emphyteutico, embora constituam uma melhor hypotheca da pensão, e tendo sido as propriedades reguengeiras durante o predominio do decreto de 13 de agosto de 1832 objecto de muitas transacções particulares, de muitas partilhas nos juisos divisorios, e de muitas decisões no juiso contencioso, a resurreição do Reguengo, ou a reclamação das pensões impostas pelo seu foral, não só prestaria ás donatarias o direito iniquo de se locupletarem á custa do alheio, cobrando pensões das bemfeitorias como abriria a porta a uma infinidade de pleitos interminaveis, cujas consequencias seriam a ruina de muitas familias, e a da já definhada agricultura daquella provincia.

E concluindo, que a restauração do Reguengo será um Contrasenso juridico, um anachronismo perfeito, e um impossivel politico, pedem — que se ordene ao Governo faça sobre-estar na execução do titulo conferido ás religiosas por aquella portaria do Thesouro Publico, em quanto senão decidir a sua supplica — 2.º que por uma medida legislativa se declarem extinctas todas as prestações com a natureza de impostos ou tributos territoriaes, que á data do decreto de 13 de agosto de 183£ se pagavam á Corôa ou a seus donatarios, sem distincção do titulo da sua constituição — 3.º que no caso de não ser possivel a precedente medida legislativa, se reponha em vigor por outra o tombo, e regimento daquelle Reguengo confeccionado, e ordenado segundo as disposições do decreto de 5 de junho de 1822, revogando-se o alvará do 1.º de junho de 1787, e mais legislação analoga, a fim de sómente subsistirem, e poderem ser pedidas as pensões declaradas naquelle tombo, mas com a reducção, e mais beneficios da lei de 22 de junho de 1846.

A commissão de Legislação, pela leitura de quantas provisões legislativas encontrou relativas ao Reguengo de Tavira, não hesita em pôr fóra de toda a duvida a evidencia dos seguintes factos.

Desde a sua origem, que data como já se disse da carta de povoação e foral dada á cidade de Tavira pelo Senhor Dom Affonso 3.º em 1304 foram sempre arrecadados pelos respectivos almoxarifes nos reinados dos Senhores Dom Diniz, Dom Affonso 4.º, Dom Pedro 1.*, e Dom Fernando, os seus bens e

Página 313

(313)

rendimentos, que consistiam em quotas de fructos de 4.º 5.º, 8.º e dimidias. De todos os bens e rendimentos do dicto Reguengo, fez doação de juro e herdade o Senhor Dom João 1.º a Fernando Alvares Pereira, irmão do Condestavel Nuno Alves Pereira, a qual fôra confirmada ate á ultima donataria D. Catharina Constantina Pereira de Berredo, em razão de cujo fallecimento sem descendencia revertera para a Corôa o dicto Reguengo em 1715. Em 1722 se procedeu ao tombo de todos os bens do mesmo Reguengo, que foi approvado e confirmado pelo extinto tribunal do Conselho da Fazenda era 1728. Por carta de 13 de janeiro de 1781 fez a Senhora Dona Maria 1.ª doação do dicto Reguengo ao convento do Santissimo Coração de Jesus desta cidade, mandando-se confeccionar o seu lombo por decreto de 19 de maio de 1782, e provisão do Desembargo do Paço de 29 do mesmo mez e anno. Tendo resultado da irregularidade, com que esse tombo se fizera, muitas demandas, e tendo sido julgadas pelo juiz do tombo em favor das donatarias, foram appelladas essas sentenças; mas quando assim estavam pendentes da decisão do recurso, a sollicitações ou do juiz do tombo, ou das donatarias, appareceram o decreto de 16 de outubro de 1785, e resolução de 23 de dezembro do mesmo anno, que, fazendo sobreestar naquellas causas appelladas, mandaram proceder á reforma do foral do Reguengo, a qual chegou a effectuar-se, como póde vêr-se no alvará de 15 de fevereiro de

1786. Mas como estas medidas ainda não preenchiam os fins que se tinham em vista, sollicitou-se então, e obteve-se, pela regia resolução de 25 de maio de 1787, a faculdade para se organisarem simultaneamente e em uma só lei o foral e tombo do sobredicto Reguengo; e tal foi o objecto do alvará do 1.º de junho de 1787. Por esta lei de novo tombo e foral, se metteram para o Reguengo, sem attenção ao tombo, que se tinha feito em 1722, nem á regularisação dos fóros, feita em 1773 pela junta denominada — dos fóros — os bens no sitio da Ribeira desseca, impondo-se-lhes as pensões emphyteutica do 4.º, 5.º e 8.º dos fructos, e de tudo o mais, que Deos nelles desse: e iguaes pensões se impozeram aos bens no sitio do Fojo, que outr'ora tinham sido repartidos por dez homens bons, pagando cada um 100 libras; e desta fórma se alteraram os foraes dados pelos Senhores Reis Dom Affonso 3.º e Dom Manoel, e a doação do Senhor Dom João 1.º, e se obrigaram os possuidores a pagar pensões emphyteuticas das bemfeitorias, e de bens, que a ellas não eram sujeitos. Ainda mais; por aquella lei foram cassadas varias mercês, como a que fez o Senhor Dom José 1.º por uma carta de lei da Serra do Algarve aos seus moradores; e em contradicção com o alvará, de 17 de julho de 1769, que declarou pertencerem á alcaidaria mór os Salgados de Tavira, foram mettidos no Reguengo todos os moinhos levantados nestes, a fim de pagarem metade do seu rendimento. Em fim, por aquella referida lei foram convertidas em foros de prazos de successão legitima as pensões, que até alli, quer pelos foraes, quer pela Corôa, quer pelos donatarios, tinham sido consideradas como censiticas, e não só consideradas, mas tambem julgadas por accordão da Relação.

Tantas irregularidades, tanta injustiça, não podiam deixar de arrancar justos clamores dos povos; recorreram ao Throno, e baixou o aviso de 4 de dezembro de 1802, para que o Conselho da Fazenda procurasse remir aquelles de tão pesadas extorsões; e passando este assumpto para o Desembargo do Paço, ao qual se expediu em 3 de julho de 1806 igual aviso, este tribunal, com quanto na sua consulta achasse justificados os fundamentos da queixa, concluiu com o parecer de que se concedesse faculdade para formarem embargos no juizo da Corôa áquelles que tivessem direito, dispensado o lapso do tempo.

Dest'arte foi resolvida a dicta consulta em 27 de março de 1811, e evadida a representação dos povos, que continuaram a soffrer em silencio, até que as Côrtes Constituintes, attendendo suas justas queixas, providenciaram por decreto de 4 de junho de 1822, revogando o alvará de 1.º de junho de 1787, e mais leis respectivas, e mandando proceder á reforma do tombo, feito em 1722, para que tudo se reduzisse ao antigo estado, reforma, que o corregedor de Tavira chegou a sentenciar, mas sem resultado, porque a crise politica que sobreveio, neutralisou a execução destas providencias. A tantas extorsões sómente poz termo a publicação do decreto de 13 de agosto de 1832, que acabou com aquelle Reguengo e suas pensões foraleiras: nunca mais foram exigidas; e só agora receiam os supplicantes que as donatarias armadas daquelle já mencionado titulo expedido pelo Thesouro Publico vão extorquir-lhes as mesmas pensões, com o fundamento na carta de lei de 22 de junho de 1846.

Taes são os factos que a commissão póde averiguar com relação ao Reguengo de Tavira, e suas pensões: pelo que respeita porém ao titulo, ou portaria do Thesouro Publico, cuja cópia authentica esta junta aos papeis, que a commissão viu, averiguou o seguinte. — Sem que a carta de lei de 22 de junho de 1846 impozesse aos donatarios perpetuos, ou temporarios outra obrigação além da do encarte (artigo 20.º), o Governo, pelo decreto de regulamento, que publicou para a execução daquella lei em 11 de agosto de 1847, entendeu podér dispor no artigo 48.º, que os donatarios, para receberem os rendimentos dos bens e fóros, cujas doações foram confirmadas, ou declaradas pelos artigos 16.º, 17.º e 18.º daquella carta de lei, fossem obrigados a requerer pelo Tribunal do Thesouro Publico a expedição do titulo, no qual se lhes declare qual a natureza que esses bens e fóros doados ficam tendo, segundo as diversas disposições da mesma lei. Em virtude pois de tal disposição a prioreza, e mais religiosas do convento do Santissimo Coração de Jesus, considerando-se donatarias perpetuas do Reguengo de Tavira, e com direito a perceber as pensões impostas nos bens deste pelo foral do 1.º de junho de 1787, pediram ao Tribunal do Thesouro Publico, e este mandou-lhes expedir a portaria com data de 28 de novembro de 1848, pela qual reconhecendo, que pelo contheudo daquelle alvará do 1.º de junho de 1787, os bens e fóros que lhes pertencem, são de natureza daquelles, que ficaram subsistindo na conformidade das disposições do artigo 6.º daquella já citada carta de lei de 22 de junho de 1846, e que conforme o já citado artigo 48.º do decreto deli de agosto de 1847 compete ao Tribunal declarar qual a natureza, que os bens e fóros doados ficam tendo, as auctorisa como legal, e competentemente habilitadas para continuarem na administração, e arrecadação dos bens, e rendimentos do mencionado Reguengo, regulando-se

Página 314

(314)

pelas disposições do referido alvará do 1. de junho de 1787, que a mesma portaria declara em vigor, menos na parte relativa aos capitulos 12.º, 13.º, 14.º 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º e 21.º na parte que diz relação ao Reguengo.

A commissão, confrontando os capitulos do foral, que ficam subsistindo, com os que a citada portaria declarou revogados, averiguou, não sem surpreza, que ás donatarias se conservaram os odiosos direitos e privilegios de escolherem um tabellião privativo d'entre os desta cidade (capitulo 7.º) de obrigarem todos os proprietarios de olivaes e vinhas comprehendidas no Reguengo, a virem fazer o vinho, e moer a azeitona nos seus lagares, (capitulo 10.º) com a pena do perdimento do fructo, ou seu valor — de poderem consolidar os dois dominios, nos casos que as propriedades entrem em inventarios, e sejam partilhadas, ou doadas e hypothecadas, sem sua licença (capitulo

16.º), e finalmente, o de sómente serem accrescentados os canaviaes (capitulo 21.º) nos predios da Ribeira d'Asseca, onde o superintendente determinasse, ouvindo o procurador do real convento. E poder do, em presença do artigo 3.º da carta de lei de 22 de junho de 1846, continuar a subsistir estes direitos banaes?

