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N.º 21. Sessão em 28 de Junho 1849.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada — Presentes 49 Srs. Deputados.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada unanimemente.

Expediente.

Officios. — Um do Ministerio da Guerra, acompanhando os esclarecimentos sobre as quantias dispendidas nestes ultimos dez annos com as obras em cada um dos quarteis da Capital; ficando assim satisfeito o requerimento do Sr. Deputado Fontes Pereira de Mello, que foi approvado pela Camara. — Para a secretaria.

Representações. — Uma da camara municipal de S. Lourenço do Bairro, apresentada pelo Sr. Sousa Lobo, em que pede a conservação do districto de Aveiro, em toda a extensão com que actualmente se acha. — A commissão d'Administração Publica, ouvida a de Estatistica.

O Sr. Secretario Mexia: — O Sr. Bispo eleito de Malaca fez constar á Mesa que não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude.

O Sr. Vaz Preto: — Mando para a Mesa a seguinte

Indicação. — Pertendo interpellar a S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, sobre a execução da carta de lei de 18 de junho de 1846.

Pertendo tambem saber o destino que teve a importante subscripção que se fez em 1845, e no coméço de 1846 para se erigir um monumento á Memoria de Sua Magestade Imperial o Sr. D. Pedro, Duque de Bragança. — Vaz Preto.

O Sr. Presidente: — Manda-se fazer a competente communicação.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, no correio de hontem, e os jornaes que se publicam nesta Capital déram a noticia de uma grande calamidade acontecida na provincia do Alemtejo, e como estão presentes os Srs. Ministros da Marinha e Fazenda, chamo a sua attenção sobre isso. Houve naquella provincia um verdadeiro temporal desfeito; os campos ficaram talados, as searas destruidas completamente; a alluvião levou gados, utensilios de lavoura, e a fortuna de muitas familias; proprietarios que algumas horas antes se reputavam senão ricos pelo menos abastados, viram-se de repente reduzidos á extrema miseria. E sobre isto pois que eu quero chamar a attenção do Governo, e pedir providencias a exemplo do que o Parlamento Portuguez em circumstancias identicas votou a respeito da inundação da Villa da Praia, da alluvião da Ilha da Madeira, e do mai que atacou as oliveiras na provincia de Tras-os-Montes. Espero que o actual Gabinete tome em consideração estas reflexões, e que sem demora tracte de trazer á Camara alguma medida, que sirva de linitivo aos males que affligem hoje o alto Alemtejo. Neste objecto, Sr. Presidente, não ha questão de partidos, e por isso espero que a Camara, nesta conjunctura, levante toda a sua voz a bem daquellas povoações, assoladas tão cruelmente, tornando, por essa cooperação, valiosa esta minha exposição (apoiados).

O Sr. Ministro da Marinha. — As observações que apresentou o illustre Deputado, hão de certo merecer a attenção do Governo; mas por ora devo dizer ao illustre Deputado e á Camara que ao Governo ainda não tem chegado todos Os esclarecimentos necessarios a este respeito; mas logo que as tenha, ha de conforme já disse na outra Casa, tomar todas as providencias, de que podem lançar máo para tornar mais suave a situação dos povos a que se allude.

O Sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, julguei dever tambem pedir a palavra para chamar a attenção do Governo sobre os desastres causados pelas horrorosas trovoadas, que ultimamente cairam sobre diversas povoações do Alemtejo; o illustre Deputado preveniu-me nesta parte, e ouvi com prazer as declarações feitas pelo Sr. Ministro da Marinha, de que o Governo esta disposto a fazer em beneficio daquelles povos tudo quanto fôr conveniente. As tempestades foram na verdade horrorosas, e levaram a assolação a campos cobertos de searas e de arvores, deixando pobres muitos lavradores, que antes viviam na abundancia, e que em poucas horas viram perdidas as esperanças do seu trabalho, e destruida a sua riqueza. Não lerei á Camara, para a não affligir, as cartas que tenho presentes, nas quaes e narrado com vivas côres o fatal acontecimento, que em tantos pontos lançou a consternação no seio das familias. Sei perfeitamente que as circumstancias do Thesouro são apuradissimas, e que por isso pouco poderá fazer o Governo neste caso; mas muito póde quem quer fortemente as cousas, e tenho certeza de que o Governo será muito sensivel á desgraça a que ficaram redusidos tantos lavradores e proprietarios, pois que as castastrofes desta ordem desafiam sempre a sensibilidade publica, e attrahem a attenção e os soccorros dos Governos (apoiados). Nesta convicção pois, e attendendo a que o Sr. Ministro declarou, que o Governo não tinha ainda todas as participações dos acontecimentos, termino fazendo votos para que o Srs. Ministros se prestem a acudir com o mais prompto remedio ao mal tanto quanto fôr compativel com as nossas circumstancias.

O Sr. Ministro da Fazenda: — O meu collega, o Sr. Ministro da Marinha, já expoz quaes eram as intenções do Governo a este respeito; no entretanto devo advertir ao illustre Deputado que primeiro fallou, que este negocio corre pelo Ministerio do Reino;

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é alli que hão de ir as informações das auctoridades locaes, por onde se possa avaliar o mal que acabam de experimentar aquelles povos; ora essas informações ainda não chegaram, e o Governo, conscio dos seus deveres, logo que cheguem essa informações, não deixará de tomar todas as providencias necessarias para minorar o mal de que aquelles povos acabam de ser victimas, (apoiados)

O Sr. Antunes Pinto: — A respeito da desastrosa calamidade que assolou o alto Alemtejo, apenas eu tinha recebido hontem pelo correio, assim como outros illustres Deputados, conhecimento della, dirigimo-nos logo ao Sr. Ministro do Reino para combinarmos sobre os meios que se podiam adoptar para minorar os males causados por tão desastroso acontecimento. S. Ex.ª ainda que não estava sufficientemente habilitado e esclarecido a este respeito, e apesar de se lhe ter já dirigido uma interpellação na Camara dos Pares sobre o mesmo objecto, concordou que hoje por parte dos Deputados do Alemtéjo se lhe dirigisse uma interpellação, e chamassemos a attenção do Governo sobre isto; para esse fim pois tencionava eu apresentar uma indicação; como porém a Camara já sabe do facto pelo que hoje se tem dito, limito-me só a fazer esta declaração, para que se não pense que os Deputados do Alemtejo não tinham tomado a peito os interesses daquella provincia, e que tinham ficado silenciosos sobre um objecto de tanta importancia.

O Sr. Pereira de Mello: — Participo a V. Ex.ª que o Sr. Deputado Roussado Gorjão não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude.

Foi lida na Mesa e approvada sem discussão a ultima redacção do projecto n.º 73.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, ha algumas sessões tive a honra de mandar para a Mesa uma proposta de interpellação ao Sr. Ministro da Marinha; S. Ex.ª agora esta presente, e á hora destinada para as interpellações talvez o não possa estar, porque terá de assistir á discussão do orçamento na outra Casa do Parlamento; por isso pedia a V. Ex.ª para aproveitar a occasião, que consultasse a Camara se permitte que tenha agora logar esta interpellação, que naturalmente levará muito pouco tempo.

O Sr. Presidente: — E necessario primeiro que tudo que o Sr. Ministro declare se esta habilitado para isso; para depois consultar a Camara.

O Sr. Ministro da Marinha: — Estou prompto para responder á interpellação que me deseja dirigir o illustre Deputado.

Unanimemente se approvou que tivesse logar a interpellação nesta occasião.

O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, eu não desejo que se feche esta sessão, sem que ao menos possa ficar uma esperança, já que outra cousa não podemos ter do que uma esperança, a respeito das provincias Ultramarinas. Sr. Presidente, eu não repetirei tudo que se tem dito a respeito do misérrimo estado daquellas provincias. Tambem não estarei agora cançando a Camara a demonstrar o que é quasi axiomatico, de que se acaso o Governo portuguez não attender ás suas possessões Ultramarinas com o mesmo cuidado e interesse, com que o fazem todas as outras nações que teem possessões no Ultramar, nem essas possessões hão de prosperar, nem o nosso commercio e navegação mercante ha de elevar-se áquelle gráo, a que póde e deve chegar. (apoiados) Mas é necessario confessar, que desgraçadamente as nossas possessões estão em um tal abandono, que começam por não ter leis; não ha no Ultramar, como outro dia muito bem avançou o illustre Deputado por Cabo Verde, legislação nem especial nem geral, ao mesmo tempo que todos sabem que ha um deficit em todas ellas, mas não se sabe o que esse deficit é, nem se se tracta de o preencher, nem de pagar as despezas que o Governo faz naquellas provincias, e o que se segue, é que os governadores em objectos de fazenda acham-se nas mais tristes circumstancias, sem poderem satisfazer ás despezas necessarias.

