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SESSÃO DE 9 DE MARÇO.

Tres quartos depois do meio dia, occupou a cadeira o Sr. Vice-Presidente; e feita a chamada declarou o Sr. Secretario Barão d'Alcobaça, que estavam presentes 31 Dignos Pares, faltando, além dos que ainda se não appresentaram, e de S. A. R. o Principe D. Augusto, os Srs. Conde de Sampaio, e Ribeiro de Abranches por molestia, Sotto-maior com licença da Camaara, e Marquez de Santa Iria sem causa motivada.

O Sr. Vice-Presidente, disse que estava aberta a Sessão.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares, leu a acta da Sessão precedente, que foi approvada sem reclamação; assim como a nova redacção da de 6 do corrente requerida pelo Sr. Marquez de Sampaio.

O mesmo Sr. Secretario, deu conta de um Officio do Ministerio da Guerra, participando haver mandado cumprir as requisições da Camara relativamente á Representação da Municipalidade da Praça de Almeida, ácerca de Aboletamentos Militares; tendo recebido participação de se acharem effectivamente cumpridas. — A Camara ficou inteirada.

Tambem deu conta de um Officio de Antonio Barão de Mascarenhas Consul Geral de Portugal em Bristol, offerecendo um exemplar da Obra intitulada = Pauta Britanica, e Guia Commercial das Leis das Alfandegas Britânicas = Foi recebido com agrado, mandando-se depositar no Archivo.

Distribuiram-se pelos Dignos Pares, exemplares impressos de um Folheto intitulado = Considerações sobre o exame feito pelo Conselheiro Luiz José Ribeiro ao Relatorio do Ministro dos Negocios da Fazenda, appresentado á Camara dos Srs. Deputados na Sessão Extraordinaria.

O Sr. Sarmento, appresentou a seguinte

PROPOSIÇÃO.

Proponho que esta Camara dirija a Sua Magestade a Rainha uma respeitosissima Representação, pe-

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dindo que se Digne exercer a Sua Alta Prerogativa de Honrar com Mercês os parentes chegados daquelles, que por tão extremada lealdade ao Throno Legitimo, e ás Liberdades Patrias, deram as vidas nos cadafalsos, nos desterros, e nos carceres, a fim de que um acto de Real Distincção mostre aos vindouros a gratidão dos presentes a tão nobres victimas.

Que os filhos destes Martyres da Fidelidade e da Honra, os Paes na falta dos filhos, e as irmans não havendo ascendentes nem descendentes, recebam de Sua Magestade aquella benigna demonstração que a Justiça de Sua Magestade achar adequada, no caso de factos particulares dos mencionados parentes os não tornarem indignos de tão honrada herança.

Que além das distincções, que se pedem a Sua Magestade, se determine por Lei, e á custa do Estado, que nas Cathedraes, ou nas Igrejas Matrizes das terras da naturalidade, ou residencia, que foi de tão illustres Portuguezes, se alevantem lápides com inscripções, para serem monumentos até aos mais remotos seculos da lembrança de tamanhos sacrificios feitos á Causa do Throno, e da Carta Constitucional. — Palacio das Côrtes, 9 de Março de 1835. — O Par do Reino, Sarmento.

Foi unanimemente admittida, e ficou para segunda leitura.

Passando-se á Ordem do Dia fez-se segunda leitura da Proposição do Sr. Visconde da Serra do Pilar, sobre o augmento do numero dos Alumnos do Collegio Militar, offerecida em uma dos precedentes Sessões (Vide pag. 109.)

Tendo a palavra o Digno Par seu Auctor para a sustentar, na conformidade do Regimento, disse

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Ainda que me parece não deveria tirar tempo á Camara, apoiando uma medida que por si mesma se recommenda, direi com tudo alguma cousa sobre ella: — Principiarei assegurando que a sua adopção é de summa vantagem, mesmo em principio geral; por isso que concorre para o augmento das luzes, em favor d'uma classe que ha de fazer a base dos Officiaes do Exercito. Além disso o maior beneficio que a Nação póde fazer a seus filhos é educalos: porque é esta a maior herança que um pae póde deixar a seus filhos, pois que o homem bem educado tem sempre certa a sua fortuna. Quanto ao augmento dos 50 Alumnos, é uma mercê tão pequena que mui pouco carregará o Cofre Publico: até aqui pagava elle para cada um dos 100 rapazes 14$400 réis mensaes, augmentando-lhe agora 50, estou persuadido que menos de metade do que o Estado dava para aquelles, será sufficiente para estes: e que sendo bem administrado supprirá muito bem as despezas necessarias.

