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SESSÃO DE 14 DE FEVEREIRO.

Sendo uma hora occupou a cadeira o Sr. Presidente, e fazendo a chamada o Sr. Secretario Barão d'Alcobaça, verificou estarem presentes 32 Dignos

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Dignos Pares, faltando, além dos que ainda não compareceram os Srs. Macedo, por molestia; e Sotto-maior, com licença da Camara.

Estando tambem presentes todos os Ministros d'Estado, disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu a Acta da Sessão precedente que foi approvada sem reclamação.

O Sr. Trigoso: — Na qualidade de Presidente da Deputação nomeada para apresentar a Sua Magestade a Rainha, a Resposta ao Discurso da Abertura, tenho a participar á Camara, que a mesma Deputação foi hoje pelo meio dia recebida no Paço das Necessidades, e sendo introduzida á Presença de Sua Magestade, eu li á Mesma Augusta Senhora, a mencionada Resposta, que foi ouvida com a attenção, e affabilidade que são naturaes em Sua Magestade.

Ao mesmo tempo previno a V. Exc.ª, que Sua Alteza Real o Principe D. Augusto, novo Par do Reino me disse que hoje viria prestar o seu juramento, e tomar assento nesta Camara.

Ficou a Camara inteirada.

Passando-se á Ordem do Dia, entrou em discussão por artigos a Proposição sobre as Bases para a Administração Judicial do Reino de Portugal, e Ilhas adjacentes, (Vide pag. 37.) começando pelo seguinte:

Artigo 1.° O Reino de Portugal com as Ilhas adjacentes, é dividido para a Administração Judicial em Districtos de Relações, e estes em julgados de primeira Instancia, e os julgados em Districtos de Jurados aonde a commodidade dos Povos o pedir.

Não pedindo a palavra nenhum dos Dignos Pares, passou-se a discutir o seguinte:

Art. 2.° Haverá para o Continente de Portugal duas Relações, uma em Lisboa, e outra no Porto.

Abriu a discussão e disse

O Sr. Sarmento: — Como a Secção de Legislação em seu parecer se apartou da Proposição do Governo sobre este artigo, compete-me por isso fazer algumas observações sobre elle. Na Secção houve variedades de opiniões a este respeito, porém a maioria pensou, que além das duas Relações de que falla o artigo, se deveria estabelecer ainda outra: e isto para ir em coherencia com a Carta, cuja determinação sobre este assumpto parece mui clara e positiva, para conhecer o que, basta fazer uma comparação dos seus differentes logares em que se fez menção do estabelecimento de Relações. Todavia como na outra Camara houveram algumas opiniões que restringiram o artigo da maneira porque foi indicado; direi alguma cousa sobre os fundamentos em que a Secção se estribou para o ampliar.

Achou pois a Secção de Legislação, que tres era o numero de Relações, que por ora se deviam estabelecer em Portugal, para commodidade dos Povos; e que o tempo mostraria, se se havia de mister mais alguma: mas a Secção não parou aqui, e achou igualmente, que Celorico da Beira, seria o local proprio para a terceira Relação; e a razão porque a Secção foi tão adiante, isto é, a designar um local, foi porque a questão das localidades das Relações, mudava, segundo o numero que se pretendesse estabelecer. A collocação da Relação em Lamego, vista a pequena distancia que desta Cidade vai ao Porto, pareceu não entrar em combinação alguma, a não se estabelecerem muito mais de tres Relações. Escolhendo-se Vizeu, em logar de Lamego, fazia-se com que os Povos, que habitam as Comarcas do Alto Tras-os-Montes, assim como a de Castello Branco, ficassem em maior distancia daquelles situados nas margens do Douro. Pareceu por tanto que Celorico era local mais central; porque a Comarca de Castello Branco, pertencendo a Lisboa são 24 e mais legoas a distancia, sendo 7 legoas de Celorico: ao mesmo tempo as antigas Comarcas de Bragança, Miranda, e Moncorvo, seriam chamadas a 10 até 20 legoas, e indo para o Porto, algumas chegariam a mais de trinta.

É por tanto Celorico o ponto central, para aonde podem ser chamadas as Povoações, que estão mais distantes do Porto, e de Lisboa. — Como estes factos são claros, porque são de notoriedade Geographica, parece-me que não será necessario entrar em mais minucias a este respeito, porque o lançar a vista para um Mappa de Portugal, convence do acerto da escolha da Secção de Legislação: a qual não tratou de estabelecer Relações ao Sul do Reino, por se persuadir de que as communicações do Além-Tejo, e Algarve para Lisboa são faceis, principalmente as do Algarve, que se fazem por meio do mar. — Foram estas as razões aquellas, porque a Secção se apartou da Proposição vinda da Camara dos Srs. Deputados, sendo sómente dois dos seus Membros os que votaram por ella tal qual; não por serem de opinião diversa da maioria, mas por motivos de se não demorar a Lei. — Nada mais me occorre por ora, mas parece-me que tenho dado razões sufficientes, para justificar a Secção de não ter convindo com a doutrina primitiva do artigo 2.º

O Sr. Ministro da Marinha: — Se se lanção os olhos sobre a Carta de Portugal, vê-se que a collocação de duas Relações, uma em Lisboa, e outra no Porto, não está em proporção nem com o territorio, nem com a População do Reino: mas ha ainda outro elemento, além daquelles, e que vem a ser a commodidade dos Povos, que tem tornado sempre difficultoso o estabelecimento de uma ou mais Relações. Quanto á opinião de que além das duas Relações mencionadas na Proposição, deveria haver mais uma pelo menos, e isto por se julgar que a letra e o espirito da Carta assim o exige: observarei primeiramente que a palavra Provincias, não está bem determinada na Carta; se nos referimos ás antigas, é claro que deveremos ter seis, mas se houvermos de attender aquella extensão de territorio que é hoje designado pela palavra Provincia, então deverão estabelecer-se oito, porque a Beira Baixa, e o Partido do Porto, estão naquelle caso. Seria isto certamente o mais commodo para os Povos, mas não seria, nem o mais economico para a Fazenda, nem talvez o mais facil de satisfazer todas as exigencias.

Se se observa mais a topographia do Paiz, vê-se que não deixa de ser attendivel a opinião do Digno Par que acaba de fallar, porque na verdade uma terceira Relação, parece quasi indispensavel: entretanto quando se trata de fazer a necessaria divisão para esse Juizo, encontram-se as maiores, difficuldades; e se se attende a commodidade dos Povos, essa divisão parece quasi inexequivel.

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(Sua Ex.ª fez, então uma pequena descripção de diversos locaes das Provincias do Reino, para mostrar que qualquer que fosse a collocação d'uma terceira Relação, nunca poderia completamente ser attendida a commodidade geral das Povoações das Provincias do Norte do Reino. — E proseguiu:) Á vista do que, parece-me que não ha modo satisfactorio de estabelecer mais uma Relação; ao menos por agora: com tudo não digo que esta regra seja tão geral que para o futuro se não vençam taes difficuldades; entretanto sou obrigado a appresentar aqui as considerações que teve o Governo, e a Camara dos Srs. Deputados, que viram não haver um prejuiso immediato para os Povos, em conservar, por ora, unicamente as duas Relações que existem, estando além disso já costumados a vir â Lisboa, e ao Porto; accrescendo, que nestas duas Cidades ha certos meios que em outras terras se não encontram, como são conhecimentos pessoaes, amisades que olhem por qualquer negocio, e mesmo facilidades de dinheiros: por consequencia quando se trate de deslocar a divisão que actualmente existe a este respeito, ha de ser em presença de outras vantagens que possam compensar aquellas. — Quaes são as commodidades que offerece por exemplo, Viseu para o estabelecimento d'uma Relação, e tudo que com ella é ligado, como são Letrados, Procuradores, &c. Certamente que mui poucas, até pela falta de communicações. Celorico, e Trancoso, parece que d'alguma maneira poderiam satisfazer; mas tem os mesmos inconvenientes, e os habitantes da Covilhan e do Fundão querem antes vir a Lisboa do que ir ao valle do Mondego tratar dos seus negocios. — Estas difficuldades que, no meu modo de ver, são insupperaveis, fazem com que as cousas se devam conservar, por ora, como estão a este respeito. (porque o altera-las pouca vantagem trará aos Povos), até que a experiencia, e o tempo possam offerecer os recursos necessarios, para então as Camaras dicidirem esta materia diffinitivamente.

O Sr. Ministro da Justiça: — O Sr. Ministro que acaba de fallar preveniu-me em grande parte. — O Governo quando appresentou este Projecto, indicava maior numero de Relações; mas não pelo das Provincias que existem no Reino, por intender que a Carta quando se explica sobre este objecto, não quer dizer haja uma Relação em cada Provincia, mas que sim deve have-las onde a commodidade dos Povos o exigir: e por isso não apresentou um numero dellas muito crescido, nem estava bastantemente habilitado para o fazer, por que além de outras considerações, julgou que as forças do Thesouro, não eram sufficientes para occorrer ás novas despezas que disso deveriam resultar. — Talvez que para o futuro se possam estabelecer mais algumas do que aquellas que se vencêram na Camara dos Srs. Deputados, mas pelas razões que deu o meu Collega o Sr. Ministro da Marinha, é preciso fixar bem a idéa que isso nunca poderia ser objecto do Projecto em discussão, não sendo por ora possivel estabelecer a tal respeito uma regra facil e invariavel: ha mil circumstancias que d'um para outro dia podem fazer abandonar aquellas mesmas disposições que em certa maneira pareciam antes convenientes. — Em França, aonde ha, uma perfeita divisão territorial, em que trabalháram alguns dos seus maiores Homens, vê-se que em todas as Sessões do Corpo Legislativo, se tem apresentado novas modificações á organisação Judicial. Por tanto, pareceu ao Governo que seria util conservar neste Projecto as duas Relações de que sómente nelle se falla, e que se o tempo mostrasse a necessidade de alterar esta determinação, seria melhor passar de menos para mais do que de mais para menos. — Eu me explico: se a experiencia mostrar que as duas Relações não bastam, assentou o Governo que seria mais facil estabelecer uma terceira ou uma quarta, do que sanccionando agora um maior numero destes Tribunaes, ter depois de os diminuir por parecerem demasiados: de mais a mais viria a pezar sobre o Governo (seguindo-se o ultimo methodo) o ter de dar destino áquelles individuos que ficassem fóra das Relações que se supprimissem. — Concluo que por se adoptar agora que unicamente fiquem as duas Relações, se não segue que para o futuro não possam estabelecer-se mais algumas se assim parecer necessario; e debaixo deste ponto de vista me persuado se póde sustentar o Artigo.