O Sr. Ministro da Marinha anterior tinha promettido muita cousa; não sei se com intenção de as cumprir, mas isso não vem para o caso; tinha promettido que no anno seguinte havia de vir aqui o orçamento das provincias Ultramarinas, e propôr o meio para pagar as dividas atrasadas; mas esse Ministerio morreu, e como não sei qual é a intenção do Sr. Ministro actual, por isso desejo fazer-lhe esta interpellação. Desejo que S. Ex.ª me diga, se acceita os encargos de apresentar neste Parlamento na sessão seguinte — primeiro — um plano de legislação organica de todo o Ultramar; tanto uma lei geral para a administração do Ultramar, como os regulamentos especiaes, ou ao menos as bases para cada uma das provincias — segundo — o encargo de apresentar nesta Camara na sessão seguinte o orçamento daquellas provincias, e o meio de attenuar o deficit, que existe em cada uma dellas, bem como o modo de prover aos meios de pagar as dividas alli contraídas, e atrasadas. Devo prevenir a S. Ex.ª que uma proposta de lei naquelle sentido vinha appensa ao relatorio do Ministerio da Marinha e Ultramar, que vem assignado pelo Sr. Visconde de Castro, Ministro daquella repartição; proposta que eu reputo muito insufficiente, e entendo que com ella não fica organisada a legislação do Ultramar; tem comtudo disposições que se podem muito bem aproveitar. Quanto ao orçamento, S. Ex.ª tem um modêlo que é o de 1844, que não deixava nada a desejar, e continuando a apresenta-lo assim, creio que a Camara poderá com bastante conhecimento de causa decidir as questões economicas, relativas áquellas possessões. Por tanto espero ouvir de S. Ex.ª se acceita, ou não estes encargos de trazer na sessão seguinte á Camara as propostas, tanto a respeito da organisação administrativa, como economica do Ultramar, bem como propôr os meios de attenuar o seu deficit, e prover a maneira de se podérem pagar as dividas atrazadas que alli existem. Depois da resposta de S. Ex.ª, verei o que tenho a fazer; por ora limito-me a isto.

O Sr. Ministro da Marinha: — O pouco tempo depois da minha entrada no Ministerio, não me tem dado logar a poder conhecer das necessidades das provincias Ultramarinas; comtudo declaro ao illustre Deputado, que acceito o legado, que me deixou o Ministerio antecedente, e espero na sessão seguinte, servindo-me dos muitos elementos que existem na repartição a meu cargo, apresentar um plano de legislação, que julgar mais opportuno para desenvolver a prosperidade das provincias Ultramarinas, acompanhando-o do orçamento para as mesmas provincias, e nelle attender ao deficit, e ao pagamento das

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dividas que existem por pagar. Tenho, porém, a dizer ao illustre Deputado, que nem todas as provincia» Ultramarinas, ao menos pelo que tenho observado já desde que estou nesta repartição, nem todas, digo, apresentam deficit) e aquellas em que existe, espero faze-lo diminuir, fazendo com que cessem certas despezas com que teem estado sobrecarregados essas provincias, sem que se lhes tenha dado uma Compensação por isso.

O Sr. Fontes, Pereira de Mello; — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara, se me permitte tomar parte nesta interpellação.

Consultada a Camara duas vezes consecutivas, verificou-se não haver, pro ou contra, numero, que constituisse votação legal.

O Sr. Lopes de Lima — Quero sómente dizer, que desde que o Sr. Ministro acceita o encargo de trazer á Camara as propostas de lei, de que depende a administração organica do Ultramar, e bem assim o orçamento, p ao mesmo tempo se mostra disposto a tractar desde já de um ponto tão importante, como e o de fazer reduzir o deficit daquellas provincias ao seu e verdadeiro estado, não as sobrecarregando com despezas, que lhes não pertencem, porque para ellas existem verbas no orçamento respectivo, e prometi propôr os meios para attenuar o deficit real que existe em algumas, não tenho nada a dizer. S. Ex.ª mesmo confessa, que existem na sua repartição muitos elementos, que podem servir para esclarecimento na confecção desses trabalhos. Portanto nada mais tenho a dizer senão que espero pelo resultado, nem mesmo peço a declaração na acta das explicações de S. Ex.ª porque julgo isso desnecessario depois da manei la franca, porque S. Ex.ª se explicou.

Consultada outra vez a Camara sobre se concedia ao Sr. Fontes Pereira de Mello tomar parte nesta interpellação, ainda não houve numero pro ou contra, que constituisse votação legal.

O Sr. Fontes Pereira de Mello — Quero fazer uma simples observação; não ha votação, porque não ha numero; parece-me por consequencia que a Camara não póde funccionar.

O Sr. Presidente — Ha mais que o numero legal na Casa; mas alguns Srs. Deputado» não querem votai nem pro, nem contra.

ORDEM no dia.

Continua a discussão na especialidade do projecto n.º 76, que concede ao Governo differentes auctorisações.

O Sr. Presidente — Continua a discussão do artigos;

O Sr. Agostinho Albano — E sempre situação embaraçosa e difficil aquella em que o Orador tom de fallar sobre objecto, que parece directa, ou indirectamente interessa-lo; mas eu não posso deixar de acceitar a situação, ainda que com bastante repugnancia, como membro da commissão de Fazenda, e de emittir a opinião que tenho a este respeito, e isto com relação no interesse publico, e de fórma alguma com mesquinhas vistas pessoaes, de que sou incapaz (apoiados).

O anno passado, tendo apresentado uma substituição a lei de meios, que foi aqui discutida e approvada, não se approvou a substituição, porque o Sr. Ministro da Fazenda se comprometteu a apresentar no anno seguinte uma proposta, relativa a este objecto, e então declarei á Camara, que eu me compromettia? no caso de que não fosse apresentado pelo Governo um projecto de organisação de Fazenda, como se esperava, e a que se tinha compromettido o nobre ex-Ministro da Fazenda, então eu me veria na necessidade de offerecer um projecto neste sentido. Assim o cumpri neste anno, apresentando um projecto para esse fim; esse projecto foi mandado a commissão de Fazenda, e esta o tomou em consideração, e foi discutido e tractado, como este assumpto devia ser tractado.

Sr. Presidente, não se tracta, porém, agora de um objecto pessoal, e é isso que me anima muito na occasião presente, porque se se tractasse, cederia da palavra; tracta-se de um objecto de causa publica, e é essa que eu venho advogar (apoiados); tracta-se de uma questão em que interessa o Estado, e o particular (apoiados). Não se pense nunca, que outro interesse, que não fosse o interesse da causa publica, me moveria a entrar nesta questão, e que eu viria, na qualidade de membro, que sou do tribunal de Contas, sustentar esse preceito do artigo 3 0; não é por mim, abono-o com as minhas convicções já por mais de uma vez manifestadas nesta Casa, com o meu caracter, que eu desejo advogar este negocio, mas sim por motivo da causa publica.

Sr. Presidente, um tribunal de Contas sem as garantias indispensaveis, para poder funccionar, é um fantasma, não póde existir, é uma illusão ou entidade nulla; e seria o maior epigramma para o Governo que o nomeasse, quando esse tribunal fosse chamado a tomar strictas contas da lei do orçamento, sem ter as garantias precisas para livremente exercer a sua missão. Poderia limitar-me a dizer que é impossivel, que não haja senso commum que não conheça, que um tribunal de Contas, que não esteja revestido desta circumstancia, possa funccionar, como deve; e quando digo — senso commum — é na accepção geral, sem a mais leve intuição de offender ninguem, porque cada um póde ter as suas convicções a este respeito como entender.

Disse que poderia limitar-me aqui; mas e evidente que mais alguma cousa devo dizer; a experiencia de 4 para 5 annos me tem feito ver a necessidade dessa garantia, com que o tribunal deve ser investido. Sr. Presidente, deixam de ser os membros do tribunal de Contas juizes nas causas do Estado com os particulares? Não julgam entre particulares, e o Estado, e não julgam dos proprios actos do Governo para declararem, se elles estão em conformidade na gerencia dos dinheiros publicos com as attribuições, que lhe são concedidas, e que a lei lhe dá? E se por ventura houver occasião (e desgraçadamente muitas se tem observado) em que a applicação dos dinheiros publicos não esteja conforme com as leis, o tribunal de Conta, quando tractar das contas désse respectivo Ministerio, tem a indispensavel obrigação de o dizer: (apoiado); mas para isso e necessario que tenha plena liberdade no exercicio de suas funcções. Pois se os juizes, que tem de applica! a lei sobre objectos que decidem entre individuos, precisam para isso de ter a competente independencia, como é possivel que não sejam revestidos das mesmas garantias os membros do tribunal de Con-

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tas, que tem de examinar os actos do Governo, e julgar se a gerencia dos dinheiros publicos foi feita em conformidade com as leis?