Quanto a admittir no Collegio Militar os filhos dos Officiaes dos Voluntarios da Senhora Dona MARIA Segunda, direi que este é um Corpo historico: além de que aos filhos dos Officiaes de Linha é-lhes concedido pela Lei este beneficio; mas áquelles fazendo-se por uma só vez, parece-me que elles estão bem ao alcance de merecer esta prova de consideração á sua Nação. Nenhum pae, segundo a Lei que está em vigôr, me parece que póde ter ao mesmo tempo no Collegio mais do que um filho; intendo que esta clausula deve abolir-se, e eu a acho muito desarrasoada; e a rasão é, porque o pobre Militar (digo pobre, porque em geral a Officialidade Portugueza está neste caso) que tem seis ou sete filhos, mette um no Collegio, e que hade fazer aos outros? Destinalos ás letras, ou á agricultura; mas, em geral o filho do Militar quer ser Militar, o filho do Letrado Letrado; isto é, cada um quasi sempre se inclina para a classe da sua familia: além de que ha sempre nos rapazes uma tendencia para a guerra; de muito novos já se entretêm com espadas de canna: e então porque não hade aproveitar-se a inclinação do filho do Militar, quando elle póde servir a sua Patria com muito prestimo: Quanto a entrarem os Alumnos da idade de sete annos para o Collegio, como igualmente proponho, tambem acho necessario; porque o primeiro mal que do contrario se segue, é terem de desaprender quando são admittidos tudo que se lhes ensinou cá fóra: então é preferivel que entrem com esta idade, porque quasi sempre conserva vicios quem desaprende uma Sciencia para de novo a aprender. — Parece-me por tanto que esta Proposição terá o voto da Camara: e se se disser que o actual Collegio é pequeno para conter os novos Alumnos, direi eu que nós hoje temos uma Casa com toda a capacidade necessaria, que é a que foi dos Padres da Companhia em Santarem; ha alli tudo prompto (até para o recreio dos rapazes) com alguma pequenissima despeza que se faça. — Este estabelecimento não tem sido entre nós olhado com a attenção que merece; e se agora o fôr, como creio - espero que delle tiraremos vantagens.

Foi a Proposta do Digno Par tomada em consideração, e remettida á Secção de Guerra e Marinha.

O Sr. Secretario Barão d'Alcobaça leu a Proposição vinda da Camara dos Srs. Deputados, sobre o modo de constituir a Pronuncia nos processos criminaes; assim como o Parecer e Projecto da maioria da Secção de Legislação ácerca della, e mais a Proposição do Sr. Barradas relativamente ao mesmo objecto. (Vide pag. 106.)

O Sr. Vice-Presidente: — Está em discussão na sua generalidade a materia dos tres Projectos que acabam de ler-se.

Obteve a palavra em primeiro logar, e disse

O Sr. Sarmento: — Sr. Presidente, depois da leitura dos differentes Pareceres, que acaba de fazer-se, é muito facil ver que toda a questão na Secção da Legislação, foi mais de palavras do que relativa á doutrina de direito. Com tudo conveiu ella unanimemente n'um ponto, discordando com o que no art. 1.º da Proposição da Camara dos Srs. Deputados se acha; e diz respeito aos Magistrados do Policia Correcional, em quanto de alguma maneira equipara a auctoridade destes á dos Juizes de Direito. Todos os Membros da Secção foram, como disse, conformes nesta parte, quero dizer, não ser possivel igualar a auctoridade, que está concedida pela Carta aos Juizes de Direito, com a provisional encarregada aos Magistrados da Policia Correccional, e que é propriamente objecto de policia. Parece-me que esta devida desigualdade se funda, senão no Direito Civil, ao menos no Politico; e de certo, que um Codigo de Jurisprudencia criminal bem organisado, nunca consideraria similhante entidade; pois que a policia, em quanto existir, deve ter attribuições privativas que, de modo algum, entram no Codigo Penal, que é

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verdadeiramente de que se tracta na materia, que faz o objecto da actual discussão desta Camara.

