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SESSÃO DE 13 DE FEVEREIRO.

Tendo dado duas horas, tomou a Cadeira o Sr. Vice-Presidente; é feita a chamada pelo Sr. Secretario Barão d'Alcobaça, se verificou estarem presentes 26 Dignos Pares, faltando, além dos que ainda não compareceram, os Srs. Duque de Palmella, Marquez de Sampaio, Conde de Sampaio, por molestia; Sotto-maior com licença da Camara; e Marquez de Ficalho, Conde do Farrobo, Barradas, e Ribeiro d'Abranches sem causa motivada.

O Sr. Vice-Presidente declarou aberta a Sessão; e lida á Acta da antecedente pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, foi approvada sem reclamação.

O mesmo Sr. Secretario mencionando o expediente leu dois Officios do Ministro dos Negocios do Reino; o 1.° participando á Camara que Sua Magestade a RAINHA receberá ámanhaã 14 do corrente pelo meio dia no Paço das Necessidades a Deputação da Camara encarregada de apresentar-lhe a sua Resposta ao Discurso Real da Abertura: 2.º accusando a recepção de outro da Camara sobre a maneira de se imprimirem as suas Actas, e participando que a esse respeito ficam expedidas as competentes ordens a Imprensa Nacional. — De ambos estes Officios ficou á Camara inteirada.

O Sr. Secretario Barão d'Alcobaça leu uma Representação da Camara Municipal do Conselho d'Aregos, pedindo a extincção dos Juizes Ordinarios. — Ficou sobre a Mesa.

O Sr. Ministro da Guerra: — Sua Alteza Real o Principe D. Augusto, encarregou-me de fazer entregar a V. Ex.ª a Carta Regia, pela qual é nomeado Par do Reino.

Foi remettida á Mesa, e tendo sido lida pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, disse

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O Sr. Vice-Presidente: — Na forma do Regimento nomeio para a Commissão que deve examinar esta Carta Regia aos Srs. Marquez de Valença, Conde de Lumiares, e Conde da Taipa, os quaes darão hoje mesmo o seu Parecer sobre ella.

Passando-se a Ordem do Dia (e estando presentes os Srs. Ministros do Reino e da Justiça) entrou em discussão na sua generalidade a Proposição sobre as bases para a Administração Judicial Reino de Portugal, e ilhas adjacentes. (V. pag. 37.)

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, a materia do Projecto que vai entrar em discussão nesta Camara, tem sido tão debatida na outra, e por tão longo espaço que difficultosamente se poderá dizer cousa nova: por consequencia para não roubar o tempo que a Camara tanto percisa, limitar-me-hei a breves reflexões, muitas das quaes eu apresentei á Commissão, aonde tive a satisfação de as ver tomar em consideração pelos Membros della, reconhecendo a justiça com que o Governo tinha apresentado aquelle Projecto.

O Governo havia conhecido pela experiencia (e principalmente eu, no tempo em que tive a honra de ser Presidente da Relação de Lisboa) que o Decreto de 16 de Maio de 1832, aliàs fundado em principios luminosos, era inexequivel em muitas das suas partes, e continha defeitos que na pratica se tinhão desenvolvido, os quaes convinha remediar; mas que esse remedio seria impossivel em quanto á administração da Justiça, senão desse aquella forma regular, que convém em todos os tempos, e muito mais nas circumstancias em que nos achamos, depois d'uma guerra, civil, e depois das reformas que se tem feito. Estes defeitos exigião por tanto que aquella Lei fosse reformada; mas reflectindo que esta reforma nas suas diversas partes, e principalmente na da organização do Processo, teria de ser muito longa, e que a urgencia de remediar os males que, por isso, se achava soffrendo o paiz, pediam prompta providencia, intendeu o Governo que para conciliar uma e outra cousa, poderia separar aquella parte em que era mais necessaria a reforma, isto é, a do pessoal, na qual se encontravam defeitos, e anomalias contradictorias com a Carta. Quanto à outra parte que diz respeito a organisação do Processo, a sua reforma poderia ainda espaçar-se mais por não apresentar deffeitos tão salientes; e neste sentido apresentou o Governo um Projecto de Bases Judiciaes, com o fim de proceder desde já á reforma do pessoal, reservando o que é relativo á organisação do Processo para uma reforma mais prolongada; e porque na verdade não está em armonia com a actual Legislação, e tem de ser difficiente em quanto não houver os Codigos.

Vê-se pois, pelo que acabo de expôr, que as Bases em discussão não tem por objecto senão o pessoal da Administração Judicial; e neste sentido o que principalmente se teve em vista foi extinguir os Juizes Ordinarios, que no Decreto de 16 de Maio de 1832, figuravam como uma parte das Auctoridades Judiciaes, as quaes o Governo, e eu como Membro delle, intendeu que não podiam sustentar-se, não só por serem contrarios á Carta em letra e espirito, nomeadamente nos artigos 119, e 120, mas tambem porque, segundo os termos em que estavam estabelecidos, não era possivel que aspirassem a desempenhar as attribuições, visto que, pelo mencionado Decreto, se lhes commettiam funcções muito importantes. — E na realidade todos os que tem algum conhecimento do fôro, conhecem as difficuldades de instruir um Processo, sendo tambem certo que de boa ou má instrucção delle, depende em grande parte o seu resultado futuro: se o Juiz não tiver os conhecimentos necessarios para fazer os corpos de delictos, juramentar Testemunhas, proceder ás accareações, e a todos os mais actos preparatorios connexos com o Processo, debalde se exigira um resultado justo em qualquer causa, porque os Juizes de Sentença não tem outros meios para firmar os seus procedimentos senão estas antecedencias; reconhecendo-se igualmente ser uma especie de contradicção o entregou a parte mais delicada do Processo a homens que não tinham conhecimento de Legislação, e outra menos difficultosa, e que sem duvida não podia deixar de trabalhar pelos actos preparatorios da primeira, exigir para ella homens de Lei. Com taes fundamentos se propoz este Projecto que foi examinado em uma Commissão da Camara dos Srs. Deputados, havendo depois na mesma Camara renhido debate em que se expenderam todas as razões pró e contra. Entre tanto a maioria da Camara approvando a opinião do Governo, intendeu que deviam ser eliminados os Juizes Ordinario, não obstante uma sympathia que (não sei com que fundamentos) se tinha excitado a favor destes Magistrados, chegando a ponto de considerar os mesmos Juizes, como os sustentaculos das liberdades publicas, e como entidades sem que não podia vigorar a Carta; e isto era tanto mais notavel, e parecia extraordinario, por isso que estas opiniões foram sustentadas por individuos que professam o systema progressivo, e que defendendo estas idéas vinham a ser contradictorios com os seus mesmos principios; por quanto, se querem derivar a beleza da instituição da sua antiguidades deviam pela mesma razão ser apologistas das antigas Côrtes, e até da Inquisição, porque estas duas instituições tinham a seu favor o argumento da antiguidade; mas ninguem dirá que uma ou outra dellas possam convir á Liberdade. Se porém era pelos principios da boa administração da Justiça, vê-se que ella não podia ser bem administrada por homens que tinham de recorrer ao auxilio estranho ainda para as decisões mais ordinarias; e por isso quando mesmo não houvesse estes motivos, as immensas provas que o Governo tem tido sobre a incapacidade dos Juizes Ordinarios, acabariam de tirar todas as duvidas que a tal respeito podessem existir.

Entre outras, vou lêr á Camara uma Carta que recebi d'um Juiz pela Lei, (que é o mesmo que um Juiz Ordinario), o qual pela falta de conhecimentos juridicos, tem demorado um processo, pelo motivo de o ter remettido a seu Accessor. — É o caso: constou-me que a Villa d'Arraiolos, quando ali passou um destacamento do 1.º Regimento de Infanteria, se tinha comettido um roubo, e assassinato, com circumstancias horrorosas e até atrozes; e como eu não tinha conhecimento do facto, escrevi a este Juiz, e a resposta que se me deu foi, a que vou lêr; e espero que se não supponha que esta carta foi encommendada.

(Sua Exc.ª leu a carta seguinte.)

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«Illm.º e Exm.º Sr. — Tenho a honra de accusar a recepção da Portaria de V. Exc.ª, datada de trez do corrente, e é do meu dever levar ao conhecimento de V. Exc.ª, que eu na qualidade de Juiz pela Lei, em falta de Juiz de Fóra desta Villa, abri o Summario do roubo, e assassinato que teve logar nesta Villa pelos Soldados de N.º 1.º de Infanteira, e porque não sou professor de Direito, e desejando obrar conforme a Lei, mandei estes autos para Evora ao meu Accessor, o Doutor Antonio Maria de Castro, que até hoje m'os tem demorado, apesar das muitas e repetidas vezes que os tenho mandado pedir. Hoje lhe mandei por um proprio a Portaria de V. Exc.ª, afim de obriga-lo a que quanto antes haja de lançar a pronuncia, e os remetter como se me ordena. — Deos Guarde a V. Exc.ª — Arraiolos 7 de Fevereiro de 1835. — Illm.º e Exm.º Sr. Antonio Barreto Ferraz de Vasconcellos. — O Juiz pela Lei, Joaquim Antonio da Rocha Domingues.»

(Finda esta leitura, S. Exc.ª continuou.)

Ora eis aqui os elementos que o Governo actualmente tem para a Administração da Justiça! Homens que para lançar uma pronuncia, mandam os autos a quinze legoas de distancia, ficando a sua decisão ainda dependente do tempo que o Letrado os quizer ter na suas mãos? — Sobre este objecto intendo que não devo mais cansar a attenção da Camara; ainda que poderia apresentar-lhe um grande numero de provas similhantes á carta que acabo de lêr; e por isso voltando ao ponto da questão, accrescentarei, que parecendo ao Governo, que os Juizes Ordinarios não podiam desempenhar os fins para que eram designados no Decreto referido, dividiu o Reino em 130 Julgados, dentro dos quaes os Juizes de Direito possam ser instructores do Processo, e Juizes de Sentença: bem intendido, que nas Bases em discussão, não vem o desenvolvimento que o Governo imaginou, e até já apresentou na Camara dos Senhores Deputados; e segundo o qual se satisfaz á unica observação plausivel que na discussão se produziu, isto é, de que a melhor garantia para boa administração da Justiça consiste na separação do Juizo d'Instrucção do de Sentença. Este argumento que podia apresentar alguma apparencia, (e realidade mesmo) de Justiça, acha-se remediado com o desenvolvimento de que fallei, e o qual como disse, já está na outra Camara: nelle se tem determinado que os Juizes de Instrucção nunca sejam os mesmos da Sentença.