O Sr. Barradas: — Votei pelas duas Relações de Lisboa, e Porto, porque são bastantes para a expedição dos negocios Judiciaes no Reino de Portugal, e porque offerecem pela sua localidade, e população todas as commodidades dos Povos, que não podem nunca achar em outra qualquer terra, aonde se creassem novas Relações. São bastantes, porque a experiencia de seculos assim o tem mostrado; e se ellas o foram até agora, apesar da multiplicidade de processos, que nas mesmas se tratavam, e quando segundo a Legislação anterior, e os abusos que se haviam introduzido de cada um delles se originavam e nasciam muitos outros; como será possivel, que o não sejam hoje depois das novas Instituições, segundo as quaes a maior parte das contendas se ajustam, e terminão no Juizo de Conciliação, que precede sempre ao Contencioso, para o qual só pode passar depois a menor parte; o que não é uma simples esperança, mas uma realidade, verificada já pela experiencia. Além disso, as mesmas causas, que passam ao Contencioso estão hoje muito reduzidas; e o seu processo muito simplificado. Acabou, e não existe essa alluvião d'embargos, e de aggravos, que entorpeciam o andamento das causas, e consummiam muito tempo aos Juizes para o seu conhecimento, e decisão.

As excepções dilatorias ficaram reduzidas a duas, e das peremptorias conhece-se juntamente com o ponto principal. Accresce ainda outra razão da maior transcendencia. Nas Relações não se tratavam só as causas que pertenciam a segunda Instancia, como agora succede. Nellas se conhecia tambem das causas em primeira Instancia, pela immensidade de privilegios, de Juizes privativos, e de Juizes de Administração; ele forma que o numero das causas da primeira Instancia era talvez maior do que as que corriam na segunda; como é facil de verificar pela Estatistica das causas das mesmas Relações. Tudo isto acabou, e o quererem taes circunstancias suppôr, por qualquer motivo que seja, que as causas depois das novas Instituições, em logar de diminuírem, hão-de augmentar; e uma supposição inteiramente gratuita e contraria aos factos, e á natureza das cousas.

Pelo que pertence á commodidade dos Povos: É

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um facto, que a maior parte ou quasi todos os litigantes, não vão seguir, e defender os seus Processos pessoalmente. Elles o fazem pelos seus Procuradores, Agentes, e Advogados, e pelos amigos a quem recommendam a sua inspecção, sem necessidade de desamparar para isso as suas casas, familias, e occupações, o que é para elles de maior vantagem, e commodidade, que não se compensa, e suppre só pela utilidade de terem uma Relação algumas legoas mais proxima, aonde não acham nem podem ter aquellas conveniencias. Tanto é isto verdade, que tratando-se em outro tempo de crear uma Relação em Evora por motivo de proximidade, accudiu logo todo o Algarve, e muitas terras do Alemtejo, pedindo e requerendo que queriam antes ficar sugeitos, e comprehendidos no destricto da Relação de Lisboa, pelas maiores commodidades que nisso tinham. Na verdade Lisboa, e Porto, pela sua localidade, grande população, e extenso commercio, com relações em todo o Reino, e pelos empregados que ahi já estão de muito tempo estabelecidos, e conhecidos por quasi todas as terras, offerecem todas as vantagens que a este respeito se podem desejar, e que nunca se poderão encontrar em qualquer outro local, por lhe faltarem as mesmas proporções. Sobre estas considerações, cumpre tambem observar, que só por necessidade, é que se devem crear similhantes estabelecimentos, pelo grande peso que vão fazer ao Thesouro Publico, tanto com os Edificios necessarios para o seu expediente, como com os ordenados do novo Presidente, dos novos Juizes, novos officiaes, e Empregados, que se não podem dispensar. Por tudo o que fica ponderado, pede a prudencia que se não precipite a creação de outra Relação, porque se o tempo, e a experiencia mostrar depois, que ha necessidade de alguma mais, não se fica inhibido de a crear, com mais conhecimento de causa, e com maior segurança; o que é mais regular, do que crear-se já outra, que o mesmo tempo, e a experiencia mostre depois ser desnecessaria, e dever-se em consequencia extinguir, já então com prejuiso e perda dos Empregados, e da Fazenda Nacional.

Resta mostrar, que o voto pelas duas Relações nas Provincias da Extremadura, e do Douro, está em conformidade com a Carta Constitucional; porque ainda que no artigo 125 da mesma se diga que = haverá nas Provincias do Reino as Relações que forem necessarias para commodidade dos Povos = d'aqui não se segue, nem se ordena, que precisamente devam haver mais do que as duas já estabelecidas; o que se segue, e o que se determina, é a faculdade para poderem haver mais se se verificar a necessidade para a commodidade dos Povos, que é a condição que serve de fundamento á mesma faculdade; mas como já mostrei, que não ha essa necessidade, corre de plano, que o voto está conforme com este artigo. Recorre-se tambem ao outro artigo posterior 130, em quanto nelle se diz que = na Capital do Reino, além da Relação que deve existir, assim como nas mais Provincias, haverá tambem o Supremo Tribunal de Justiça = pertendendo deduzir-se daquellas expressões = nas mais Provincias = a necessidade de haver mais Relações. Tal deducção porém não póde ter logar, em presença do que acaba de se estabelecer no artigo 125: devendo por tanto ser o sentido d'aquellas palavras = assim como nas mais Provincias = se nellas se crearem mais algumas como fica permittido. Parece-me que a simples confrontação de ambos os artigos, os quaes jamais se devem separar, quando se deseja conhecer a verdadeira intelligencia de um, e de outro, é mais que sufficiente para assim o convencer. Agora digo mais, que o artigo 130 não podia deixar de se expressar d'aquella maneira, uma vez que quiz fallar nas Provincias, porque d'outra sorte viria a destruir a doutrina do artigo 125, que é aonde se estabeleceu a regra a este respeito, e ficaria em manifesta contradição com elle; por ser claro que se se exprimisse por uma Provincia, no singular, annulava, e tirava a faculdade que já deixava dada, para poder haver mais Relações. E se por se exprimir no plural se podesse deduzir a pertendida necessidade de haver pelo menos mais uma Relação, então não só se vinha a revogar, e inutilisar do mesmo modo a faculdade concedida no artigo 125: mas tambem nesse supposto seria manca, e viciosa a conclusão, porque em tal caso, se aquellas expressões importassem a pertendida necessidade, deverião ser precisamente tantas Relações, quantas as Provincias, e de toda a sorte os artigos em a mais notoria contradicção; o que se não póde admittir sem absurdo. Logo quando o artigo 130 se expressou pela fórma referida, não teve por fim, nem foi para que necessariamente houvessem mais Relações, mas salvar a faculdade de as poder haver se se verificasse a doutrina, e condicção do artigo 125. Com esta intelligencia que me parece necessaria, e a unica que se póde dar, cessa o embaraço da pertendida necessidade de mais Relações, ficam conciliados, e em perfeita harmonia os sobreditos artigos, salva a Carta Constitucional, e o voto pelas duas Relações em conformidade com ella.

O § 3.° do artigo 131, não merece explicação, porque a sua disposição procede, e se verifica igualmente, e do mesmo modo, ou hajam só duas Relações, ou hajam mais.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu tambem me opponho ao Parecer da Commissão quanto a haver tres Relações: ha uma vontade muito grande, em alguns circulos, de que hajão tres Relações, até porque se diz que ha um Presidente vago; entretanto eu opponho-me a que a haja pela injustiça que ha naquella terceira Relação. — Uma Relação em Celorico, ou na Guarda, não vai fazer mais do que privilegiar um pequeno circulo; é uma injustiça que se faz aos outros Povos; se eu tivesse alguma esperança de que se attendesse a boa ordem, proporia que houvessem oito Relações, mas que não houvessem mais Juizes de Direito, e que os Desembargadores fizessem circuitos individualmente para julgar em primeira instancia, e decidissem as Causas juntos em Relação na Capital da Provincia por appellação; porém como o contrario já está determinado, o que eu quero dizer é que me opponho á terceira Relação, pois como já disse, seria dar um privilegio a um pequeno districto, quando a administração da Justiça deve ser igual para todos; e esta não é nunca igual quando uns tem que a ir buscar a tres legoas, e outros a trinta. — Se acaso se tivesse olhado para as commodidades dos Povos, e não para outros interesses, ter-se-hia determinado que os Juizes decidissem as Cau-

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sas em primeira instancia, para serem depois julgadas por appellação na Capital da Provincia, isto é o que seria justo; entretanto como sei de certo que a tal não se attende, o que faço é oppôr-me a que haja uma terceira Relação.

O Sr. Sarmento: — Tenho a responder a algumas opiniões oppostas á da maioria da Secção de Legislação. — A regra geral a mais trivial do mundo é, que entre dois males se deve escolher o menor. Não é possivel, como bem expoz o Sr. Ministro da Marinha, fazer uma divisão de districtos de Relações com a exactidão possivel, ao menos por agora. — A este respeito me lembra a opinião de um sabio Portuguez, Deputado em 1828, que dizia que a Serra da Estrella era o grande escandalo, que motivava não poder fazer-se uma divisão territorial exacta: entretanto nenhum Portuguez se póde lembrar sem prazer, que foi alli onde teve logar um dos maiores feitos do Nome Lusitano, e onde as Aguias Romanas estiverão a ponto de succumbir, se por traição não matassem um Caçador, ou Pastor, que as fizera tremer: deve por isso aquella Serra ser objecto da nossa veneração: mas vamos á questão. — O principal argumento contra o estabelecimento de mais das duas Relações, consiste na despeza; mas é preciso advertir, que se a terceira se approva-se, isso não traria comsigo a admissão de novos Juizes, podendo dividir-se os que existem, por todas as tres Relações, e ter a fazer unicamente despezas diminutas no concerto de algum edificio.