Ha talvez uma falta de ligação no nosso Systema Judicial, principalmente no Criminal, a qual proveiu de circumstancias particulares, sendo uma das principaes a adopção dos Jurados, ou a enxertia no Direito Portuguez, do Inglez, e Francez. Não nos deve maravilhar a difficuldade que entre nós apparece quando se tracta da introducção do Jury, porque todos os Regulamentos Judiciaes, que se tem feito em França depois da Revolução, trazem tambem comsigo a mesma incerteza, ou estado provisional; porque poucos annos depois são alterados; de maneira que esta parte de Legislação daquelle Paiz, é extraordinaria. A razão disto, quanto a mim, consiste em querer forçar habitos estabelecidos com um Direito, que, não tem a maior relação com o Direito Civil Romano, principalmente depois da publicação da Legislação de Justinianno, e a de outros Imperadores, que lhe succederam; achando-se assim n'uma specie de hostilidade o novo Systema da Jurisprudencia Justiniannea, com a Jurisprudencia dos Povos Saxonios, a qual passou á Inglaterra, e alli se manteve apezar dos exforços do Clero. A opposição dos Povos Inglezes ao progresso do estudo do Direito Justinianneu é, entre outros Escriptores, referida por um, que não é mui vulgar, fallo de João Sarisburiense, na sua Obra intitulada o Polycraticus, aonde refere a hostilidade entre os introductores, e a opinião geral d'aquella Nação no tempo do Rei Estevão. A esta opposição, difficil de explicar-se, quando se considera a influencia do Clero, o qual foi quem aperfeiçoou, e se servio do mesmo Direito Justinianneu para base do Direito Canonico, deve o Povo Inglez a conservação do seu Systema unico e privativo, o qual, quer Montesquieu, que fôra trazido da Germania, Região de que tiveram os Romanos algum conhecimento, sómente depois que para a conhecerem foi preciso fazer a guerra, e relativamente a ella não temos outra cousa além do Tractado que Tacito compoz dos costumes dos Germanos. Os apaixonados d'antiguidades vão a essa fonte, e depois pertendem mostrar, que a invasão Saxonia, levou comsigo para Inglaterra esse Systema originalmente rude, porém depois polido pelo genio, e cultura do grande Rei Alfredo; homem não só guerreiro, mas politico, e cultivador das lettras. Os institutos deste Rei Legislador, se arraigaram de tal maneira, que os principios do Direito Romano, ainda depois deste recebido geralmente, e de apperfeiçoado com a denominação de Direito Canonico, não tem podido forçar os Inglezes a largar os seus usos, pelo que toca ao Processo Criminal particularmente. Havendo portanto um principio de hostilidade, e grandes difficuldades, vê-se com toda a clareza, do que proveiu o custo que tem havido, para combinar um com outro Systema, que na sua origem tinham principios diversos: o Direito Romano, principalmente depois da invenção do segredo no inquerito de testemunhas, abuso de interpretação, e não determinação de Lei, tornou-se odioso, e segundo o meu fraco intender, esse odio, mais do que as difficuldades que contêm o mesmo Direito, tem feito com que os Jurisconsultos de um e outro, rejeitassem reciprocamente as opiniões, e doctrinas que não eram suas.

Póde-se dizer que as opiniões modernas tem servido a fazer uma revolução em ambas as schólas de Direito, pois já se vê que os Codigos Francezes, estam traduzidos em Inglez, assim como algumas Obras de Pothier, porque hoje se tracta de tudo, e se vai buscar o que é bom aonde elle existe; tendo passado as preoccupações Scholasticas do outro tempo, que consistiam em andarem os homens involvidos em systemas, e debaixo de certos nomes. — Felizmente desappareceram as rivalidades Nacionaes, e a verdade vai a qualquer parte indistinctamente buscar o que é conveniente ao genero humano; e por isso esta hostilidade cada vez se vai diminuindo mais a mais. Porém segundo a nossa Legislação actual, não póde deixar de ser o encontrarmos difficuldades a cada passo, porque; em primeiro logar falta o Processo, chamado Coroner's Inquest, que ainda não temos adoptado, e que devemos instituir com outros elementos, que é uma falta, a qual não póde deixar por muito tempo de affastar de nós a perfeição do Systema do Processo por Jurados.

A Magistratura, que em Inglaterra se chama Coroner tem as attribuições de formar o auto de exame, e o corpo de delicto, e que vem a ser propriamente o historiador juridico dos crimes. O tempo tem mostrado, que já houve entre nós épocha, em que se prescindia de formalidades ainda mais substanciaes no Processo Criminal; e se bem me lembro foi no tempo de João Pinto Ribeiro, Jurisconsulto célebre, quando em Portugal se conheceu, que não podia haver Processo Criminal sem o auto do corpo de delicto; por quanto da sua falta acontecia, tirarem-se devassas de homicidios, relativamente a individuos vivos, que se reputavam mortos. Estas extravagancias, e outras, que davam logar a que muitos individuos lançassem mão desses recursos, para vinganças meditadas, pozeram em pé a necessidade daquella formalidade, sendo mister depois guardar-se por um costume não interrompido, e conforme á razão, donde se fez a Lei a este respeito; quero dizer, que o corpo de delicto era de primeira essencia para a existencia legal de qualquer Processo Criminal. Não nos admiremos, e é preciso confessar, que por muito tempo havemos de tractar da boa organisação do Processo, á qual pertencem os artigos, que se acham em discussão, os quaes comtudo não estam ainda lançados com a clareza, e formalidades necessarias; é a experiencia quem ha de mostrar-nos o modo de os refundir. Já aqui ouvimos a opinião do Ministro da Justiça, e dizer que elle tinha tenção de appressar um Projecto de Lei, para a inteira separação dos actos preparatorios dos Processos, do acto da Sentença; quando o fizer, as Camaras verão se elle exige alguma modificação, o que não será para admirar.