Parece-me pois que não pode haver duvida em que se adopta o Parecer da Commissão, á vista das razões que produzi. — Intendo tambem, que não devo por ora fazer-me cargo de responder á Proposição do Digno Par, que aqui vejo impressa, não só porque o seu objecto não está em discussão, mas igualmente porque a Commissão deu o seu voto sobre a outra que veio da Camara dos Srs. Deputados; e o Digno Par a poderá apresentar como emenda, se assim lhe parecer. É quanto, por agora, me parecer devo dizer sobre este objecto.

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, eu queria fazer uma Proposição, e e, que como o Governo diz percisa organisar o Poder Judiciario, e que já tem prompto o seu Projecto deffinitivo, houvessemos de esperar por elle, e por agora não passassemos a nenhum ponto fixo, a fim de não estarmos a legislar aos retalhos; e quando vier a Lei completa então entraremos na discussão; por ora sou de voto se diga simplesmente que haverá Juizes de Direito e Relações: estas é que devem ser as Bases, e o Governo que tome as medidas para as pôr em andamento; mas de maneira nenhuma dizermos nós hajam cento e trinta Districtos, e tres ou quatro Relações; pois que poderemos ir prejudicar a questão. — Se caso se não approvar esta minha Proposta, então eu direi as razões que tenho. Como o Governo tem achado tantas difficuldades no Decreto de 16 de Maio, diga a Camara que é perciso que hajam Juizes de Direito e Relações, e quando se apresentar o Projecto final então diremos quantas Relações, e quantos Juizes devem haver; por agora o Governo que o faça, pois que nada ha mais prejudicial do que estar legislando aos retalhos.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu estimo muito o que o Digno Par esteja convencido da grande necessidade que o Governo tem de que quantos antes possa ter logar a organisação Judicial; mas o modo que acaba de propôr não é sufficiente, e por isso se fez a Proposta que está em discussão. Nem para fazer o que disse o mesmo Digno Par era perciso proposição alguma, por quanto a Carta, e mesmo a Lei de 16 de Maio de 1832 bastavão: e porque esta não satisfaz, intendeu o Governo ser indispensavel proceder a alguma reforma ao menos no pessoal; razão porque exige hajão Juizes de Direito até certo numero, e fiquem por ora substituindo as Relações que propôz. Por tanto não póde satisfazer a lembrança do Digno Par; e no caso contrario, torno a dizer, que para isso já o Governo estava bastante authorisado, porque a Carta lho consente, ainda na hypothese de não existir a Lei que já fallei.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Sr. Presidente, respeito muito o saber dos Dignos Pares de que se compõe a Secção de Legislação, entretanto não posso conformar-me com o seu parecer. — O Decreto de 16 de Maio de 1832, promulgado pelo Sr. Duque de Bragança, que Santa Gloria haja, para regular a Administração da Justiça, tem dado bons resultados nas Provincias dos Açôres, e o mesmo é esperar aconteça em Portugal; parece-me pois que antes de que a experiencia mostre essa necessidade, a Lei não deve ser alterada, mas sim executada. Votarei por tanto contra o Parecer da Commissão. — (Apoiado, Apoiado.)

O Sr. Gerardo de Sampaio: — Sr. Presidente, levanto-me para responder á exposição, que acabou de fazer o Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira: diz este Sr. que não vê razão para que se não execute, em logar das presentes Bases Judiciaes, que estão em discussão, a Lei de 16 de Maio de 1832, visto que tendo produzido excellentes effeitos no Territorio Açoriano, deve produzir iguaes no continente de Portugal. Não é assim: esta Lei nos Açôres tem soffrido tantas alterações, para que até o Presidente da Relação dali legalmente está authorisado, mas hade continuar a experimentar a ponto, de que em breve aquella ficará extincta, e terá de mudar de data; e em Portugal muitas mais mudanças tem de ver, o que eu estou authorisado para asseverar, porque

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na qualidade de Membro do Supremo Tribunal de Justiça, a que tenho a honra de pertencer, tem-se-me offerecido muitas occasiões de assinar Consultas sobre immensas duvidas, embaraços, e até impossibilidades de execução; muitos dos quaes, sendo propostos pelo actual Ministro das Justiças, na qualidade de Presidente da Relação desta Capital, muito conveniente será, que em confirmação do que digo, queira dignar-se de fazer alguns esclarecimentos a este respeito.

O Sr. Conde da Taipa: — Quando o Digno Par nos quer persuadir que a Lei é má, e que não pode preencher os fins, era necessario que nos convencesse, e apresentasse quaes são essas difficuldades. Parece incrivel que o Tribunal as não tivesse communicado ao Governo quaes eram os encalhes e embaraços que se lhe encontravam; mas eu estou persuadido de que esta Lei tem o embaraço de ser muito liberal; porque a outra dos Prefeitos, Sub-Prefeitos, e Provedores, essa todos os dias se nos diz que é excellente, e que apoia o melhor estado de prosperidade a que póde chegar um Povo; mas o respeito desta que involve os principios de liberdade, diz-se que não presta, que tem causado effeitos contrarios, mas não se aponta quaes elles são. — Apoio a indicação do Sr. Visconde de Sá da Bandeira, para que a Lei de 16 de Maio de 1832 seja posta em pratica em todo o Reino, e se ella não passar, insisto pela minha proposta, para se diga hajam Juizes de Direito, e Relações; e que fixaremos o numero quando ver a Lei inteira; e peço a V. Exc.ª que proponha isto á Camara.

O Sr. ministro da Justiça: — Um Digno Par acaba de dizer que não haveria muita difficuldade em pôr em vigôr a Lei de 16 de Maio, porque tinha sortido muito bom effeito nos Açôres: mas parece-me que elle não tem o pleno conhecimento dos encalhes que existem naquellas Provincias sobre este assumpto. Disse outro Digno Par, seria conveniente e facil apresentar aqui todos os embaraços que tem produzido a mencionada Lei: a cujo respeito devo dizer, existem sessenta e cinco providencias impressas, das que os Presidentes das Relações, são authorisados a dar, segundo um artigo da referida Lei, sem o que ella não poderia ter execução: acontece porem que o tal artigo foi revogado pelo Decreto de 8 de Outubro de 1834, e por isso os Presidentes, estão agora com as mãos ligadas para ocorrer aos casos necessarios. Mas não é só esta difficuldade, não é só quanto a marcha e fórma do Processo, é tambem quanto a organisação dos Juizes, porque segundo o Decreto de 16 de Maio, cada Conselho fórma um circulo de Jurados, o que o Governo não póde alterar essa medida Legislativa; ora ha Comarcas que comprehendem sessenta e tantos Conselhos, cada um dos quaes se compõe ás vezes de 40 fogos. E como é possivel formar um circulo de Jurados, em um Concelho que tem neste numero de individuos? Vê-se por consequencia, que ainda que o Governo quizesse organisar e pôr em execução o Decreto mencionado, encontraria muitos embaraços que só poderão ser removidos por uma medida Legislativa.

O Sr. Sarmento: — Levanto-me para fazer duas observações; primeira, que a discussão não tem sido regular, acontecendo o descer a pontos particulares; segunda, que estou pelo parecer do Sr. Ministro da Justiça, e que mesmo seria muito util que apresentasse á Camara todas as Consultas, que mencionou em geral pelo número de 65. Eu mesmo poderia produzir alguns casos que comigo aconteceram sobre este objecto no pouco tempo que estive no Supremo Tribunal de Justiça, mas limitar-me-hei a referir um. O primeiro em que eu fui Relator naquella Tribunal, era um feito crime, que por tal maneira estava julgado segundo o Decreto de 16 de Maio, que o Tribunal não tinha o recurso de propôr o réo á Clemencia do Throno, para que S. Magestade podesse exercer a melhor prerogativa da Soberania perdoando, ou minorando a pena ao condemnado; e isto nascia da pouco previdencia do Decreto mencionado. Como sobre estes assumptos tenho feito publicas as minhas idéas, não poderei ser taxado de desapprovar tudo o que os outros fazem, até porque o que eu publiquei foi anteriormente á publicação de nova Legislação, e eu ignorava o que se ia decretar. Este Decreto contém uma Legislação novissima na sua totalidade, que por diversos motivos carece de refórma, porque a pratica mostrou a difficuldade de alguns dos seus objectos. Mas contrahindo o meu discurso, digo que me parecia mais util que primeiramente a questão versasse em geral sobre a admissão, ou rejeição do Projecto, descendo depois a cada um de seus artigos; de outro modo entraremos em um labyrintho, de que será difficil a sahir.

O Sr. Ministro de Justiça: — Eu não posso deixar de approvar o que disse o Digno Par, pois que assim o pede a boa ordem da discussão. Quando ha pouco pedi a palavra esqueceu-me responder a uma idéa produzida por outro Digno Par, o qual considerava os principios liberaes ligados á instituição dos Juizes Ordenados. Sr. Presidente, não os illudamos, os verdadeiros principios que garantem a liberdade dos Cidadãos, são os Juizes de Paz, e os Jurados; cousa que entre nós não podem deixar de existir seja qual fôr a organisação que se der a Justiça; e o Governo nem levemente deseja tocar, ainda quando o podesse fazer, naquellas instituições.

Devo tambem dizer, que no Decreto de 16 de Maio, existem artigos, que longe de concorrerem para a boa administração da Justiça, tem motivado a oppressão dos Cidadãos. Para o provar citarei um facto que tem relação com o artigo relativo a execuções. Segundo os principios do referido Decreto, não se admitte aggravo senão no auto do Processo, resultando daqui o haver por exemplo um despacho que irroga damno irreparavel a qualquer litigante; ora como tem de submetter-se aos termos da Lei, não lhe fica recurso immediato, e entre tanto lá vão os bens á praça, de que sem dúvida lhe resultarão graves perdas, que não são já remediaveis, quando chegue o praso de poder aggravar. Como este haverá outros: e esta reflexão bastaria para quanto antes tratar de refórma que o Governo propôz.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida. — Levantou-se logo e disse.

O Sr. Conde da Taipa: — Peço palavra para fallar agora sobre a generalidade do Projecto.

O Sr. Vice-Presidente, hesitou se concederia a palavra do Digno Par visto a ter a Camara julgado a materia discutida. — Então disse.

O Sr. Marquez de Fronteira. — O que estava em

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discussão, e o que se julgou discutido foi a Proposta do Digno Par Conde da Taipa, que é inteiramente separada do Projecto.

O Sr. Conde de Linhares: — É preciso não surprehender a Camara: confesso que tambem intendi o mesmo, e nenhum de nós quer violentar a vontade dos outros.