É necessario que alguma vez acabe o monopolio, que Lisboa tem feito de tudo quanto é administração Portugueza, o que é uma das maiores causas do atrazamento das Provincias; em Portugal não ha senão cabeça, os outros membros parece que estam mortos; a mesma Cidade do Porto, a não ser a importancia do commercio dos vinhos do Douro, estaria no mesmo estado em que se acham as outras terras das Provincias: nenhum dos Governos que temos tido, reflectiu ainda nisto; olha-se sempre para a Capital sómente, e tanto assim, que ha muitas Leis geraes, que examinadas de vagar, mostram que unicamente para Lisboa foram feitas, e não para a Monarchia. Por conseguinte a commodidade dos Povos, e esta razão mais que aponto, exigem que haja, pelo menos, uma terceira Relação. — O Sr. Ministro da Marinha devia ter passado em Celorico no tempo da guerra; mas devo observar, que esta Villa é uma das melhores terras de Portugal; está no centro do nosso commercio interior, e se ha um ponto de importancia, ao menos na Beira-Alta, é Celorico, principalmente no que diz respeito a communicações, porque é a chave da Côrte com as Provincias do Norte. — Se a terceira Relação se estabelecesse alli, chamaria para si a Comarca de Castello Branco que lhe fica em distancia de 8 legoas, e vindo para Lisboa está a 30; em quanto os pontos distantes do Norte se communicariam com mais facilidade, e promptidão, do que sendo chamados ao Porto, que fica delles em grande distancia. — Pelo que toca ao argumento de que as Relações nas Provincias; terão pouco que fazer, isto deixa a questão no mesmo estado: tanto tem que fazer Tribunaes porque a parte do Processo dependente das segundas instancias lá ha de ir, e por outra parte vai-se dar uma acção immensa, e impulso ás communicações com o coração de Portugal: porque, (ainda volto a este ponto) tudo tem estado em Lisboa, póde dizer-se que a Monarchia Portugueza se compunha sómente da Capital: para isto tem concorrido um erro muito grande, que é considerar Portugal pequeno. (Apoiado.) É um erro, ainda o repito; Portugal só será pequeno, para quem fôr ignorante, para quem o não viu: e se assim não fosse como resistiria elle a tamanhos Exercitos, e a toda a qualidade de devastação? (Apoiado. Apoiado.) A Monarchia Portugueza é em si mesma importantissima, mas não deve reputar-se que está em Lisboa. Não é só no estabelecimento das Relações, que vejo chamar toda a importancia á Capital; e eu quereria que muitos estabelecimentos se deitassem para fóra della, pois só desta maneira poderemos ainda dar vida ao commercio interno, que é a maior fonte de riqueza, e de civilisação. (Apoiado.) A riqueza d'Inglaterra não provêm das suas Colonias, é o resultado do estado de communicação em que se acha esse Paiz; de maneira que está reduzido todo a uma grande Cidade, e as Cidades propriamente, como a Bairros da mesma grande Cidade: é o que nós devemos procurar imitar por todos os meios; e a Commissão quando tratou deste objecto não o olhou sómente como Desembargadores, mas como Economistas, e como Legisladores; e visto que a Proposição do Governo tende a deixar Portugal no modo em que elle se acha, julgo preferivel o arbitrio da Secção de Legislação.

O Sr. Presidente: — Tenho a participar que na Ante-Sala se acha Sua Alteza Real o Principe D. AUGUSTO, que vem tomar assento nesta Camara: por isso talvez os Dignos Pares convenham em que se interrompa a Sessão por alguns momentos.

E consultada a Camara, decidiu tivesse logar a interrupção lembrada por Sua

Ex.ª

O Sr. Presidente designou logo os Srs. Marquez de Valença, e Barão d'Alcobaça, para acompanharem o novo Digno Par; e em consequencia foi Sua Alteza Real introduzido na Sala das Sessões, precedido pelos Officiaes da Camara, e pelos Dignos Pares, para isso designados: subiu á Mesa, e prestou, nas mãos do Sr. Presidente, o Juramento prescripto no Regimento.

Logo depois tomou assento na Camara (entre os Dignos Pares os Srs. Marquez de Valença, e Barradas) e levantando-se disse:

O Senhor Principe D. Augusto: — Peço palavra.

Tendo-lha concedido o Sr. Presidente, leu Sua Alteza Real o seguinte

DISCURSO.

SENHORES: = Desde o momento em que a RAINHA Nossa Augusta Soberana, Me Honrou com a Sua escolha, fiquei Portuguez, e prometti a Mim mesmo de satisfazer até ao ultimo instante da minha vida as obrigações que Me impõe este Titulo. Venho hoje renovar perante vós todos esta promessa, e consagrala pelo Meu Juramento de Fidelidade á Carta Constitucional, que devemos ao espirito illustrado, e elevada Mente do Imperador D. PEDRO de Gloriosa Memoria.

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Este Juramento nunca será violado; assim vo-lo affiançam, o respeito que Devo, e de que se acha penetrado o Meu Coração tanto para com a Memoria de Meu Pai, como para com a Memoria do Pai da RAINHA. Filho de um Guerreiro, que (seja-Me permittido repetilo) foi em toda a sua vida um modelo de honra e de lealdade, e que mereceu as Dignidades que transmittia a sua Familia, pela sua prudencia, como Administrador, e por sua coragem nos combates, Fui indicado á escolha da RAINHA, e á confiança da Nação Portugueza, por um Principe que nunca faltou á sua Palavra; que foi Bravo, entre os bravos; o qual privado, para assim dizer, inteiramente d'outra força que não fosse a sua propria, arrostou todas as resistencias, todas as privações, todas as fadigas, e todas os perigos para conseguir o generoso designio que tinha concebido, de restituir aos Portuguezes a Constituição que lhes Havia concedido, o a Sua Querida Filha, o Throno de seus Antepassados; Principe, em fim, que roubado prematuramente á sua Patria, e á sua Familia, pôde, ao menos (e sem receio de ser desmentido pela Historia) proferir dando o ultimo suspiro = Satisfiz a tudo quanto prometti =

Eu Me apresento aos Portuguezes debaixo da protecção d'uma tão Alta Origem, que Me deixa nimiamente ufeno para Eu deixar de empregar todos os Meus esforços, e todos os Meus disvelos, para me tornar digno della.

Hoje, Senhores, que graças ao Genio, e espada do DUQUE DE BRAGANÇA, a nossa Patria tem visto o termo de suas longas agitações, serve-nos de consolação o pensar, que os Honrados Representantes da Nação nas duas Camaras, poderão occupar-se sem obstaculo; como zelo que os anima, de consolidar o edificio elevado por D. PEDRO, de firmar a Carta Constitucional, primeiro que tudo sobre Leis organicas que segurem a duração de seus beneficios, e successivamente de todas as outras Leis que possam faltar-nos ainda para melhor garantir a cada Cidadão a Justiça, primeira necessidade dos Povos, e o primeiro dever dos Reis; para abrir á mocidade, esperança da Patria, os thesouros d'uma instrucção boa e forte, para animar finalmente a agricultura, as sciencias, as artes, a industria, e o commercio.

Felizes então, os Legisladores de Portugal encontrarão a recompensa de seus trabalhos no augmento da prosperidade interna do Estado, e na consideração de que elle já gosou nos Paizes Estrangeiros.

Pela minha parte, Senhores, vivamente penetrado das demonstrações d'estima, e de benevolencia que recebi de todos na Minha chegada a esta Capital, Reputo grande ventura esta occasião que se Me offerece de exprimir da maneira mais forte que Me é possivel o Meu Reconhecimento, e declarar que a Minha unica ambição, será justificar um tão bom acolhimento.

Collocado ao lado da RAINHA, mal poderei Eu supprir as luzes com que Ella poderia ser Auxiliada por Seu Illustre Pai; mas Esse Principe Honrou-Me (como sabeis) com a sua amisade, confiou-Me por mais de uma vez na seus Nobres Pensamentos; e deixou-Me frequentemente lêr no fundo da sua Alma. Será pois, Eu volo prometto, na recordação das suas conversações comigo, que Eu buscarei os principios que deverão guiar o meu comportamento, e na sua vida publica, que Eu procurarei regras para Me dirigir na Minha. Ha principalmente certa maxima, que lhe ouvi proferir muitas vezes da qual Me não esquecerei, e vem a ser, que a economia da parte dos Principes, é não só a melhor acção que elles podem fazer, mas o melhor exemplo, que podem dar. Em uma palavra, Senhores, Eu unirei os Meus fracos esforços, aos do vós todos para segurar a felicidade da RAINHA, e da Nação.

Seja-Me permittido antes de concluir este Discurso, manifestar votos que formo no Meu Coração, que vós partilhaes comigo, e que foram tambem os ultimos votos de D. PEDRO.

Extinga-se a lembrança de nossas desgraças dissenções, e partidos; oxalá que desapareçam até da nossa lingua, as denominações que as indicáram, e que bastariam talvez, para accendelas de novo algum dia; unamo-nos todos de hoje em diante, tanto em sentimento como em doutrina: seja o primeiro o amor da Patria, e da Nossa Joven e Querida Soberana; seja aquella o respeito á Religião de nossos Pais, e á Carta Constitucional, junto com a obediencia a todas as Leis, ainda áquellas que forem imperfeitas até ao momento em que estas forem derrogadas, ou modificadas pela fórma prescripta na Carta.

A prosperidade d'um Estado tem as mesmas condicções que a sua Liberdade; tanto uma como a outra são filhas da Ordem; e lisongeio-Me, que ninguem pensará diversamente em Portugal: a melhor, e talvez a unica garantia da Ordem, consiste no respeito Religioso de todos, quer sejam governantes, quer sejam governados, ás Instituições e ás Leis.

Terminada esta leitura, levantou-se e disse.

O Sr. Presidente: — Julgo ser interprete dos sentimentos desta Camara, assegurando a Vossa Alteza Real, que todos os Dignos Pares se felicitam de vêr assentado neste Recinto o Principe, para quem se dirigiram os ultimos pensamentos do Augusto DUQUE DE BRAGANÇA, de saudosa Memoria; e que a Sua escolha mereceu a unanime approvação da Nação, que vê nella o melhor fiador da conservação da Carta, e das Prosperidades Publicas.

Continuando a interrompida discussão do artigo 2.°, teve a palavra.

O Sr. Gerardo de Sampaio: — Sr. Presidente, tendo chegado á Camara já depois da discussão estar bastante adiantada, e não me sendo dado adivinhar o que se tem dito, se reproduzir idéas, não devo merecer censura; por tanto como Relator da Secção de Legislação e Justiça, direi alguma cousa sobre os principaes fundamentos do Parecer da mesma, resultado da maioria de seus Membros; ainda que é de pensar, que todos já fossem sabiamente appresentados pelo meu illustre amigo o Digno Par o Sr. Moraes Sarmento, visto ter fallado a respeito da materia; e me limitarei unicamente a fazer ver como entendo a letra da Carta, e o seu espirito, relativamente ao artigo 2.° da Proposição de Lei em questão, e a rebater dous argumentos mais salientes, que se poderão produzir contra a existencia de mais de duas Relações.