Por esta enfadonha, mas necessaria e fiel exposição dos factos relativos ao Reguengo de Tavira, podéra a Camara ajuizar, se a commissão de Legislação estará ou não habilitada para emittir seu juizo, ácerca da natureza que teem as pensões impostas nos predios comprehendidos naquelle Reguengo, ou mesmo para propôr-vos alguma outra providencia; abstem-se todavia de o fazer, porque entende, que declarar a natureza que teem, ou ficam tendo taes pensões, em presença das disposições da citada carta de lei de 22 de junho de 1846, imporia fixar a intelligencia desta; — que o fixar a intelligencia da lei, applicando o direito della aos factos controvertidos entre as partes interessadas, e attribuição exclusiva do Poder Judicial — e que em quanto este não declarar, ou julgar, que a citada caria de lei é obscura, ou ambigua em alguma das suas disposições, não ha logar á interpretação della.

Não póde comtudo dizer outro tanto ácerca da disposição do artigo 48.º do precitado decreto de 11 de agosto de 1847, e do titulo passado em virtude deste artigo á prioreza, e mais religiosas, donatarias do Reguengo. A commissão entende, segundo os principios que acaba de estabelecer, que o Governo da Dictadura exorbitou das suas attribuições regulamentares, obrigando os donatarios a pedir o titulo de que tracta o artigo 48.º daquelle decreto, e outhorgando ao Tribunal do Thesouro Publico a faculdade de lh'os expedir, ou seja porque em nenhuma das disposições da carta de lei de 22 de junho de 1846 se impõe aos donatarios a obrigação de tal titulo, ou seja porque declarar a natureza dos bens e fóros doados, que ficam subsistindo, em conformidade das suas disposições, quando ha controversia entre os interessados, é attribuição exclusiva do Poder Judiciai, e não póde compelir ao Tribunal do Thesouro Publico, sem attentado contra a independencia daquelle Poder; — que taes titulos não devem continuar a expedir-se, ou por inuteis se os interessados estão concordes, ou por exorbitantes e attentatorios, quando entre elles ha controversia; por isso que por taes titulos não póde o Tribunal conferir mais direitos, que os comprehendidos nas disposições da lei, cuja intelligencia lhe não cumpre fixar.

E por quanto a commissão sómente vê nelles a possibilidade de serem considerados, ainda que indevidamente, como interpretações da lei, e de servirem, por este pretexto, de algum embaraço para as decisões no fôro contencioso, entende ser necessaria, e muito conveniente uma providencia geral sobre tal assumpto, e por isso tem a honra de offerecer á Camara o seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º Fica revogado o artigo 48.º do decreto de 11 de agosto de 1847, salvo com respeito aos donatarios, que estiverem no caso de que tracta o artigo 19.º da carta de lei de 2-3 de junho de 1846; e são declarados sem effeito algum juridico em juizo, os titulos que se tiverem expedido pelo Tribunal do Thesouro Publico, em outros casos que não seja o que fica exceptuado.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 8 de maio de 1849. — Bento Cardoso de Gouvêa Pereira Côrte Real, João Elias da Costa Faria e Silva, Luiz d'Almeida Menezes e Vasconcellos, Eusebio Dias Poças Falcão, Antonio do Rego de Faria Barbosa, Antonio de Mello Borges e Castro, José Maria Pereira Forjaz, João de Sande Magalhães Mexia Salema, Joaquim José Pereira de Mello.

O Sr. Vaz Preto: — Peço que V. Ex.ª consulte a Camara se dispensa a discussão na generalidade, para se passar desde já á especialidade.

Assim se resolveu por unanimidade) e seguidamente sem discussão, e tambem unanimemente foram approvados os dois artigos do projecto.

Passou-se ao projecto n.º 53.

E o seguinte

Relatorio. — Senhores. — A commissão de Fazenda, examinando o requerimento que a esta Camara dirigiram D. Marianna Chaves Scarnichia, e D. Emilia Ventura Chaves Scarnichia, reconheceu, em vista dos documentos juntos e das informações do Governo que na carta de lei de 23 de agosto ultimo, foi mencionada D. Frederica Chaves Scarnichia, tendo fallecido em 12 de junho, foi omittido o nome da segunda, e houve troca no nome da terceira: e por tão justos fundamentos tem a honra de submetter á approvação desta Camara o seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º — A disposição do § 1.º do artigo 1.º da carta de lei de 23 de agosto de 1848, e applicavel a D. Maria Chaves Scarnichia e a D. Emilia Ventura Chaves Scarnichia, e fica de nenhum effeito em quanto a D. Frederica Chaves Scarnichia, e D. Anna Ventura Chaves Scarnichia,

Artigo 2.º — Fica deste modo declarado o referido 1. do artigo 1.º da carta de lei de 23 de agosto de 1848.

Sala da commissão, 5 de maio de 1849. — Visconde de Castellões, Antonio José d'Avila, José Lourenço da Luz, Bernardo Miguel d'Oliveira Borges, Eusebio Dias Poças Falcão Luiz Coutinho de Albergaria Freire, Agostinho Albano da Silveira Pinta, Augusto Xavier da Silva.

O Sr. Passos Pimentel: — Peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara, se dispensa a discussão na generalidade, para se passar desde já á especialidade.

Página 315

(315)

Assim se resolveu por 48 votos contra 1, e seguidamente foram approvados sem discussão o artigo 1.º por 49 votos contra 1, e o artigo 2.º por 53 votos contra 3.

Passou-se ao projecto n.º 76.

E o seguinte

A commissão do orçamento, tendo examinado a proposta de lei n.º 22 D, que o Governo apresentou a esta Camara com o seu relatorio, de 19 de março do corrente anno, não podia deixar de a considerar com uma attenção igual á sua importancia e transcendencia.

Por esta proposta, pede o Governo ser auctorisado para reformai e alterar a legislação que regula o lançamento da decima mais impostos directos, com o fim de que desta contribuição ninguem seja isempto, estabelecendo prasos para o seu lançamento, abertura dos cofres, e sua arrecadação executiva, e adoptando para o lançamento da decima industrial uma tabella de taxas, calculada de maneira, que não seja gravosa aos contribuintes, nem prive a fazenda publica dos recursos que lhe estão estabelecidos pelas leis. Igualmente propõe ser auctorisado para reorganisar as repartições centraes da fazenda nos districtos administrativos, e as recebedorias nos concelhos, a fim de por este meio estabelecer a mais segura arrecadação das contribuições publicas, obrigando todos os exactores a prestarem contas regulares, mandando fazer visitas de surpreza, e conhecer da gerencia dos responsaveis, procedendo criminalmente contra aquelles que se mostrarem em alcance, ou em móra no cumprimento das suas obrigações; e pedindo que se lhe conceda auctorisação para revêr os direitos de mercê, sello, transmissão de propriedade, e das sizas, propõe que nenhum contracto de que este imposto se deva, possa ser celebrado, e servir de prova em juizo, não sendo feito por escriptura publica, devendo comprehender-se naquella auctorisação tambem todos os impostos indirectos que não forem dos que se pagam nas alfandegas maritimas e da fronteira para os por em harmonia com o interesse dos povos e da fazenda publica.

Não póde entrar em duvida que as contribuições e impostos de que se compõe a receita do estado, precisam de ser revistas para que não destruam a materia tributavel por excessivas, e para que pesem com igualdade sobre todos os contribuintes; e é tambem certo que a nossa organisação, pelo que respeita á administração e serviço de fazenda publica, carece de ser alterada, dando-se força á auctoridade para que possa fazer effectiva a arrecadação, e simplificando-se os methodos de contabilidade estabelecidos, de modo que os ponha ao alcance de todos: é difficil, porém, estabelecer as bases desta reforma sem attender aos interesses que a ligam com a administração do paiz; e por isso a commissão, nesta parte dos seus trabalhos, teve por muito inconveniente acceitar os limites que o Governo propoz, entendendo que devia conceder-lhe uma auctorisação mais ampla não só para reformar as repartições da fazenda, encarregadas da arrecadação dos impostos, mas tambem as repartições superiores, as quaes necessitam de algumas alterações que as ponham em harmonia com as attribuições concedidas ao Conselho d'Estado como tribunal superior administrativo, e as organisem de modo que possam corresponder melhor aos fins da sua instituição; e attendendo tambem ao projecto de lei, apresentado nesta Camara pelo Sr. Deputado Agostinho Albano da Silveira Pinto, sobre a reorganisação do tribunal do Conselho Fiscal de Contas, propõe igualmente as disposições que lhe parecerem convenientes para que o mesmo tribunal possa desempenhar as suas attribuições fiscaes com conveniencia do serviço, e dando um caracter de permanencia, como era necessario, ás providencias com que a lei de 26 de agosto de 1848 regulou a contabilidade, arrecadação e fiscalisação dos rendimentos publicos, entende ter assim satisfeito ao pensamento do mesmo projecto, na parte em que não é regulamentar.

A commissão, desejando que se leve a effeito a organisação das alfandegas, como muito convém, e reconhecendo que a lei de 26 de agosto de 1848, auctorisando o Governo para reformar o seu expediente e despacho, e para regular os depositos e a fiscalisação, não é comtudo explicita em o auctorisar para estabelecer as restricções a que deve ficai sujeita a navegação mercante, quando se aproxime das nossas costas, entendeu que era conveniente tornar mais ampla aquella auctorisação, propondo que o Governo possa adoptar medidas conformes com os usos, e direitos estabelecidos em outras nações para reprimir todas as tentativas que os capitães ou mestres das embarcações, possam fazer para introduzir nas nossas costas uma parte das suas cargas com descaminho dos direitos.

Não era menos necessario que se comprehendesse nesta auctorisação, concedida ao Governo, a faculdade de póder simplificar o processo de tomadias por contrabando, e descaminhos, restabelecendo a alçada que pelo foral era concedida aos chefes das alfandegas, para que o valor das apprehensões de pequena importancia não fique absorvido pelas custas do processo, como em muitos casos acontece em prejuiso da Fazenda, e desalento dos apprehensores. A commissão não viu nesta concessão perigo algum, porque em materia de impostos indirectos, ou descaminhos, a unica questão que ha a conhecer, é a de examinar se a contravensão á lei existe, e provado este facto, só resta applicar-lhe a pena; e menos perigo existe ainda, quando esses processos tem de subir ao tribunal do Thesouro Publico para conhecer da sua regularidade.

As sizas tem progressivamente decaído do rendimento desde que pela lei de 2 de outubro de 1841 foram elevadas a 10 por cento, o que é devido entre outras causas ás disposições da Reforma Judiciaria, que dão á prova de testemunhas, e aos escriptos particulares a mesma fé que á escriptura publica, subtrahindo-se assim a este imposto um muito consideravel numero de transacções. O Governo, pelos meios que propõe, procura evitar o effeito desta lei, tendo em vista melhorar este rendimento, diminuindo mesmo, se fôr necessario, o quantitativo do imposto, e é para isso que pede se lhe conceda auctorisação para rever não só as sizas, direitos de mercê, sello, e transmissão de propriedade, mas tambem todos os impostos indirectos, que não forem dos que se pagam nas alfandegas maritimas e da fronteira.