Não venho argumentar com sentimentalismo, nem com paixão, nem com irritação, o meu modo de argumentar é muito simples, é de uma maneira muito franca, muito leal; é com uma convicção muito plena que venho tractar deste assumpto, sem deixar de ter inteira confiança de que todos os Srs. Deputados discorrem com a mesma franquesa, e lealdade; faço justiça ás suas intenções, e nem podiam discorrer de outra maneira: desejo muito que se entenda, que é só neste sentido que sou capaz de fallar, abono-o com o meu caracter, pelo qual sou muito conhecido. Ora as minhas convicções firmam-se nos principios de direito publico constitucional. Não é possivel, que haja de decidir-se com perfeito conhecimento de causa, muito principalmente nas circumstancias em que nos achamos, com juizes que hão de proferir opiniões ou julgar o estado de alcance, ou não alcance, ou perfeito saldo para com a fazenda publica, sem que esses juizes tenham uma indispensavel garantia, e esse é o objecto deste artigo. O tribunal de Contas tem já publicado diversos accordãos sobre o assumpto, e por elles se vê bem que apesar da falta de garantias, que absolutamente lhe são necessarias para proceder com plena liberdade, o paiz, e o Governo hão de attestar a sua imparcialidade, quando tem julgado dos actos do Governo, porque profere a sentença moral como se faz a respeito do tribunal de Contas em França, modelo para todos os tribunaes desta ordem, modelo para o tribunal de Contas da Belgica, para o Audit office em Inglaterra, que não tem paridade alguma com o tribunal de Contas, porque lá tudo e distincto, administração, organisação financeira etc.; assim mesmo tem lá o auditorio para o effeito: em summa todos esses tribunaes, que eu conheço, correspondentes ao nosso, e que a leitura me tem indicado, mostram positivamente a existencia de uma garantia desta ordem, sem a qual, Sr. Presidente, muito particularmente em tempos tumultuosos, e tempestuosos, em que as opiniões dos homens influem naquillo que proferem para julgar dos seus actos, mais do que dos proprios actos applicando-os não sómente pela sua consciencia, não e possivel, digo, nas circumstancias, em que a moralidade publica se acha, que individuos que presem a sua reputação, se apresentem a julgar no tribunal de Contas, sem serem revestidos desta garantia de independencia.

Sr. Presidente, sou membro do tribunal de Contas desde 1844; passei por uma crise politica no paiz, em que uma Administração inteiramente avessa aos principios, que actualmente dominam, governava o paiz; todavia nessa Administração não houve um exemplo que se verificasse em mim, mas houve-o que se verificou em outro cavalheiro. Passo rapidamente sobre este assumpto, porque a fallar a verdade não é este o ponto que devo tractar agora; — o ponto em que devo tractar esta materia é o principio, e a natureza das cousas; a garantia necessaria para todos dizerem a verdade como ella é, e como exigem algumas leis de fazenda, que impõem obrigações ao Governo para applicar os dinheiros publicos, que são cobrados nos termos, e maneira, porque nellas esta disposto. O tribunal quando vai examinar a maneira como isto se verificou, tem de comparar infallivelmente a lei de fazenda com a maneira como ella foi applicada, e ver se por ventura na applicação das sommas de um capitulo houve algum desvio para applicar a outro capitulo, o que não póde fazer-se, porque é prohibido por lei. Nesta simples operação o tribunal tem de expor ao publico os factos, como passaram, e não póde desempenhar, como deve, esta missão, estando os seus membros sujeitos ao cutello demissorio (apoiado.) É um absurdo a existencia de um tribunal, que tem esta cathegoria, sem que tenha todas as garantias de independencia, é absolutamente impossivel; — e não se confunda, como me pareceu (não digo que seja assim) o que é administração da fazenda publica, com o julgamento de contas: — são cousas distinctas — cada uma das secções, que tem a seu cargo tractar desta materia, tem attribuições especiaes, attribuições administrativas não podem confundir-se com as judiciaes: — lêa-se essa legislação, especialmente a franceza, que tem sido modelo para todos os paizes; — lá foram os inglezes tira-la no anno de 1842 a 1843, para lá mandaram uma commissão para examinar o processo todo de contabilidade, e finanças.

Sr. Presidente, que é o que se faz em França? Alli esta este ramo de serviço publico regulado pela importantissima lei de 19 de maio de 1839, que é um codigo perfeito, por que tracta de contabilidade policial, contabilidade administrativa, contabilidade judicial — note-se contabilidade judicial — são ou não são juizes?... Este e o cardo-rei — até o proprio regulamento do tribunal o diz e a lei de 18 de setembro de 1844 (leu). Este é que é a sentença puramente moral da maneira, como procede o tribunal de Contas de França: já tive occasião de esclarecer alguma parte désse relatorio, modêlo, e poderia agora dizer mais alguma cousa; mas o que é verdade, é que o acórdão dado pelo tribunal de Contas sobre a gerencia dos dinheiros publicos, é uma sentença moral, e para a proferir é necessario que o tribunal tenha as devidas garantias, tanto mais que essa sentença vai caír sobre os seus superiores: e são estes os principio, porque eu me animo a defender este artigo. Nem se diga que esta explicitamente comprehendido no artigo já votado, ainda que talvez assim possa ser entendido, attendendo á disposição generica, que alli vem, e que auctorisa o Governo a reformar as repartições superiores da fazenda. (O Sr. Pereira de Mello: — Eu lá vou logo)... Ha cousas, Sr. Presidente, que quando a lei as não diz, nem estabelece um principio a seu respeito, nós não as podemos dizer: quod lex non dicit, necnos dicere debemus o nobre Deputado sabe isto melhor do que eu; o nobre Deputado tem applicado este principio certamente mais vezes, e melhor do que eu.

Sr. Presidente, a independencia do tribunal de Contas esta nesse relatorio que se publicou em 1844, entendo que o Tribunal de Contas deve ser tão independente, como o são, os juizes civis e criminaes, por que tem de julgar segundo a sua consciencia, e então acho que os membros do tribunal de Contas devem ser tambem independentes, por que tem tambem de julgar.... (O Sr. Pereira de Mello: — Não o devem ser)... Se o nobre Deputado me dá licença, eu lhe respondo muito simplesmente; eu não sei, se o devem ser; mas sei que a Carta muito explicitamente assim o determina.

Eu não quisera fatigar mais a Camara, nem a

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desejo fatigar, sobre um assumpto em que supponho, que as convicções já estão formadas. Tenho dito bastante, para sustentar a minha opinião, é para fazer ver, que esta opinião tende a fazer dar ao tribunal de Contas d'um paiz Constitucional a qualidade de que as suas funcções possam ser cabalmente exercidas, sem o que não é possivel que elle possa funccionar competentemente; porque aqui esta como já disse, o relatorio do anno de 1844 para 1845, que foi o primeiro apresentado nesta Camara, e aqui verá a Camara a nobre franqueza e lealdade, com que o tribunal o apresentou. Eu sei que o tribunal se arriscou muito, e digo, que ainda se continua a arriscar, em quanto os seus membros não forem investidos desta garantia; é necessario que elles sejam investidos desta medida, será o que não se póde ter uma plena confiança no seu julgamento, quando, em relação ao Governo, houver de apresentar os factos, elle poderá contestal-os; poderá nem eu sei o que, poderá fazer o que, como juiz lhe convem fazer, sem receio do cutello demissorio, pelo qual tem passado tanta gente neste paiz. E que confiança póde haver nos julgamentos deste tribunal, quando os seus, membros vergam debaixo do receio do cutello demissorio? Não podem ter nenhuma. De mais os nobres Deputados não podem funccionar bem em materias de finanças, sem lerem presente o relatorio do tribunal de Contas. E que qualidade de confiança poderão ter os seus argumentos, se não tiverem esse relatorio? Basta esta circumstancia só, para se fazer ver, que os argumentos a favor do artigo são d'uma maneira capaz de não poderem ser combalidos, porque são dogmas, e dogmas não se combatem, não se inventam, nem se alteram; os dogmas são. principios, e quando um principio desta natureza não póde ser combatido pela verdade, eu entendo que discorrer mais sobre o assumpto, seria prolongar uma discussão completamente inutil.

Não se pense jámais, que este objecto é pessoal para comigo; eu faço plena justiça aos nobres Deputados, o objecto não é pessoal, é um objecto de causa publica (apoiados).