Principiarei por ler aquelle (leu): creio não está accorde com o artigo 125 da Lei fundamental, que diz

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assim = Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia nas Provincias do Reino as Relações, que forem necessarias para a commodidade dos Povos. = Quem diz nas Provincias do Reino conta com mais de duas Relações, porque se quizesse só estas, diria haverão duas Relações em duas Provincias do Reino, ou se conservarão as que existem; e tambem não fallaria na commodidade dos Povos, principio, que parece have-lo forçado a conhecer que aquellas não eram bastantes para este fim: o Artigo, no meu pensar, quer dizer que além das duas Relações, que tinhamos, se estabelecerão as que forem necessarias para a commodidade dos Povos; no emtanto sejão embora estas minhas reflexões consideradas de pouco pezo; aquillo, de que se não póde duvidar, é que o bem estar dos Povos deve ser a mira, para que devemos olhar no assumpto, de que se trata, e na conformidade do sobredito preceito.

Igualmente não se ajusta o Artigo com o 130 da Carta, cujas palavras são as seguintes, a saber = Na Capital do Reino, além da Relação, que deve existir, assim como nas mais Provincias, havera tambem um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça; donde achamos decretado, que haja uma Relação em Lisboa: e estando Provincias no plural, que tenhamos nellas Relações, logo somos obrigados a confessar que o seu numero deve forçosamente ser de mais de duas, e que o Artigo, substituida a supressão, ou lacuna de palavras, indispensavel para o bom arranjo da sua dicção, se deve ler assim = Na Capital do Reino, além da Relação, que deve existir, assim como além das outras, que devem existir nas mais Provincias, haverá, etc.; e se estes dous citados Artigos não são bastantes, para provar a minha asserção, vejamos o §. 3.° do 131, que se lê desta forma = Conhecer e decidir sobre os conflictos de Jurisdicção, e competencias das Relações provinciaes; na presença delle o que disser que em cada Provincia a Carta requer que haja uma Relação, não conclue com desacerto; todavia pelo seguro tiremos de todos estes lugares a consequencia, de que devem haver mais de duas Relações, e nenhum outro corolario.

Agora pelo que diz respeito ao espirito da Carta. Sendo certo que no Juizo dos Jurados a belleza, ou antes o principio influente na boa administração da Justiça consiste no seu grande numero, o qual dá em resultado que o Juiz, ignorando a pleito, que tem de decidir, e a parte quem tenha de seu o seu Juiz, seja posto um efficaz estorvo ao suborno, e as mais paixões; se houverem duas Relações, temos que no grau de revista falta esta util e ajustada regra, porque tem de ir necessariamente o feito a outra Relação, de que a parte não se queixa, e delle ainda não conheceu; o que não acontecera, havendo mais de duas, porque temos estabelecidas aquella possivel incerteza, de que tanto bem resulta; sendo por outro lado axioma certo, que aonde ha a mesma razão, deve haver a mesma disposição.

Em quanto o primeiro argumento saliente, que se podera fazer contra o que fica ponderado, que é o seguinte, a saber = se duas Relações antes da providencia da Lei de 16 de Maio de 1832, que extinguiu a peste de razões embargantes, as quaes favorecendo a chicana, davão lugar muitas vezes não só a protelar as demandas, mas a outras novas, deixando simplesmente o recurso de embargos de terceiro, que pôz termo inteiramente á praga dos aggravos; e antes da sabia instituição dos Jurados, que simplifica o processo, e a do Juiz de Paz, que logo na origem põem fim a immensos litigios, eram bastantes; agora com mais razão o devem ser; = este argumento é falso, e até desprezivel; as duas antigas Relações pelo Decreto da reducção de 13 de Maio de 1813 continham 107 Desembargadores, a saber = a da Cidade do Porto 45, e um Chanceller; e a da Casa da Supplicação 60, e um Chanceller; e todos, sendo habeis e trabalhadores, tinham muito que fazer no desempenho dos seus deveres; com aquelle numero podiamos nós estabelecer Relações em todas as Provincias, admittindo o principio daquelle argumento, porque este olhado na essencia, é todo relativo a quantidade dos Empregados, e nada ao numerico dos Tribunaes.

Pelo que respeita o segundo argumento, o qual consistirá talvez em se dizer que o numero das Causas, pela providencia do Juiz de Paz, deve agora ser muito menor, respondo, que esta conclusão, é, pelo que pertence ao grau da sua certeza, pelo menos muito arriscada; porque, sendo o espirito da Nação litigioso, e o processo hoje em dia gratuito, quando se não possa concluir o contrario, muito prudente será suspender o Juizo, até que o futuro nos mostre a verdade; de mais, a commodidade dos Povos não depende do menor numero das Causas, e sim de lhes serem accessiveis, e proximos os recursos, e favoraveis todas as mais circumstancias, que fizerem a bem de seus interesses. Na presença de tudo quanto deixo exposto, creio que tenho conseguido mostrar a necessidade de mais de duas Relações, contentando-me, visto ser a Lei, de que se trata provisoria, que se estabeleça uma outra na Provincia da Beira Alta na Cidade de Viseu, ou em Celorico, por serem os pontos mais centraes; providencia, que podendo dispensar-se ao Sul de Portugal, attenta a commodidade dos caminhos, e mais circumstancias, é todavia indispensavel ao Norte, visto haver uma inteira privação daquellas vantagens; e estando tambem por outra parte a razão de uma bem entendida politica, que deixou apontada o meu Illustre amigo o Digno Par o Sr. Moraes Sarmento, tendente a fazer ver que aonde o Governo levar estes estabelecimentos, promove os meios de civilisar, e felicitar a Nação, demonstração, em que me não devo alongar, por isso que aquelle na sua exacta, e sabia exposição não deixou nada a accrescentar.

O Sr. Trigoso: — A primeira vez que vi esse Projecto das Bases Judiciaes, e mesmo quando depois se appresentou na Commissão, julguei que tinha o deffeito, de ser indeterminado e diminuto; achei que era muito indeterminado, por que havendo já um Decreto em que se tratava das duas partes de que se compunha a administração Judicial, a saber o pessoal e a ordem do processo, e havendo tambem outros Decretos posteriores que modificavão algumas determinações do primeiro; parecia-me que era tempo de que as Côrtes estabelecessem uma Lei Geral e um systema permanente a este respeito, e em consequencia persuadi-me que as Bases em discussão formando uma parte d'aquelle systema, eram tambem diminutas e tinham o inconveniente de serem provisorias:

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com tudo, depois de profundar melhor a questão com os Dignos Pares que formam a Secção de Legislação e tendo ouvido o Sr. Ministro de Justiça, convenci-me que não estava em nosso poder estabelecer desde já um systema completo, mas que todavia era necessario fazer alguma cousa, a fim de acabar as immensas desordens que haviam entre os Povos pela falta de medidas que o Governo não podia tomar. Grande parte do Decreto que estabeleceu a reformação das Justiças, não pôde ainda ter execução e mesmo depois de a ter, a experiencia e quem hade mostrar se elle deve conservar-se tal como existe ou se será conveniente fazer-lhe algumas alterações: por estas razões approvei as Bases na sua generalidade. Mas achando-lhe então o deffeito de serem diminutas, agora lhe encontro o deffeito opposto, isto é, o de serem demasiadamente determinadas.

Diz o art. 2.° (leu-o): ora se com effeito o que o Governo deseja, e a Camara não tem remedio senão conceder-lhe, é que se estabeleça uma base para proceder á organisação do systema Judicial; então parece-me necessario dar uma certa latitude ao Ministerio; não o prender, para lançar mão dos meios convenientes, nem haver tal decisão a esse respeito, que depois fique prejudicada por esta anterior disposição, qualquer medida que a Camara entenda tomar para o futuro. Era por este motivo que eu desejava se indeterminassem ainda mais, alguns dos artigos do Projecto; por que desta maneira tem o Governo quanto lhe basta, e a Camara reserva para si o direito de emendar alguma cousa, quando pareça indispensavel.

Quanto ás duas Relações que o Governo diz lhe bastão; parece-me que não são sufficientes á vista da Carta: e ainda que assim nós fossemos estabelecer um systema de administração Judicial que não seja perfeito, devemos admittilo uma vez que a Carta o exige; por que, em todo o caso, deve ella cumprir-se em primeiro logar — A Carta expressa-se desta maneira no art. 125 (leu-o); não diz, é verdade, que haja Relações em todas as Provincias, mas fallando em geral nas Provincias, é necessario que se mostre que os Povos tem commodidade em haver sómente duas Relações, para que se não estabeleçam mais; mas quando se creasse um maior numero dellas, o Governo com isso não teria prejuiso algum, quando depois se determinasse a suppressão de alguma. Por consequencia o meu Parecer é, que em logar do art.° 2.°, que se acha redigido deste modo, se diga = Haverá no Continente de Portugal aquelle numero de Relações, que se julgarem necessarias á vista do art. 125 da Carta. = Por esta maneira é a commodidade dos Povos e a experiencia quem hade mostrar se são necessarias mais de duas ou não, e quando para o futuro se houver de offerecer ás Camaras um systema fixo, ellas resolverão em vista d'aquellas considerações. — Por tanto remetto á Mesa a minha substituição para V. Ex.ª a propôr no caso de não passar o artigo.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu já disse que o Governo propunha mais algumas relações, e se na Camara dos Senhores Deputados se decidiu o contrario, foi pelas razões que já dei, de que se não podia deixar de considerar este Projecto como uma experiencia. — O Governo está convencido que a necessidade talvez para o futuro exija mais algumas providencias, e de boamente não teria duvida em acceitar a emenda proposta pelo Digno Par o Sr. Trigoso, se não existissem os ponderosos motivos que eu já tive a honra de dizer nesta Camara. — A administração da Justiça está em deploravel, estado particularmente nas Provincias, e um mez ou uma semana que este Projecto se demore é um mal gravissimo para os Povos, e só neste sentido é que o Governo teria de oppôr-se a que o Projecto fosse alterado por que terá de voltar á outra Camara, e levaria muito mais tempo, quando é de summa necessidade que se ponha já em andamento.