Estas auctorisações que pela sua trancendencia não podiam deixar de merecer a mais attenta consideração da commissão, foram pausadamente discutidas com os membros da nova Administração, que, conformando-se com as resoluções que a commissão ha-

Página 316

(316)

via tomado sobre os objectos expostos, concordou tambem em que existindo nas leis disposições que podem melhorar consideravelmente a arrecadação dos impostos que nas referidas auctorisações se comprehendem, convinha que só se procedesse á sua revisão quando pela execução dellas senão podesse conseguir um sensivel melhoramento nos seus rendimentos.

Nestas circumstancias entendeu a commissão que devia limitar os seus trabalhos aos objectos que tem indicado, propondo ao mesmo tempo que se auctorise o Governo para proceder ao lançamento da decima e mais impostos annexos do anno civil de 1849, e que se adoptem outras provisões que hão de necessariamente interessar o melhor serviço publico, e a arrecadação das sizas.

E por este modo que a commissão do Orçamento dá conta a esta Camara dos trabalhos de que foi incumbida, offerecendo-os á sua approvação no seguinte

Projecto de lei. — Art. 1.º O Governo e auctorisado para reformar a administração superior da fazenda publica, pondo as suas atribuições em harmonia com as que se acham concedidas ao Conselho d'Estado, como Tribunal Superior Administrativo, comprehendendo-se nesta o tribunal do Thesouro Publico.

Art. 2.º E igualmente auctorisado o Governo para reformar o tribunal do Conselho Fiscal de Contas, habilitando-o a desempenhar as suas funcções fiscaes.

Art. 3.º Os membros do tribunal de Contas serão perpetuos, e só por sentença perdem os logares, podendo comtudo ser suspensos por decreto real, guardadas as solemnidades legaes, ou em consequencia de pronuncia por crime, ou erros de officio; e serão aposentados pela fórma, e nos termos que a lei houver estabelecido, quando por molestia se impossibilitem de servir, precedendo consulta do mesmo tribunal.

Art. 4.º As disposições mencionadas no capitulo 5.º da lei de 26 de agosto de 1848 sobre a contabilidade, e fiscalisação dos rendimentos publicos, são declaradas em vigor para que a sua execução seja permanente.

Art. 5.º E o Governo auctorisado para reformar as repartições da fazenda dos governos civis, subordinando-as immediatamente ás repartições superiores da fazenda, se assim o julgar mais util ao serviço, devendo nesta reforma ter em vista que as quotas dos recebedores não comprehendam os conhecimentos de cobrança que se relaxarem, e que os cofres centraes se conservem para sua maior segurança em poder de clavicularios.

Art. 6.º O Governo mandará proceder ao lançamento e arrecadação da decima, e impostos annexos do anno civil de 1849, fazendo os regulamentos necessarios na conformidade das leis. Nestes regulamentos deverá estabelecer os prasos em que deve achar-se concluido o lançamento, fazer-se a abertura dos cofres, o relaxe para execução dos contribuintes em divida, e o tempo em que essas execuções devera achar-se concluidas; bem como regulará as multas em que tem de incorrer os agentes encarregados desse serviço quando se mostrarem ommissos no desempenho delle.

§ 1.º As companhias commerciaes serão collectadas nas freguezias onde tiverem os seus escriptorios, e os empregados dellas nas freguezias em que forem moradores.

§ 2.º Os quatro por cento das rendas são devidamente devidos pela renda da casa em que cada um residir.

N.º 1.º Quando o collectado residir na loja, armazem, ou outro qualquer estabelecimento, pagará o referido imposto pela importancia da renda désse estabelecimento.

N.º 2.º Os armazens de retem ou de deposito, e outros quaesquer em que não hajam generos expostos á venda, não são sujeitos a esta contribuição, menos na parte delle que fôr occupada por algum morador.

§ 3.º As disposições mencionadas nos dois paragrafos antecedentes, são applicaveis aos lançamentos dos annos anteriores.

Art. 7.º A auctorisação concedida ao Governo para reformar as alfandegas, comprehende além das disposições que se acham mencionadas na lei de 26 de agosto de 1848, e que ficam em vigor:

1.º Estabelecer as restricções necessarias para impedir que os navios, ou quaesquer embarcações que se aproximarem daa costas, possam ancorar ou bordejar dentro dos limites sujeitos á fiscalisação, sendo obrigados a seguir viagem, ou o seu destino quando vierem para os portos do Reino, podendo os officiaes das alfandegas exigir-lhes o manifesto da carga, e quando tiverem desconfiança conservarem-se abordo até á sua entrada no pôrto.

2.º Os processos de tomadias, cujo valor não excedei a sessenta mil réis, serão decididos administrativamente pelos chefes das alfandegas em Mesa, na fórma de foral das alfandegas; mas as partes poderão interpor recurso dessa decisão para o tribunal do Thesouro Publico.

Art. 8.º O Governo mandará continuar os trabalhos cadastraes do Reino, propondo ás Côrtes quaesquer medidas que sejam necessarias para dar o desenvolvimento possivel a este importante serviço.

Art. 9.º Para fazer effectivo o pagamento das sisas, o Governo fará pôr em execução e inteira observancia todas as leis e regulamentos fiscaes, sobre a sua arrecadação e cobrança, nos termos que se acha determinado pelo art. 3.º da lei de 2 de outubro de 1841.

Art. 10.º Os contractos de compra e venda de bens immoveis feitos por escriptos particulares, não terão validade em juizo, nem para as partilhas entre coherdeiros, nem para as transacções como terceiros.

§ unico. Serão, porém, validos em juizo para todos os effeitos, os contractos feitos por escriptos particulares, que não excederem a cincoenta mil réis, pagando a competente siza.

Art. 11.º O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer das auctorisações que por esta lei lhe são concedidas na sua mais proxima reunião.

Art. 12.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 25 de junho de 1819. — Agostinho Albano da Silveira Pinto. = João Pereira Crespo. = Joaquim José Pereira de Mello (com declarações). = Luiz Coutinho d'Albergaria Freire. — Bernando Miguel de Oliveira Borges. = José Lourenço da Luz. = Conde de Linhares (D. Rodrigo). = Eusebio Dias Poças Falcão. — Mexia Salema. = Augusto Xavier da Silva. — José de Mello Gouvêa. = Augusto Xavier Palmeirim (com declarações.)

Página 317

(317)

Proposta de lei a que se refere o projecto antecedente.

Art. 1.º E o Governo auctorisado a reformar o actual lançamento da decima e impostos annexos, de maneira que a collecta não exclua ninguem, que pelas leis esteja sujeito a este tributo, ordenando para esse fim uma tabella de taxas, que nem sejam gravosas aos contribuintes, nem privem a fazenda dos recursos, que lhe estão estabelecidos pelas mesmas leis.

Art. 2.º Na reforma do actual lançamento da decima e impostos annexos se adoptarão os methodos mais simples, e se estabelecêra tambem um prazo, dentro do qual elle se conclua; outro para os cofres se abrirem, e dentro do qual tambem a cobrança se deva fazer; e ainda um, para terem logar os relaxes, e se concluirem as execuções contra os contribuintes omissos.

Art. 3.º E tambem auctorisado o Governo a estabelecer nesta ordenança do lançamento da decima e impostos annexos as penas, em que devem incorrer todos os empregados, que são chamados a este serviço, e ao da sua cobrança e execução contra os contribuintes refractarios.

Art. 4.º O Governo e auctorisado a revêr os direitos de mercê, sello, transmissão de propriedade, licenças, e siza; regulando estes impostos de modo que não sejam gravosos aos contribuintes, nem prejudiquem os interesses da fazenda, e prescrevendo as penas, em que devem incorrer as auctoridades e os agente, a quem compete a sua fiscalisação.

Art. 5.º Desde a publicação da presente lei nenhum contracto, de que se deva siza, se poderá provar em juizo, senão por escriptura publica, na qual vá inserto o respectivo conhecimento; e o tabellião, que o fizer sem elle, incorre na pena do perdimento do officio, e no dôbro da siza, que deixou de pagar-se.

Art. 6.º E igualmente auctorisado o Governo a revêr todos os impostos indirectos, que não forem dos que se pagam nas alfandegas maritimas e da fronteira, e a po-los em harmonia com os interesses dos povos e da fazenda publica.

Art. 7.º Pelo mesmo modo e auctorisado o Governo a trazer pagos sempre em dia todos os empregados de fazenda, em quanto continuarem alguns atrasamentos no pagamento dos vencimentos dos servidores do estado, e a estabelecer os ordenados das alfandegas pelo cofre dos emolumentos.

Art. 8.º O Governo, quando lhe pareça conveniente, nomeará visitadores, que vão examinar, como nas alfandegas se observa a lei, e se os respectivos empregados cumprem as suas obrigações, procedendo em resultado destas diligencias na conformidade das leis.

Art. 9.º E o Governo auctorisado a reformar toda a administração de fazenda sobre as bases seguintes:

1.ª O cofre central do districto entregue a um só exactor, sem mais empregados do Governo, e reformada a actual repartição de fazenda.

2.ª Haverem cobradores gratuitos em cada freguezia para a cobrança dos impostos, nomeados pelas camaras municipaes sob a responsabilidade do respectivo recebedor do concelho.

3.ª Estabelecer prasos para o relaxe de todos os Impostos e quaesquer dividas da fazenda e para as execuções se darem concluidas.

4.ª Poder o Governo nomear junto de cada administrador um escrivão, e um official de diligencias, a quem pertençam todos o negocios de fazenda, e privativamente os processos de execuções fiscaes.

5.ª Poder o Governo proceder a syndicancia por empregados superiores de fazenda, aonde julgar conveniente, e estes aos competentes autos, pelos facto, que acharem.

6.ª A responsabilidade effectiva em todos os empregados, a quem pertencer a gerencia financeira, e a cobrança e arrecadação dos impostos.

7.ª Simplicidade na cobrança, e o menos vexame possivel contra o» contribuintes refractarios, abolidos expressamente os emolumentos dos recebedores.

8.ª Balanço todos os mezes nos cofres de districto e de concelho, e as contas dos exactores prestadas e julgadas todos os annos.

9.ª Procedimento criminal, quando os balanços, ou os saldos não estiverem conformes com a escripturação.

10.ª Os exactores de fazenda prestarem fiança em dinheiro pela importancia da receita de tres mezes.

Art. 10.º Logo que se chegue a igualar a despeza com a receita, ou o deficit pelo menos se ache consideravelmente attenuado, o Governo addicionará a todas as contribuições publicas dez por cento, com que fundará uma caixa de amortisação, destinada ao pagamento dos juros e capitulo de toda a divida publica fundada interna e externa.