Sr. Presidente, resta-me ainda uma cousa sobre uma circumstancia a que alludiu o nobre Deputado, e em que eu já toquei de passagem, e é, que me parece que o nobre Deputado confundiu a administração administrativa com a judicial: os objectos que este tribunal julga, são objectos que não são puramente consultivos; os objectos que elle decide são objectos puramente administrativos, estas questões são questões de fazenda, são questões de — se deve ou não deve pagar; — e se o tribunal de Contas tivesse usado da fiscalisação que lhe compete, a nossa divida publica teria sido mais pequena do que actualmente é; centenares de contas se tem perdido desde a importante lei de 22 de dezembro de 1762; essa lei não subsiste, porque os tempos ou as circumstancias tem mudado, e o systema dos regimentos e só admissivel na disposição dos processos, mas na disposição principal não póde ser admittido; se essa lei funccionasse, nós não teriamos perdido muitos centenares de contos que desde essa época estão em atraso, e que é absolutamente impossivel que se cobrem. Pelos documentos que existem depositados no archivo do tribunal de Contas, se vê que as quantias que se acham completamente perdidas, podem orçar talvez por 2:000 contos, impossiveis de cobrança; não é possivel de maneira nenhuma deixar de não considerar esta quantia como perdida. E ter-se-ha em pouca conta o que acabo de dizer? Mas estes exemplos devem servir para o futuro: elles provam bem a promptidão com que devem ser feitas as cobranças; e devemos ter em vista a legislação, principalmente a lei de 22 de dezembro de 1762, cujo preambulo magestoso e sumptuoso, como são ricos de sciencia em relação ao estado da fazenda, e ricos de factos, todos os preambulos da legislação do Marquez de Pombal, merece a mais seria attenção. O grande archivo do tribunal de Contas que era summamente rico em documentos, e em objectos de gravidade, continha a historia para o tempo, para todos os tempos: hoje poucos documentos existem a este respeito, porque o nosso archivo foi devorado pelas chammas, e apenas alguns poucos esclarecimentos existem no archivo da Torre do Tombo, e esses servem apenas para tirar algumas inferencias, mas não para colher cousa alguma de positivo. Existem porém alguns escriptos a este respeito, e são escriptos de grande importancia historica. Um dos auctores que conheceu perfeitamente os factos, na época em que escreveu, e que estava ao alcance delles, diz, que a maior parte deste archivo foi devotado pelas chammas do terrivel terremoto de novembro de 1755; alguns documentos existem que foram guardados na Torre do Tombo como acabei de dizer. Ahi se vê que a divida ao Estado andava para mais de 20:000 mil contos do que senão cobrou, e talvez uma parte destes 20:000 contos sejam daquelles que as memorias da administração do Marquez de Pombal, escriptas em francez e publicadas em portuguez, e mesmo nas memorias do illustre Ministro escriptas em inglez, e publicadas em portuguez pelo Secretario do Sr. Duque de Saldanha, a divida ao Thesouro, quando falleceu El-Rei D. José, era de 60 a 70:000 contos de valor effectivo, e nos cofres estavam 20 a 30 milhões em documentos de divida corrente para cobrar naquelle tempo, e obteve-se este resultado pela legislação então adoptada, e depois não aconteceu assim, porque é certo que quando El-Rei Dom João 5.º falleceu, foi necessario um emprestimo para fazer o seu enterro, e a essa administração de fazenda não acompanhavam as circumstancias, que se dão hoje, porque então os conhecimentos financeiros não estavam tão desenvolvidos como estão hoje, e não havia os livios que se tem escripto sobre esse assumpto. Se nesse tempo a administração de fazenda dava o resultado dos cofies estarem falhos, hoje os conhecimentos sobre finanças são outros, e que a administração da fazenda póde ser melhor organisada; é certo que os resultados são sempre superiores aos de então. Se o tribunal de Contas tivesse existido e exercido convenientemente as suas funcções, de certo, que nem então, nem agora as dividas ao Thesouro seriam em tão grande escalla; não teria existido na nossa época a divida que ha de 34 para cá. Vê-se pelos documentos officiaes publicados no Diario do Governo, e refiro-me nisto ao processo do empregado, que foi encarregado de examinar as dividas em atraso, empregado diligentissimo, e empregado não só diligentissimo, mas intelligentissimo, que só nos 6 bairros de Lisboa desde 34 até 43, em que foi feito este inquerito, (estes documentos foram publicados em 3 de março de 48) desde esse tempo a divida anda por perto de 8:000 contos, que se julgam incobraveis

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não sorvem para nada, servem só para documentos; e ainda hoje, Sr. Presidente, pelo mappa que tenho presente, vejo, que a divida que se acha por cobrar em alguns districtos administrativos monta a 4:570 contos em documentos, Dou estas informações á Camara, são informações de facto, que as lanço na Camara para fazer dellas o uso que entender conveniente; a questão que nos occupa é esta: os membros do tribunal de Contas são, ou não são juizes? Que julgam as questões entre particulares e o Estado, e que julgam os actos do Ministerio, decida-o a Camara; se são decididas affirmativamente, não póde deixar de lhe applicar a disposição da Carla, e não póde deixar de maneira nenhuma de lhe dar a garantia que lhe dá a propria Carta (apoiados).

O Sr. Assis de Carvalho: — (Sobre a ordem). Sr. Presidente, como póde acontecer que não me chegue a palavra, mando para a Mesa a seguinte substituição ao art. 3.º

Substituição. — A organisação pessoal do tribunal de Contas será feita pelo modo seguinte: — No principio de cada uma legislatura, a Camara dos Deputados elegerá 2 membros, a dos Dignos Pares outros 2, e o Governo nomeará 1; funccionarão por todo o tempo da legislatura, e poderão ser reeleitos. — Assis de Carvalho.

Foi admittida por 43 votos contra 7.

O Sr. Faria Barbosa: — Sr. Presidente, o projecto apresentado por parte do Governo consistia em pedir uma auctorisação debaixo de certas bases, para reformar o systema de fazenda; isto é, para reformar o systema de lançamento, e o systema de arrecadação de fazenda; não tractava nada absolutamente, nem pedia auctorisação para reformar o que era judiciario, isto é, para reformar o tribunal de Contas de que se tracta.

Sr. Presidente, a commissão não sei com que motivo, ou necessidade, ou com que direito veio apresentar neste projecto um outro projecto inteiramente, no meu modo de pensar, estranho a elle, mas supondo

que se a commissão reconheceu que era de necessidade para melhorar o systema de fazenda o reformar o tribunal de Contas, a commissão concedendo ao Governo o poder reformar, como melhor lhe parecesse, este tribunal em todas as outras partes, da mesma maneira devia ser coherente em conceder ao Governo ousar desta medida, se o julgasse conveniente. Tenho ouvido aqui dizer muitas vezes, e parece-me que até mesmo ao nobre Deputado que acabou de fallar, que ou se confia no Governo, ou não; quem confia, vota, e quem não confia, não vota; mas eu não serei tão rigoroso, e direi, que quem confia o mais, confia o menos; se a commissão confiou no Governo para reformar o tribunal, tambem devia confiar ao Governo esta medida, se a julgasse conveniente.

Sr. Presidente, ainda noto mais no projecto do Governo: para reformar o systema de fazenda, appareciam bases salutares, necessarias e reclamadas ha muito tempo pelos povos. Ora estas bases que o Governo apresentara, e que julgava indispensaveis para a boa reforma da fazenda, foram postas de parte pela commissão, e eu entendo que faço justiça á commissão, entendo que ella poz de parte, que confiou no Governo, e quiz dar, para assim dizer, uma liberdade ampla para reformar, como melhor conviesse á

causa publica; mas se no mais essencial do projecto a commissão confia no Governo, porque motivo, qual a razão, qual o fundamento, porque não confia no que diz respeito á perpetuidade dos juizes? Pois tem-se confiança no mais, e não tem confiança no menos?

E por este motivo que eu não posso votar pelo artigo; porque não entendo que as commissões tenham a iniciativa sobre qualquer objecto; e este. objecto que ella nos veio apresentar, o estranho ao projecto do Governo. Eu julgo que dessa perpetuidade e independencia que se quer dar aos membros do tribunal de Contas, vem perigo á causa publica. Eu entendo que a independencia e as garantias só devem dizer respeito ao pleno exercicio de um emprego, e não á pessoa que exerce esse emprego, e estas garantias, que se pretendem estabelecer, são todas relativamente ás pessoas. A experiencia tem mostrado quantos embaraços traz essa independencia e perpetuidade; estas regalias tem-se, para assim dizer, tornado um verdadeiro poder absoluto, com o qual o Governo se tem visto a braços para o poder reprimir: e quando a experiencia me mostra e apresenta estes factos, escusam de apresentar-me as theorias, por que os factos mostram o contrario destas theorias. Torno a repetir, eu entendo que a independencia e perpetuidade é relativa ao emprego, e não á pessoa, que exerce esse emprego; porem aquella de que se tracta, é só respectiva á pessoa, e por isso não posso votar por ella.

Mas diz o illustre Deputado — a Como póde ser bom juiz aquelle, que fôr sujeito ao cutello demissorio?» — Eu respondo, que se o juiz é bom, e a sua consciencia é forte, é impossivel que o mesmo cutello demissorio o faça curvar e torcer; se o cutello demissorio o faz vergar, então este juiz assim esta sujeito a outros temores, e já não póde ser bom juiz.