O Sr. Sarmento: — Os desejos da Commissão foram expressar bem claramente os seus sentimento. Eu opponho-me á emenda do Sr. Trigoso, e approvo a Proposta do Governo, para que o negocio ande quanto antes. Já hontem disse, que se eu fizesse um Projecto a este respeito sería concebido d'outra maneira, não porque assentasse que as minhas ideas deviam ser preferidos a outras, mas porque as tenho diversas a este respeito; em fim, vou contra a minha opinião, porque julgo que o interesse Nacional assim o exige, e não é de admirar que o faça, porque este é o dever de todo o homem publico, quando se vê em crises taes; pois que o mesmo Mr. Perrier cortou pela propria opinião, quando viu que a de toda a França era contra a sua: tal é a necessidade de assentar o Systema Judicial em Portugal, que eu irei tambem contra o meu modo de pensar, sendo um dos motivos que a isso me obrigam a actual opinião dos Dignos Pares os Srs. Gerardo de Sampaio, e Abranches, por quanto apezar de que o segundo foi de opinião contraria na Secção, e o primeiro o foi em seu discurso, comtudo agora não tem difficuldade de votar a favor da Proposição, uma vez que ella é provisoria, e não tractar senão de estabelecer duas Relações por ora, e as mais para o futuro. — Além disso, o estado em que nos achâmos actualmente no Reino, apresenta a cousa mais espantosa que se tem visto: parte delle se está governando pelo Direito antigo, e parte pelo Direito novo. Por consequencia não ha outro meio senão organizar um Systema de qualquer maneira, porque em fim não ha Lei nenhuma humana que não seja provisoria; e eu espero mesmo que na Sessão proxima das Côrtes haja muito que fazer sobre reforma judicial. — Por tanto como o estado do Paiz insta, sou de parecer que se approve a Proposta do Governo antes, que o Parecer da Commissão: razões de expediente no presente estado de cousas me indicam preferivel a prompta execução d'um systema regular, ainda que eu o não approve em alguma parte, do que a continuação de um estado sem ordem alguma, nem vigôr da authoridade judicial, para fazer respeitar as Leis.

O Sr. Trigoso: — Quando mandei essa substituição ao artigo, não fiz mais do que enunciar a opinião dos Dignos Pares que compunhão a Secção de Legislação; cuja maioria julgou que devia haver mais uma Relação pelo menos; por consequencia eu ainda indetermino mais o artigo do que o Governo o havia proposto. — Não vejo tambem que a admissão da emenda possa causar grande demora, é verdade que fará voltar o Projecto á outra Camara; se lá fôr

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approvada pouco retardamento terá, e não se approvando, terá logar Commissão Mixta: mas ainda que aconteça isto, não acho attendivel a razão de gastar mais ou menos tempo para não fazer uma Lei com alguma perfeição; principalmente quando todo o Publico sabe que assim acontece, para que não continue a ter os incommodos que soffre ha anno e meio: nem devemos arriscar este negocio, a que fiquemos depois privados de o remediar, parecendo conveniente. Além de que, se é certo que o espirito da Carta exige que hajam mais de duas Relações, não é conveniente que de futuro nos ponhâmos em risco de se dizer que obramos contra ella, e a tempo que não possamos remediar o que ora fazemos. — Por todos estes motivos, parece que nem a demora será grande, pois que talvez a outra Camara e o Governo consintam na emenda, mas que ainda no caso de haver alguma, é esse inconveniente preferivel ao de sanccionar uma cousa irremediavel, e tambem ao de se poder dizer que a nossa decisão foi contraria ao espirito da Carta.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Parece-me que a emenda é inadmissivel, nem o Governo mesmo a poderia admitir sem ser contradictorio comsigo mesmo. Quando se consentiu na emenda proposta na Camara dos Srs. Deputados, para que houvessem só duas Relações, não foi por que o Governo julgasse que erão sufficientes, mas não se oppôz á emenda por que com a experiencia, poderia na proxima Legislatura appresentar um Projecto para se determinar o numero fixo das Relações quando estivesse habilitado com os dados sufficientes; por exemplo, quando podesse dizer o numero de causas julgadas o numero de causas existentes, e n'uma palavra quaes os melhoramentos que nos trouxe o novo systema judicial, & c. Por estas razões julgava elle que agora esta emenda era inadmissivel.

O Sr. Souza e Holstein: — Levanto-me simplesmente para dizer á Camara, que, como Membro da Commissão accedo á declaração que acaba de fazer o Sr. Sarmento; mas unicamente pela necessidade de decidir quanto antes este negocio; fico porém persuadido do que a experiencia mostrará a insufficiencia do numero de Relações que no artigo se estabelecem; e se isto assim acontecer, espero que então se crearão as outras que forem necessarias, para o bom expediente da Justiça.

O Sr. Ministro da Marinha: — Se o Governo julgasse que o Projecto que veio trazer á Camara era imperfeito, como deu a intender um Digno Par, de certo que o não teria appresentado: mas pela pequena exposição que fiz (depois que o Sr. Sarmento fallou sobre a conveniencia de certo local para o estabelecimento d'uma Relação) relativamente á parte geographica com que elle póde ter relação, parece-me ter mostrado que a Lei longe de ser imperfeita, era a mais perfeita que actualmente se podia appresentar. Eu não pertendo fazer a apologia nem o descredito do Celorico, mas já disse que nenhuma das localidades apontadas suppririam as difficuldades que ha a este respeito, nem ainda mesmo a de Trancoso, onde eu julgava se deveria estabelecer a terceira Relação, quando ella se criasse. E não sendo possivel remediar, no momento actual, a desorganisação que existe na administração Judicial, e que é bem conhecida nesta e na outra Camara, e a consideração de que não sendo qualquer substituição acceita na Camara dos Srs. Deputados, tem de ir a uma Commissão Mixta, quando o tempo foge; foram estes os motivos porque o Governo insistiu na approvação d'uma medida provisoria, a qual com tudo não julga menos imperfeita do que aquella que se lhe quiz substituir.

O Sr. Marquez de Loulé: — Eu levanto-me para apoiar a opinião do Sr. Trigoso. — O argumento do Sr. Ministro das Justiças tem sido sempre repetido, quando o Governo tem empenho em que passem algumas Leis nesta Camara: observei que este argumento fez grande impressão no Sr. Sarmento; é possivel que, tendo o Digno Par tomado assento nesta Camara ainda ha mui pouco tempo, seja esta a primeira vez que o ouviu; porém a mim não me faz nenhuma, porque tenho repetidas vezes presenciado as subtilezas de que o Governo se serve quando quer que aqui passe alguma medida, e é preciso que isto acabe d'uma vez.

As Leis não devem fazer-se com percepitação; além disto não sei que repugnancia tem o Governo em acceitar esta maior latitude que se lhe dá, acho que lhe fica muito menos responsabilidade: estabeleça systema conforme as suas idéas, e depois da experiencia feita, as Camaras colhendo delle as informações necessarias, tomarão as medidas que julgarem acertadas. Por tanto sou da opinião do Sr. Trigoso, e votarei que se dê ao Governo maior latitude.

O Sr. Ministro da Justiça: — Quasi sempre os Governos tem mais propensão em acceitar maior poder; mas por isso mesmo eu intendo que o Governo agora recusando-o, dá uma prova da sua boa fé, assim como que existe a mesma da parte da Commissão cedendo da sua opinião, logo que o Governo mostrou a necessidade da medida. O Digno Par que acaba do fallar, acha extraordinario que o Governo venha, como subtileza pedindo a urgencia; não me admiro, nem sei se alguma vez, isso o tem sido, pela minha parte é a primeira vez que uso desta expressão; e nem me admiro que o Digno Par estranhe isto, porque não está ao facto do estado da Administração Judicial, se elle visse como eu vejo pelo expediente do Correio, conheceria o mau estado em que ella se acha, do que procede quasi uma anarchia perfeita em todo o Reino; por consequencia estou certo que o Digno Par se convenceria da necessidade de pôr em marcha este negocio; e a não ser isto, eu de muita boa vontade approvaria a emenda do Sr. Trigoso. — O dizer-se tambem que uma vez admittidas duas Relações, ficamos privados de poder fazer mais; parece-me que é um sophisma, porque não ha Lei alguma que não possa ser alterada pelos meios marcados na Carta, e neste artigo não haja medo que, qualquer que seja o Governo, deixe de propôr as alterações que forem precisas.

O Sr. Gyrão: — As razoes que deu o Digno Par Relator da Commissão, e outros Dignos Pares, são razões tão fortes em favor da Proposta, que de certo convenceriam toda a gente de boa fé, porque não ha Lei mais forte que a da necessidade, e isto moveu um dos Membros da Commissão a declarar que votava contra a sua opinião; sem comtudo ficar prejudicado o haver mais algumas Relações nas Provincias

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se com o tempo se mostrar a necessidade dellas, porque todas aquelas medidas, a que precede a experiencia são sempre muito boas — Eu levantei-me simplesmente para trazer á memoria um facto, e vem a ser: quando se discutiu a Resposta ao Discurso dó Throno, os Dignos Pares que se assentam daquelle lado da Camara arguiram o Governo pela falta de Authoridades, e Justiça nas Provincias, aonde se commettiam assassinios e roubos; pois se então reconheceram esses males; para que se oppõem agora à que passe uma medida que tende a remedialos? Eis aqui a razão porque eu voto pela Proposta; a urgencia della não é preciso que o Governo a peça, todos nós a reconhecemos. Se a Lei não é boa qual será a optima? Muitas vezes se perde o bom, por se querer o optimo. Voto por tanto por isto que póde remediar o mal actual.

O Sr. Conde da Taipa: — Disse o Sr. Marquez de Loulé que era costume do Ministerio vir sempre forçar esta Camara a undecima hora; isto é um facto de que ninguem póde duvidar; e que se tem visto praticar sempre: quando se precisou que corressem as Libras em Portugal, veio aqui o Governo e disse; isto é muito urgente e necessario; queria dizer; nós andámos com muita inconsideração, e agora os Senhores deem-nos um voto de confiança para nós remediarmos este mal: isto é o que sempre tem acontecido, pois é necessario que se acabe. — A Indicação do Sr. Trigoso, acho que deve ser approvada; a Camara póde e convém-lhe dar ao Governo toda a latitude e este deve acceitala, porque a Administração da Justiça não é o mesmo que Prefeitos e Sub-Prefeitos; estes póde o Governo nomear hoje, e demittir ámanhan; porém se se votarem 130 Juizes de Direito, estes são inamoviveis, e não se pódem demittir; por tanto damos ao Governo toda a latitude, pois é o Ministerio quem tem tomado sobre si materias de tão alta transcendencia; foi o Governo quem fez a transação do Papel-Moeda, sem consultar as Côrtes; foi o Governo quem contraíu emprestimos sem consultar as Côrtes; se pois a Administração da Justiça não esta ainda estabelecida, é porque o Governo não quer. O Senhor D. Pedro Duque de Bragança, promulgou um systema completo de Administração de Justiça, e se o Governo o não quiz pôr em pratica, a culpa não foi nossa; mas qual seria a razão porque o não fez? Porque não quiz, pois então a culpa é delle, e por culpa delle não lhe devemos votar tudo quanto elle quizer, ou lhe faça conta.