O Sr. Sarmento: — Mas a questão é de facto; V. Exc.ª effectivamente propoz se a materia estava ou não discutida.

O Sr. Marquez de Loulé: — A materia tanto não esta discutida, que o Sr. Sarmento observou que o debate ía fóra da ordem, no que foi apoiado pelo Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Vice-Presidente: — Vou consultar a Camara, e ella o decidirá.

E fazendo-o assim Sua Exc.ª, resolveu a Camara continuasse a discussão. — Em consequencia teve a palavra, e disse.

O Sr. Conde da Taipa: — Vou fallar na generalidade do Projecto. — Não entrarei na delicadeza do fôro, porque o não conheço, mas tratarei d'aquelles pontos em que elle tem relação com a liberdade civil ou politica.

O Poder Judicial é o mais formidavel dos Poderes Politicos, e aquelle que dispõem uma Nação, ou para a liberdade ou para o despotismo; que ou lhe dá tendencia para a escravidão ou costumes energicos que a faz reagir contra a arbitrariedade: é pois este Poder o que convém organisar com mais cautela. Vemos pela historia que Portugal conservou a sua liberdade em quanto teve Juizes leigos; nesses tempos produziu homens que se opposeram ao poder de Hispanha, que fallaram em Côrtes contra a opinião dos Reis, e que cometteram as grandes façanhas da India; vemos igualmente que á maneira que se foram criando os Juizes de Fóra, Portugal foi perdendo a sua liberdade, acabando de todo quanto definitivamente se estabeleceram aquelles Empregados, e foram acabando os Juizes que eram eleitos pelos Povos. Parece que foi Affonso IV quem primeiro tentou a mudança, mas encontrando opposição em Côrtes não póde conseguir a criação dos Juizes Letrados, acontecendo depois o mesmo, com pouca differença, a todos os Reis de Portugal até D. Manoel, que foi o que poz em pratica com mais extensão a medida projectada por seus Antecessores: então começou o despotismo a reger Portugal, e foi nessa época que os Povos entraram a adquirir costumes servís, de que infelizmente Portugal tem sido victima. Em todos os tempos se tem experimentado, que só a Legislação póde dar energia ás Nações para resistir a tyrannia; e se agora fôrmos cubrir o Reino de um bando de Juizes de Direito, nunca alcançaremos livrar-nos inteiramente da escravidão, nunca os Povos terão a robustez do animo sem a qual não se resiste ao Poder; pois que nada torna os homens mais abjectos do que o sentimento do terror, e quem estiver debaixo da influencia de uma authoridade, tem de ganhar esse terror, e tarde ou cedo se torna a servil. Eu não me atemoriso com os 130 Juizes de que falla o Projecto, temo sim os que para o futuro se hão de estabelecer á sombra deste exemplo. Eu me explico.

O Governo quer extinguir os Juizes Ordinarios em todo o Reino, para perpetuar o despotismo em Portugal. Viu que as eleições não podiam inteiramente subjugar-se pela unica influencia dos Prefeitos, viu que apesar dos seus exforços tinha apparecido uma numerosa, e formidavel minoria na Camara dos Srs. Deputados (minoria tal que nos outros Paizes se reputa uma maioria), e estando aliás informado que os Povos não poderiam ser vencidos pelas suggestões Administrativas, a mandar a uma Camara de Representantes gente do seu partido; lança mão da influencia Judicial, e vem propôr ao Corpo Legislativo o estabelecimento de 130 Juizes de Direito para os pôr de guarda aos Povos, e dizer-lhes = Aqui está quem faz os Processos, e quem depois ha de decidir se as Pronuncias são bem ou mal lançadas, e vossês ou hão de seguir as vontades do Bey que para cá lhe mandam ou hão de ser victimas da sua arbitrariedade. = Demais os 130 Juizes são agora para o principio, porque é impossivel que em Portugal onde havia 800 e tantos de Primeira Instancia, possa este numero substituir-se com 150 sómente, e haver boa Administração de Justiça; por conseguinte atraz destes 130 hão de vir outros tantos, e depois ainda mais outros, até que o Reino fique cuberto com uma rede de tyrannos de Aldêa, para que ninguem possa levantar cabeça: eis a opinião de que eu estou convencido.

Por outra parte, onde se viu que o Juiz de Instrucção seja o mesmo de Sentença? Diz o Sr. Ministro que esta objecção está providenciada n'um Projecto apresentado á outra Camara. Mas quem vem a ser o Juiz da Sentença? O visinho do de Instrucção do Processo: quer dizer, que fica o caso como negocio de compadres, e não outra cousa. — Mas isto não hade acontecer adoptando-se o meu Projecto: é um sophisma dizer que os individuos que nelle proponho para instruirem os Processos são Juizes; não são Juizes, são Magistrados, e se estes forem eleitos pelos Povos poderá diminuir-se muitissimo o numero dos Juizes de Direito, bastando apenas cincoenta para todo o Reino: podemos dar-lhe toda a consideração, e bons ordenados, cousas que são indispensaveis para exercerem o Poder Judicial com a independencia que convém á administração da Justiça, é necessario que sejão ricos para serem considerados, e para não estarem com a vista nos favores do Governo, ou fazer injustiças e vexações aos Povos, como infelizmente tem acontecido entre nós mais de uma vez; Portugal póde pagar bem a cincoenta Juizes, o que não poderá fazer a cento e trinta; e então ficão sujeitos a tyrannisar os Povos; é esta a grande questão. — Em Inglaterra ha sómente 12 Juizes que administrão a Justiça em primeira Instancia; e quem lhes prepara os Processos são Magistrados eleitos pelos Povos. Que são os Sheriffs, os Coroners, e os Juizes de Paz? São Magistrados d'Instrucção que alli se elegem amiudadamente. Se pois em Inglaterra se administra Justiça com doze Juizes, não poderá em Portugal fazer-se o mesmo com 50? Sem duvida que para a Justiça é isto bastante, e em politica tudo o que não é isto necessario para a liberdade é contra a liberdade. — Estou convencido em minha consciencia que este Projecto não veio aqui para a Justiça, mas sim para a injustiça; não vem aqui para que a causa de um particular seja bem julgada, vem para que a Causa Publica fique debaixo das mãos do Ministerio, vem para que, assim que os Juizes en-

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trarem para os logares, se dissolva a Camara dos Srs. Deputados, que o Ministerio não tem até aqui.... (O Orador foi aqui vehementemente chamado á Ordem; e restabelecida continuou: —) Não sei como heide entrar bem na questão sem expender toda a minha idéa.

O Sr. Souza e Holstein: — Eu tambem chamei o Digno Par a Ordem, por estar fóra da questão. Esta Camara nada tem com a dissolução da outra; isso só pertence ao Poder Moderador.

O Sr. Conde da Taipa. — Eu fallava dos inconvenientes da Lei, e continuo. — Entendo que o Ministerio quer que ella passe a fim de dissolver a Camara Electiva. Por agora não tem elle força para subjugar os Povos, e precisa de uma nova administração Judicial, a fim de que á Camara não venha outra gente senão daquella que ouça o Santo, e que cegamente obedeça a tudo quanto manda o Governo; eis-aqui o motivo porque eu estou tão fortemente prevenido contra este Projecto; porque nas Provincias, aonde os Povos estão costumados a obedecer servilmente aos Bachareis, quem hade agora resistir aos Juizes de Direito? Quem hade ir contra a opinião de um Despota inamovivel? Quem se atreverá a dar um voto contra elle? Ninguem. O servilismo hade ser maior do que tem sido com os Juizes de Fora.

Quando um Governo quer firmar a liberdade ou o despotismo, a primeira cousa de que lança mão é do Poder Judicial: onde este muda ha sempre uma mudança de costumes; que o diga a experiencia. — Quando a Constituinte queria a liberdade de boa fé, mandou que os Juizes fossem eleitos, e logo que Napoleão quiz fundar o despotismo em França arrogou a si a nomeação delles. É isto que necessita examinar-se, e ver se o meu Projecto dá ou não meios mais amplos a favor de um systema liberal. Se Portugal fôr dividido em cincoenta circulos Judiciaes da maneira que parecer mais conveniente, e cada um delles subdividido em tantos circulos de Jurados quantos forem necessarios á commodidade dos Povos, e que esses Concelhos tenham um Magistrado para a instrucção dos Processos, indo os Juizes de Direito fazer cada anno tres audiencias geraes em cada Districto de Jurados, para o que estarão todos os Processos preparados: se isto tudo assim se fizer, não haverá difficuldade alguma na administração da Justiça, e ella será livre dos inconvenientes que notei no Projecto do Governo; porque considerando Portugal dividido nos cincoenta circulos de que fallei, qual é a parte em que um Juiz não póde fazer tres audiencias geraes por anno? nenhuma. Supponha-mos que havia um Juiz de Direito em Villa Franca (por exemplo) e que o seu Districto comprehendia Alverca, Arruda, e outras terras da mesma proximidade, é evidente que ao Juiz seria facil fazer as tres audiencias geraes em cada uma daquellas povoações. Pois então adopte-se este systema, que elle é bastante para a Justiça; e tudo aquillo que não é necessario para ella, já eu o disse, vem a ser injustiça.

Mas, para fazer rejeitar o meu plano, vem atacar os Juizes Ordinarios, pela ignorancia em que estão os Portuguezes: mas não é esta supposta ignorancia o motivo de querer excluir os Juizes leigos, é sim o desejo de que o Reino esteja debaixo da influencia de Dictadura, e pôr isso nos dizem que por essas terras não ha ninguem que possa servir de Juiz de Instrucção! Em todo o mundo ha pessoas capazes para isso, só entre nós faltão, porque ninguem tem juizo senão o Ministerio, e uns poucos de sujeitos que elle lá conhece. Pois eu digo que Portugal tem pessoas com mais capacidade para serem Juizes de Instrucção, do que a maior parte dos Bachareis do Governo, que ha tempos para cá sabem pouco, ainda mesmo daquillo que se ensinava na Universidade: pois eu quero antes ser julgado por um Juiz Ordinario do que por um Bacharel. — De mais, onde se hão-de ir buscar esses 130 Juizes que quer o Governo? Não o sei: o Corpo dos Bachareis compõem-se de metade delles Miguelistas, e tirando da restante a parte que não é Ministerial (porque está sabido que o Governo hade escolher os seus apaniguados; isto é, pessoas que em tudo votem com elle, e não tenham vontade propria) digo que não sei donde elles hão-de vir.

