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Discurso que se devia ler a pag. 188, col. 2.ª. lin. 10 da sessão n.° 14 d’este vol.

O sr. Barros e Sá: — Sr. presidente, pedi a palavra e desejo usar d'ella; apresentam-se-me porém duas difficuldades que v. ex.ª e a camara apreciarão.

É a primeira a ausencia do sr. presidente do conselho ao qual estão incumbidos os negocios externos, pois como a principal discussão da minha parte lerá de versar sobre as nossas relações externas, não posso considerar-me com a liberdade sufficiente para discutir e talvez censurar os actos da administração de s. ex.ª O governo esta representado, é verdade, mas eu é que não estou á minha vontade, e parecerá talvez a alguem cobardia aggredir um ausente.

A segunda difficuldade consiste na ausencia dos documentos tantas vezes pedidos, e muitas mais promettidas pelos srs. ministros, e até pelo chefe do estado...

O sr. Ministro da Fazenda (Antonio José d'Avila): — Já vieram.

O Orador: — Ouço dizer que já vieram, mas eu não o creio, vi que vieram alguns, mas não todos, faltam os pedidos á secretaria dos estrangeiros, e d'aqui por diante não sei que garantias póde e deve exigir a camara aos srs. ministros para ficar garantida do cumprimento das promessas e palavras de ss. ex.ªs, e das proferidas pelo augusto chefe do estado na occasião solemne da abertura do parlamento, que tambem são dos srs. ministros.

N'essa occasião disse Sua Magestade que todos os documentos nos serão presentes brevemente. Mas nem cedo nem tarde, porque não chegaram todos, chegaram só alguns, aquelles que os srs. ministros quizeram communicar-nos para apreciarmos a sua responsabilidade. O parlamento esta aberto ha mez e meio; quando ouvimos a falla do throno deviamos persuadir-nos que todos os papeis relativos á questão franceza estavão promptos, mas não foi assim, porque só no fim de mez e meio é que a imprensa nacional póde imprimir um livro de duzentas trinta e cinco paginas. D'aqui resultou a demora da discussão do projecto de resposta, demora que não póde ser imputada á opposição, que não podia dar ordens aos empregados das secretarias nem aos da imprensa. Isto por si só já indica a diligencia e cuidado com que os srs. ministros se dedicam aos negocios do estado.

No discurso do throno dizia-se que uma séria desintelligencia se suscitou entre o governo portuguez e o do imperador dos francezes, por causa do apresamento nas aguas de Moçambique da barca Charles et Georges, e acrescentava que tirada esta questão do campo do direito em que o governo (o portuguez) se empenhara por mante-la, forçoso fôra ceder á peremptoria exigencia da entrega daquelle navio e da libertação do respectivo capitão.

A questão foi posta ao parlamento nas palavras que repeli, debaixo de dois differentes aspectos que realmente lhe compelem. O primeiro aspecto é a parte internacional, o segundo é a parte relativa á responsabilidade ministerial, a que respeita ao comportamento do governo. Assim posta a questão pelo governo, cumpre-me aceita-la n'este terreno para examinar se a apreciação feita pelo governo é exacta, e se o seu proceder merece louvor ou censura.

Em quanto ao primeiro ponto, qual é aquelle em que o discurso da corôa diz que a questão foi tirada do campo do direito, pouco me demorarei porque entendo como o governo entende a questão.

Com effeito, sr. presidente, esta questão do direito, quer encarada pelo lado do direito das gentes que foi infringido, envolvendo-se o navio apresado no infame trafico da escravatura, quer pelo lado da competencia e jurisdicção dos nossos tribunaes para julgarem ou sentenciarem a justiça ou injustiça do apresamento, foi violentamente resolvida. Digo violentamente para não empregar expressão mais forte, mas porventura mais adequada. Com effeito as leis portuguezas foram violadas pelo capitão do Charles et Georges. Commetteram o infame trafico da escravatura, e como lai constituiram-se piratas, violaram o nosso territorio aportando a uma praia defesa, contrabandiaram pondo-se em commercio para terra fóra da linha fiscal, e em contravenção aos regulamentos das alfandegas. Que mais seria preciso para que a apprehensão podesse ler tido logar? Que houve trafico da escravatura prova-se, porque não só assim foi confessado pelos apprehendidos, principalmente pelo chamado delegado da administração, declarando que havia de apresentar ao governador da ilha da Reunião um relatorio demonstrativo da illegalidade das operações do Charles et Georges, mas tambem porque foi apprehendido em flagrante delicto de trafico lendo cento e dez negros a bordo, alguns dos quaes estavam presos e amarrados, ainda que por sua livre vontade, como dizia o capitão Rouxel nas graciosas expressões que desejo repelir para as tornar salientes=qu'ils consenlaient d'aller á Vile de Bourbon pour cinq ans, lous ont éle libres á bord, exeepté les onze premiers, qui, sur leur consentement, se sont rendus dans la chaloupe les bras amarres—. Acresce que em todas as peças d'este volumoso processo se menciona que dos negros encontrados a bordo alguns tinham sido furtados a proprietarios de Moçambique, outros tinham fugido aos seus senhores e depois foram vendidos ao capitão Rouxel.

Houve pois trafico, porque houve a compra e venda de carne humana, trafico que as leis do direito das gentes qualificam de pirataria reprovado pelo concurso unanime de todos os povos civilisados. É pois minha opinião, que julgo desnecessario demonstrar com mais extensão, que o navio apresado praticou o crime da escravatura. Este é o ponto mais importante, porque da violação do territorio e do contrabando não se tratou senão incidentemente. Assentados estes pontos segue-se logica e necessariamente, que a subtracção por meio da ameaça do emprego da força do navio antes da sentença final foi uma violencia praticada pelo governo francez, violencia inaudita e que parece impossivel que fosse consentida no centro da Europa por uma nação forte e poderosa contra outra nação sua alliada. Devemos esperar que similhante facto mais não torne a ser repetido nos proximos seculos, porque ha erros que repelidos podem precipitar uma nação no abysmo. O que tanto é assim que o proprio auctor da violencia já confessou o seu crime perante a Europa, denunciando o seu arrependimento.

Sr. presidente, com quanto não queira demorar-me n'este ponto, desejo me seja permittido repetir, alto e bom som, que o nosso direito era evidente e que a injustiça e violencia praticada pelo governo do imperador foi atroz. Esta repetição quero faze-la, para excluir a suspeita de que pretendo justificar ou attenuar o procedimento do governo francez. Sei que se intenta fazer acreditar que quem accusa o governo portuguez, pela má direcção que deu á negociação, defende o governo francez. Esta imputação é uma falsidade, pois que a questão da responsabilidade ministerial é differente da questão luso-franceza. O governo francez foi violento, e esta violencia não póde ler justificação na inaptidão dos ministros de Portugal.

Isto posto, passo á questão da responsabilidade.

O discurso da corôa diz: 1.°, que o governo se empenhou por manter a questão no campo do direito; 2.º, que esgotou todos os meios em que a letra dos tratados auctorisava a confiar; 3.°," finalmente, que foi forçoso ceder á peremptoria exigencia do governo francez.

Imponho-me o dever de não desviar-me do campo em que os srs. ministros entenderam que deviam collocar a questão; fazendo-o assim mostro que, censurando o governo, não pretendo aggredi-lo á traição ou falsa fé, antes que desejo combate-lo muito lealmente. A minha opinião é que o governo portuguez não tratou a negociação adequadamente, que allegou muito tarde e muito mal com o que, cumpre dize-lo,