Eu ouvi aqui dizer que a divida que estava perdida era de 20:000 contos; se me convencessem que concedendo-se a perpetuidade dos membro do tribunal este mal tinha remedio, eu com algum sacrificio votaria por ella: mas eu tenho observado que ha contadores de fazenda, que receberam dinheiros publicos e os converteram em utilidade sua propria, comprando propriedades em nome de suas mulheres, não entregando um real á fazenda; e a estes ainda se lhes não pediram contas: eu observo que aquelles mesmos que querem prestar-se a dar as suas contas, e mostrarem-se quites com a fazenda, custa-lhes immenso, e leva muitos annos para poderem liquidar-se as suas contas; e aquelles que não sollicitam dar contas, estão muito bem descançados sem receio de soffrerem o mais pequeno incommodo. Ota este mal não concedo que possa ser remediado só porque os juizes sejam perpetuos, nem que elle provenha delles o não serem; nem a perpetuidade dos juizes póde, no meu modo de pensar, influir para que o individuo seja melhor juiz; o juiz recto e probo, capaz de affrontar todo e qualquer perigo, quando se julgar em situação tal que conheça, que não tem força necessaria para poder desempenhar o espinhoso cargo de juiz com a liberdade precisa, para poder dar uma sentença conforme a sua consciencia, então larga e pede a sua demissão. Por consequencia por lodo, estes motivos voto contra o artigo.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, o Gabinete não póde ficar silencioso nesta questão, e por isso entendo que devo fazer á Camara a exposi-

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ção franca e sincera dos seus principios (apoiados). Esta questão não é Ministerial; é precisamente o contrario; e é por isso que devo ser franco e leal a similhante respeito. Se a Camara rejeitar o artigo, dá e o Governo uma tal prova de confiança, que elle não deseja; a missão principal da Administração, e pela qual todos os seus Membros se commetteram perante as duas Casas do Parlamento e perante a Nação, a organisação da fazenda; e não póde haver Governo possivel, nem ordem nas finanças, nem fiscalisação, em quanto não houver um tribunal, que julgue as contas de todos os exactores de fazenda, e indirectamente daquelles que ordenam as despezas do Estado; é necessario que haja um tribunal, que julgue as contas de todos os exactores da fazenda, e julgando estas venha a conhecer, se os Ministros ordenaram as despezas, para que estavam legalmente auctorisados. O tribunal de Contas é verdade que não toma contas aos Ministros, mas toma contas aos exactores da fazenda, e examinando estas, vai examinar os actos de todos os ordenadores das despezas, e conhecer, se ellas se fizeram legal ou illegalmente: consignando estes factos todos os annos nos seus relatorios, os quaes são submettidos á Soberana e ao Parlamento.

Em França, onde esta materia esta levada á perfeição possivel, e isto o que alli se faz: o tribunal consigna no seu relatorio todos os actos, que encontra, obrigando os Ministros a explicarem no Parlamento os motivos, que os levaram a sair da orbita das attribuições, que lhes foram concedidas; e o Parlamento, em presença deste relatorio, é que julga as contas.

Em consequencia a Administração actual quer organisar o tribunal de Contas, e para isso aceitou de muito boa vontade a auctorisação, que para este fim lhe propoz a commissão de Fazenda; mas a commissão fez mais alguma cousa: juntou-lhe o principio de que os membros do tribunal seriam vitalicios e independentes, como juizes, para examinarem e julgarem as contas do Governo; e o Governo não póde deixar de considerar que estes juizes não podem funccionar, sem serem delle independentes.. Como ha de um tribunal de Contas examinar um acto do Ministro da Fazenda, e dizer se elle excedeu das suas attribuições, se no dia seguinte recebe um decreto de demissão por censurar esse facto? Nós mentiriamos á nossa consciencia, se quizessemos repellir este principio; nós queremos este principio, por que é conveniente, para que qualquer Governo não possa exorbitar das suas funcções.

Disse-se aqui que isto era uma questão de pessoas; mas parece-me que as explicações, que acabo de dar, removeram a repugnancia, que mostraram alguns Srs. Deputados, que fallaram sobre esta materia. O Governo deve ser franco: reconheço que o tribunal de Contas não esta organisado, como o deve ser, para poder funccionar, e entendo que a sua independencia deve datar da época, em que elle estiver organisado como deve ser, para poder funccionar.

Um illustre Deputado apresentou o principio da eleição, mas eu peço licença para dizer-lhe, que este principio tem-se seguido na Belgica, mas não foi admittido em França, nem mesmo pela Republica (apoiados); e devo declarar que entendo que para o Governo era melhor este principio, e é por isso que o não adopto; porque o Governo fia de ter a maioria nas duas Casas do Parlamento, e estas maiorias hão de ser condescendentes com elle, quando quizer fazer recair a eleição sobre certas pessoas; e por consequencia é mais independente que estes membros do tribunal de Cantas sejam nomeados pelo Poder Executivo, ficando comtudo fóra da acção do mesmo Poder, do que serem eleitos pelo Parlamento em cada Legislatura, e de mais a mais reelegiveis.

Sr. Presidente, não quero protelar este debate; a Camara vote como entender; mas o Gabinete desejava que este principio passasse, para haver fiscalisação, sem o que não póde haver a possivel organisação da Fazenda. O Governo tem tenção de apresentar um projecto governativo sobre este assumpto, passe ou não passe este artigo; se passar a auctorisação que o projecto concede, ha de organisar o tribunal de Contas, e ha de apresentar ás Cortes um projecto, em virtude dessa auctorisação, onde proporá que os seus membros, como juizes, sejam independentes.

Sr. Presidente, eu entendo que a Camara fará um serviço ao seu paiz, votando esta disposição, que o Governo não reputa como uma prova de desconfiança dos Membros que compõem a Administração, por que a intenção do Governo é empenhar-se na organisação da fazenda publica (apoiados).

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, esta questão não é pessoal; se outrora, eu não entraria nella; a questão tem relação com a natureza das cousas. £ de toda a evidencia, disse o nobre Deputado; que os membros do tribunal de Contas devem ser independentes; — concordo no principio; entendo que é de toda a conveniencia que um tribunal que tem de julgar as contas do Estado, e as ordens que acompanham essas contas, seja independente; mas seja uma emanação da eleição dos Corpos Legislativos. Se o tribunal de Contas tem por fim especial o julgar de todas as contas dos exactores da fazenda publica, e julgar dos actos do Ministerio, que acompanharam essas contas, isto é, das ordens de pagamento que acompanham essas contas, é muito logico, é muito filosófico que os membros que tem de julgar destes actos, sejam eleitos pelas duas Camaras Legislativas. A experiencia já tem mostrado, Sr. Presidente, que esta organisação na Junta do Credito Publico tem sido a mais proficua e a maãis proveitosa para a causa publica; ninguem ainda, depois da lei que estabeleceu a organisação da Junta do Credito Publico neste sentido se atreveu a impugnar esta douctrina a respeito desta organisação; é della que depende essencialmente o credito da Junta do Credito Publico; e se as funcções da Junta do Credito Publico são simplesmente administrativas e fiscaes, muito mais importante é que os membros do tribunal de Contas, que teem funcções judiciaes, sejam organisados do modo que a minha substituição menciona, e que mandei para a Mesa.

Mas, Sr. Presidente, diz-nos o illustre Ministro da Fazenda, que ha mais garantia para o publico na perpetuidade dos juizes sendo nomeados pelo Poder, do que na eleição pelas duas Camaras, porque tendo o Governo ordinariamente a maioria nas duas Camaras, póde concorrer para a eleição de dous membros de cada uma das duas Camaras, Mas o illustre Ministro não considerou, que como o tribunal de Contas foi constituido por uma legislatura, e tem de julgar das contas do Ministerio que antecedeu a essa Legislatura, se a opinião da Legislatu-

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ra não e conforme a opinião daquella que terminou, e muito logico, muito filosófico, e muito conveniente que o tribunal de Conta, seja organisado na conformidade do espirito da eleição. A perpetuidade dos juizes, Sr. Presidente, dando aliás a independencia aos juizes para poderem julgar conforme as sua consciencias, tem em Portugal inconvenientes que senão podem remediar pelo que diz o artigo; o art. 3.º diz (leu) podendo comtudo ser suspensos por decreto real, guardadas as solemnidades legaes, ou em consequencia de pronuncia por crime, ou êrro de officio. Poderiamos viver ainda centenares de annos, que não haviamos de ver um membro do tribunal de Contas processado por crime, nem por êrro de officio; poderemos viver descançados neste sentido, Sr. Presidente, que ainda que a lei o ordene, não havemos de ver nenhum membro do tribunal de Contas processado por cume, ou suspenso por êrro de officio; e portanto a perpetuidade aqui prova de mais, e é que póde ser perpetuo até no crime, entretanto que a eleição remedeia isto; na Legislatura seguinte não o eleito, por que ha suspeita contra a respeitabilidade désse juiz, e fica isto remediado com muita decencia e proveito para a causa publica; isto é, o juiz não e processado, não é suspenso, por êrro de officio, mas como a opinião publica não lhe é favoravel, as Camaras Legislativas não o elegem.

Sr. Presidente, se nós tivéramos um tribunal de Contas organisado desta maneira, não nos cançariamos a pedir contas da gerencia dos fundos publicos este anno, no anno seguinte, e nos mais que se seguirem, sem que nos seja apresentado no menos para salvar a decencia publica, um fantasma de contas; porque os membros do tribunal de Contas assim eleitos, teriam em muita conta a conveniencia publica para responderem a esta perseguição do Parlamento, sendo elles uma emanação deste mesmo Parlamento; e senão veja-se a pontualidade com que a Junta do Credito Publico no principio década Legislatura nos apresenta aqui ai contas da sua gerencia, e o primeiro estabelecimento publico, de administração de fazenda, ou de fiscalisação que no principio de cada Legislatura no apresenta aqui as contas da sua gerencia, e tão bem formuladas, que supponho que passa por uma formalidade o seu exame.

Portanto sem accrescentar alguma outra razão ás ponderações que ficam feitas, eu voto pela minha substituição, e peço a V. Ex.ª que quando ella se puzer á votação, esta seja nominal.