Art. 11.º Fica revogada qualquer legislação em contrario

Ministerio dos Negocios da Fazenda, 19 de Março de 1819. — Antonio Roberto d'Oliveira Lopes Branco.

O Sr. Agostinho Albano: — (Sobre a ordem) No artigo 6.º n.º 2.º ha um êrro typografico, deve ser unicamente, e não devidamente; e estes e mesmo alguns erros de redacção devem ser salvos. Pedi a palavra unicamente para advertir isto.

O Sr. Presidente: — Tambem segundo a rectificação feita acha-se a falta da palavra sello no relatorio da commissão, e no n.º 2.º do artigo 7.º aonde se diz tribuna, deve dizer-se tribunal.

O Sr. Carlos Bento: — (Sobre a ordem) — Parece-me que em presença da importancia do projecto, que é visivel pelas disposições que elle contém, e á vista de varias outras circumstancias, taes como por exemplo isto ser um voto de confiança pedido pelo Ministerio anterior, que é preciso que se saiba se é acceito pelo Ministerio actual, parece-me que é indispensavel que o Sr. Ministro da Fazenda esteja presente; pela natureza do projecto é evidente que a presença do Sr. Ministro da Fazenda é necessaria nesta discussão, e eu pedia a V. Ex.ª que consultasse a Camara, se este projecto póde discutir-se na ausencia de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda: effectivamente quem tiver de impugnar este projecto não esta á sua vontade na ausencia do Ministro respectivo.

O Sr. Presidente do Conselho: — O Governo convem na discussão deste projecto, ena necessidade de se discutir; o Sr. Ministro da Fazenda esta na outra Camara, e já lhe fiz aviso para que compareça

Página 318

(318)

Immediatamente nesta; não o tem feito até agora, porque estava occupado com a discussão do orçamento; mas isto não tira que a Camara possa entrar na discussão da generalidade do projecto, porque eu estou presente, e se fôr necessario responder a alguma pergunta do nobre Deputado, não tenho duvida nenhuma em o fazer.

O Sr. Agostinho Albano: — (Sobre a ordem) — Este projecto, Sr. Presidente, foi hontem pedido para a discussão de hoje pelo Sr. Ministro da Fazenda; já se vê que esta simples observação designa por si só que o Sr. Ministro da Fazenda esta de accordo com as suas disposições, porque hontem foi por elle pedido para ser discutido; basta esta circumstancia da approvação do Governo, que foi agora confirmada pelo nobre Presidente do Conselho de Ministros, para responder ao Sr. Deputado, e além disso a mesma commissão se faz cargo dessa circumstancia, quando diz no seu relatorio que este negocio foi tractado de accordo com a Administração actual «que sendo de muita trancendencia estas auctorisações foram pausadamente discutidas com os Membros da nova Administração» e particularmente com dois membros da Administração actual, um que tinha sido Presidente da commissão de Fazenda, porque este projecto já veio da commissão de Fazenda, e outro, o Sr. Ministro da Fazenda actual, que conveio nos seus artigos todos, e ultimamente elle mesmo o pediu para a discussão; entretanto como esta presente o Sr. Ministro do Reino que confirma tudo isto, acho que não podia haver alguma duvida em tractar-se do projecto na sua generalidade, conforme se entender, em quanto não póde estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, a quem especialmente pertence o mesmo projecto. S. Ex.ª acha-se occupado, segundo ouvi, com a discussão do orçamento na outra Camara, mas tambem segundo ouço, elle não tardará ahi.

Estas são as informações que tinha a dar á Camara e ao illustre Deputado.

O Sr. Presidente: — Não ha ninguem inscripto sobre a generalidade.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Teço a palavra.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu peço a palavra, Sr. Presidente, porque vejo que ninguem a pediu; não tinha tenção de fallar nesta materia; não a tinha estudado, mas para que a Camara não approve isto. silenciosamente, entendo que devo dizer alguma cousa (alguns Srs. Deputados pedem a palavra ]j pelo menos quero ter a honra de abrir o debate.

Sr. Presidente, quando o Sr. Ministro da Fazenda transacto deixou a Administração, antes disso já eu tinha declarado por varias vezes, que não approvava esta auctorisação; o Governo anterior pediu por este projecto nada menos que auctorisação para reformar toda a legislação, que regula o lançamento da decima, e mais impostos directos; auctorisação para reformar o lançamento da decima industrial; auctorisação para impôr penas aos empregados deste ramo, e aos contribuintes refractarios; auctorisação para rever os direitos de mercê, sello, transmissão de propriedade, licenças, e sisa; auctorisação para revêr todos os impostos indirectos, que não são pagos pelas alfandegas. Pedia tudo isto; achava que tudo isto lhe era bastante; mas a illustre commissão de Fazenda ainda concede ao Governo mais auctorisação: concede ao Governo auctorisação para reformar as repartições de fazenda, encarregadas da arrecadação dos impostos, e não só estas, mas tambem as repartições superiores, e tambem concede auctorisação ao Governo para reorganisar o Supremo Tribunal de Contas. Não só a commissão de Fazenda concedeu ao Governo todas as auctorisações que o Governo transacto lhe pediu, mas ainda outras novas!

Eu, Sr. Presidente, declaro francamente que não tenho indisposição nenhuma contra o actual Ministerio, mas entre esta disposição, e approvar a êsmo uma quantidade de auctorisações, como esta, ha uma grande differença, e espero que os nobres cavalheiros que formam o Ministerio, tomarão esta opinião não como opposição acintosa, mas porque entendo que tendo eu declarado por mais de uma vez, que não dava auctorisações ao Governo, se eu fosse approvar agora estas auctorisações, dava a entender que a minha opposição tinha sido ás pessoas, e não ao Governo; ora eu declaro francamente que eu além de não commungar a politica dos cavalheiros que compunham a Administração transacta, tinha motivos sufficientes para ter indisposição pessoal; agora com os cavalheiros que compõem a actual Administração, não tenho razão nenhuma para ter indisposição pessoal, porque já declarei aqui nesta Camara, e declaro agora, que nos cavalheiros que a compõem, vejo eu cordura de caracter, lealdade de intenções, garantias estas de que SS. Ex.ªs hão de tractar de remediar o cahos, e a confusão, em que estão todos os negocios de fazenda. Mas, digo, que apesar destes preconceitos que tenho pelas intenções de SS. Ex.ªs, e esperanças que eu nutro, todavia não posso por coherencia comigo mesmo, pela dignidade deste Parlamento, e pela lealdade das minhas expressões, approvar uma cousa que tinha declarado, que havia de condemnar, porque se eu approvasse estas auctorisações, auctorisava a Camara, e o paiz para que julgasse, que a minha opposição era a certas, e determinadas pessoas, e não aos principios. Ora é por coherencia com estes meus principios, que não posso dar a minha approvação a este projecto; approvação que de certo não é, nem necessaria, nem prejudicial, porque o Governo conta uma maioria numerosa; a minha opposição esta longe de prejudicar as idéas, que os Srs. Ministros teem; a minha opposição é para mostrar que não ha unanimidade, porque havendo unanimidade, havia tyrannia, e decerto um Governo liberal não havia de querer que o Parlamento approvasse todas as medidas, sem que uma voz se levantasse contra. Eu não tinha, como já disse, tenção de pedir a palavra; pedi-a forçado pelo silencio que vi, porque seria uma cousa nunca vista, que discutindo-se um projecto, que reveste o Governo de auctorisações gravissimas, accrescentadas pela illustre commissão de Fazenda, seria, digo, uma cousa nunca vista em Parlamento algum, que quando se abrisse a discussão sobre isto, nenhum Deputado pedisse a palavra. Pedi pois a palavra para dignidade do principio parlamentar, e em virtude de uma grande theoria, porque seria uma cousa inqualificavel, e injustificavel, se quando se discutia um projecto de alta importancia, a camara ficasse em silencio.

Nesta conformidade, Sr. Presidente, em coherencia com os principios enunciados por mim mais de uma vez, declaro que não posso approvar este projecto.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, eu não

Página 319

(319)

tinha tenção de fallar na discussão da generalidade deste projecto; não sei se na especialidade se offereceria occasião de eu dizer alguma cousa; na generalidade não tinha tenção de fallar; porém vi-me precisado a isso, porque o illustre Orador, e meu amigo, que encetou a discussão. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Peço a palavra) pareceu-me lançar algumas allusões, ás quaes eu julgo dever dar alguma rectificação.

Sr. Presidente, desde que me sento nesta Camara não tenho feito outra cousa, senão pedir reformas, e particularmente no que diz respeito aos negocios de fazenda; ora seria muito incoherente quem pedindo reformas, reformas que não se podem, nem ha tempo de se fazerem aqui, nem mesmo tambem se podem fazer bem, sem que venham primeiramente por iniciativa do Governo, negasse ao Governo auctorisação para as fazer (apoiados), particularmente quando essas reformas não envolvem providencias, que ataquem essencialmente nenhuma das principaes regalias do Corpo Legislativo, e taes são as que por uma rapida leitura (porque a fallar a verdade hontem não estava cá, não sabia o que se tinha dado para ordem do dia) eu vejo na maior parte dos artigos, de que se compõe este projecto; já digo póde ser que lendo attentamente, na especialidade um ou outro artigo, eu possa propôr alguma alteração; mas na generalidade de que se tracta? De auctorisar o Governo para reformar convenientemente as repartições de fazenda, que tanto carecem disso. Tracta-se de reformar a administração superior de fazenda. Oh! Sr. Presidente, eu tenho aqui bradado a cançar os pulmões sobre a necessidade reconhecida por todo o paiz de reformar a administração superior de fazenda. Tracta-se de reformar o tribunal do Conselho Fiscal de Contas. Tracta-se de tornar permanentes disposições já approvadas por esta Camara como muito convenientes, mas que tinham um caracter provisorio. Tracta-se de reformar as repartições de fazenda dos governos civis. Quantas vezes increpei eu o Ministerio anterior por não olhar para esse objecto, porque as repartições de fazenda dos governos civis estão no mais pessimo estado de contabilidade, que dar se póde, e a prova tem-se aqui apresentado, porque teem sido immensas as queixas, que teem saido dos bancos do Ministerio, mostrando a impossibilidade em que estava o mesmo Governo de poder dar contas, e poder regular a sua contabilidade pela má ordem, que havia na contabilidade das repartições subalternas? Tracta-se de fazer melhoramentos no lançamento de arrecadação da decima. Ainda não ha muitos dias, que eu fallei sobre este ponto, e fallei com bastante calor, mostrando a necessidade que havia de tomar em conta este objecto. Tracta-se de reformar as alfandegas; tambem não ha muito tempo, que eu estranhei muito ao Governo passado o não ter usado da auctorisação que já o anno passado teve para fazer esta reforma: e agora vindo o Governo pedir auctorisação para fazer esta reforma, se lhe negasse esta auctorisação, era o mesmo que dizer — não quero que se faça esta reforma — o que era uma incoherencia. Portanto não se diga que por espirito efe opposição se deve negar ao Governo uma auctorisação (fallo na generalidade) desta ordem para reformar, quando a opposição tem clamado sempre pela necessidade de reformas; e por isso não acceito qualquer allusão, que por ventura se faça á alteração das minhas convicções, concedendo agora uma auctorisação ao Governo para fazer reformas, quando eu tenho sempre estranhado aos Governos, que até agora teem havido, o não as terem feito. E preciso que o Governo durante a ausencia do Parlamento faça esta reforma; prepare os trabalhos, e venha na sessão seguinte apresenta-los, para serem reduzidos a lei; e entretanto o paiz vá colhendo desta medida algum beneficio.