Restringindo-me ao ponto da questão, peço aos Dignos Pares observem que o artigo 1.º da Proposição que veio da Camara dos Senhores Deputados, não tem alteração nenhuma nos Projectoa da Secção, senão nas palavras, que se referem ao Magistrado de Policia Correccional (leu-as). As razões que dei, devem ter convencido dos motivos, que a Secção de Legislação teve em vista, para excluir esta Magistratura da presente Lei: verdade é, que não póde haver agora outra Policia senão a Correccional; (por-

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que a de Estado, seja com a denominação de preventiva, ou como se quizer chamar, será sempre um pretexto, ou a pretenção de querer dourar pílulas amargas.) A Policia Correccional e aquella tambem, que os Romanos conheciam, e que começava pelo poder extraordinario, que os paes tinham sobre seus filhos, e os senhores sobre os escravos. Ella podia reputar-se como a primeira censura dos costumes; e o Povo de que fallei a levou a um tal ponto, quando foi commettida aos Censores, que chegaram a expulsar do Senado os que não eram dignos, por seus costumes, de fazer parte delle; e, entre outros, o Historiador Sallustio, foi posto fóra do Senado, por serem seus costumes accusados pelos Censores, ficando assim inhibido de tomar assento naquella Assemblea. — Entretanto o excluir a Policia deste Projecto, não traz commigo consequencia alguma. Havendo bons Regulamentos, para sua direcção, ella conservará o seu vigôr necessario, visto não me poder lisonjear que ha de vir tempo, em que não precisemos della; nem todos os filhos familias serão tão obedientes a seus paes como seria conveniente, e então tem de levar para fóra da casa paterna vicios, que é necessario reprimirem-se pela auctoridade pública. Os Francezes fizeram uma classificação adequada das differentes transgressões, que posto não exista entre nós, talvez venhamos a adoptar, quando houver os Codigos.

A Policia Correccional tem ultimamente sido aproveitada, com meio proprio, para expedir, por meio de Processos summarios, certas transgressões menos graves, cuja demora trazia comsigo uma especie de impunidade, para quem commetta essas faltos, ao mesmo tempo que a demora dos Réos na cadêa, seria offensiva da humanidade, se continuasse. Outra cousa ainda espero eu, que juntemos ao nosso Codigo Criminal, pois que não vejo, nem nas nossas Leis nem nos Projectos até aqui offerecidos, aquillo que em Inglaterra se chama Goal Delivery, que se reduz á obrigação imposta ao Juiz, para não consentir que os Prezos estejam na cadêa mais de certo tempo, devendo antes de terminar esse limite, serem sentenceados, ou postos em liberdade. — Persuado-me até, que a Policia em Portugal constituíu um systema particular inventado pelo Marquez de Pombal, o qual elle instituiu para certos crimes. Era como uma espionagem armada e poderosa, sendo a sua applicação, para um tempo em que houve uma especie de fronderie, ou uma guerra civil modificada, sem Exercitos, ou plano, como tambem aconteceu em França, d'onde o Marquez copiou muita parte do seu systema administrativo. — Entretanto a Policia no progresso que fez ha meio seculo em Portugal, ostentou pelo medo com que obrára ultimamente; não tanto ella, como em nome della; foi quasi sempre encarregada a Magistrados que gosavam certa consideração e confidencia d'El-Rei. Elle tratava com o Soberano, tendo audiencia particular, Auctoridade a que as mesmas Secretarias d'Estado, como que abaixavam bandeiras. E quem sabe o que, nessas occasiões de segredo, o Intendente da Policia diria ao Soberano? Em todo o caso vimos nós um dos maiores Processos que tem havido em tempos modernos desta Monarchia, (o de Gomes Freire, e seus companheiros que foram enforcados) ser organisado na Policia, e remettido de lá para a Relação; pelo que pode seguramente affirmar-se que os Juizes tiveram menos a fazer naquelle celebre Processo, do que a Policia, e seus Delegados! — Depois destes exemplos não sei como, nem admitto que similhante monstruosidade possa entre nós mais existir; salvando-se da proscripção, simplesmente a Policia Correccional, mas nunca de modo que as suas attribuições sejam igualadas ás dos Juizes de Direito; e torno a dizer, que é impossivel equiparar o Depositario de um dos Poderes politicos a um Magistrado de Policia: esta foi a razão porque se eliminaram do artigo as palavras relativas a esta Magistratura, sendo a doctrina principal conservada pela mesma maneira, que está na Proposição da Camara dos Snrs. Deputados.