O Sr. Cunha Souto Maior: — Eu hontem na discussão da generalidade deste projecto, declarei que votava contra; mas esta minha declaração não importa a votar contra todos os artigos especiaes delle. Eu neste artigo vou a favor do projecto, porque sempre que se tracta de dar garantias de independencia a quaesquer empregados publicos, voto por ellas. A independencia de um tribunal, sem lhe dar todas as garantias de independencia, não só é um contrasenso, mas é um absurdo, porque um tribunal fiscal de Contas não administra os dinheiros publicos; mas superintende á applicação que tiveram estes dinheiros, por consequencia tem de fiscalisar os actos do Governo, e se em resultado da independencia que elle mostrar, o Governo corresponder a ella com um acto de demissão? Está claro que os membros do supremo tribunal de Contas qualquer que seja a sua independencia, podem ser feridos no exercicio dessa independencia. Tem-se dito que a garantia dos empregados publicos esta na sua probidade; assim deve ser, ruas nem sempre isso acontece, porque estamos n'um paiz aonde o Governo castiga estes actos de independencia com a demissão, direito de que em Portugal se tem abusado extraordinariamente, e nesta Camara ha um exemplo. Um empregado votou contra, na resposta ao Discurso da Corôa. Que se seguiu? Foi demittido! Injustiça que esta hoje reparada, mas a reparação não destroe o facto; estamos acostumados neste paiz a ver punidos os actos de independencia com demissão. Sempre pois que se apresente uma garantia para o exercicio de qualquer funccionario publico, eu voto por ella.

Sr. Presidente, hontem não me coube a palavra para responder a um illustre Deputado pela Estremadura, meu amigo, que fallou depois de mim. Eu nas poucas para vias que disse, não fiz nenhuma allusão pessoal a S. Ex.ª nem a nenhum dos cavalheiros que occupam estas cadeiras. Eu declaro que em resultado da minha opposição anterior, a minha obrigação que se deduzia logicamente dos factos, era votar contra este projecto, porque eu tinha declarado muito antecipadamente que havia de votar contra elle. O Governo pediu que esperassemos pelos seus actos, e eu espero por elles, mas este projecto não é um acto do Governo, é um dos projectos do Governo passado. Eu sinto muito que o illustre Ministro da Fazenda, cavalheiro que passa no paiz por muito entendido nestas questões, não tivesse tempo de trazer á Camara projectos seus, porque a opposição antiga desta Camara approvando este projecto, perdõem-me os illustres Deputados, eu não quero fazer aggravo nenhum; mas involve isto uma tal ou qual contradicção, porque a opposição nesta Camara estava decidida a combater este projecto, quando viesse á discussão, assim como já o tinha combatido pela imprensa, era isto o que queria, fazer a opposição ao ao corpo collectivo do Governo, e não aos cavalheiros que a compunham, porque por elles tinha toda a deferencia.

Eu espero pelos actos do Governo, estou combatendo este projecto, porque é uma herança do Governo passado, mas faço aquillo que pede o Sr. Ministro. O Sr. Ministro do Reino disse, esperem pelos actos do Ministerio; é justamente o que eu faço. Mas, Sr. Presidente, declaro francamente, uma das cousas que mais me assusta, e a grande maioria que tem o Governo, porque esta grande maioria leva-nos necessariamente a um tal ou qual abuso, e senão veja-se: a Camara estava cançada, e em 21 horas fizemos mais que em 6 mezes; em 6 mezes não tinhamos, feito nada, e agora no fim approvámos a lei de meios, e depois pede-se esta auctorisação que necessitava de uma discussão muito pausada e reflectida, o que não póde ter logar, porque a Camara fecha-se no dia 2, o muito até ao dia 7, e os Deputados vão para suas casas; por consequencia em 10 ou 12 dias fazemos mais do que fizemos em 14 mezes, b mezes desta sessão e 8 mezes da passada.

Sr. Presidente, eu não concordo com alguma palavra que está aqui no artigo, porque o artigo diz (leu.) «.... serão pertutuos.»

Ora, Sr. Presidente a perpetuidade não e uma

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condição inherente a estes empregos, por consequencia parecia-me, Sr. Presidente, que o artigo ficava muito mais bem redigido se dissesse — os membros do tribunal de Contas só perderão os seus logares por sentença; mas estabelecer a perpetuidade, que não esta em these inherente a nenhuma condição humana, e que em hypothese não é a condição destes empregos, realmente não me parece racional. Eu pediria licença á illustre commissão para que supprimisse esta palavra; supprimida ella, voto pelo artigo. Se acaso a proposta offerecida pelo Sr. Deputado pelo Algarve fosse acceita, votava por ella, porque acho muito mais liberaes as suas prescripções; mas na duvida de que a proposta passe, voto por este artigo com a eliminação da palavra que disse, e por uma razão muito simples; não é por ser questão ministerial, porque o não é S. Ex.ª o Sr. Ministro, já declarou que não o era, e antes que S. Ex.ª declarasse que era, para mim não influia isso nada no meu animo; além de que as questões são ministeriaes pela sua natureza, e não porque o Ministro as declare taes; mas voto por este artigo, porque é uma garantia de independencia ao empregado publico, e sempre que se der esta garantia, a minha voz, assim como a minha penna na imprensa hade defende-la, como tem constantemente defendido.

O Sr. Costa Xavier: — Requeiro que V. Ex.ª consulte a Camara sobre se a materia esta discutida.

Não se julgou discutida por 39 votos contra 9.

O Sr. Vaz Preto: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara para admittir uma proposta que vou mandar para a Mesa em consequencia da declaração que fez o Sr. Ministro da Fazenda. É a seguinte — Emenda. — A disposição deste artigo, quanto á perpetuidade, só terá logar depois que o tribunal fôr organisado na conformidade da auctorisação concedida por esta lei. — Vaz Preto.

Foi admittida por 51 votos contra 1.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, tracta-se nesta questão de principios, e não de pessoas; (apoiados) se se tractará de pessoas, eu seria o primeiro a render o meu voto, e não só o voto, mas o reconhecimento das eminentes qualidades, que adornam o illustre Deputado que fallou, e rompeu a discussão hoje sobre esta materia; nem seria possivel o contrario, Sr. Presidente, em attenção á minha organisação, que não permitte que eu tenha segundas intenções, ou o menor ressentimento contra pessoa alguma, mas muito menos contra o illustre Deputado, soldado antigo e velho na bandeira da Carta, e não só isto, Sr. Presidente, mas dotado de abalisados conhecimentos, que á força de um porfiado estudo tem adquirido sobre a materia. Por consequencia se houvesse a este respeito de pedir-se o meu voto quanto a pessoas, de certo S. Ex.ª seria o primeiro que teria o meu voto; mas não se tracta de pessoas, Sr. Presidente, tracta-se de principios, e é segundo os principios que me proponho tractar a questão.

Sr. Presidente, S. Ex.ª invocou primeiro que tudo os principios de direito publico constitucional: é por estes mesmos principios que a mim me parece, e eu o vou mostrar ao illustre Deputado, que não se póde sustentar absoluta e completamente a douctrina do artigo.

Eu sei, Sr. Presidente, que segundo a Carta Constitucional são quatro os Poderes independentes que ella marca, e eu como subdito portuguez, tendo jurado a Carta Constitucional, presto-lhe a minha de vida homenagem e respeito, mas nem por isso me fica prohibido o poder emittir a minha opinião a respeito do que seria melhor.

Sr. Presidente, eu segundo os principios do direito publico constitucional não admitto no Estado senão dois Poderes; não reconheço senão dois Poderes, Legislativo e Executivo; todos os mais são emanações de um desses Poderes, e é por essa mesma razão que eu combato a independencia do Poder Judicial, quanto ás pessoas, pela maneira e fórma que se tem entendido, e esta minha opinião em mim não é moderna, não é nova, é muito antiga. Eu entendo independencia em relação ás honrosas funcções, ás altas funcções que exercem, mas não quanto ás pessoas; ora se eu professo, como já disse, esta opinião a respeito dos magistrados; digo que, se para desempenhar com honra as funcções de qualquer cargo é necessaria esta independencia, então ella é necessaria tambem para muitos outros empregados de certa cathegoria, que julgam e decidem questões era que o Estado e os particulares são interessados, (apoiados)

Mas diz a Carta Constitucional, que o Poder Judicial é independente, e que os juizes são perpetuos; porém não concede esta garantia a nenhum outro funccionario do Estado: mas diz o nobre Deputado — Os membros do tribunal de Contas em quanto têem de julgar e decidir sobre contas do Governo, e vêr se a despeza é feita ou não em conformidade das leis, exercem funcções meramente judiciaes 55 — pois bem, se os membros do tribunal de Contas exercem funcções meramente judiciaes, sejam elles tirados do corpo da alta magistratura, assim como acontece em França, e não vamos crear um outro Poder, que vem a ser status in statu. Se formos crear um outro Poder independente, além daquelles que a Carta marca, se entenderem que senão póde tocar com as suas pessoas, havemos de vêr o que estamos vendo todos os dias, que estas pessoas são os maiores inimigos do Governo; são nestes tribunaes que se sentam homens independentes, que estão constantemente reagindo contra o Governo, e contra a ordem do Estado. (apoiados) É pois por este motivo que eu sou mesquinho em conceder taes garantias; muito embora a Carta conceda estas regalias ao Poder Judicial; porém quanto a este ha um motivo que o justifica, é para que nenhuma auctoridade se possa entremetter nas suas attribuições e funcções; mas a respeito dos membros do tribunal de Contas não sei que motivo se apresente para o justificar, porque se elles exercem funcções meramente judiciaes, então sejam tirados dos membros da magistratura, desse corpo que já é hoje independente.