O Sr. Ministro da Marinha: — O Governo não veio ás Camaras a undecima hora; estas Bases foram appresentadas na Camara dos Srs. Deputados ha quatro mezes, e para esta Camara vieram no dia em que ella se abriu.

O Sr. Ministro da Justiça: — O Digno Par que acabou do fallar parece que se não deu por convencido: hontem se deram aqui todas as razões, e se respondeu aos argumentos; e julgo que o Digno Par devia estar convencido, de que, se o Governo não poz em pratica o systema de Administração promulgado pelo Senhor D. Pedro, não foi porque não quiz foi porque não pode.

O Sr. Marquez de Loulé: — O que se disse foi porque não reformou o Governo aquelle Decreto, tendo tido tanto tempo para o fazer; passou-se talvez mais de um anno sem o fazer, e agora oppõem-se a que se gastem mais dez ou doze dias, quando teve na sua mão os meios de o remediar; isto é o que se diz, e o que o Governo devia ter feito. Peço por tanto á Camara que se adopte a emenda do Sr. Trigoso, que em nada se oppõem ás idéas dos Senhores que tem fallado, a não ser a d'urgencia; porque os Dignos Pares que querem tres Relações, e os que querem duas, ficam todos satisfeitos: por quanto para o futuro, quando se fizer a Lei completa e permanente da administração judicial, poderão então appresentar as suas opiniões e defendelas, apoiadas pela experiencia.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu pedi a palavra quando o Digno Par que se assenta daquelle lado estava fallando, não porque pertendesse seguilo em todas as suas divagações, mas para responder ao que se disse, que pouco tempo se perderia em remetter, com as emendas, este Projecto outra vez á Camara dos Senhores Deputados: devo dizer que se o Projecto propozesse mais de duas Relações, e que depois fosse necessario supprimir alguma, poderia haver mais difficuldade, mas não a ha em que passe o Projecto tal como está, e depois se fôr necessario se póde propôr o estabelecimento de outra Relação: além do que isto não é um negocio em que qualquer dos Membros desta Camara não possa tomar a iniciativa, tendo formado o seu juizo póde fazer uma indicação, discutir-se aqui, e passar depois para a Camara Electiva. — Ouvi um argumento a um Digno Par, cuja sabedoria muito respeito, pelo qual parece, que lhe ficava alguma duvida se esta medida era contra a Carta; este receio rarissimas vezes se poderá ter quando as Propostas vierem da Camara Electiva.

O Sr. Conde de Linhares: — Não me consta que se tomasse medida alguma nesta Camara, que não fosse tratada previamente com toda a consideração conveniente: todas as vezes que nesta Camara se tomou em consideração os inconvenientes que resultariam de se emendar qualquer Proposta de Lei, sempre foi quando se julgou que estas emendas eram de natureza secundaria, e não tinham uma importancia tal, que valesse a pena de occasionar maiores inconvenientes pela demora que dalli resultaria. Por consequencia não penso que os argumentos que se tem feito contra a urgencia tenham pezo, e que se possa arguir esta Camara de não ter sempre considerado os negocios com aquella madureza necessaria, e assim opino para que esta medida se adopte tal como está.

O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Só tomarei a liberdade de lembrar o que aqui se passou por occasião de se mandarem correr os Soberanos Inglezes com o valor de 4:120: affirmou o Ministerio que todos os acceitarião; mas o facto é que actualmente ha muito quem duvida dar pelos Soberanos aquillo que manda a Lei. — Agora não acho motivo algum para que o Governo recuse a demasiada authoridade que a Camara lhe quer dar; todos os Ministros, como acabou de dizer o Sr. Ministro da Justiça com a sua costumada franqueza, procuram obter maior poder do que o que lhes compete; mas nunca ouvi dizer que duvidassem acceitar qualquer authorisação das Camaras por exorbitante: por conseguinte intendo

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que o fim que nisto se procura, é lançar sobre nós a responsabilidade; mas os Membros desta Camara não a querem, porque lhes não compete. — Por esta occasião accrescentarei que muito folgo ouvir aos Srs. Ministros authorisar com o seu testemunho o facto que eu aqui asseverei em outra Sessão, e que foi posto em duvida por alguem, isto é, que o Reino está sendo victima das desordens que resultão da confusão das attribuições das Authoridades, e da falta de administração da Justiça.

O Sr. Sarmento: — Este debate vai sahindo do seu caracter regular. Reparou-se em que o Projecto se reputasse urgente; mas devo observar que a palavra urgencia não foi repetida como termo technico de Assembléa Legislativa, e por isso deve ser tomada no sentido litteral.

O Sr. Souza Holstein: — Senão receiasse sahir da Ordem, diria ao Digno Par que fallou em penultimo logar, que elle se acha completamente enganado relativamente ao valor dos Soberanos, pois que longe de haver quem recuse dar por elles o que determina a Lei, estão presentemente sendo muito procurados, e até com premio.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida.

Entrou logo em discussão o seguinte:

Art. 3.° Haverá no Reino 120 até 130 Julgados, adoptando-se para estes o Mappa junto appresentado á Camara dos Deputados em 1827, eliminando-se alguns para não exceder aquelle numero de 130, e aggregando-se nas suas partes aos mais proximos, fazendo-se em todos as convenientes emendas para que houver informações das localidades, podendo mudar-se a Cabeça de Julgado para outra terra mais central, e que esteja mais em relação com as outras.

Teve a palavra, e disse

O Sr. Sarmento: — Hontem quando fiz algumas observações sobre o Projecto em geral, sustentando a doctrina deste artigo, observei que em 1828 a parte da Camara dos Srs. Deputados que se julgava então a mais liberal, pensou que houvessem 145 Juizes de Direito em todo o Reino, e, por uma fatalidade extraordinaria e inexplicavel, vejo agora produzida uma opinião contraria em pessoas daquelas mesmas intenções, declarando como mui consideravel o numero de 130, que é inferior ao do Projecto da Camara de 1828. — Mas seja o que fôr que a este respeito se assente, eu pediria que o Sr. Ministro da Justiça, logo que o Projecto recebesse a Sancção Real, ficasse desembaraçado, para proceder á nomeação dos Juizes competentes, e sobre isto desejaria que Sua Ex.ª me desse alguns esclarecimentos; porque da uniformidade do systema Judicial, depende, em grande parte, a boa administração da Justiça. Nem se julgue que por este poder descricionarios eu queira dar ao Governo alguma authoridade extraordinaria; não é assim, o Poder Executivo tem só por si a faculdade de nomear os Empregados no ramo Judicial. Estes, depois de nomeados, não tem outra couta que lhes sirva de regra senão a sua consciencia, porque o Poder Judicial é perfeitamente tão independente do Poder Legislativo como do Executivo, porque em fim é necessario que um dia nos persuadamos de que não estamos em Assemblea Constituinte, mas que tanto o Poder Judicial como o Executivo, nada tem com outro Poder. Por conseguinte concedendo ao Governo a parte que lhe compete da nomeação dos Empregados Publicos no ramo Judicial, em nada se attenta contra a liberdade da Nação: se fossem nomeações de cargos Politicos, fóra dos termos da Carta, o argumento teria vigôr; mas concedendo aquillo que a Carta já lhe concede, nada se faz de que possão provir máus resultados: pois é da falta da observancia da Carta que nascem os males que ainda hoje estamos padecendo: para terminar alguns dos quaes eu peço muito ao Governo que nem um momento demore a nomeação das Authoridades designadas para o andamento da administração judicial.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu já hontem dei algumas explicações a este respeito. O Governo para poder remediar esses malles é que apresentou estas Bases, deslocando-as do Projecto geral da reforma, pois que esta não podia deixar de levar muito tempo, e separou o que era propriamente pessoal para poder desde logo fazer a nomeação dos individuos e estes irem para os Lugares immediatamente; por consequencia pode o Digno Par, meu amigo, estar descançado que logo que este Decreto receba a Sancção Real, o Governo procede á nomeação dos Empregados, e para o tranquilisar mais, direi que o Governo não se tem descuidado um momento em fazer as divisões, e de accordo com a Commissão de Estatística, tem já em seu poder todos os trabalhos necessarios para poder proceder immediatamente.

O Sr. Sarmento: — Estou inteiramente satisfeito com as explicações do Sr. Ministro, e não posso deixar de agradecelas ao meu illustre amigo, a quem conheço ha mais de trinta annos, e a quem poucas pessoas igualão tanto em probidade como tambem em conhecimentos.

O Sr. Trigoso: — Disse ainda agora o Sr. Ministro da Fazenda, que este negocio não era do Governo porque tinha passado na Camara dos Srs. Deputados; é verdade que passou n'aquella Camara: mas eu fallei relativamente á opinião do Sr. Ministro da Justiça, porque segundo a discussão, tomou-se este Projecto como sendo originariamente do Governo. Entre tanto como pela Carta é permittido á Camara dos Pares, o fazer emendas, ou addições ás disposições da Camara Electiva, nunca eu poderia ser censurado por appresentar uma emenda ao artigo. — Se o que avançou o Sr. Ministro da Marinha, é exacto, então desde já convenho em que se approvem os artigos deste Projecto; porque, disse elle, que estas Bases devem ser consideradas provisorias; mas eu na hypothese de que esta medida era permanente fiz uma emenda, e faço agora outra: é verdade que a Camara a não adoptou, segundo o seu juizo que é melhor que o meu, e talvez faça o mesmo á que agora proponho: entre tanto necessito eu para descargo da minha consciencia offerecela á sua consideração. — A emenda ao artigo 3.° consiste em conservar o mesmo artigo como está, mas não designando um numero certo de Juizes. A Commissão da Camara dos Deputados que em 1828 tratou deste objecto, parece queria estabelecer 145 Julgados, e a Proposição que se discute apresentou um limite de 130; mas este numero não é determinado, e o motivo é porque, não sei se depois será necessario elevalo a 131 por exem-

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plo, e o fim que eu busco na emenda que proponho, é não ficar inhibido para o futuro de accrescentar ou diminuir, se parecer conveniente, e o mostrar a experiencia e a commodidade dos Povos. — Por consequencia offereço a seguinte emenda.