Nestas circumstancias se queremos liberdade é preciso muito cuidado com a organisação do Poder Judicial, porque della depende quasi inteiramente que a Nação fique livre ou escrava: se passar o systema proposto pelo Ministerio teremos despotismo; e se se adoptarem as bases que propuz, que estão authorisadas pelo voto de todos os Escriptores liberaes, então poderemos ainda vir a ter Constituição. — Eu o digo nesta Camara em minha consciencia, e perfeitamente convencido dos principios que defendi, sem que naquillo que produzi eu quizesse atacar a independencia das opiniões dos outros.

O Sr. Sarmento: — Creio que não ha Membro algum nesta Camara, que emitta as suas opiniões de outra maneira que não seja tendo em vista os principios de honra; e nesta idéa vou responder a algumas observações, que se fiserão contra o Projecto em geral, em quanto o meu amigo o Sr. Gerardo de Sampaio não fôr presente, por ser elle quem, pela Secção de Legislação está encarregado de o fazer.

E antes de tudo, observarei que me pareceu notavel o aproveitar, para atacar o Ministro, uma questão que em si mesma nada tem de Ministerial, receiando se este systema vigorar na Camara, que nem em 200 annos possamos formar as Leis regulamentares, e mais outras de absoluta necessidade. — Lembro-me que na Camara dos Srs. Deputados de 1828, quando se tratou esta materia, a opinião do partido liberal era contraria ao espirito da que hoje se tem declarado, por quanto em logar de 130 Juizes se votava por 145, mudança que parece extraordinaria, mórmente se se reflectir que ha pouco mais de seis annos, que teve logar o que deixo dito. Tanto podem muitas vezes as preocupações, e mesmo os resentimentos, que se formam em certos corações, mas que a prudencia pede se coarctem para não virem a ganhar um caracter hostil. — Não pertendo com isto fazer allusão alguma ao Digno Par, que me precedeu, em quem sempre conheci um Portuguez digno descendente de um dos 40 Acclamadores da Casa de Bragança, e tão respeitavel por todos os motivos; mas como a franqueza é o meu forte, e nella não cedo ao Digno Par, elle me perdoará, até pela recordação que trouxe de um, facto da sua historia. — Não poderei seguir o debate em todos os seus pontos, porque as discussões dos Projectos, em

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geral tem a qualidade de descer á vezes a especies estranhas; mas farei por dizer alguma cousa conforme me fôr lembrando.

O Digno Par fez á Magistratura Portugueza mais um presente de accusação, que foi suppôr, que ella tinha trazido consigo a Inquisição; cousa que não me consta lembrasse ainda a ninguem: pelo contrario nossa Magistratura fez quanto pôde para se minorar a tyrannia dos Processos da Inquisição, e todos sabem, que quando algum réo da Inquisição era relachado, na frase de então, ao auxilio do braço secular, unicamente restava á Magistratura o executar os Mandatos d'aquelle Tribunal, sem veto algum.

Quanto aos Juizes Ordinarios, é verdade que já as Côrtes de Elvas no tempo de ELRei D. Pedro I resistiram a que elles fossem substituidos por Juizes Letrado. Mas quem compunha essas Côrtes? Não os Representantes dos Povos, mas os tyrannos das terras, aquelles homens que queriam as mãos desatadas para vexar as classes inferiores; eram a mesma gente, que fazia opposição ao Governo, e isso não admira, porque a barbaridade d'aquelles tempos andava unida ao despotismo, e todos os que são versados na historia de Portugal, sabem até que ponto chegou essa opposição, e que para acabar, foi necessario ao Senhor D. João II em Evora mandar justiçar um Principe da sua Real Casa, cortando-se a cabeça a um Duque de Bragança, afim de pôr o Reino em socego: por isso teve o Governo necessidade de nomear Juizes que foram mandados exercer a Authoridade Real por todas as Provincias. Sería difficultoso porém averiguar a razão porque o despotismo foi crescendo entre nós, mas eu não duvidaria attribui-la ás riquezas que nos vieram do Oriente, á pouca instrucção que havia em Portugal, apesar dos exforços de alguns dos nossos Reis, e mesmo á pequenez da Nação; porque os Povos mais limitados resistem menos ao despotismo, mórmente quando o seu Governo é Militar, porque governo militar, e despotico são termos synonymos, e Portugal era uma Nação Militar, nem sem o ser poderia resistir ao immenso poder, que por vezes tentou subjuga-la, quando se considera que os Povos visinhos, pelas reuniões successivas de Leão, Castella, e Aragão, tinham forças superiores, e por isso foi necessario entregar-se inteiramente nas mãos dos nossos Reis antepondo o amor da independencia ás idéas de liberdade. — Entretanto a questão é demasiadamente abstracta para agora ser tratada; mas lancemos a vista ao que tem sido os Juizes Letrados em Portugal.

É certo que foi um Desembargador, por nome Thomé Pinheiro da Veiga, que 1640 declarou que os Reis podiam ser depostos em alguns casos; cousa que não lembrou nem a Lavrador, nem a Militar, ou a individuo de outra qualquer classe. Nenhuma palavra é perdida quando se defende uma classe, que tão atacada tem sido entre nós; e por isso accrescentarei, que é força confessar que foi outro Desembargador (Manoel Fernandes Thomaz) quem em 1820 tomou sobre si pôr o Reino n'um estado differente d'aquelle em que o tinha o Governo, que neste tempo tratava de Portugal como de um paiz conquistado; e por dizer ainda mais alguma cousa a respeito da Magistratura, lembrarei que não ha muitos annos que um Desembargador subio á força na Cidade da Porto, por ter abraçado a Causa da Liberdade. Á vista destes factos parece poder affirmar-se que a classe da Magistratura, tem tambem dado o seu dizimo pela boa Causa: não fallando já n'outros que, pelo mesmo motivo, abandonaram mulher, filhos, e os bens, que tinham. — Não é pois a Magistratura o assento classico do despotismo, como se tem procurado fazer crêr, caso em que eu me envergonharia de pertencer a ella; e por conseguinte me persuado de que os ataques do Digno Par, não tiveram outro fim senão melhor enfeitar o seu discurso.

Produziu tambem o Sr. Conde da Taipa um reparo muito a tempo, se o argumento não fosse capcioso. Mencionou os 12 Juizes que em Inglaterra, disse, julgavam todas as Causas: peço ao Digno Par que quando voltar a sua casa queira lêr a obra do Doutor Colquhoun, sobre a Policia de Londres, e verá que o numero dos Julgadores occupa seis paginas de 8.°, onde vem o catalogo dos Juizes Inglezes, o qual é ainda mais consideravel do que ali está, porque é bem sabido que aquelle Paiz se compõem dos Reinos de Inglaterra, Irlanda, e Escocia, não fallando nas Colonias, Malta, etc. Faço estas observações, porque sei quanto vale o argumento tirado de um Paiz essencialmente constitucional, e por esta razão convém referir as cousas como ellas estão. A opinião do Digno Par fundou-se tambem na confusão que fez das attribuições dos Juizes de Fóra, e dos de Direito: mas a authoridade destes ultimos não é de modo algum comparavel á dos primeiros; os Juizes de Direito não são mais do que uns depositarios da força Jurisdiccional, que não obra senão depois dos votos dos Jurados: e assim, que influencia podem elles exercitar? Aquella que tem o homem de bem, e que é susceptivel de não depender do Governo: mas não deve argumentar-se com aquella dependencia, que é annexa ao caracter do homem honrado, e que está collocado em logar respeitavel, porque, por mais corrompido que esteja o Mundo, sempre se presta algum respeito á virtude; porque é necessario não julgar os homens n'um estado de geral depravação. A dependencia pois dos Juizes de Direito será sómente a que se funda na moral, e a qual não é perigosa. — Continuando a mostrar o pouco que se parecem as duas Magistraturas de que fallava, lembrarei ao Digno Par que os Juizes de Fora eram uma especie de Governadores Civís, ao mesmo tempo que fiscalizavam a Fazenda, e serviam de Delegados da Policia; sendo nesta accepção que faziam mais alguma extravagancia, pois na qualidade de Juizes a maior parte dos Processos, que elles julgavam, subiam ordinariamente ás Relações, e muitos delles passavam pelo gráu de Revista: por consequencia a dependencia que dellas havia não era tão medonha como se tem querido figurar; nem sei de que sirva batalhar agora com spectros que já não existem. De mais a authoridade dos Juizes de Direito ha de ser conforme a Carta, nem elles terão uma força tal que possa fazer medo, ainda no caso, que eu não dou por impossivel, que alguns delles queiram ser mais alguma cousa: entretanto não me parece exacto o dizer, que elles tenham meios á sua disposição para forçar a vontade dos Cidadãos.

Farei ainda outro reparo relativamente ao Projecto do Digno Par. — Parece que em sua consciencia está persuadido de que a Proposta em discussão não é li-

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beral, porém a belleza da instituição dos Jurados consiste em não se saber quem serão os Juizes de qualquer causa. No Projecto do Digno Par se estreita consideravelmente o circulo, donde se ha de tirar o Jury, em razão da subdivisão, que se propõem. Por isso mesmo que um systema que existe não é bom, não se segue que deva ser deitado abaixo, sem o substituir por outro, que se julgue mais conveniente. Confesso que eu não redigiria este Projecto nos termos em que elle está concebido, e só assinei o Parecer da Secção que o approvou, debaixo do principio da necessidade, que nas actuaes circumstancias urge, isto é dar authoridade ao Governo, por meio da administração da Justiça, pois, é força dize-lo, nós estamos ainda em anarchia, uma vezes brava, e outras mansa. Sabemos o estado em que se acham as Provincias, e se as Côrtes empatarem as providencias, que o Governo reclama, este salvar-se-ha assim da sua responsabilidade, e a nosso cargo ficarão as injustiças, e vexames feitos aos Povos.

Verdade é, que ninguem nos pedirá contas, entretanto ficamos sujeitos ao Juiso mais respeitavel que é o da Moral, e da Religião; e á Opinião Publica que sobre nós lançará a culpa. Foi esta a principal razão porque apoiei o Projecto do Governo, pois aliás bem vejo que ha uma especie de contradicção como fazer agora uma Lei para nos conceder licença para fazer outra sobre o mesmo objecto; dando assim indirectamente uma especie de veto ao Ministerio para permittir ás Côrtes a iniciativa de uma Lei.