Ora agora vamos a ver, se os membros do tribunal de Contas exercem funcções meramente judiciaes a respeito das contas do Estado. Olhando para a Carta Constitucional, que diz o artigo 138.º 1 Diz o seguinte (leu). Ora que nos diz mais a este respeito não só o regimento do tribunal de Contas, que o nobre Deputado se encarregou de ler, mas o artigo 28.º da lei de 26 de agosto de 1848? Diz o seguinte (leu) Logo concluo eu daqui, que os membros do tribunal de Contas só teem a apresentar o seu parecer, e a sua consulta; e emittir o seu parecer, não é julgar; as contas são julgadas mas é nesta Camara. Portanto se a independencia, e perpetuidade é necessaria para

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se podér com honra e probidade desempenhar qualquer cargo, este principio póde trazer uma consequencia (que eu não quero trazer) a respeito dos actuaes membros do tribunal de Contas; porque, se para julgar e decidir sobre as contas com imparcialidade e zêlo, é necessaria esta garantia nos membros do tribunal, então o que se póde dizer, que elles teem feito até aqui, não tendo esta garantia? Não sou eu que hei de deduzir esta consequencia, porque formo um alto conceito de todos os homens, que são actualmente membros do tribunal; mas o facto é que se póde tirar esta consequencia do principio, que se quer estabelecer.

Concluindo digo, que não é este principio que me faz sustentar a doutrina do artigo; e se até aqui tenho combatido a materia do artigo, é tambem por uma razão, é porque vejo que este ponto não é essencialmente governamental. Olhando para o projecto, que o Governo apresentou, não vi lá tal provisão; e então collegi daqui, que em alguma sessão a que faltei como membro da commissão do Orçamento, aonde esta materia tambem se tractou, se havia decidido que entrasse este principio no projecto; mas declaro que é este um principio, que não tem ligação alguma com a auctorisação concedida ao Governo por este projecto (apoiados) e é esta mais uma razão que tenho para não approvar o artigo, por ver que não foi o Governo, que estabeleceu este principio, porque o Governo entendeu podér fazer a reforma do tribunal, sem ter necessidade desta garantia.

Ainda ha outra razão, pela qual eu combato a doutrina consignada neste artigo, e vem a ser, que eu entendo, que em quanto o tribunal de Contas estiver organisado como esta, de maneira nenhuma esta garantia se póde conceder; depois que elle fôr organisado, de maneira que fique competentemente habilitado para exercer as funcções fiscaes, póde então ser muito bem, que lhe preste o meu apoio; e nesta conformidade não tenho duvida em votar pela emenda, que mandou para a Mesa o Sr. Deputado Vaz Preto.

O Sr. Andrade Nery: — Peço a V. Ex.ª tenha a bondade de consultar a Camara, se julga a mate, ria discutida.

Consultada a Camara, verificou-se não haver numero sufficiente para haver votação.

O Sr. Xavier da Silva: — Mando para a Mesa um parecer da commissão de Fazenda, e outro da commissão do orçamento, ambos sobre propostas do Governo; e igualmente um parecer da commissão de Poderes, sobre a carta do Sr. João Pedro Corrêa.

O Sr. Presidente: — Os primeiros dois pareceres mandam-se imprimir, e o segundo fica sobre a Mesa, para entrar em discussão em occasião opportuna.

Continua a discussão sobre o artigo 3.º do projecto n.º 76.

O Sr. Rebello da Silva: — Sr. Presidente, no que vou dizer serei o mais resumido possivel. Um illustre Deputado estranhou, que a commissão de Fazenda tivesse inserido neste projecto a proposição sobre a independencia, e perpetuidade dos membros do tribunal de Contas, por não poder ter a iniciativa sobre este objecto; eu direi ao Sr. Deputado, que a commissão de Fazenda inseriu esta proposição pelo mesmo principio e direito, que teem todas as commissões de apresentar as suas idéas nos pareceres que trazem á Camara; porque entendo, que as commissões teem direito de apresentar á Camara um parecer, que resolva as questões da maneira mais conveniente, e mais vantajosa para o serviço publico; e a commissão de Fazenda apresentando as suas opiniões sobre o assumpto, de que se tracta, tinha todo o direito para as poder apresentar. Eu não sou defensor deste principio — quem confia, vota, quem não confia, não vota.

Sr. Presidente, uma Camara não vota, porque confia, uma Camara vota, porque tem razões de confiar, e para isso é necessario esclarecer bem este objecto; perdôe-me o nobre Deputado; o Governo, se o julgar conveniente, trará á Camara medidas; é a primeira vez que vejo Governo nesta Camara; e dou os parabens ao Sr. Ministro da Fazenda actual, por que S. Ex.ª tomou a responsabilidade, que não póde deixar de ter o Governo nestas questões. Eu não conheço, nem posso reconhecer reclamações dos povos, senão aquellas que são trazidas por meio de representações; reconheço o direito dos constituintes, que é o direito de petição; mas disse o nobre Deputado, que essa independencia, que queriam dar aos membros do tribunal de Contas, era um perigo, um grande perigo para a cansa publica! Porque, Sr. Presidente? Porque é um grande perigo para a causa publica, que os empregados do tribunal de Contas sejam perpetuos, e não amoviveis? Francamente é necessario confessar, que o perigo é muito pequeno; mas acha-se que é conveniente, e não perigoso, que fique ao arbitrio do Governo a exoneração de um homem, carregado muitas vezes de serviços!

O nobre Deputado traçou á roda de si um circulo, e diz que não reconhece theorias, porque a experiencia de muitos annos o tem ensinado — permitta-me o nobre Deputado que lhe offereça a experiencia, e a razão de muitos que se fundam no contrario, e que tem independencia como cavalheiros.

Sr. Presidente, eu não reputo o artigo 3.º uma questão ministerial; eu não reputo esta restricção como uma vantagem a pessoas, reputo-a como o resultado de um principio, reputo este artigo, Sr. Presidente, mais uma restricção imposta ao Governo sobre este ponto, do que uma ampliação, sendo necessaria e conveniente como garantia das causas que o tribunal de Contas tem de julgar entre o Governo e os contribuintes.

Sr. Presidente, mas disse-se, que estes juizes deviam sair da ordem natural da magistratura. Eu não acho, Sr. Presidente, que as capacidades sejam todas iguaes; e que a experiencia possa achar-se na magistratura, póde lá achar-se; mas permitta-me o nobre Deputado, que lhe diga, que as funcções não se fazem para o individuo, o individuo é feito para as funcções: portanto como este artigo 3.º involve garantias aliás indispensaveis, sobre as causas que o tribunal tem a julgar, por todas estas razões voto a favor do artigo, pelo qual já tinha votado na sessão do anno passado.

O Sr. Andrade Nery: — Requeiro que V. Ex.ª consulte a Camara, se a materia esta sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida por 44 votos contra 9.

O Sr. Presidente: A primeira cousa a votar-se são as emendas, mas antes de tudo ha um requerimento do Sr. Assis de Carvalho em que pede vota-

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ção nominal, sobre a sua emenda, e por isso consulto a Camara a este respeito

Por 42 votos contra 9 resolveu-se que não houvesse votação nominal, e seguidamente foi rejeitada a emenda do Sr. Assis de Carvalho por 39 votos contra 11 O artigo 3.º foi approvado por 37 votos contra 12 salva a emenda do Sr. Vaz Preto, que a final tambem foi approvada por 47 votos contra 10. Entrou em discussão o artigo 4 º O Sr. Lopes de Lima: — Sr. Presidente, quando fallei na generalidade deste projecto, declarei logo, que talvez tivesse de apresentar algumas emendas ás disposições delle na sua especialidade. Tenho deixado correr a discussão, sem tomar a palavra, que talvez alguma necessidade tivesse disso, para responder a alguns illustres Oradores que fallaram depois de mim na generalidade, e mesmo a um que fallou hoje e que dizendo que não fazia allusão a mim, fez uma allusão á opposição desta Camara. Permitta-se-me dizer muito pouco a este respeito. Eu approvei na generalidade este projecto, e approvei os primeiros artigos delle, porque entendo que isto e menos um voto de confiança, do que um encargo que se impõe ao Governo (apoiados), e por isso não se dá aqui a contradicção que o illustre Deputado hoje quiz de alguma maneira lançai sobre a opposição. Em contradicção estão os illustres Deputados que o tem impugnado. Não e verdade que a opposição, a que eu pertenço, se tivesse nunca pronunciado contra este projecto, nem na tribuna nem na imprensa, nem isso era possivel Pronunciou-se alguma cousa contra as proposições, que foram apresentadas pelo Ministerio transacto, quando aqui veio apresentar a sua proposta, mas os mesmos Deputados tem dito que a commissão poz de parte essas disposições, e deu um voto de confiança em branco, isto e, separou tudo que era definido, e estabeleceu o que disse o illustre Deputado, um voto indefinido, por consequencia aonde esta aqui a contradicção? Pois se a commissão nunca censurou esta disposição, como havia de censurar o Ministerio por ter acceitado as idéas do seu antepassado. Por consequencia a idéa que aqui se apresenta, e a de informar a fazenda publica; o modo porque isso se ha de fazer, creio que ainda virá á Camara, mas por ora ainda o cedo