As minhas convicções são ainda hoje as mesmas, que eram até aqui; não direi comtudo, que não possa haver mais ou menos confiança a respeito de um, ou outro Ministerio; porque o Ministerio passado, por uma successão de actos que duravam ha muito tempo, tinha feito que para com elle se perdesse toda a confiança; no Ministerio actual não tenho confiança, nem desconfiança, porque ainda não é tempo de o julgar pelos seus actos. Portanto, em geral, não tenho duvida dar auctorisação a qualquer Governo para reformar, porque é isto a primeira necessidade do paiz; sem o que nem a nossa fazenda se poderá organisar, nem o Parlamento poderá fazer trabalhos na sessão futura, e terá de retirar-se com o mesmo desgosto, que se retira este anno, sem ler podido organisar a fazenda publica. E desde já digo uma cousa: uma vez que o Parlamento conceda esta auctorisação, eu serei muito rigido em exigir do Governo a execução della, quando se abrir a sessão do anno futuro: assim como tambem direi, que se o Ministerio actual usar mal desta auctorisação, tambem na sessão seguinte lhe farei a censura que merecer.

Por todas estas considerações em geral, estou disposto a conceder ao Governo a auctorisação, que vem consignada neste projecto, para reformar as repartições de fazenda dos governos civis, subordinando-as ás repartições superiores de fazenda, e melhorar a fazenda, e a arrecadação dos impostos; sem o que nenhum Governo póde ter meios de viver. Quando se tractar da discussão da especialidade, então verei, se em alguma ou outra parte se offerece alguma duvida, e apresentarei as emendas, que julgar convenientes.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — » Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei, que o Governo julga urgente, que tem por fim prorogar por mais tres annos, com alguma modificação, a carta de lei de 13 de fevereiro de 1845, para, pelo modo mais conveniente, se procurar a extincção do insecto, que destroe as larangeiras na Ilha de S. Miguel (leu-a).

Depois de lida na Mesa, foi julgada urgente por unanimidade, e remettida á commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente: — Continua a discussão da generalidade do projecto n.º 76, e tem a palavra o Sr. Carlos Bento.

O Sr. Carlos Bento — Sr. Presidente, nas circumstancias em que nos achamos, não póde haver uma discussão séria e pausada; não póde haver senão o simulacro d'uma discussão; estamos (como se costuma dizer) com o pé no estribo; quaesquer que sejam os nossos desejos, não podémos desvanecer a impressão destas circumstancias desfavoraveis; não podémos empregar toda a força das nossas convicções, por isso que não temos em disponibilidade todas as fôrças intellectuaes. Com isto não quero accusar os outros, accuso-me a mim; por que muitas

Página 320

(320)

vezes o cançasso tem-me obrigado a retirar da Sala; repito, não faço accusação aos outros, mas o caso e que se veem os bancos desertos; e isto revela que a Camara não se acha actualmente em estado de poder desempenhar toda a sua missão; acontece-lhe o mesmo que acontece a todas as assembléas, passado certo periodo de tempo. Porém, além de tudo isto, ha uma cousa, que invalida as disposições deste projecto. Em primeiro logar o projecto não é originario do Governo; é um projecto herdado do Ministerio transacto; em quanto o Governo tractou de acceitar os meios, que o seu antecessor lhe deixou para fazer face as despezas correntes, entendi que se lhe deviam dar estes meios, porque o Governo precisa existir, e precisa pagar as despezas diarias; mas agora acceitar o Governo um voto de confiança de um alcance ião importante, como este é, quando ha poucos dias elle nos veiu dizer, que não podia acceitar a lei de estradas, porque tinha necessidade de reflectir sobre ella, não sei que isto possa significar! Eu pelo menos não posso comprehender quaes hão de ser as consequencias, que hão de resultar d'um voto de confiança dado nesta situação. Se o Ministerio não póde acceitar a lei de estradas, a respeito da utilidade da qual ninguem póde ter discordancia, porque a respeito da necessidade de haver estradas, não póde haver a menor duvída, se o Ministerio propôz o adiamento desta lei, e a Camara o approvou, como se póde agora conceder esta auctorisação ao Governo? Eu entendo que a Camara vai dar ao Governo um voto de confiança sobre um assumpto importante, que não significa nada: e não se diga que o Governo, no espaço de tempo, que decorre até janeiro póde preparar os trabalhos respectivos á auctorisação, que se lhe concede, porque em seis mezes não póde esta auctorisação praticamente produzir as vantagens, que se incluem neste voto de confiança dado ao Governo; além de que o Governo não precisa de auctorisação para apromptar estes trabalhos. Pois o Governo precisa que nós o auctorisemos para trabalhar. De maneira nenhuma; é um abuso de voto de confiança em um objecto importantissimo.

O Governo no pequeno intervallo que existe entre o encerramento da presente sessão legislativa e a abertura da sessão seguinte, não tem tempo de se applicar ás reformas para que é auctorisado por esta lei, e então na sessão seguinte póde aqui apresentar as bazes sobre estas reformas, que devem vir a esta Camara, e esclarecer-se melhor pela discussão, e não vejo portanto grande conveniencia em se dar agora este voto de confiança. E se nós virmos com a attenção devida este objecto; se reflectirmos um pouco sobre elle, convencer-nos-hemos de que aqui não ha nada de positivo, nada de determinado; ha um certo vacuo, que mostra bem claramente que os illustres cavalheiros, que assignaram este parecer, ainda não teem idéas fixas sobre os pontos, em que se concede voto de confiança... Pois sobre que versa este projecto. Não é o objecto principal a respeito da organisação de fazenda, por que os mais serios inconvenientes resultariam deste estado, em que se acha a arrecadação e fiscalisação dos dinheiros publicos? Então estará segura a illustre commissão do bom resultado, que se ha de colher num ponto, em que o projecto devia ser mais explicito e terminante? Sabe V. Ex.ª o que isto prova? E a precipitação, com que se quer dar esta auctorisação,

com que se quer conceder um voto de confiança. Ora o art. 5.º por ex. (Uma voz: — Não esta em discussão) O Orador: — Bem sei que não esta em discussão, mas cito este artigo, porque elle invalida (na minha opinião) o voto de confiança, que sequer dar. Que diz este artigo? — «E o Governo auctorisado para reformar as repartições da fazenda dos governos civis, subordinando-as immediatamente ás repartições superiores da fazenda, se assim o julgar util ao serviço etc.» De maneira que esta ainda esta reforma pendente de uma questão de conveniencia ou inconveniencia; não é positivo, não é certo. E então isto o que remedeia? Nada. De modo que sobre os pontos mais importantes nós estamos ainda na duvida se será ou não será util ao serviço a reforma; e por consequencia voto de confiança para que? O Governo ha de fazer uma cousa, se suppozer que é boa; e não ha de fazel-a, se suppozer que é má; — de modo que este vacuo é para tudo. Se o Governo julgar que é conveniente, fazem-se reformas, se julgar que não é conveniente, não se fazem. Pois, Sr. Presidente, a duvida a respeito de um ponto tão importante, que se crê que deve servir de base á futura organisação da fazenda, indica muita precipitação em querer conceder este voto de confiança. Não ha nada que produza um effeito tão triste, como presistir a gente em alimentar enganos que todos os annos se reproduzem.

Sr. Presidente, sabe V. Ex.ª o que eu vejo neste projecto? E cercar o Governo por muitas pertenções pessoaes, que o collocam em impossibilidade de levar á execução esta auctorisação, por que não póde livrar-se dos muitos pertendentes que todos os dias apparecem para entrar no serviço publico, e todos nós sabemos quanto é penosa esta situação de responder em face de pertenções desta ordem, que na presença desta auctorisação recrudecem, e os Srs. Ministros, que não estão em estado de satisfaze-las, declaram as secretarias em estado de sitio (riso). E a consequencia immediata de auctorisações desta natureza; — os Srs. Ministros vêem-se na mais triste situação; teem de fazer barricadas contra os pertendentes, que hão de assalta-los com toda a energia, por que não ha lei positiva, com que possa prohibisse o cairem em chusma sobre as secretarias. Em quanto essa reforma é feita no Parlamento — não posso — diz o Governo, e livra-se delles; mas desde desde que se votar um projecto destes, realmente não sei, como o Governo se possa livrar delles; — depende da sua vontade — dizem-lhe logo a qualquer reflexão; por que a auctorisação é ampla, e esta nas attribuições dos Srs. Ministros — Ora o» Srs. Ministros são homens, por conseguinte como hão de ter a certeza, de que não hão de fraquejar, e levar de vencida taes pertenções? Eis aqui como se prejudicam muitas vezes os interesses publicos, por que é necessario que os Srs. Ministros tenham forças mais que humanas para resistir a estas per

Não é a primeira vez que se tem concedido estes votos de confiança, e sempre a experiencia tem mostrado o máo uso que se tem feito dessa auctorisação; parece que somos uma Camara nova, que é a primeira vez que entramos na politica, ou que estamos esquecidos do que entre nós se tem passado! Pois quantas auctorisações se têem dado ao Governo. E esta a primeira vez que se dá auctorisação ao Go-

Página 321

(321)

verno para refomar a administração da fazenda? Não são 3, 4, ò ou 6; têem sido muitas, e com os melhores desejos e esperanças; e o resultado qual tem sido? Até certo ponto é este que agora vemos. Pois esta auctorisação a respeito das contadorias de fazenda! O que se nos disse aqui, quando so propoz esta organisação? — «E preciso sobre este ponto quanto antes uma providencia; agora sim, é que se vai saber a maneira, como os exactores da fazenda têem cumprido os seus deveres; agora sim é que se vai saber quantos são os rendimentos publicos, que tinham estes individuos na sua mão; agora sim, porque a cobrança e contabilidade nos governos civis é o unico meio para o Governo saber o que tem em seu poder; agora sim é que se póde organisar a fazenda; votai essa reforma cheios de confiança.» — A Camara votou, eu votei por ella, e os resultados aqui estão altamente declarados neste projecto. Isto esta em contradicção com os factos! E como havemos de conceder desta maneira outro voto de confiança? Insiste-se no remedio, e o resultado é sempre o mesmo! Ainda se dissessemos são outros homens, a quem se concede este voto de confiança: mas alguns dos Srs. Ministros, que se sentam hoje naquelles bancos, já tiveram este voto de confiança, e entretanto as cousas não vão melhor, nem podem ir. Aqui esta uma repartição, a respeito da qual houve auctorisação para se reformar por tres vezes — a das alfandegas — e sabe V. Ex.ª qual foi a reforma que se fez? Ficou tudo como estava; aqui esta o resultado do voto de confiança. Ha mais alguma cousa, e é que estas reformas, por auctorisação do Parlamento, não podem vir á luz da discussão, e por isso não podem nunca ser feitas convenientemente; entretanto um individuo nomea-se para o logar, applicando-se-lhe as vantagens da posição, e o Estado nada utilisa. Por isso eu desejava que a maioria não approvasse esta auctorisação, e faço votos para isso, porque para o bem é inutil, e para o mal póde ser fecunda.