Lembra-me o que passou na Camara dos Srs. Deputados de 1828, e a opinião que ahi emitti sobre este assumpto; entre tanto a urgencia do caso me faz votar diversamente; digo isto porque o maior esmero que tenho nesta vida é ser coherente: por estes motivos disse, e digo que se vamos demorar esta Lei boa ou má, vamos cair em uma responsabilidade temeroso. Estamos no fim de uma reacção immensa, de uma guerra civil, que só a da Liga nos excedeu em horrores, e neste estado de cousas não é para admirar que tudo se ache embaraçado. Não nos assustemos com o despotismo dos Juizes de Direito, quando temos a liberdade da Imprensa que vai prescrutar todos os esconderijos, que pode analysar todos os actos do Governo, o Ministerio não póde hoje em dia dar um passo que não seja publico, e que melhor, e mais forte garantia poderemos ter? Por consequencia eu approvo o Projecto em geral; vejamos o que faz a pratica, e as más impressões, assim como as prevenções injustas contra os Juizes de Direito ir-se-hão então desvanecendo.

Não escureço com tudo, que no Projecto ha cousas que eu não posso admittir; (apesar da opinião do Sr. Ministro da Justiça, que não poderei jámais esquecer como condiscipulos que fomos na Universidade, nem recordar sem saudade o tempo em que com elle me sentava no mesmo banco.) Nas causas crimes convenho em que o Juiz de Instrucção, ou mais appropriadamente chamado da formação da culpa, não seja o da Sentença, pois aquella parte deve ser separadamente e incumbida a pessoa, que neste caso exerça as mesmas funcções, que o Coroner em Inglaterra; mas não posso achar utilidade alguma em aplicar este mesmo methodo ás Causas Civeis, por que para a perfeita seguridade do direito de propriedade basta a garantia do Jurado.

Ha tambem outra consideração, que merece attenção, os Processos vão organisar-se quasi como um Conselho de guerra; hade haver actos verbaes, para os quaes é necessario o exercicio de uma methafisica particular, afim de se apontar nelles o que tem importancia real, e connexa com o facto de que se tratar; e então é necessario muita habilidade e um previo conhecimento do Processo desde o seu começo para bem dirigir e illustrar o Jurado, quando elle votar. — Disse isto por incidencia, e só com o andar dos tempos se poderá vir a conhecer a necessidade de reformar muitos pontos similhantes, o que por agora é impossivel: porque a organização Judicial de qualquer povo é mais difficil do que a politica, e querê-la já aperfeiçoada em Portugal seria uma exigencia impossivel. O Reino dos Paizes Baixos levou mais tempo a organisar-se em relação á Justiça, do que a institutos Monarchicos: em França mesmo, ainda aquella organisação não está completa. Ainda ha, pouco tempo propoz Lord Brougham uma reforma, Judicial em Inglaterra. Á vista pois de exemplos tão fortes, como poderiamos aspirar a lançar agora uma Lei destas com todo o aperfeiçoamento de que se ha mister? Seria um absurdo. Adopte-se pois o Projecto em discussão; comecêmos uma ordem de cousas inteiramente nova, e a experiencia mostrará depois o que é preciso emendar; tenho a franqueza de repetir que ha cousas que devem ser substituidas. mas não é este o momento proprio de o fazer, porque fôra amontoar emendas sobre emendas sem fructo algum: entre tanto a Sessão actual das Camaras vai caminhando, e não é possivel conceber agora outro Projecto, que vá a tempo de ser discutido na outra Camara; vejamos o que se faz com este, e então quando a experiencia fôr desagradavel, não poderá dizer-se que as Camaras tinham menos boas intenções. Desatemos as mãos ao Governo, deixemos que possa colligir quanto é necessario para a Lei definitiva, e que desde já organise alguma cousa, para se administrar justiça; com embaraços, e tropeços, vamos dar no Governo o direito de nos dizer um dia, que a desordem foi culpa das Côrtes. — Não entrarei por ora em desenvolvimento algum particular a respeito dos artigos do Projecto, nem sobre certas mudanças, que a Secção de Legislação intendeu ser necessario fazer-lhe, por ser o Digno Par, e meu sabio amigo o Sr. Gerardo de Sampaio, quem está encarregado disso e, que ha de faze-lo com a clareza precisa.

O Sr. Conde da Taipa: — Quero responder ao Digno Par, que em certo modo me increpou de ter feito um ataque a todo o Corpo da Magistratura; isso estava muito longe das minhas intenções, porque generalisar é sempre uma injustiça, e eu o não podia fazer, ainda que não conhecesse senão a elle na classe da Magistratura; pois todos nós sabemos a honra e mais distinctas qualidades do Sr. Sarmento.

Lembrou o Digno Par que os Juizes de Direito não eram Juizes de Fóra, e combatendo a minha opinião, quiz mostrar que uns e outros não tinham o mesmo poder. Entretanto, haverá nada mais poderoso que um Juiz de Direito? Certamente não; recordemo-nos de que este homem é chamado a conhecer de todas as nossas acções, tanto civis, como domesticas, e é das suas attribuições o julga-las conformes ou contrarias á Lei. É por tanto este poder

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aquelle que convém organisar com a maior prudencia, é preciso para ter uma garantia de que elles não abusam do seu poder, pôlos acima das necessidades, dando-lhes meios para que possam ser independentes. E atacará a Magistratura quem deseja que ella fique nestas circumstancias? Certamente não.

O meu Projecto tinha por fim estabelecer 50 Juizes do Direito (e me parece facil demonstrar que, havendo Magistrados de Instrucção dos Processos, aquelle numero é sufficiente) aos quaes se podem dar grandes Ordenados, pondo assim o homem na maior independencia, que é o unico modo porque podemos ter alguma garantia contra um poder grandissimo, qual é o Judicial. Além de que sendo a sua authoridade exercida em um districto muito maior, nunca elle poderá ter tanta influencia, como n'um districto mais pequeno, e é esta uma das grandes objecções que eu tenho contra a Proposição do Governo. — Diz-se que os districtos de Jurados, pelo meu Projecto ficam muito circumscritos: mas isto por força ha de ter um limite, porque de Lisboa, não se hão de ir buscar Jurados no Algarve, por exemplo; entretanto fixa-se uma distancia que deve servir de termo para este effeito; e os Julgados ficarão sendo mais ou menos extensos conforme o pedir a boa administração da Justiça; os districtos hão de ser divididos nesta conformidade; e de resto, quanto mais latitude houver em cousas taes tanto melhor justiça para os Povos: por conseguinte o meu systema não é de modo algum restricto. — Diz tambem o Digno Par, que a influencia moral que existe nos homens, obrigaria os Juizes de Direito a fazerem justiça. É verdade que a opinião publica ha de ter a maior influencia havendo liberdade, mas para haver liberdade é preciso organisar os poderes publicos de modo que não inspirem temor, pois que o homem que teme nunca adquire os costumes da liberdade. Por tanto se houverem só 50 Juizes em Portugal podem-se dar a cada um delles quatro mil cruzados, o que é sufficiente, mas se fôrem 130 já o Thesouro não poderá com a despeza: então ha de se lhes dar muito menos, e a natureza humana (por mais que se diga o contrario) ha de fazellos muito tentaveis: e eis-aqui outra objecção que eu tenho contra a Proposta do Governo.

Affirma-se que o mundo não está tão immoral como muita gente quer dizer; não duvido, mas com um systema de governo desmoralisador, o Povo ha de desmoralisar-se cada vez mais: ainda ha poucos dias que o Ministerio teve a ousadia de demittir um digno Membro da Camara dos Srs. Deputados, porque votava contra as opiniões do Governo! Mas arguido deste facto, respondeu-se que o Sr. Deputado não fòra demittido, mas sim supprimido o logar de Arcipreste da Sé de Lisboa; mas podia o Governo nomear o mesmo Sr. Deputado Deão, em vez de dar este logar ao irmão do Sr. Ministro da Fazenda que já então disfructava outro muito bom (o de Reitor do Collegio dos Nobres): mas a estes Srs. a quem chamavam a facção em 1820, não lhes chega um só Emprego por maior que seja, querem 12, e outros tantos Ordenados, porque tem hoje as maiores necessidades do mundo, e tendo sido n'outro tempo tão democratas, não podem hoje passar sem commendas, e fitas.... (Ordem, Ordem).

Disse tambem o Sr. Sarmento que não devia embaraçar-se o Governo, para que quanto antes proceda á organisação Judicial: mas a minha proposta ainda ha pouco, foi que a Lei dissesse unicamente que haveria Juizes, e Relações; e que para o futuro se organisasse a Justiça definitivamente, porque nada convém menos do que legislar a retalhos. — Diz-se mais que o Governo não tem força. Mas, quem lha ha de dar, os Juizes de Direito? Respondo, que não; porque a administração está montada; ha Prefeitos, Sub-Prefeitos, Provedores etc., emfim todos os meios de dictadura tem o Governo na sua mão. E então qual será a razão porque ainda existe uma guerra civil mansa (como se disse)? É porque os afilhados que estão nesses logares do Reino são tão máus, que não são capazes de inspirar respeito e acabar a anarchia: e a rêde administrativa com que o Reino está coberto, é gente que come quanto dinheiro tem a Nação, e que só serve de promover odios e desordens: se acaso elles tivessem sido escolhidos, não pelo espirito de facção, mas tendo sómente em vista o bem publico, a ordem já estaria de todo restabelecida em Portugal. Mas quando esta gente não chega ao Governo, tambem não seriam bastantes, para lhe dar força, todos os Bachareis que tem saído da Universidade sendo convertidos em Juizes de Direito. Não são os poucos meios que tem o Governo, é o seu systema que nos tem posto no estado em que infelismente ainda estamos; e isto estou eu prompto a sustentar. — Em conclusão direi ao Digno Par que lhe estou muitissimo obrigado pela consideração com que teve a bondade de me tratar, mas que os seus argumentos ainda me não convencem a que mude de opinião.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu tinha pedido a palavra para responder a alguns argumentos incidentaes sobre o primeiro Discurso do Digno Par que acabou agora de fallar, porém abstenho-me disso, porque creio que elle me dará occasião de o fazer....

O Sr. Conde da Taipa: — Diga-o agora que temos tempo.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Verifica-se agora mesmo o que eu tenha dito, isto é, que o Digno Par está muitas vezes fóra da Ordem, e por isso no seu primeiro Discurso o chamei a ella, quando elle attribuio ao Ministerio certas intenções contra as Camaras, e respondo que a sua asserção é falsa, calumniosa, e infundada.