Em logar de 120 a 130 Julgados: diga-se = haverá aquelle numero de Julgados que a commodidade dos Povos exigir. = Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Eu não quiz censurar o Digno Par quem muito respeito, o que disse foi que me não agradava a sua emenda, e que o Governo com estas Relações poderia marchar na organisação do Poder Judiciario, assim como tambem pensou que 130 Juizes de Direito eram sufficientes, e se a experiencia lhe mostrar que são precisos mais, então ha de vir a Camara pedir as providencias que julgar convenientes, mas já depois de bem informado.

O Sr. Ministro da Justiça: — O Digno Par que fallou ultimo, entendeu que a Lei era, provisoria; mas cumpre-me dizer que o sentido em que o meu Collega fallou, é que se entende provisoria em quanto pela experiencia se não conhece que é necessaria outra, mas em todo o caso é aquella que ha de existir em quanto não houver outra que a reforme.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida.

Passou-se a discutir o

Artigo 4.° As Cidades de Lisboa e Porto conservarão a actual divisão por Bairros, que ficarão sendo exclusivamente julgados, e quando se aggreguem a estes mais algumas Freguezias, ou Concelhos, designar-se-ha os que pertencem a cada um delles.

Sobre o qual, disse

O Sr. Trigoso: — Eu queria que em logar da palavra Bairros, se dissesse Districtos porque me parece que os antigos Bairros eram mais pequenos do que os Districtos em que actualmente a Capital está dividida, e consequentemente a expressão de que usa o artigo não é muito exacta; além de que o Governo não deve ficar obrigado a conservar a ultima divisão que se fez em Lisboa e no Porto, porque é possivel não ser sempre conveniente: e isto dará ainda uma emenda conforme ao espirito das outras que hoje tenho offerecido: — é a seguinte. Em logar das palavras = conservar-se-ha a actual divisão por Bairros = conservar-se-ha a divisão por Districtos.

O Sr. Ministro da Justiça: — Lisboa está dividida em 6 Districtos que conservados podem talvez ser de alguma vantagem para o systema administrativo.

O Sr. Ministro da Marinha: — A palavra actual que se acha no artigo, tira toda a duvida.

O Sr. Sarmento: — Seria mais exacto dizer Districtos, mas a Commissão intendeu que não haveria inconveniente em dizer Bairros; e parece-me que esta pequena differença não vale a pena da mudança.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida.

Entrou logo em discussão este:

Art. 5.° Na Ilha da Madeira e Porto Santo haverá até 3 Julgados, e no Archipelago dos Açôres e mais Possessões Ultramarinas, subsistirá provisoriamente a Divisão judicial que actualmente existe.

Levantou-se, e disse sobre elle

O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Eu desejaria perguntar ao Sr. Ministro da Justiça, se a divisão é a mesma que estabeleceu o Decreto de 16 de Maio de 1832.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sim Senhor.

O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Então se não houve difficuldade nos Açôres para ella se pôr em pratica, como a ha em Portugal, porque tanto cá como lá os homens são os mesmos; e por isso parece-me que tambem alli se devia reformar.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu já hontem toquei esta especie, fazendo ver as differenças que existem para o Continente de Portugal, pelos diversos elementos que se achavão entre umas, e outras Provincias para admittirem essa divisão: eu não sei se o Digno Par deu attenção ao principal obstaculo que ha para a uniformidade desejada, o qual provem da divisão actual do Territorio: porque appareciam districtos, que comprehendem sessenta, e mais Concelhos, e que não era possivel achar em cada circulo de Jurados o numero sufficiente de individuos indispensaveis para o serem: nos Açôres não acontece o mesmo, por não haver essa multiplicidade de Concelhos, e assim facilmente se pôz ali em execução a Lei de 16 de Maio de 1832. Mas, apezar desta facilidade foi necessario que os Presidentes das Relações fizessem algumas modificações para que esta Lei os authorisava, sem as quaes ella não poderia ter execução.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida.

Sobre os artigos 6.° e 7.° não houve discussão alguma.

Retiram-se da Sala os Srs. Ministros d'Estado, que não são Membros da Camara.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Peço que as votações sejão nominaes.

O Sr. Souza e Holstein: — Parece-me que não é necessario que a votação seja nominal; nenhum de nós tem duvida em emittir o seu voto livremente.

O Sr. Conde da Taipa: — A votação nominal é necessaria para apparecer nos Papeis publicos, porque é muito conveniente que a Nação saiba a maneira, porque cada um de nós vota.

O Sr. Gerardo de Sampaio: — É por aquelle mesmo motivo que eu insisto em que a votação seja nominal.

E manifestando a Camara acceder a esta opinião se passou effectivamente a votar nominalmente sobre cada um dos artigos discutidos.

Sobre a approvação do 2.º disserão approvo os Dignos Pares seguintes:

Os Srs. Duque de Palmella.

Principe D. Augusto.

Duque da Terceira.

Marquez de Valença.

de Santa Iria.

de Ficalho.

de S. Paio.

Conde de Villa Real.

de Lumiares.

de Paraty.

de Linhares.

Visconde da Serra do Pilar.

Barão de Alcobaça.

Souza e Holstein.

Mello Breyner.

Margiochi.

Barradas.

Gyrão.

Braamcamp.

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Machado.

Gamboa e Liz.

Gerardo de Sampaio.

Ribeiro de Abranches.

Sarmento.

E disserão rejeito os Dignos Pares

Os Srs. Trigoso.

Marquez de Fronteira.

de Loulé.

de Ponte de Lima.

Conde da Cunha.

do Farrobo.

da Taipa.

Ficando por tanto o artigo 2.° approvado tal como se acha na Proposição, por 25 votos contra 7.

Foi posto depois á votação o artigo 3.º, e disseram approvo os Dignos Pares seguintes:

Os Srs. Duque de Palmella.

Principe D. Augusto.

Duque da Terceira.

Marquez de Valença.

de Santa Iria.

de S. Paio

Conde de Paraty.

de Linhares

de Villa Real.

de Lumiares.

Visconde da Serra do Pillar.

de Sá da Bandeira.

Barão de Alcobaça.

Souza e Holstein.

Mello Breyner.

Margiochi.

Barradas.

Gyrão.

Braamcamp.

Machado.

Gamboa e Liz.

Gerardo de Sampaio.

Ribeiro de Abranches.

Sarmento.

E disserão rejeito os Dignos Pares

Os Srs. Trigoso.

Marquez de Fronteira.

de Loulé.

de Ponte de Lima.

de Ficalho.

Conde da Cunha.

da Taipa.

Ficando assim approvado o artigo 3.º tal como estava, por 24 votos contra 7.

Offerecido á votação o artigo 4.º, disseram approvo os Dignos Pares

Os Srs. Duque de Palmella.

Principe D. Augusto.

Duque da Terceira.

Marquez de Valença.

de Santa Iria.

de Ficalho.

Sampaio.

Conde de Lumiares.

de Villa Real.

de Paraty.

de Linhares.

Visconde de Sá da Bandeira.

da Serra do Pilar.

Barão de Alcobaça.

Souza Holstein.

Mello Breyner.

Machado.

Margiochi.

Barradas.

Gyrão.

Braamcamp.

Gamboa e Liz.

Gerardo de Sampaio.

Ribeiro de Abranches

Sarmento.

E disseram rejeito os Dignos Pares:

Os Srs. Trigozo.

Marquez de Fronteira.

de Loulé.

Ponte de Lima.

Conde de Cunha.

da Taipa.

Resultando ficar o art. 4.º approvado tal qual, por 25 votos contra 6.

Votando-se então sobre o art. 5.º, disseram approvo os Dignos Pares:

Os Srs. Duque de Palmella.

Trigoso.

Principe D. Augusto.

Duque da Terceira.

Marquez de Valença.

de Loulé.

de Santa Iria.

de Ficalho.

de Sampaio.

Conde de Lumiares.

de Taipa.

de Villa Real.

de Paraty.

de Linhares.

Visconde de Sá da Bandeira.

da Serra do Pilar.

Barão de Alcobaça.

Mello Breyner.

Margiochi.

Barradas.

Gyrão.

Braamcamp.

Machado.

Gamboa e Liz.

Ribeiro de Abranches.

Sarmento.

E disseram rejeito, os Dignos Pares:

Os Srs. Marquez de Fronteira.

Ponte de Lima.

Conde da Cunha.

Ficando conseguintemente approvado o art. 5.º tal como estava, por 27 votos contra 3.

O art. 6.º foi approvado do mesmo modo por 29 Dignos Pares presentes, rejeitado e só pelo Sr. marquez de Ponte de Lima.

Por proposta do Sr. Sarmento, a que a Camara assintio, não teve logar votação nominal para o art. 7.º e ultimo; o qual foi approvado por votação de assentados e levantados.

Ficou por tanto approvada a Proposta em todos os seus artigos, tal qual fôra remettida da Camara

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dos Srs. Deputados, e se julgaram prejudicadas as Emendas offerecidas durando o debate.