O Governo não póde convenientemente durante o intervallo da sessão emprehender estas reformas, e então nestes 6 mezes, que beneficios podem resultar ao paiz desta auctorisação? Nenhuns.

Pois, Sr. Presidente, uma Administração que entra agora, que substitue uma outra com um systema differente, ao menos ninguem deve crer que essa Administração ha de acceitar todos os enganos da antiga, ha de receber todos os votos de confiança sobre os pontos, que podem trazer uma alteração de systema? Então porque houve uma mudança de pessoas, senão ha mudança no systema? Nós transferimos estas medidas legislativas de umas para outras Administrações; nós damos estas auctorisações em branco aos Srs. Ministros, e estes dizem-nos, esperai pelos nossos actos para nos julgardes, mas em quanto esperâmos por esses actos, entram outros Ministros, que acceitando todas as medidas que foram pedidas pelos seus antecessores, fazem com que nunca tenhamos a esperar pelos seus actos, nem pelo seu systema, porque são os mesmos que os dos seus antecessores! Esta necessidade do Governo é sempre a mesma; todos os projectos que servem a uns, servem a outros; e não sei que papel possa representar o Parlamento nestas circumstancias! Na verdade uma Administração desta forma é uma cousa bem differente do que se passa lá fóra. Nota-se que ha o inconveniente da má arrecadação dos dinheiros publicos, e a Camara auctorisa o Governo para reformar a administração de fazenda. Eu digo que esta reforma tem-se dado por muitos votos de confiança, e o resultado é sempre o mesmo. A respeito das alfandegas diz-se, quaes são os contrabandos; mas como se obvia a este inconveniente? Pelos meios que se acham no art. 7.º! Ora a dizer a verdade estes meios com que se julga que póde desapparecer o contrabando, são uns meios bastante illusorios, não se póde na realidade contar com elles, principalmente quando sabemos em que circumstancias se acha a nossa fazenda. Mas é só enxotando as embarcações que andam no Oceano, que havemos de evitar o contrabando? — «Estabelecer as restricções necessarias para impedir que os navios, ou quaesquer embarcações que se aproximarem das costas, possam ancorar ou bordejar dentro dos limites sujeitos á fiscalisação, etc.» — (!) Não sei como se ha de pôr isto em practica; é preciso que tenhamos uma varinha com que indicar a todas as embarcações que se aproximem da costa, os limites que ficam sujeitos á acção fiscal.

Sr. Presidente, o Ministerio não pode desde já apresentar reformas, para que não estava preparado, e não póde apresentar essas reformas sem que o tempo seja o elemento indispensavel dellas.

Este voto de confiança é um voto inutil O Governo apresentar-se-ha na sessão seguinte para nos propor todas as reformas, que se devem fazer; muito bem; mas agora isto é o mesmo que o projecto de administração publica, que ainda ha pouco era indispensavel, que era urgentissimo que se discutisse; mas que pelo que vejo, já desappareceu essa urgencia; agora a urgencia toda é sobre estes ramos de fazenda. Mas que se quer fazer por este voto de confiança? Que se vai fazer a respeito do rendimento das sizas? Diz o projecto para fazer effectivo o pagamento das sizas, o Governo fará pôr em execução e inteira observancia todas as leis e regulamentos fiscaes sobre a sua arrecadação e cobrança, nos termos que se acha determinado pelo art. 3.º da lei de 2 de outubro de 1841. Ora este rendimento das sizas esta augmentado a um ponto excessivo, nunca rendeu, nem ha de render tal, pelo contrario, quanto mais se tem augmentado o tributo, mais tem diminuido a receita; e como quer a Camara agora remediar este inconveniente? Dando um voto de confiança ao Governo para pôr em execução as leis existentes!... Pois para o Governo cumprir o seu dever, é preciso um voto de confiança? Pois se estas leis estão em execução, qual é a obrigação do Governo, senão fa-ze las executar? Aqui não se ataca o principio, que se reconhece que contem em si todos os inconvenientes; não se tracta de reduzir o imposto por excessivo, e por consequencia causa principal da diminuição da receita, que podia produzir; não, Senhores, tracta-se de auctorisar o Governo com um voto de confiança para cumprir a lei!... Sr. Presidente, quer a Camara tractar de uma cousa seria? Entre na questão como deve entrar; não abdique no Governo as suas attribuições. Cortar um nó, não é desata-lo: as questões de administração não se cortam, resolvem-se; não ha espadas de Alexandres para isto; é necessario meditação e estudo para as resolver.

Sr. Presidente, aqui supprimiu-se tudo aquillo que pareceu que podia encontrar a sympathia desta Camara, como foi diminuição de tributos etc. E diz a

Página 322

(322)

commissão que o não propoz, porque não podia faze-lo; mas isso era um systema, e um systema que tinha muita cousa inadmissivel; mas que continha algumas provisões das quaes se poderiam tirar alguns resultados vantajosos para o paiz, e o que fizesteis vós? Tirasteis do projecto tudo quanto podia produzir alguns resultados vantajosos, e conservasteis aquillo que não póde produzir senão perdas e perdas muitissimo grandes; e o que se segue é que se tracta de approvar um systema que tem muitos inconvenientes do systema actual; que é inefficaz, e que não póde illudir; porque o que nos apresentou o Ministerio anterior, era um systema completo, e hoje é um expediente, falho de resultados proficuos para o paiz, e que pelo contrario não póde trazer senão prejuisos.

E este voto de confiança nas circumstancias actuaes é peior; tem mais inconvenientes do que se fosse dado ao Ministerio antecedente. Que certeza temos nós de que o Ministerio seja o mesmo que é hoje, no anno seguinte? Quem nos assegura isso? Se julgassemos pelos precedentes, deviamos em vez de confiança, ter desconfiança; porque os precedentes tem já mostrado por mais de uma vez, que o Ministerio ter a maioria da Camara a seu favor não é garantia sufficiente para elle se conservar. Por consequencia isto é um voto de confiança barbaro; e um voto de confiança que se quer conceder seja a quem quer que for; não serviu aos antecesssores do Ministerio, talvez não sirva para este, e no entretanto não se quer saber disso; senão é para este, e para quem o substituir; de modo, que é um voto de confiança para quem quer que se sentar naquelles bancos!... Ora isto é que não póde ser; a Camara não póde, sem descer da sua dignidade, sem desconhecer inteiramente a sua missão, estar a votar medidas desta ordem.

Eu voto contra este voto de confiança, porque entendo que o Parlamento não póde, sem desprezar a sua missão, concede-lo; pelo menos no vacuo em que esta concebido, e para que? Não sabe a Camara que d'aqui a janeiro vão apenas 6 mezes? Que póde o Ministerio fazer neste tempo com este voto de confiança? Tão pouco tem elle que fazer todos os dias, tractando dos negocios que estão a seu cargo, e vêr como ha de com os meios, que lhe foram votados, sair das difficuldades em que necessariamente se tem de achar, e podér entrar nesses contractos e auctorisações que se lhe tem votado, e sair delles de uma maneira que lhe não seja desairosa, como espero que sáia? Sr. Presidente, daqui até janeiro não é possivel fazer-se cousa alguma do que se pertende por este voto de confiança; em janeiro de 1850 o mais que poderemos vêr é o andaime para se começar o edificio; pois então não será melhor guardar para janeiro de 1850, e principiarmos logo pela planta do mesmo edificio? Para que havemos de estar todos os dias a deitar abaixo as barracas da fiscalisação, e todos os dias a levantar outras?

Disse um illustre Deputado que o Governo com este voto de confiança fica habilitado para preparar trabalhos, que poderá apresentar em janeiro do anno que vem; para isso não é necessario voto de confiança; é obrigação de quem se senta naquelles logares não só preparar esses trabalhos, mas apresenta-los, acompanhados dos documentos necessarios para nos esclarecer, e para que nós os possamos resolver com conhecimento de causa. Por consequencia nestas circumstancias, não posso deixar de rejeitar o projecto, porque não confio nos seus resultados; muito feliz seria eu se podesse acreditar, que com elle melhorava o estado da fazenda publica. Não quero cançar mais a attenção da Camara; parece-me que tenho dito bastante, para fazer ver os inconvenientes que resultam da approvação das disposições contidas neste projecto de lei, e por consequencia concluo negando o voto de confiança, que se pede no projecto.

O Sr. Ministro da Marinha: — Sr. Presidente, a Administração actual entrou em taes circumstancias, que não podia deixar de tomar sobre si a resolução da questão da fazenda; e uma das partes desta resolução é sem duvida nenhuma as economias; e as economias não podem obter-se sem simplificar o serviço. Ora o Governo vendo que a commissão do Orçamento estava disposta a conceder a auctorisação necessaria para este fim, aceitou-a, porque entendeu que isso facilitará os fins que o Governo tem em vista. O nobre Orador que me precedeu, impugnando esta auctorisação, fe-lo de uma maneira, com a qual eu me não conformo. Entendeu S. S.ª que ao Governo já se tinha dado por muitas vezes auctorisação para reformar a administração superior da fazenda; porem o facto é que eu não sei a data dessas auctorisações, e muito desejava que S. S.ª as citasse. Em quanto a mim é esta a primeira que para tal fim se concede ao Governo. É certo porem que o Governo tem reformado por varias vezes a administração superior da fazenda; mas isso tem tido logar em virtude de decretos da Dictadura; (apoiados) em geral as determinações que regulam a administração superior da fazenda vem destes actos, e o que é certo é que todas as determinações, que regulam este serviço, não podem alterar-se sem lei, porque essas determinações são lei. (apoiados) A disposição relativa a este ponto, que vem na auctorisação, contem a parte legislativa e a parte regulamentar, e então, já por esta consideração sómente, é de muita utilidade para o Governo acceitar esta auctorisação.