O Sr. Conde de Linhares: — Desejo unicamente notar que a maior garantia que a Carta nos deu está no artigo 10.° (leu.) Estas são indubitavelmente as maiores seguranças contra arbitrariedades, que nos forão outorgadas, a saber: a inteira separação dos Poderes Politicos, e consequentemente a certeza de que o Poder Executivo não ha-de invadir as attribuições do Poder Judiciario, e nesta distincção de um e outro Poder é que se fundaram essencialmente as garantias do Cidadão, assim como na instituição dos Jurados. Não póde portanto haver receio de que o Poder Executivo exceda as suas attribuições uma vez que se observe este artigo da Carta: por consequencia creio que o Projecto deve ser admittido sem receio que esta anomalia entre o Poder Executivo e Judiciario venha a ter lugar.

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O Sr. Conde da Taipa: — Disse o Sr. Conde de Villa Real que eu tinha feito no Governo uma imputação falsa, calumniosa, e não sei que outra cousa mais..... (Infundada, disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: continuou o Orador. -) Ah! e infundada. Não me admira que usasse daquelles termos, porque estão de acordo com os que me manda todos os dias a Imprensa Ministerial, e da sua parte não os considero senão como uma grossaria gratuita.

O Sr. Gerardo de Sampaio: — Sr. Presidente, trata-se de discutir, e saber se na Proposição de Lei, que a esta Camara foi enviada pela dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, e que contem as bases sobre a administração judicial do Reino de Portugal, e Ilhas adjacentes, foi ou não bem eliminada a creação de Juizes Ordinarios: tudo quanto ha sobre a materia pró, e contra habilmente se acha dito (sorte que muitas vezes tem de caber aos objectos, que na outra Camara tenham a sua iniciativa) no em tanto cumpre firmar a minha opinião com algumas razões, embora não sejam todas producções singulares do meu modo de pensar; igualmente se deve trazer á lembrança, e fazer menção de varias representações, que muitas Camaras Municipaes do Reino nos enviaram, das quaes umas pedem aquelles Juizes Ordinarios com a exclusão dos de Direito, outras pedem estes com a exclusão dos Ordinarios.

É sobremaneira para notar que em algumas das referidas representações os representantes digão que as dirigem, representando os Póvos do seu districto, porque esta prerogativa só pertencia ás Camaras passadas, a quem dava Regimento a Ordenação do Liv. 1.º Tit. 66, sendo-lhe por isso outorgado o figurar por aquelles, cuja guarda lhes estava confiada, e dirigir-se ás Authoridades competentes a bem dos mesmos; e quando estas as não proviam de remedio, ao Throno immediatamente; ellas erão portanto, para que assim me explique, umas Deputações permanentes das antigas Côrtes; mas hoje que a Representação Nacional reside na pessoa do Rei conjunctamente com as Côrtes Geraes, não podendo haver segunda, não cabe ás actuaes Camaras Municipaes mais do que a parte administrativa, como em uma das Sessões passadas mui sabiamente, posto que de passagem, disse o Sr. Conde de Linhares; donde, taes representações não devem ser avaliadas senão como meras petições, assignadas por pessoas constituidas em authoridade, e que melhor podem dar informações ácerca das necessidades dos Povos.

Tambem sobre este objecto merece toda a commemoração o ter-se dito aqui, que as representações, que pedião Juizes de Direito, havião sido extorquidas; ignoro o fundamento, a não ser o de se acharem algumas reproduzidas; porém como este não seja concludente, e o deffeito apareça da mesma fórma em maior, ou menor grau, nas que pedem Juizes Ordinarios, o que affirmo, porque umas, e outras foram presentes á Secção de Justiça e Legislação, de que tenho a honra de ser Relator; e assim todos estejam, com pequena differença, nas mesmas circumstancias, seja-me licito fazer a seu respeito o seguinte dilemma = ou foram extorquidas, ou são voluntarias; no primeiro caso merecem um perfeito desprezo, porque os seus authores se deixaram coagir servil, vergonhosa, e atraiçoadamente sobre assumpto do interesse o mais importante da Nação Portugueza; e se são voluntarias, vejamos para que parte pende o maior numero: com effeito, dando-me ao trabalho de contar as que estiveram na Secção, e as que até hoje tem accrescido, posso asseverar que as que pedem Juizes de Direito são 70, e as que solicitam Juizes Ordinarios são 46; na presença disto pede a razão, e a prudencia, que nos inclinemos áquelle primeiro numero, porque alli reside a maior somma das vontades, e modos de pensar, e em consequencia a opinião publica; porém o que é não só prudente, mas até prudentissimo é o seguinte, a saber = Tratemos estas petições com aquella attenção, que o direito de pedir merece pela Carta; mas no acto, de que se está tratando ponhamo-las para o lado, e decidamolo pelas Leis existentes, e pelo brado das nossas intimas consciencias.

Affiançado nestes principios, e conhecendo, que sou inviolavel pelas minhas opiniões, aqui proferidas; eu as patenteio com aquella firmeza, e constancia, que é propria do meu caracter.

A instituição de Juizes Ordinarios é opposta ao espirito, e letra da Lei fundamental da Monarchia Portugueza, e damnosa ao bem estar dos Povos, e como tal injusta; os Juizes de Direito são os que ella estabelece, e eu os approvarei não só por este motivo, mas tambem certo de que elles, não sendo instructores do Processo, no qual tiverem de lavrar as suas Sentenças, e conhecendo as Leis, livres de paixões, e havendo delles uma boa escolha, concorrerão muito para a felicidade da Nação.

A Carta Constitucional desde o Artigo 118 até 129 inclusivè não trata, e na sua letra não reconhece outros Juizes, que não sejam os de Direito, isto é, não os que o administrão unicamente, mas sim os que são delle conhecedores, e formados na faculdade de Leis, ou Canones, Jurados, e Juizes de Paz; e não se diga, que, não prohibindo expressamente os Ordinarios, visto que nelles não falla, os podemos eleger, porque além de ser este argumento logicamente chamado negativo, e por isso nada colhêr, ficaria, se elle se admittisse, uma porta franca para darmos á Carta Constitucional, a nosso arbitrio, aquella latitude, que nos approuvesse, e que ella pelo seu espirito, e letra d'outros logares reprovasse; e é muito de admirar, que um argumento negativo sirva agora para se affirmar, que podemos eleger Juizes Ordinarios, porque a Carta, não fallando delles, o não prohibe; e que, quando se tratou da Presidencia do actual Ministerio servisse para negar, dizendo-se que tal authoridade não tinha cabimento, por isso que desta, aquella não fazia particular menção. A Carta, Senhor Presidente, para algumas pessoas está na razão de certa Oração do número das mais veneraveis (salvo o respeito devido ao objecto, com quem se compara) da qual se tem feito identico uso em oppostas circumstancias politicas; e eu por desgraça minha, e vergonha de muitos, a tenho ouvido entoar por uma mesma pessoa, e, a meu vêr, com igual devoção.

Agora em quanto no espirito da Carta, os Juizes Ordinarios se lhe oppõem, porque, fazendo-os, de que trata, prepetuos, e susceptiveis de mutabilidade, e

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tornando-os sujeitos a ficar suspensos, e responsaveis; não se podem dar estas quatro qualidades naquelles; porque em quanto á perpetuidade o Juiz Ordinario não é perpetuo, e sim temporario, logo o Juiz Ordinario não é o de que falla a Carta; pelo que diz respeito á mutabilidade, o Juiz Ordinario não é mudavel, e sim estacionario, pois só administra Justiça aos Povos, que cooperáram para a sua eleição, logo o Juiz Ordinario não é o de que falla a Carta; não póde este ser suspenso, e menos responsavel pelos erros, que praticar, nascidos da falta de conhecimentos de Direito, não só porque muitas vezes se tornaria irrisorio admittir suspensões no logar de um anno, podendo estas verificar-se em tempo, que nenhuma comminação produzissem; mas tambem porque a Lei o dispensa de ter conhecimento das Leis, ou ser Letrado; da mesma sorte não póde com Justiça impôr-se pena, além daquella, que provier da censura da opinião, a um Juiz, que serve gratuitamente, e que queira, ou não, ha de acceitar o cargo, para que é nomeado; logo não é este o de que trata a Carta.

Nem podia este negocio ser dicidido d'outra fórma, visto que, sendo o Rei Chefe do Poder Executivo, o qual exerce pelos seus Ministros d'Estado; e estando obrigado pelo §. 15 do Art. 75.º a provêr em tudo, que fôr concernente á segurança interna, e externa do Estado; não se lhe podia negar a nomeação dos Magistrados, attento ser este talvez o unico meio o mais efficaz para o conseguimento do referido fim, meio que effectivamente, e com todo o fundamento lhe é concedido pelo §. 3.° do citado Artigo.

É a creação de Juizes Ordinarios damnosa ao bem estar dos póvos, e por isso injusta, não só pela ignorancia, que elles tem dos principios de Direito, geralmente fallando, mas tambem pela sua necessaria parcialidade, filha da estreiteza das relações. Sr. Presidente, a experiencia é a origem de todas as Sciencias, e na de legislar, quando se trata de revogar Leis, é com particularidade a alma da Lei, ou antes a mesma Lei, e o unico rumo, que deve ter em vista o Legislador; debaixo deste principio recorramos aos nossos antigos tempos, e marquemos o ponto desde 1317 até 1521, é dizer, desde o Reinado do Senhor D. Affonso 4.° até no do Senhor D. Manoel, e então veremos, que neste espaço foram tantas, e tão repetidas as queixas contra a ignorancia, pusilanimidade, e parcialidade dos Juizes Ordinarios, quanta a energia do remedio, de que os Senhores Reis destes tempos lançáram mão para os extinguir. Desçamos a particularidades = no Reinado do Sr. D. Affonso 4.° elles se portáram tão mal, que se viu obrigado a nomear para algumas terras do Reino Juizes do Fora, homens leigos, que para vergonha dos Juizes Ordinarios só gosávam de senso commum, e san consciencia; no entanto como os Povos lhe pedissem (talvez que nesta discussão ainda haja logar para mostrar, que não eram os Povos, e sim os opulentados, que dictavam a Lei, e que lhes fazia conta accobertarem-se com tal nome) que lhes desse a regalia de nomear os Juizes, como d'antes faziam; este lha concedeu, dizendo-lhes, que tinha procedido áquella nomeação em serviço de Deus, e da Nação, e por querer remediar o irregular methodo, com que até ali se administrava Justiça, chegando-se a ponto de nem se cumprirem as vontades dos Testadores, que tinham sido victimas da peste, que havia reinado tempos antes; e lhe outorgava esta graça por serem muitos os que lha pediam. No tempo do Sr. D. Pedro 1.º apparecêram as mesmas queixas, nomeiou Juizes de Fora, e ao exemplo de seu Pai tornou a deixar aos Povos a liberdade de eleger os Juizes. No tempo do Sr. D. João 1.° foram tão escandalosas as accusações contra a administração da Justiça dos Juizes Ordinarios, com muita particularidade na Provincia da Beira, na qual estes secundavam, e favoreciam as malfeitorias, e desaguisados dos Fidalgos, e Donatarios; que elle se viu obrigado a ir em pessoa visita-la; e como não podesse remediar todos os males com a sua presença, nomeou Juizes de Fora, ou antes Ouvidores para conhecerem destas desordens unicamente; conservando todavia por sua Piedade os Juizes Ordinarios no Civil, e no Crime. No tempo do Sr. D. Affonso 5.° continuáram as queixas de um tal modo, que este Sr. Rei nomeiou Juizes de Fora para muitas mais terras do Reino, sem que pessoa alguma então se atrevesse a representar contra esta medida. No tempo do Sr. D. João 2.° teve logar a mesma scena, augmentou-se o numero dos Juizes de Fora, dos quaes muitos já eram formados, ou graduados, e os Povos não mostráram o mais leve resentimento. A final no Reinado do Sr. D. Manoel não podendo já supportar-se uma tão miseravel, e desgraçada administração de Justiça, generalisou-se a providencia, dando-se quasi a todo o Reino, Magistrados de letras, formados, e de fora das terras, para darem á Nação, no desempenho dos deveres, um bem, de que ella tanto carecia, e de que a haviam privado na Juizes Ordinarios.