Muitas vezes factos particulares são a causa de se formarem Leis; todavia se a Lei em seus principios é boa, nem se póde dizer que o facto a fez nascer, por que nenhum Legislador pode ter presentes todas as necessidades publicas; são ellas muitas vezes exigidas por terramotos, e outras calamidades; e ninguem desejará que para haver esta ou aquella Lei, se ás desgraças alguma Lei boa se deve, ella seja por este motivo rejeitada. Por isso, não podendo influir a circumstancia do motivo desta Lei, parece-me que a Substituição redigida pelo Digno Par, de quem tive a honra de seguir a opinião, merece ser attendida pela Camara; e quem tiver a paciencia de examinala miudamente, ha de achar-lhe o maior escrupulo até na escolhi das palavras com que está concebida, que é ainda outra circumstancia, para ser approvada.

O ficar a pronuncia completa só depois da intervenção do Jurado, é uma providencia, que o Sabio Author da Carta quiz estabelecer, não só como principio constitucional, mas até como creador de uma Lei Criminal. E daqui não poderemos argumentar, que a força da pronuncia, conforme a Carta, se devia intender como até ao presente? Certamente que, intervindo no Civel, e no Crime os Jurados, como manda a Carta, as Leis Regulamentares, ou os Codigos, quando se fizerem, ha de ser nos termos da mesma Carta, e sempre com a intervenção dos Jurados, tanto n'umas como n'outras causas. Por consequencia, um ponto tão importante, fazelo só dependente do Juiz de Direito, era dar-lhe uma authoridade extraordinaria; quando aliàs se vê que o fim da Carta, no estabelecimento do Jury, é dividir essa mesma auctoridade entre o Juizo de Direito, e o Juizo de Facto. E esta é tambem a razão porque me parece, que o Digno Par, redigiu o Artigo 1.º usando da palavra declaração; fazendo assim dependente dado Jurado o complemento da pronuncia, a qual vem ser virtualmente uma confirmação; mas entretanto em toda a censura de direito, não pode julgar-se esse acto senão como addicional. É principio estabelecido por dois sabios Membros da Commissão, que a pronuncia estava completa pela declaração do Juiz de Direito, e não pela do Juiz de Facto; ainda que esta opinião por mim não foi abraçada, espero ella offerecerá mais uma occasião para brilhar meu sabio Collega o Sr. Gerardo de Sampaio, e que appresentará o seu saberem Direito Criminal, que eu muitas vezes tive a satisfação de ouvir-lhe, e

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aprender tanto na Relação do Porto, é muitas vezes no Supremo Tribunal de Justiça.

Parece-me por tanto, Sr. Presidente, que á substituição de que V. Exc.ª, na qualidade de Membro da Secção de Legislação, foi auctor, se deve adoptar com preferencia á Proposição da Camara dos Senhores Deputados, porque a acho mais conforme ao Direito que se ha de estabelecer em conformidade da Carta; nem podemos deixar de seguir esta opinião, porque a Carta tem expressamente decretado, que as decisões dos nossos Tribunaes, sejam tomadas, não só pelos Juizes de Direito, mas igualmente pelos de Facto. Ora se isto é uma exigencia da Carta, como poderemos nós dispensar o primeiro passo estabelecido, para a liberdade civil, e para a segurança individual do Cidadão? Ha ainda outro motivo: no antigo systema de julgar existia o que se chamava = Aggravo de injusta Pronuncia = e outros recursos nos casos em que tinha logar a prisão, e não estava ao alcance de um só Juiz continuar com o processo, mas sim ao arbitrio da Relação; mas este recurso acabou, e não póde (por mais este motivo) deixar de haver a declaração do Jurado, com o meio unico de recurso, que dispensa o Cidadão, pronunciado pelo Juiz de Direito, de achar sómente defeza no processo de accusação. Por consequencia, persuado-me, que tanto o art. 1.º como o 2.º estando alterados, como acabo de dizer, são preferiveis aos originaes: o 3.º affastou-se do correspondente n'um ponto, que se não é essencial na doctrina, o é sem duvida, na frase; e nelle se presta homenagem ao principio eleitoral, emquanto este Direito não fôr mais bem explicito por Lei particular. E a este respeito direi, que para mim é indifferente que ao lançar aquelle artigo se tivesse tido em vista um processo, que entre nós fez muito estampido, uma vez que me parece estar concebido nos termos, que deve ter; porque factos notaveis fazem ás vezes mudar a figura das Leis, chamando pela reforma, ou declaração dellas, e em todo o caso não se deve reparar em que os direitos politicos do Cidadão, fiquem suspensos alguns momentos, separando esta hypothese daquella em que elles ficam de todo suspensos, e talvez perdidos para sempre. A esta differença póde dar logar a custodia, em seguimento da declaração do Juiz de Direito, ou a prisão, quando tem logar a declaração do Jury, confirmando a do Juiz de Direito. Assim, creio que o art. 3.º está lançado com clareza, tanto na sua applicação ao foro criminal, como ao direito eleitoral.