Porem diz o illustre Deputado que o Governo vai envolver-se em questões de pessoas. — Isso necessariamente ha de acontecer: quem reforma, esta infallivelmente envolvido em questões de pessoas; mas se o Governo não resolver essas questões, menos as resolverão as Côrtes; é o Governo o mais proprio para isso, porque tem sobre si a responsabilidade, e a necessidade de resolver essas questões, para cumprir completamente o que esta a seu cargo, (apoiados).

Estranhou tambem o illustre Deputado, que se admittisse como meio de evitar o contrabando o mandar retirar as embarcações das proximidades das nossas costas, não permittindo que ellas possam ancorar ou bordejar dentro dos limittes sujeitos á fiscalisação. Não esperava eu dos conhecimentos do nobre Deputado, que obstasse a esta auctorisação, sobre as alfandegas, n'um objecto tão necessario de attender, e tanto mais quando isto e uma parte da auctorisação concedida por esta Camara o anno passado, pela lei de 26 de agosto de 1848, auctorisação em que faltou incluir esta parte essencial para as medidas de fiscalisação, e que é indispensavel adoptar para completar todo o systema de fiscalisação; e neste caso entendeu a commissão do Orçamento, e entendeu muito bem, admittir e propor esta clausula positiva,

Página 323

(323)

porque effectivamente é de lastimar que um navio qualquer esteja costeando e fazendo desembarques para terra, e que não haja lei que estabeleça o direito para, da parte da fiscalisação, se lhes mandar continuar a viagem, (apoiados)

Em toda a parte existe legislação a este respeito, menos entre nós. O nosso codigo da alfandega não dá auctoridade para mandar seguir viagem a um navio; e por tanto mui regularmente andou a commissão, quando determinou que, a respeito da reforma das alfandegas, ficasse o Governo auctorisado a estabelecer as disposições que julgasse opportunas, para obstar a que quaesquer navios, que se aproximarem das nossas costas, possam ancorar ou bordejar dentro dos limites sujeitos á fiscalisação, e os obrigue a seguir viagem, (apoiados)

Tambem o illustre Deputado entendeu, que era melhor abolir o imposto da siza, que auctorisar o Governo para pôr em plena execução a lei e regulamentos que existem a respeito deste objecto. Neste ponto a commissão do Orçamento andou muito prudentemente; ella viu que effectivamente o imposto da siza foi augmentado pela lei de 2 de outubro de 1841, e de então para cá o imposto não tem augmentado na proporção do augmento decretado; a commissão olhou para a lei, e viu que essa lei não se tinha executado rigorosa e devidamente; portanto teve duvidas sobre se a diminuição, que se sente no imposto, veiu do augmento do mesmo imposto, ou da falta da execução da lei. Por tanto a commissão querendo ver agora donde vem o mal, quer que se ponha em pleno e inteiro vigor a lei, para que, depois de feita esta experiencia, conhecer positiva e certamente donde vem o defeito, e vêr então se o imposto novo se deve diminuir, ou mesmo abolir, se tanto for necessario. Porem o que é certo é, que o imposto não tem diminuido com relação ao augmento que teve; o que não tem é o rendimento augmentado na proporção, que se esperava; mas effectivamente este imposto tem rendido mais agora, do que quando era só de 5 por cento, (apoiados)

Parece-me ter dado as razões, que o Governo teve para acceitar esta auctorisação tal como esta no projecto, porque entende que isto lhe facilita o desempenho do encargo, que lhe vai ser commettido. (apoiados).

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, a questão que actualmente nos occupa, é uma daquellas que, segundo a doutrina que mais d'uma vez se tem estabelecido nesta Camara, e até mesmo tem saido do banco dos Ministros, tem necessariamente de ser resolvida conforme a confiança ou não confiança que se tenha no Gabinete; e por consequencia já se vê que, a respeito das auctorisações contidas neste projecto n.º 76, quem tem confiança, vota-as, quem a não tem, rejeita-as, e eu devo advertir a V. Ex.ª e á Camara que não tenho tal opinião, nem admitto tal doutrina. Votar n'um ou n'outro sentido, sem dizer porque se tem ou deixa de ter confiança, equivale isso a não discutir; e se os objectos que são sujeitos ao exame desta Camara, não teem de ser discutidos, é, n'este caso, inutil estarmos aqui. A confiança inspira-se pelos actos, e é pela discussão que se prova que a deve haver; tudo que fôr marchar fôra disto, e não seguir o caminho melhor e mais conveniente para a causa publica (apoiados). Sr. Presidente, este projecto n.º 76 contém diversas auctorisações, e cada uma dellas de grande importancia; o fim dellas é de summa gravidade; são objectos que deviam ser aqui maduramente discutidos. Se este projecto passar, será isso mais um argumento de que contra o fado não ha nada que valha; parece, que uma fatalidade inexplicavel tem obrigado esta Camara a votar, em toda esta sessão, unicamente adiamentos e votos de confiança; conheço que varias circumstancias a tem levado a isso, e em especial as mudanças que tem tido logar na Administração; mas não tendo eu culpa de que taes circumstancias se tenham dado, e não reconhecendo todo o imperio dellas, continúo na minha posição impugnando este systema de auctorisações para tudo; systema inconvenientissimo, mas que apesar disto ainda se quer continuar.

Sr. Presidente, se o Ministerio não tem duvida em vir pedir votos de confiança uns após d'outros, as commissões desta Casa não são menos francas em os conceder; são até demasiadamente generosas, porque de ordinario concedem mais do que aquillo que se lhes pede, e no projecto em discussão se observa isto.

A commissão do Orçamento concede, neste projecto, ao Ministerio muitissimo mais que aquillo que elle pedio, e para o que compare-se a proposta do Governo n.º 22 — D — com o projecto n.º 76 em questão, e ver-se-ha a grande differença que existe entre as disposições d'um e as disposições d'outro.

Ora, Sr. Presidente, sendo esta uma questão de confiança, eu queria que me dissessem em quem é que eu hei de confiar, para votar pelo projecto. Será no Sr. Ministro da Fazenda actual? De certo que não, porque não ha garantia alguma, que assegure que S. Ex.ª ha de ser Ministro durante seis mezes; porque se consultarmos a historia dos ultimos Ministerios que tem havido no paiz, veremos que ainda nenhum durou completo seis mezes, e a Camara tem visto cair Administrações apoiadas por uma immensa maioria, e mesmo nem é a primeira vez que os Ministros tem largado as pastas, sem o saber senão depois de demittidos.

Sr. Presidente, eu tenho muita confiança na probidade e alta intelligencia do nobre Ministro da Fazenda; porém essa confiança não me cega a ponto de lhe conceder estas auctorisações, porque entendo que o não devo fazer, além de que não tenho, como já disse, garantia alguma de que S. Ex.ª continue á frente dos negocios da sua repartição. Não ha muitos dias que alguns Srs. Ministros pediam tambem diversas auctorisações; e reputando eu aquelles Srs. Ministros assentes de pedra e cal nas suas repartições, vi que dentro de poucos dias, sem saber porque, desabou todo o edificio Ministerial.

Eu sou contrario, em geral, aos votos de confiança, a não ser para um caso urgente, em que as circumstancias reclamem imperiosamente, e de sorte que não admitta demora, alguma providencia, que não esta nas attribuições, do Executivo; fóra disto, entendo que os votos de confiança devem ser banidos. Alem de que, Sr. Presidente daqui até á nova abertura das Cortes vão seis mezes, que não é tempo de mais para o Governo estudar todos os negocios da Administração, e da fazenda. Durante este tempo coordenem as suas idéas: reduzam o seu pensamento a projectos de leí, para serem sujeitos a sancção der Parlamento Isto é que é regular e -constitucional,

Página 324

(324)

porque os povos não mandam os seus representantes á Camara para darem votos de confiança ao Governo, mas sim para fazerem as leis, que a experiencia e a necessidade reclamarem.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Marinha disse-nos que tinha sido sempre o Governo em Dictadura, quem tem reformado a administrarão superior de fazenda, ainda que sem auctorisação das Côrtes. Porém isso não altera a natureza da cousa; os defeitos immensos que ainda se encontram, provam que não é o Governo, sem debate parlamentar, o mais competente para fazer bem estas reformas, porque a necessidade de uma nova organisação prova de mais. A discussão illumine, e esclarece as materias, e se ella não fosse util na feitura das leis, era uma ridicula fantasmagoria todo o Systema Representativo.

Se eu quizesse tirar argumentos contra estas auctorisações, deduzidos mesmo do poder dos factos, não tinha mais do que olhar para o passado, e por elle poderia ajuisar do futuro. Não irei muito longe neste caminho, porque não quero cançar a Camara, bastando lembrar o resultado que tiveram duas auctorisações, que se el eram no anno passado a pedido do Governo. A Camara auctorisou o Governo na ultima sessão, para reformar o collegio militar, de fórma que não augmentasse a despeza, e que dessa reforma daria conta ás Côrtes; e qual foi o resultado? O Governo não reformou o collegio, augmentou a despeza, e não deu conta as Côrtes. Foi tambem auctorisado o Gabinete para reformar as tabellas judiciaes; porém a reforma foi tal que os Deputados, mais competentes em taes materias, vieram provar evidentemente a esta Camara, que as tabellas judiciaes ficaram muito peiores depois da reforma! Estes são os factos, que o passado nos apresenta; e com taes precedentes não sobra vontade para votar novas auctorisações.