Se olhamos para os tempos mais modernos, temos os Alvarás de 1782, 1798 e 1801, os quaes mostram até que ponto chegáram estas providencias legislativas para remediar os damnos causados pela parcialidade, ignorancia, e moleza dos Juizes Ordinarios. Se nos lembrarmos dos nossos dias, temos as providencias dadas em 1811, e 1812, em que o Governo foi obrigado a mandar fazer as diligencias pelos Officiaes das Justiças visinhas á custa dos Juizes Ordinarios (tal era a irregularidade, com que elles se avinham até nas insignificantes diligencias de transportes, e embargos). Não sei que tenhámos argumentos em contrario, se attendermos ao que hoje entre nós está succedendo.

A urna, Senhor Presidente, em theoria confere brilhantes ideas, e mesmo na pratica, quando ella se limita á eleição de Justiças occasionarias, isto é, Juizes de Paz, e Jurados, mas quando ella se estenda ás Authoridades sempre em acção, e que tem de applicar a Lei á decisão do meu, e do teu; e que hão de sempre, ou ao menos por muito tempo, dirigir aquelles, e trazel-os como pela mão; hade quasi em todas as occasiões (digo quasi, porque confesso, que existem alguns homens dignos, posto que poucos, que já como Eleitores, já como eleitos, saberão em tal negocio prescindir das conveniencias particulares a bem da sua Patria) servir para buscar pessoa, que favoreçam os que estão nas circumstancias, e que tambem as poderão vir a favorecer; os grandes, e poderosos, que tem o segredo das eleições no seu poder; e não sahindo as nomeações des-

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ta, ou daquella classe, teremos o que se chama Justiça de compadres. Os Escrivães, quasi sempre accessores proximos dos Juizes ainda Letrados, quando não tem pratica; funcionarios aquelles, que por via de regra, salvas algumas pequenas excepções, não são das pessoas de mais ajustada consciencia; que não praticárão com o Juiz Ordinario annual, ignorante, manietado pelas relações, e que só principia a saber aonde hade pôr o seu nome, quando dá posse ao successor; muito mais nas circumstancias actuaes, em que as paixões se acham na maior efervescencia? Quem haverá, que na sua propria terra, além dos inimigos da patria, não tenha de encarar os seus proprios; e poderá esperar-se de um Juiz, que não é de fora, que prescinda das paixões no acto de administrar Justiça? Não sem duvida; e só nega esta verdade aquelle, que não trata de analisar o coração humano. Ninguem, Senhor Presidente, segundo o antigo rifão, póde ser Profeta na sua terra; as paixões no logar, aonde nascemos estão logo depois das que nos ligão ás nossas familias: eu o experimentei quando, sendo filho da Cidade do Porto, fui ali Juiz de Fóra; não sei se venci os obstaculos, que a intimidade das relações me offerecia, ou se fiquei vencido; a opinião o julgue, e eu me sujeito á sua sentença.

Decidir as questões de vida, honra, liberdade, e fazenda com especialidade, como disse, na crise, em que nos encontrámos, não póde ser tarefa de um Juiz Ordinario; porém dizer-me-hão, elle tem accessor, respondo, que, além de incorrerem os que assim dizem naquillo de que querem fugir, isto é, de Juizes de Direito, esquecem-se de que a escolha do accessor ha de ser tão discreta como aquelle, que a fez: e de que tal director, sendo da mesma terra, deve ter aquelles deffeitos, que se arguem no seu dirigido, e que já deixei apontados, e mais, porque á sombra deste ha de zombar muitas vezes da responsabilidade, e sempre da opinião.

Não devemos pasmar em silencio a instrucção do Processo, variado na materia, e em consequencia na fórma, ou seja crime, eu civel; mas contra isto estará o ponderar-se, que este agora é mais simples, e menos arriscado, em quanto ao julgado, pela sabia intervenção dos Jurados; respondo tal não ha, a difficuldade é a mesma, e o perigo maior; porque os motivos daquella não tem cessado, visto continuarem a ser os objectos litigiosos, diversos uns dos outros, donde parte todo o embaraço; e porque antes da moderna legislação o Juiz de Direito, conhecedor dos defeitos, ou perfeições dos Processos, podia no julgado remediar aquelles, ou mandar proceder a novos actos, quando as irregularidades não fossem por Lei suppriveis; mas agora que os Jurados só decidem pela sua consciencia na presença da exposição do facto, que o Processo bem, ou mal organisado lhes offerece, que risco não correrá o ser entregue a sua organisação a homem perfeitamente ignorante na theoria, e pratica do foro? Senhores, nas doutrinas de Direito positivo, e na sua execução o talento, e probidade são grandes passos, que nos collocão na estrada do templo da Justiça, mas senão ha estudo, e habito pratico, sendo-nos vedada a entrada, não passaremos do seu atrio.

Deixemo-nos de theoricos ensaios, e mundos ideaes, vamos á realidade das cousas; e quem assim não pensa, aspira só a parecer bem aos superficiaes, e não promove o bem da sua Patria; e se as razões, que deixei apontadas, não forem seguidas, o futuro mostrará, quem, deve merecer as maldições della, se os que pugnão por Juizes Ordinarios com affectada filantropia, ou se os que em logar destes querem conscienciosamente Juizes de Direito, que sobre os Processos, por outrem instruidos, lavrem as suas Sentenças: esta ultima é a minha opinião, que em tudo submetto á sabedoria da Camara, a que tenho a honra de pertencer, e de quem não devo por mais tempo fatigar a attenção.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Não quiz interromper a discussão sobre um objecto de tanta importancia; mas direi agora alguma cousa porque intendo não poder deixar de responder ás observações produzidas por um Digno Par. Ouvi dizer que o Governo mandava imprimir os seus Periodicos á Imprensa Nacional: esta idéa é falsa, porque eu pertenço no Governo, e nunca lá mandei imprimir cousa alguma, (e o mesmo estou persuadido, acontece aos meus companheiros); não costumo ler discurso algum dos que apparecem nos Periodicos, senão depois de impressos e mesmo estes ás vezes os não leio. É tambem falsa a idéa do Digno Par, porque na Imprensa Regia nada se imprime, pertencente ao Governo, sem ir acompanhado de uma Portaria do Ministerio do Reino, e eu que sou o Chefe desta Repartição, não estou lembrado de mandar ordem alguma para serem impressos os discursos a que se alludiu. — Acrescentou-se que nos deviamos envergonhar de alguns papeis que se estampão na Imprensa Régia; e eu na verdade me envergonho não só do que nella se imprime, mas tambem em muitas das outras, não como Membro do Governo, mas como Portuguez, por julgar indignidade, falta de Religião, e immoralidade que se imprimão calumnias não só contra o Ministerio, mas contra qualquer Cidadão: envergonho-me, eu o repito, e julgo se deve envergonhar todo o homem de honra.

O Sr. Conde da Taipa: — Desejaria que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, me dissesse se a Imprensa Nacional não está debaixo da direcção do Governo.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Em quanto ao que ali se imprime, não Sr. Aquelle Estabelecimento é uma Officina particular no que diz respeito ás obras que nella se fazem.

O Sr. Conde da Taipa: — Póde ser que isso seja verdade, mas não é accreditavel a quem tiver o seu juizo perfeito:

Forse era vero, ma non piu credibile

A chi dei senso suo fosse signore.

Ainda ha pouco tempo que um Periodico que se imprime na Imprensa Nacional, e que é redigido por uns garotos, traz certo artigo em que tanto eu como o Sr. Vice-Presidente fomos insultados. (O Sr. Vice-Presidente disse ao Orador: — De mim não trate. — Proseguio o Sr. Conde da Taipa) Tomára eu que dissessem ainda mais, porque elles são bem conhecidos, e o contra-veneno está em saber-se quem são as pessoas que escrevem: mas o que me importa é que seja a Imprensa Nacional onde isto se imprime, porque, por mais que diga o Sr. Ministro a culpa é do Governo. — Começaram os taes garotos pela minha

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pessoa, e acabaram pela minha casaca; mas as casacas velhas de que uso, são minhas, e as desses garotos são da Nação, sahem do suor dos pobres: fallão tambem na minha Carta de Pedreiro Livre, que foi cousa que nunca tive.

O Sr. Sarmento: — Se é possivel fazer alguma observação sobre aquelle objecto, digo que elle mostra que estando nós n'um tempo em que ha Lei de liberdade de Imprensa, parece que a não temos.

O Sr. Conde da Taipa: — Não me queixo contra a Imprensa, porque tem em si propriamente o seu corrossivo: eu sou uma pessoa muitissimo conhecida, e mesmo aquellas que o não são, podem fazer conhecer quem as calumnía; mas o que eu não queria era que o Governo se fizesse solidario com esses escriptos de infamia que por ahi andão: que os haja é muito util (até para desmascarar os homens que os escrevem), com tanto que não sejão impressos na Imprensa Nacional que disso resulta estar o Governo sanccionando cousas indignas: em Inglaterra, como se sabe, ha grande numero de Jornaes e entre elles o Age, e o Jhon Bull, mas que dirião os Inglezes se o Governo tendo uma Imprensa sua mandasse lá imprimir o Age por exemplo?