O Sr. Gerardo de Sampayo: — Parece uma ousadia reprehensivel levantar eu a voz no sentido opposto áquelle, em que acabou de orar tão distinctamente o meu Illustre amigo, e sabio collega, o Sr. Moraes Sarmento; mas não o é, e sim um effeito de minha intima convicção, e rigoroso dever, de que me não é possivel desligar; no entanto devo contar sempre com a benevolencia desta Assembléa. — Sr. Presidente, a Proposição de Lei, que tracta da fórma da pronuncia, e que na sua generalidade se está discutindo, não deve passar nesta Camara, segundo a minha humilde opinião e parecer, que bem a meu pezar, mas conforme a minha consciencia, e alguns principios de Direito, que possuo, dei contra a maioria da Secção de Justiça e Legislação, a que tenho a honra de pertencer; e isto pelas razões, que agora mais exactamente esclarecerei.

Principiarei por examinar se a referida Proposição de Lei está organisada segundo a Carta Constitucional da Monarquia Portugueza; porém antes de assim obrar, convém estabelecer a seguinte base, a saber: = Se a Carta Constitucional em algum de seus artigos, ou paragraphos, se conformar com a Legislação antiga, não podemos sobre este ponto alterar a moderna, e devemos, em tal caso, ligar-nos inteira e religiosamente até ao rigor das suas proprias palavras; porque se o contrario fizermos, seguir-se-ha o paradoxo, de que não faremos Leis, e Codigos para executar a Carta, mas sim Carta para fazer as Leis, e Codigos; isto supposto; vejamos o que diz a este respeito o §. 7.º do artigo 145 daquella: = Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei etc. =: mas o Juiz de Direito, na fórma em que a Proposição de Lei se acha concebida, manda prender sem esta indispensavel formalidade; pois que não pronunciando, não satisfaz a ella, por ser este acto o unico modo, porque em Direito se fórma culpa; segue-se que a Proposição de Lei e contraria á Carta; mas, poderá dizer-se, que o Juiz de Direito não manda prender, mas sim pôr em custodia; respondo, custodia e prisão, é, em quanto ao seu effeito real, uma e a mesma cousa; e a unica differença consiste simplesmente nas palavras, porque prisão é a detenção da liberdade do Cidadão, que irroga sobre elle tal ou qual infamia, até que se declare innocente; e custodia é o mesmo sem diversidade alguma.

Olhada a cousa por outro lado, o Juiz de Direito, na conformidade da Proposição de Lei, pelo seu despacho considera suspeito de haver commettido certo delicto este, ou aquelle individuo, e o manda pôr em custodia, que, como já fiz vêr, importa o mesmo que prisão; e sendo isto uma verdadeira pronuncia, attento que ella se difine a Sentença do Juiz, que declara o réo suspeito do delicto, que faz objecto da devassa, ou da querella contra elle dada, e o manda prender; é uma inconsideração, e até incoherencia, dar ao Juiz de Direito tal poder, e affirmar, que elle, preenchendo os fins essenciaes da pronuncia, não pronuncia no seu despacho, ou antes sentença; e sim o Jury, que lhe deve succeder; e em taes circumstancias poderei perguntar, se o Juiz de Direito não é quem fórma inteiramente a pronuncia, então que faz elle, e que fazem os Jurados? Toda e qualquer resposta, que se me der, ha de conter um evasivo, e não ha de satisfazer de maneira alguma á minha pergunta.