Ora, Sr. Presidente, examinando este projecto, vejo nelle artigos, uns inuteis, e outros inconvenientes; e por exemplo, cito o art. 9.º, que talvez possa considerar-se em ambos estes casos. Por este artigo mandam-se pôr em execução as leis e regulamentos fiscaes para a cobrança da sua, conforme se acha determinado no art. 3.º da lei de 2 de outubro de 1841. Ora se esta legislação está em vigor, é uma verdadeira inutilidade uma tal determinação; e se o não esta, é um verdadeiro importo que se quer lançar; tudo o que não for isto, é um sofisma evidente. Pois se acaso eu devia pela lei pagar, por exemplo 10, mas não pago senão 5, e passo muitos annos a pagai 5, e estabeleço como uso consuctudinario o pagar 5, e calculo a minha renda, os lucros das minhas terras, tudo em relação a esses 5, chega um certo dia, e diz o Governo pague 10, e revalide-se para isso a legislação em vigor; quer dizer, augmente-se o imposto; mas não carreguem as Camaras com o odioso de lançar o imposto; revalide-se aquella disposição, e pague 10! Chamem-lhe lá o que quizerem; é questão de nome, o facto é que eu pagava 5 num dia, e a lei manda pagar 10 no dia seguinte; se isto não é augmento de imposto, perguntarei á Camara o que é. E augmento de imposto, mas com as boas maneiras de ser imposto revalidado, o Governo diz só — cumpra-se a lei. Ora desta maneira sofismamos todas as cousas, e isto que parece uma cousa inoffensiva, não o é. Mas agora appello para o nobre Ministro da Fazenda. — Pois se isto é augmento de imposto, se S. Ex.ª já confessou nesta Casa que se tinha enganado, quando augmentou as sizas, e outros impostos, como é que nos podemos sanccionar com vantagem para o publico este augmento de imposto? É augmento, porque não posso suppôr que se acaso o imposto ficasse diminuido, viesse aqui esta disposição; não posso acreditar que vem aqui esta disposição para o imposto ser menos; portanto é para o imposto render mais, mas se acaso terminantemente já se disse, e a Camara conveiu, e é materia corrente até certo ponto, que certo augmento de impostos além decerto limite determinado é contraproducentem, como vamos nós aqui com conhecimento de causa augmentar este tributo! Não é outra cousa, Sr. Presidente, é augmento; é uma completa inutilidade; escolha a Camara qualquer destes dois lados do dilemma: — se quer votar uma inutilidade, ou um augmento de imposto, que já se declarou que era contraproducentem, que vai produzir damno á fazenda.

Mas eu, Sr. Presidente, mandei buscar a legislação de 41, porque vejo que neste art. 9.º se determina que se ponham em execução os regulamentos fiscaes, todas as leis e regulamentos fiscaes relativos aos termos do art. 3.º da lei de 2 de outubro. O que diz aquella lei no art. 3.º? (leu)

De maneira que vão =, e pôr em execução os regulamentos e leis citadas necessariamente, e para saber quaes são, tenho de remontar a uma origem muito remota; eu que pensei que recorrendo á legislação de 41 encontrava a fonte deste art. 9.º, enganei-me, fui vêr o art. 3.º da lei de outubro, e acho um vago immenso, que não sei definir, porque não tenho conhecimentos especiaes disto; acho ainda que o Governo poderá por em execução todas as leis, e regulamentos fiscaes anteriores, que se antecedem uns aos outros. Ora, Sr. Presidente, pois havemos nós aqui votar em um artigo indefinido, que o Governo ponha em execução todas as leis, e regulamentos fiscaes que teem havido para este imposto da siza? Pois será isto justo, conveniente! É necessario saber se acaso estes regulamentos, se estas leis são vexatorias; ellas que estavam em desuso, não é de crer que fossem convenientes; pelo menos tenho esta apprehensão.

Eu, Sr. Presidente, fallarei de passagem no art. 3.º do projecto. O art. 3.º não me parece injusto, mas parece-me inutil; é dos taes que me parecem inuteis; não me parece injusto porque sou da opinião que os membros do tribunal do Conselho Fiscal de Contas devem ser independentes do Governo; sou dessa opinião, mas parece-me inutil. Pois então no art. 2.º auctorisa-se o Governo pura reformar o tribunal do Conselho Fiscal de Contas, e no art. 3.º determina-se o modo porque elle especialmente ha de organisado em relação aos conselheiros do tribunal! Isto é uma inutilidade, ou então e outra cousa; é desconfiança de que o Governo não sabe como ha de organisar o tribunal de Contas, porque dizendo-se no art. 2.º que o Governo organisará o tribunal, habilitando-o (note-se bem) a desempenhar as suas funcções fiscaes, é claro que o Governo deve fazer tudo o que é necessario, para que o tribunal fique habilitado para desempenhar as suas funcções fiscaes; ora uma das habilitações é a independencia do Governo; portanto este art. 3.º é suppôr que o Governo não sahe conhecer que essa habilitação é necessaria, para que o tribunal possa funccionar de-

Página 325

(325)

vidamente. Portanto, Sr. Presidente, o que prova isto mais, é que é uma inutilidade, e mais um artigo superfluo! Se acaso todas as leis que se discutem no Parlamento, viessem expurgadas já de todos estes artigos inuteis, discutiam-se muito mais depressa; mas não acontece assim; veem constantemente recheadas de uma immensidade de disposições que são comprehendidas nas outras. (Uma voz: — Já deu a hora), e que podiam convenientemente dispensar-se.

Sr. Presidente, isto é tarde, e a Camara esta inquieta. Sempre que chegam estas horas, nota-se uma certa inquietação que talvez proceda do incommodo de me ouvir (Vozes: — Não é), e nesse caso eu vou terminar, porque tenho dito sufficientemente para fundamentar o meu voto, e porque apezar da muita convicção que eu tenho a respeito das minhas opiniões, estou persuadido de que a Camara apezar de tudo ha de votar o projecto, e por uma razão, não é porque não faça justiça completa ás convicções dos illustres Deputados, mas é pela doutrina da confiança no Ministerio que um illustre Deputado estabeleceu — quem tem confiança no Ministerio approva, quem não a tem, rejeita — a maioria, pela natureza da Mia existencia, tem confiança no Ministerio, logo é claro que ha de votar pelo projecto; eu que não partilho essa doutrina, não posso ligar-me a nenhuma destas considerações para votar o projecto, ainda que tivesse confiança inteira nos nobres Ministros; por isso formei e expuz as minhas opiniões a respeito deste projecto, e voto contra elle na sua generalidade.

Foram lidas na Mesa, e approvadas sem dicussão as ultimas redacções dos projectos n.ºs 53 e 72.

O Sr. Castro Pilar — Pedi a palavra para requerer: se a materia da generalidade do projecto n.º 76 esta discutida.

Julgou-se discutida por 47 votos contra 9.

O Sr. Vaz Preto. — Peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara sobre se dispensa o regimento, afim de se entrar desde já na discussão especial do projecto n.º 76.

Assim se resolveu por 19 votos contra 6, e seguidamente foram approvados sem discussão os art.ºs 1.º e 2.º, ambos por 46 votos contra 6.

Entrou em discussão o art. 3.º

O Sr. Pereira de Mello — Sr. Presidente, estou assignado neste projecto com declarações, e dizem dias respeito muito particular, e essencialmente ao ai figo que esta em discussão. Eu entendo que na provisão do precedente artigo, está dada sufficiente auctorisação ao Governo, porque desde que se diz que o Governo fica auctorisado para reformar o tribunal do Conselho Fiscal de Contas, de maneira que os seus membros fiquem habilitados para desempenharem as attribuições, e funcções que lhe são conferidas pelo seu regimento, tem se dito tudo. O art. 3.º pois e desnecessario, porque se o Governo entender que, para os membros do tribunal do Conselho Fiscal de Contas desempenharem devidamente as attribuições que lhe são com mettidas, e indispensavel, e necessario para isso essa garantia, que quer dar pelo art. 3.º, o Governo o proporá á Camaras.

Não deve admirar que eu peça a palavra para fallar neste artigo, sabendo-se qual é a minha opinião a respeito da independencia do Poder Judiciario, como tem sido ordinariamente entendida; entendo a independencia do Poder Judiciario, como esta definida na Carta Constitucional, mas não como selem entendido, e praticado até aqui. (apoiados) É em mim uma opinião muito antiga, desde que entrei no Parlamento, e desde que ha Carta Constitucional em Portugal, que a independencia do Poder Judiciario consiste em nenhum outro Poder, ou auctoridade podér intrometter-se no exercicio das attribuições do Poder Judiciario; (apoiados) nenhum Poder ou auctoridade influir nas sentenças, avocar as causas pendentes, impedir o seu andamento, etc.; é como eu entendo a independencia do Poder Judiciario.

Como é possivel que passe, e que se amplie essa independencia mal entendida, como tem sido até aqui, para os empregados do Governo! A minha opinião é sempre conscienciosa; não levo nunca em vista nem pessoas, nem especialidades; sempre me regulo pelos principios geraes de justiça, e pelos principios geraes de direito, conforme a minha convicção.

Mas neste objecto ha ainda mais; não se sabe a que numero se poderá estender o dos membros do tribunal do Conselho Fiscal de Contas; ainda senão sabe, se serão mais ou menos dos que estão actualmente; e se forem menos, a esses que se dimittirem, como é que se ha de applicar a provisão do art. 3.º? A que classe de juizes, e a que tribunal ficam pertencendo?

Sr. Presidente, eu quero independencia, não nos membros do tribunal do Conselho Fiscal de Contas, mas quero independencia em todos os empregados publicos, principalmente nos de certa cathegoria, e nos de certa ordem: a razão que se dá para os membros do tribunal de Contas, dá-se para muitos empregados de certa cathegoria, como, por exemplo, para os membros do tribunal do Thesouro Publico, que tem de decidir, ou consultar sobre questões, em que não só o Estado interessa, mas interessam os particulares, como são as questões de collectas, e us que se suscitam a respeito do contractos entre o Governo e particulares. E não subirão ao tribunal do Thesouro Publico questões, para consultar, ou decidir, em que tenha grande parte o Governo, e que este tenha interesse, em que essas questões sejam consultadas, ou decididas por certo modo? Ninguem dirá que não; consequentemente ha identidade de razão para com os membros do tribunal do Thesouro Publico; e o mesmo a respeito delimito» outros empregados de certa cathegoria, e de certa ordem. Por isso não posso convir de maneira nenhuma no art. 3.º, e até mesmo porque a sua sentença, e pensamento esta no artigo antecedente, porque, torno a repetir; se o Governo entende, que para os membros do tribunal do Concelho Fiscal de Contas desempenharem as suas funcções, é necessaria esta garantia marcada no art. 3.º, o Governo a virá propôr as Camaras; mas irem dar-se garantia», como já se tem dado, a ponto de se estarem creando Estados no Estado, isso é que não é possivel. Já temos um Poder independente, que é o Judiciario; outro que é o Militar; outro que é o Cathedratico, e com isto assim não é possivel governar, e declaro que com taes garantias eu nunca quereria ser Governo. Esta é a minha opinião, e nesta parte sou mais ministerial, que o proprio Ministerio. Não é possivel que o Governo desempenhe a alta missão, que tem a seu cargo, quando tivermos Estados no Estado, e se vir obrigado a inclinar-lhe a cabeça, como tem inclinado muitas vezes.

Página 326

(326)

Por em quanto fico aqui, porque a hora deu; porém se a minha saude me permittir voltar á Camara, e ouvir combater as minhas opiniões, desde já protesto que hei de pedir a palavra para as defender.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da mesma que está dada. Está levantada a sessão. — Passava das quatro horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×