Obtendo depois a palavra, disse

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para mostrar uma infracção da Lei commettida pelo Ministerio. O Sr. Ministro do Reino disse hontem que não tinha nenhuma ingerencia na Imprensa Regia; aqui está a Revista que se imprime ali, papel em que se atacam todos os Membros da Opposição, e se lhe dizem os maiores vituperios — ora a mim não me importa ser atacado em taes escriptos, porque todos conhecem quem são os seus authores; a razão porque fiz esta reflexão, foi porque o Sr. Ministro do Reino a não ter ingerencia na Imprensa deve tela em vigiar que as Leis se cumprão; o que não acontece neste papel, porque lhe falta um quisito essencial, que é o nome do Impressor, segundo determina a Lei repressiva dos abusos da Liberdade de Imprensa, que diz assim (leu.) Ora aqui está a Revista, que não cumpre com a determinação da Lei! — Esta falta é muito importante, mas apparece porque de proposito se querem consentir ataques tão deshonestos, que se dirigem aos Membros da Opposição; e a não ser assim, o Governo tem posto a Lei em execução, porque a Justiça deve estar sempre vigilante para que ella se execute.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Não percebo o capitulo da accusação do Digno Par; mas parece-me ter dito, que na Imprensa Regia se imprime um papel que o offende: não duvido porque naquella Officina se imprimem muitos, aos quaes o Governo não concede licença, nem tão pouco censura; e affirmar que o Ministerio dá ordem para que se imprima aquilo de que o mesmo Digno Par se queixa, já hontem se lhe disse que era falso. Eu faço parte do Governo e ainda lá não mandei imprimir papel d'aquella qualidade; além de que quando qualquer dos Ministros precisa alguma cousa impressa, é enviada ao Estabelecimento com uma Portaria, para esse effeito pelo expedida pelo Ministerio do Reino, e eu que sou o chefe desta Repartição, ainda não enviei ordem para apromtar nenhum dos papeis que o Digno Par apontou. Citou tambem um dos artigos da Lei da liberdade de Imprensa; mas creio que a mim me não pertence examinar os papeis que se imprimem; é ao Procurador Regio que isso compete; entretanto se o Digno Par se julga offendido, pode demandar a pessoa responsavel pelos meios legaes, porque eu não heide estar a comprar todos os Periodicos para depois os examinar. Por consequencia a accusação feita pelo Digno Par ao Ministerio, parece-me muito mal fundada, e não sei mesmo se mais alguma classificação lhe poderia dar.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu tinha pedido a palavra para declarar, que recordando a minha memoria, se tinha ou não escripto algum artigo em um papel publico, lembra-me que quando se me attribuiam algumas palavras que eu não tinha dito, escrevi uma carta ao Redactor da Gazeta para rectificar o que se havia dito em um papel publico, aliaz, muito acreditado naquelle tempo: e outra vez escrevi fóra de Portugal um artigo em defeza do Digno Par que acabou de fallar. (O Sr. Conde da Taipa disse ao Orador que lhe estava muito obrigado.)

Eu só disse isto para que o digno Par, que de tudo accusa o Governo, se persuada que não tenho a minima parte no que se escreve nos papeis a que alude.

O Sr. Conde da Taipa: — O Sr. Ministro dos Negocios do Reino parece que me não quiz entender; porque respondendo ás minhas observações disse, que se eu estava offendido, podia usar dos meios legaes: mas eu não me queixei de um crime particular, fallei de um crime publico que é obrigação do Governo vigiar. A Lei da Imprensa diz assim (leu): ora seja como fôr, é da attribuição do Governo perseguir na forma da Lei os Authores de taes escriptos; e em quanto assim o não fizer, direi que ha conivencia da parte do Governo para com elles. A cousa é muito clara á vista da Lei, e do papel impresso que ambos aqui tenho.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — É verdade que o Governo deve promover o castigo dos crimes publicos; mas para isso é necessario que tenha noticia delles: já disse que nada me constava a este respeito, mas agora o Governo tomará as medidas convenientes, para punir os transgressores da Lei.

O Sr. Marquez de Loulé: — O que me parece contra a Lei é que a Revista se imprima na Imprensa Régia, porque a Lei exige que o nome do domno da Imprensa seja declarado em todo e qualquer impresso; a Revista não tem satisfeito a esta formalidade, nem o podia fazer, pois que o domno da Imprensa Nacional é o Estado, que não póde ser responsavel — não podendo por consequencia os Periodicos impressos na Imprensa Nacional, satisfazer nesta parte ao que a Lei exige; não se podem ali imprimir, e o contrario tem sido um abuso, o qual infelizmente continuará visto que os Srs. Ministros d'Estado tem declarado, não lhes pertencer cohibilo.

O Sr. Ministro da Marinha: — O Digno Par que acaba de fallar julgou por outros motivos, que era competente a accusação que outro Digno Par, já tinha feito ao Governo, relativamente aos papeis que sahem da Impreca Nacional: mas o caso de que se trata, julgo eu que pertence ao Procurador Regio, e que talvez ainda não tenha chegado ao seu conhecimento; (Riso na Esquerda.) mas que segundo a Lei póde ser responsavel por essa ommissão, quando a haja: o Governo fará sobre isso o que julgar necessario para que a Lei se cumpra. — Quanto á outra parte da accusação que fez o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, julguei que já na Sessão de hontem tinha ficado cabalmente respondida: poder-se-ha sim questionar se convirá que o Governo tenha uma Impressão propria ou qualquer outro estabelecimento, ou uma Fabrica de seda por exemplo; mas perguntarei eu, se por que aquella officina pertence ao Governo, hade elle mandar examinar os papeis que lá se imprimirem? Certamente não: por que aquillo esta ali sómente para ganhar dinheiro, e por isso acceita as publicações quaesquer que sejão. Por consequencia as accusações feitas sobre este objecto, não tem fundamento algum, por não poder recahir sobre o Governo uma falta de formalidade que lhe não pertence, nem tão pouco, por não ter exercido uma censura, á qual estou certo que os Dignos Pares não quereriam dar o seu assentimento.

O Sr. Conde da Taipa: — Para ter razão, não é preciso fallar muito; eu estou satisfeito. — Quanto ao

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mais, as minhas palavras hão de escrever-se, assim como as dos Srs. Ministros, e á vista d'umas e outras o Publico decidirá.

O Sr. Sarmento: — Eu desejava saber do Sr. Ministro dos Negocios do Reino, ou do Digno Par Prefeito desta Provincia, se as Leis lhe dão auctoridade para fazer extinguir a mendicidade, porque realmente Lisboa está em um estudo miseravel a este respeito; e como eu venho de um Paiz, aonde vi que em 4 dias, somente, pelo zêlo de uma excellente Authoridade que a Rainha nomeou, se acabou com a mendicidade em Madrid, e o estado da nossa Capital é digno de attenção, por isso desejaria que o Digno Par me desse alguns esclarecimentos, porque com elles eu procederei a fazer os meus trabalhos.

O Sr. Gyrão: — A Lei authorisa o Prefeito para aquelle fim; e logo que eu entrei para a Prefeitura, fiz a minha Proposta ao Governo, mas esta não foi approvada; por tanto o que falta não é authoridade, são os meios; a authoridade existe, mas a despeza é consideravel, e não ha donde venha dinheiro para ella.

O Sr. Sarmento: — As ruas de Lisboa apresentão um quadro miseravel; e visto que a Casa Pia está muito augmentada, parece-me que se poderia tomar alguma medida relativa ao grande numero de crianças, que andam mendigando, e o principiar debaixo do qualquer ponto de vista a tomar algumas medidas, e a seguir o exemplo das Authoridades administrativas na Capital do Reino visinho. Em Madrid, como já disse, bastou sómente o zêlo, e actividade de uma só Authoridade, para apresentar aquella Capital, em poucos dias, com uma face muito differente. Não vejo que haja embaraços, para que se não proceda da mesma forma aqui em Lisboa; e parece-me que é objecto digno de toda a consideração.

O Sr. Gyrão: — Quanto a Orfãos tem-se feito tudo quanto era possivel, mas não tudo quanto era necessario porque não ha os recursos: ha porém outra qualidade de rapazes que andão vadíos, sobre os quaes se estão tomando medidas, o numero destes infelizes todos os dias cresce porque até vem em barcos para Lisboa, e por aqui ficão. — Quanto a fazer-se um azilo para toda a mendicidade, isso é cousa muito grande, e para que seriam necessarios meios que não temos.

O Sr. Marquez de Loulé: — O Sr. Ministro da Marinha, talvez por não perceber o que se disse, attribuiu aos Dignos Pares que se assentão deste lado, intenções que elles não tem: o que se deseja, é que a liberdade da Imprensa seja religiosamente guardada. Eu disse que me parecia não se podiam imprimir Jornaes na Impressão Regia, porque a Lei requer a declaração do nome do domno da Imprensa, donde sahe qualquer escrito, e é bem sabido que, aquella Officina não tem domno que tenha nome, e que seja responsavel porque é da Nação; ora actualmente acontece que quem está a testa daquella Repartição é um Sr. Deputado, e suppondo nelle a responsabilidade, o processo que tratasse de qualquer abuso, teria delongas, pela qualidade de que o mesmo Administrador se acha revestida; e aqui temos nova dificuldade: mas ainda ha outra maior, suponhamos; que o Administrador da Imprensa Nacional, não acceita a responsabilidade de domno da Officina; a quem deverá ella pertencer? Quem o ha de determinar? — Era isto o que eu queria dizer ao Sr. Ministro, assegurando, lhe que os Membros desta Camara não desejão de maneira alguma, reprimir a liberdade de Imprensa; mas o que elles desejão é que a Lei seja religiosamente observada.

O Sr. Ministro da Justiça: — Estou perfeitamente de accordo com a idéa que se acaba de emittir, e nella concordam todas as pessoas que compõem o Governo. — Esse Periodico em que se apresentam idéas desagradaveis contra alguns Membros da Opposição, ouço dizer que é impresso na Impressão Regia, e então será o Administrador quem responda por elle na falta do Author, ou Editor; porque não posso concordar que por não se declarar o nome do mesmo Administrador, não haja elle de ser responsavel por qualquer abuso, quando lhe compita nos termos da Lei: pelo facto da Impressão se estabelece a responsabilidade. — Quanto ao mais, é preciso que nos convençamos de que o Governo não tem acção nenhuma no Poder Judicial, o qual deve obrar dentro da sua orbita; hão de ser as Authoridades que a Lei designa, quem deverá proceder a denuncia dos abusos da liberdade da Imprensa; e a unica acção que, a este respeito, o Governo poderia ter, era em vigiar se os seus agentes cumpriam suas obrigações, deixando de promover as accusações contra os escriptos que possão interessar a segurança publica (porque quanto aos particulares, podem os interessados diligenciar o que lhes convenha): ora até aqui não me consta da publicação de obra alguma da natureza referida; ainda que talvez se tenha escripto com muita acrimonia, e se tenham dito cousas, que não é agradavel ouvir: mas estou persuadido que o Procurador Regio tem desempenhado os seus deveres, pela experiencia que delle tenho, não só na qualidade de Presidente da Relação de Lisboa, mas tambem na de Ministro da Justiça.

O Sr. Marquez de Loulé: — Suppôr-se-ha talvez que eu fui mal-tratado pela Revista; pelo contrario tenho a agradecer-lhe um elogio que ainda ha poucos dias me fez.

O Sr. Presidente deu para Ordem do Dia da seguinte Sessão, Pareceres de Commissões e leituras. Sendo quatro horas, disse que estava fechada a Sessão.

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