Attendamos da mesma fórma ao artigo 27 da Carta, que diz assim: = Se algum Par, ou Deputado fôr pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva Camara etc. = De que Juiz se falla aqui? Do de Direito sem dúvida. De que ulterior procedimento se tracta neste logar? Do da prisão com toda a evidencia. E que é tudo isto senão uma pronuncia com todos os seus effeitos, a qual no principio do citado artigo se dá por feita, e completa? Logo, determinando nesta parte a Carta, que a pronuncia seja do Juiz de Direito, está contra ella a Proposição de Lei, porque lhe nega esta prerogativa, e a concede aos Jurados.

Por ultimo reparemos se está accorde com o artigo 126 da sobredita, aonde se vê determinado que = Nas causas crimes a inquirição de testimunhas, e todos

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os mais actos do processo depois da pronuncia serão publicos desde já; = não quer dizer este artigo, que a pronuncia o virá a ser, mas sim que será sempre em segredo, e que para o Cidadão usofruir desde logo algumas garantias, serão manifestos todos os actos depois desta, e da publicação da Carta; por tanto mandando ella, que a pronuncia seja em segredo, e a Proposição de Lei, que seja pública, por ser feita pelo Jury, segue-se que esta se acha em perfeita contradicção com aquella.

Encaremos igualmente o negocio por outra face, a pronuncia, segundo os principios geraes de Direito, é por sua natureza um acto occulto, além de varias razões, porque, podendo haver mais co-réos em liberdade, e cumprindo á sociedade, que os crimes sejam punidos para vendicta da mesma, e exemplo dos outros Cidadãos, se subtrahiram ás penas da Lei, constando-lhe pela publicidade do acto do Jury, que o seu socio estava em ferros, e que o crime, em que tinham tomado parte, estava descuberto. — Desconhecer estas verdades, é não querer abraçar a verdade.

De mais, não sendo distinctos os actos a saber = pronuncia do Juiz de Direito da sua rectificação pelo Jury, produzindo aquella os effeitos de que fallei, e esta os da acusação do réo, ou da sua liberdade; considerando-o no primeiro caso culpado, e no segundo innocente; fica invertida á natureza daquelles, porque a pronuncia do réo prezo foi, pelo Direito antigo, e é hoje pelo moderno, de que estamos tractando, uma Sentença interluctoria, e a não rectificação do Jury uma definitiva; porque a marcha da primeira por Direito antigo,: consistia em que se o réo não aggravava, o Processo seguia o seu curso, e se aggravava, o Juiz, ou reparava o aggravo, ou não; no primeiro caso não mandava soltar o réo, mas sim appellava da sua Sentença; e no segundo era o Tribunal Superior quem directamente decidia se tinha feito bem ou mal; em ambos os recursos a Sentença do Juiz appellante, ou recorrido, não era quem punha termo á questão, e sim a da Instancia superior; e por isso ella tinha o caracter definitivo, quando mandava por em liberdade, e aquella sempre o interluctorio. Pelo Direito presente, em que os Jurados figuram, é o mesmo, porque o Juiz de Direito, tendo pronunciado, e preso este ou aquelle individuo, não o póde soltar sem a não rectificação daquelles; donde hoje igualmente a pronuncia do Juiz de Direito, ou despacho, como lhe quizerem chamar, estando o Réo preso, é uma Sentença interluctoria; e a do Jury, quando não rectifica aquella, é definitiva, porque põem termo á Causa, e a perime; logo são procedimentos em tudo differentes, e como taes devem ter considerados.