O Sr. Vice-Presidente: — Pediu-se uma explicação sobre os papeis que se imprimem na Imprensa Nacional; o Sr. Ministro dos Negocios do Reino respondeu, que o Ministerio não censurava nenhum delles nem approvava expressamente que se imprimissem: o Digno Par não se convence com esta resposta, mas o Sr. Ministro não lhe póde dar outra; portanto não póde continuar este incidente.

O Sr. Ministro da Marinha: — Parece-me que será preciso fazer ainda alguma explicação sobre este objecto. A pessoa que está encarregada daquelle Estabelecimento póde imprimir, ou deixar de o fazer, segundo entender, e o Governo não tem nada com isso: o Sr. Ministro do Reino disse a verdade, o facto é que o Governo é estranho a tudo o que se pode imprimir tanto naquella Officina, como nas outras Imprensas, nem poderia fazê-lo sem injuria á liberdade da Imprensa, mandando, ou embaraçando que se imprimisse este ou aquelle papel, de uma ou de outra maneira. — O que eu não esperava era ouvir um Digno Par que votou contra o artigo 20, querendo dar á liberdade de Imprensa mais extensão (não digo licença, visto que assim passou como Lei) queixar-se agora de que, em virtude dessa mesma extensão que elle defendeu, se imprimão cousas de que não gosta, e um ou outro Periodico que lhe não convém ou não lhe agrada; deixe o Digno Par, assim como faz o Governo, que se escreva, e o Publico fará o seu juizo: o Ministerio nunca se queixou da Imprensa, apesar de que nenhum dos seus Membros tem sido poupado nas exageradas asserções que contra o Governo se imprimem todos os dias: deixemos pois a liberdade de Imprensa, que ou pelo seu excesso desenganará que a Lei não fora devidamente apreciada, ou no seu caminho nos illustrará sobre as providencias que a respeito della se possão vir a tomar.

Pouco tenho a dizer sobre as Bases em discussão, não só porque essa materia é estranha á minha profissão, mas porque não teria mesmo que accrescentar ao que sobre, ella se tem dito. — O principal ataque que o Digno Par tem feito contra as Bases Judiciaes, é exactamente da natureza daquelles, que lhe ouvi as poucas vezes que tenho vindo a esta Camara, e consiste em ter dimanado do Governo; donde deduzo que qualquer medida que na sua origem seja apresentada pelo Ministerio, tende, na opinião do Digno Par, a destruir as instituições liberaes; entre tanto não assentava eu que Juizes, independentes como são os de Direito fossem as Authoridades sobre que o Governo podesse estabelecer o despotismo: isto é de certo infundado principalmente quando ouvi fazer uma paridade entre elles e os Juizes de Fóra. O bom senso dos Membros da Camara reconhecerá que não ha verdade alguma em similhante comparação, porque os antigos Juizes de Fóra eram Presidentes das Municipalidades, e exerciam mais, ou menos authoridade nos diversos ramos de Administração, tendo até attribuições de Fazenda, e sendo-lhes por isso mui facil mandar metter um homem na Cadêa; ora isto tudo acabou nos Juizes de Direito, porque não tem attribuições accumuladas, e mesmo na parte Judicial não lhes resta senão a applicação da Lei. Não intendo por consequencia quaes sejam os fundamentos porque se ataque esta instituição, a não ser por animosidade contra tudo que o Governo possa appresentar ás Camaras; tanto mais que os factos completamente demonstrão o contrario do que avançou o Digno Par. É perciso recorrer a outras causas para conhecer donde provém o despotismo e o vexame dos Povos, e tu perguntaria ao Digno Par se existia mais liberdade aonde havia Juizes de Fóra, ou Juizes Ordinarios?... Porém o mal vem da origem do Governo, da não reunião das Côrtes, e do Poder Real que foi crescendo por circunstancias principalmente pela da Authoridade Militar que com elle se achava reunida. Não vejo pois razões que provem de maneira alguma que o Ministerio com este Projecto quizesse assassinar a Carta: nem vejo tambem fundamento algum, para afirmar que as pessoas, a quem se chamaram os Democratas de 1820, queirão acabar com a Liberdade, só porque acceitaram uma ou outra fita: (O Sr. Conde da Taipa, interrompendo o Orador, disse: — Eu não fallei na gente de 1820, fallei da facção desse tempo. — O Sr. Ministro da Marinha continuou.) Conheci homens que não querem hoje passar por Democratas, que certamente o foram, e que passado algum tempo talvez mesmo obtivessem grandes condecorações por mudarem daquella primeira opinião. — A vida publica das pessoas que actualmente compõem o Governo e os actos do seu Ministerio, não dão certamente motivo a que se diga querem assassinar a Liberdade nem tão pouco a que tenham animo de dissolver a Camara, lançando mão para isso das Justiças das Provincias: e tanto menos se póde entrar no animo dos Ministros a este respeito, que até ha pouco o affirmou um Digno Par.

Peço por tanto a V. Exc.ª tome estas idéas em consideração com a franqueza com que são apresentadas pelo Ministerio, afim de que a Camara se convença de que elle não tem outro objecto em vista senão estabelecer regularmente a administração da Justiça, o que não é possivel pelo Decreto de 16 de Maio de 1832; que os Juizes Ordinarios não são estabelecidos pela Carta, nem sufficientes para poderem formar a instrucção dos Processos, e que esta Camara chamaria sobre si a maior responsabilidade, se por algum

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motivo não habilitasse o Governo a livrar o Reino da desordem em que se acha, por falta de regularidade na administração da Justiça.

O Sr. Sarmento: — Como se vai votar sobre este objecto, e por isso seja provavel se ausente o Sr. Ministro da Justiça, quizera fazer antes uma observação a Sua Ex.ª, a qual consiste de que no caso de se vencer o Projecto nesta Camara, seria conveniente se apresentasse a outra Proposição por parte do Governo, porque já deve estar senhor de todos os dados para isso necessarios. A proposição particular que o Sr. Ministro tem de apresentar na outra Camara os hade fazer uma discussão comprida, para que nesta Sessão talvez não haja tempo; mas creio será possivel fazer delle alguma desmembração para então se poder montar devidamente a administração em todo o Reino. — Desejava saber quaes erão as idéas do Sr. Ministro a esse respeito.

O Sr. Ministro da Justiça: — O Governo em consequencia da authorisação de um dos artigos que se acha no Projecto, e lhe permitte proceder provisoriamente á divisão e arredondamento dos Julgados, entendeu que podia desde logo tratar desse objecto; em consequencia pondo-se de acordo com a Commissão d'Estatistica, já tem esse trabalho prompto, e eu o conservo em meu poder.

O Sr. Conde da Taipa: — O Sr. Ministro da Marinha gosta de sophismas, e eu preciso desmascara-los. Disse que eu tinha votado contra o artigo 20 da Lei da Imprensa, e que actualmente me queixava da liberdade de escrever: ora isto é um grande sophisma, é querer negar a evidencia, porque eu de tal me não queixei; pelo contrario estou muito satisfeito de que a Imprensa esteja no pé em que se acha: o que eu disse foi que reputava uma immoralidade da parte do Governo o favorecer certos escriptos, porque ninguem que tenha senso commum, dirá que o Ministerio não tem ingerencia alguma na Imprensa Nacional. — Depois veio tambem o Sr. Ministro com outro sophisma ad odium, tratando dos homens de 1820: mas eu não alludi aos homens de 20, fallei da facção dessa época, da qual o Sr. Ministro da Marinha fazia parte, e que deitou então a liberdade a perder em Portugal.

O Sr. Vice-Presidente: — Ordem. O Sr. Ministro da Marinha foi meu collega em 1820, e não sei que pertencesse a facção alguma.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida, e sahíram os Srs. Ministros que não tinhão assento em Camara.

O Sr. Conde da Taipa requereu votação nominal, e sendo apoiado pelo Sr. Gerardo de Sampaio, determinou a Camara que tivesse logar.

Então propôz o Sr. Vice-Presidente o Projecto na sua generalidade; e disserão approvo os Dignos Pares

Os Srs. Trigozo.

Duque da Terceira.

Marquezes de Valença.

de Loulé.

de Santa Iria.

Condes de Villa Real.

de Paraty.

de Linhares.

de Lumiares.

Visconde da Serra do Pilar.

Barão d'Alcobaça.

Souza e Holstein.

Mello Breyner.

Margiochi.

Gyrão.

Braamcamp.

Macedo.

Machado.

Gamboa e Liz.

Gerardo de Sampaio.

Sarmento.

E disserão rejeito os Dignos Pares seguintes:

Os Srs. Marquezes de Fronteira.

de Ponte de Lima.

Condes da Cunha.

da Taipa.

Visconde de Sá da Bandeira.

Ficando por tanto approvada a Proposição em geral por 21 votos contra 5.

Mandou-se remetter á Commissão de Petições um Requerimento de alguns Estudantes de Medicina.

O Sr. Vice-Presidente: — Interrompe-se a Sessão.

Passado um quarto de hora disse o Sr. Vice-Presidente que continuava a Sessão; e dando logo a palavra á Commissão encarregada de examinar a Carta Regia, pela qual é nomeado Par do Reino Sua Alteza Real o Principe D. AUGUSTO, leu o Sr. Marquez de Valença o seguinte:

RELATORIO.

A Commissão encarregada de verificar, na forma prescripta pelo Art. 99 do Regimento Interno, a Carta Regia, pela qual Sua Magestade, a RAINHA, Foi Servida declarar Par do Reino a Seu Augusto Esposo, Sua Alteza Real o Principe Dom AUGUSTO julga que ella se acha legal, e que o Mesmo Principe póde immediatamente tomar assento na Camara, por ter a idade prescripta no art. 40 da Carta Constitucional da Monarchia Portugueza. = Sala da Commissão, 13 de Fevereiro de 1835. = Marquez de Valença. = Conde da Taipa. = Conde de Lumiares.

Terminada a leitura, disse

O Sr. Conde da Taipa: — Eu assignei o parecer da Commissão, porque tendo consultado algumas pessoas de Lei que se achão nesta Camara, me disserão que tendo Sua Alteza mais de 24 annos, postoque ainda não completasse os 25, estava no caso de tomar assento, porque segundo a letra da Carta não carece para isso ter os 25 completos.

Não se fazendo mais reflexão, foi o Parecer da Commissão posto á votação, e unanimemente approvado.

O Sr. Vice-Presidente deu para Ordem do Dia da Sessão de ámanhaã, a discussão, por artigos, da Proposição vencida hoje na sua generalidade. — Sendo 5 horas, e quasi meia disse que estava fechada a Sessão.

(P.)

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