Agora limitando-me ao art. 4.º tenho a fazer uma observação, sobre a qual peço a attenção da commissão, e mesmo do Sr. Ministro da Fazenda, porque me parece que é preciso resolver a possibilidade de se mudarem as épocas com relação aos artigos 20 e 22 do capitulo 5.º da lei de 26 de agosto de 1848, referido neste art. 4.º em discussão, porque o que se devia fazer pela lei de 26 de agosto não se chegou a effectuar, para se regularem definitivamente as differentes épocas das receitas e despezas, e por consequencia se agora o Governo tiver de fazer applicação das disposições do capitulo 5. para este artigo, ha de vêr-se em embaraços, se lhe não accrescentar aqui no artigo mais alguma coisa; por tanto, neste sentido vou mandar para a Mesa um additamento ao art. 4 º

Additamento. — Mutatismutandis em relação ás épocas, no que fôr necessario para o pôr em harmonia com as circumstancias actuaes. — Lopes de Lima

Continuação: — Se a commissão me convencer do contrario do que eu julgo, eu cedo, mas parece-me que, se esta disposição passar como esta, não se ressalvando a possibilidade de se alterarem as épocas, ha de trazer grandes embaraços ao Governo.

Consultada a Camara sobre a admissão deste additamento, verificou-se não haver numero.

O Sr. Agostinho Albano — Sr. Presidente, ainda não esta admittido o additamento á discussão; mas eu entendi que desde já devia pedir a palavra, para declarar por parte da commissão que o acceito, salva a redacção; não póde deixar de ser admittido; porque não se poderão preencher os effeitos da lei de 26 de agosto do anno passado, que determinava que a receita do anno fosse applicada a despeza do mesmo anno; mas ao contrario, havendo auctorisação para as receitas não cobradas serem applicadas ás despezas do anno corrente, é evidente que é indispensavel que se altere essa disposição, aliás era necessario fazer um ponto, e já o Sr. Ministro declarou muito cathegoricamente que não podia nem o queria fazer, e ainda bem que se fez essa declaração, para tirar os empregados publicos do receio em que estavam. A commissão, pois, não póde deixar de admittir o additamento do illustre Deputado, salva a redacção.

O Sr. Carlos Bento — Pouco direi, porque não quero tomar tempo á Camara. A unica maneira da Camara poder approvar o artigo em discução é admittindo a proposta mandada para a Mesa pelo illustre Deputado. Eu votei contra a generalidade do projecto, e nessa generalidade se comprehende tambem a disposição de que se tracta, e a do artigo antecedente, e foi com muito sentimento que me pareceu que podia haver uma questão pessoal na discussão do artigo precedente, quando não havia logar para isso. Sr. Presidente, um dos motivos porque eu voto com mais força contra estas disposições, é porque ellas não podem produzir os effeitos que se esperam; e fundo-me nos precedentes para o poder affirmar. Ainda ha pouco tempo a Camara votou uma auctorisação ao Sr. Ministro da Guerra para reformar a administração militar: mudou a Administração, estará o Sr. Ministro actual disposto a fazer uso désse voto de confiança? Sabemos já quaes são as idéas de S. Ex.ª a esse respeito? Será preciso outro voto de confiança? Não se sabe.

Ora, Sr. Presidente, esta disposição parece-me uma das mais vantajosas da lei, porque nós ha pouco votamos o telhado da questão financeira, mas o alicerce ha de ainda votai-se para o anno seguinte. Votamos as garantias para os conselheiros do tribunal de Contas; revalidamos o que se votou em uma lei passada; ora o que nos importa a nós termos o melhor dos tribunaes de Contas se não ha as contas, se o mesmo tribunal tem dito nos relatorios que tem apresentado — Que não apparecem essas contas? — Votamos aqui uma independencia para crear bolor; pois nós não havemos de acreditar nos factos? Isto e uma illusão, isto não e serio. O tribunal diz — Ha 4 annos que não ha contas — e nós votamos o tribunal muito independente]... Muito independente foi elle quando disse isto. Isto não é serio, repito, a culpa não é nossa.

Disse o Sr. Ministro da Marinha (e tambem é uma raridade desta discussão, ter uma vez que discutir com o Sr. Ministro da Marinha, outra vez com o Sr. Ministro da Fazenda.) (O Sr. Ministro da Fazenda. — E porque ha duas Casas no Parlamento.) O Orador: — Que tem que haja duas Casas, ha-

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jam 400 Casas; não se póde negar que se tem dado este facto, e que isto não é das melhores cousas, para que uma discussão caminhe regularmente, porque é certo que não sabemos a que Ministro temos que responder, nem que Ministro nos responderá! Repito, disse-nos o Sr. Ministro da Marinha com aquella sinceridade que sempre o acompanha, que era absolutamente impossivel haver inteira fiscalisação, porque muitas circumstancias concorriam para a não poder haver; que não se contasse com as contas regulares; que isso era uma illusão; mas, apezar disto, nós ficámos muito contentes em votar um tribunal de Contas acompanhado de todas essas garantias pomposas que a commissão veiu sollicitar da Camara para esse tribunal! Nós não podemos ler fiscalisação, porque os exercicios não são regulares, desde o momento em que se deixou de applicar uma certa receita ordinaria para despeza correspondente, é impossivel as cousas marcharem com regularidade.

Nós pela lei de 26 de agosto do anno passado auctorisâmos aqui o Governo para levantar fundos sobre a decima, mas era em certas fracções, e isto ainda dava a garantia da possibilidade de contas; mas isso hoje é summamente impossivel, porque nós este anno auctorisâmos o Governo para levantar quantias em globo sobre as decimas; lança-se máo de meios extraordinarissimos para satisfazer a despeza ordinaria, para satisfazer a despeza ordinaria d'um semestre lança-se máo de receitas pertencentes a dois e tres semestres, e neste estado de cousas, como e que póde haver boa e regular fiscalisação no que diz respeito a contas?... No entretanto votou-se o tribunal rodeado de immensas garantias para bem poder julgar as contas que lhe forem presentes; deu-se a cada um dos seus membros a independencia de juizes! Pois eu direi a esses senhores juizes que os leitos não hão-de la ír; os senhores juizes hão-de estar por muito tempo com a sua perpetuidade, e integridade ociosa; não hão-de ter que julgar!

O Sr. Agostinho Albano: — Sr. Presidente, é exacto, em grande parte o que acaba de dizer o nobre Deputado que me precedeu; as contas não tem todas sido presentes ao tribunal; ainda as que pertencem ao ultimo exercicio, não estão lá todas; mas isto não quer dizer que não estejam lá algumas, e

que o tribunal de Contas não tenha feito as competentes diligencias para que essas contas lhe sejam presentes. O que é verdade tambem e que muitas contas deixam deter o seu andamento devido porque não tem havido da parte dos governadores civis as diligencias proprias, para que a remessa das contas tenha logar; ha contas que não se podem fechar, porque um ou dois responsaveis d'um districto não tem prestado as que lhe pertencem, e muito bom seria que os magistrados superiores dos districtos administrativos se não descuidassem em exigir nos seus districtos as contas dos recebedores, contadores etc.

Sr. Presidente, por esta occasião direi, que tem sido religiosamente observados, por parte do Governo, os artigos 23, 24, e 25 da lei de 26 de agosto de 1848; digo isto, porque não posso nunca deixar de render a competente homenagem á verdade.

Tambem aproveito a occasião para chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda, sobre a necessidade de se apresentarem ao tribunal de Contas os avisos de conformidade, porque sem esses avisos de conformidade é impossivel fecharem-se as contas.

Sinto que não esteja presente o Sr. Deputado Assis de Carvalho, para lhe dizer que o tribunal de Contas não demora o exame das contas, que lhe são presentes. Logo que quaesquer contas são apresentadas ao tribunal, elle as examina promptamente; o tribunal exerce a sua acção fiscal no exame das contas que lhe são apresentadas, com a maior promptidão possivel, (apoiados) por tanto muito mal cabida foi a censura feita pelo Sr. Deputado a semilhante respeito, (apoiados)

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão immediata, que é no sabbado, é, na primeira parte, leitura de pareceres de commissões, que não estão impressos; o parecer da commissão de contabilidade sobre as contas da Junta Administrativa da Casa no intervallo das sessões; depois, na segunda parte, os demais projectos já dados, e, alem desses, os projectos n.ºs 35, 55, 5, 19, e 43. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas da tarde.

O Redactor,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

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