De mais bem contemplado o que se passa com o Jury depois da pronuncia, claramente se vê o quanto esta é distincta daquelle acto, por isso que perante o Jury, em taes circumstancias, já se tracta do primeiro meio de deffeza, pois que o réo, comparecendo, appresenta folha corrida, reperguntam-se as testemunhas, é elle de novo perguntado, acareado, e confrontado com ellas, e ellas umas com as outras; faz-se a exposição da historia do facto criminoso, que appresenta o Processo preparatorio, finalmente admitte-se tudo, que póde instruir o Jurado naquella occasião, e que tende ao conhecimento da verdade até áquelle ponto, sobre o qual elle, decidindo pelos seus principios conscienciosos, ou considera o réo criminoso, e dá logar a accusação, ou innocente, e o manda pôr em liberdade; e na pronuncia simplesmente se cura da culpabilidade, que pode ser indiciaria, ou provavel; mas a prova sempre é regulada pelos principios de Direito, e de nada mais se tracta. O Jury decide só do facto, como fica demonstrado, e não da legalidade da pronuncia, porque se o contrario fizesse, se intrometteria em negocios de Lei, o que é incompativel com a sua natureza, e pelo Artigo 119 da Carta; e podendo dar-se a mesma razão para que o Jury de Sentença se intrometta com a legalidade da rectificação, seguir-se-ha o absurdo de que só depois da Sentença final o réo poderá ser considerado bem ou mal pronunciado; igualmente, senão fizermos distinctos estes actos, e não reconhecermos em cada um delles diversos effeitos até mesmo politicos, não respeitaremos a preferencia das garantias da Sociedade em relação ás do Cidadão; porque no prompto acto da pronuncia do Juiz de Direito, por meio do qual se leva á prisão um réo suspeito de ser Membro damnoso áquella, se lhe dá a garantia de se pôr em guarda contra um individuo, que lhe póde impecer o seu bem-estar; e no da rectificação se dá ao réo, na presença já dos meios de deffeza, uma outra contra a arbitrariedade do Juiz de Direito; finalmente Senhores, no Processo assim instruido eu deviso recopiladas as tres Instancias, que depois de final Sentença se poderão seguir, e por esta forma grandes beneficios para a liberdade do Cidadão. — Na pronuncia eu vejo, para que assim me explique, a Sentença da primeira Instancia, no procedimento do Jury de accusação o resultado do recurso de appellação, e na Sentença final, a consequencia do meio de revista.

Parece-me ter mostrado quanto cabe nas minhas forças, que a Proposição de Lei, que se acha em discussão, porque é contraria á Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, á essencia da pronuncia e á natureza do Jury, não deve passar nesta Camara.

O Sr. Sarmento: — Eu tenho muito pouco que accrescentar ao que já disse, mas peço aos Dignos Pares observem bem as circumstancias deste Projecto de Lei. — O meu Collega, que acaba de fallar, discutiu a questão primorosissimamente; porém, seja-me licito dizer-lhe, que toda a força de seus argumentos, foi conforme ao Direito constituido. Eu já fiz um reparo, e foi, que o Legislador dando a Carta, havia neste logar, de que tractâmos agora igualmente, estabelecido uma disposição segundo o Direito constituido, quando a Carta foi publicada, e é a ella que se póde referir o acto da pronúncia, e outros successivos do Processo Criminal; e portanto podemos formar o seguinte argumento: se excluimos os Jurados de ter voto na pronúncia do réo, então em que fica o Direito Criminal, segundo a Carta; quando o espirito da Jurisprudencia estabelecida na mesma Carta, é que os Jurados intervenham, e delles, dependam as decisões, tanto nas causas crimes, como civeis. Será licito ou conveniente fazer uma excepção na decisão da pronúncia? O Dador da Carta quiz, que tudo o que dissesse respeito a garantias se pozesse em practica, mesmo segundo o estado em que se achava a Jurisprudencia Criminal, mas de modo al-

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gum permittir que a decisão da pronúncia ficasse unicamente dependente da declaração do Juiz de Direito, porque cahiria em um absurdo. Os recursos de injusta pronúncia iam acabar, e de facto já não existem pela Lei da reformação do Processo Criminal; é por tanto necessario outra garantia aos indiciados de crimes, e que esta fosse mais prompta: mas então dir-se-ha, recorre-se do despacho de pronúncia, parte para o Juiz de Direito, e parte para o Juiz de Facto; isto vem a ser um ponto de abstracção mais digno das hypotheses da Schola philosophica de Alexandria, do que da habilidade practica dos Tribunaes: entretanto este ponto é de uma importancia immensa, porque delle depende o stigma que acompanha um réo. E poderemos nós prudentemente fazer essa segurança dependente de um só Juiz, quando aliàs temos na Carta ao mesmo tempo a garantia do Jury? Certamente que não, e com muito mais razão se advertirmos no que acontece nos Paizes onde se tem adoptado a fórma de processar pelos Jurados.

Nós não estamos agora tractando da questão do Coronel Pisarro; isso acabou: não tractamos de fazer Lei para um facto; e ainda que estou persuadido que o d'aquelle individuo foi quem motivou esta Lei, lembro-me todavia que muitas são feitas por acontecimentos imprevistos: entretanto essas Leis só hão de olhar ao futuro; porque, mesmo segundo o espirito, e a letra da Carta, não podem ellas ter effeito retroactivo. — Por consequencia parece-me que adoptando-se o principio geral da Proposição, ainda que tenha o effeito de entrar já na parte mais importante dos Codigos, não ha nisso embaraço. Todavia, a questão mais intrincada seria, se a nossa decisão estivesse em opposição directa com a Carta; mas eu digo que não está, assim como affirmo que nunca é tão necessario o Processo por Jurados como na pronúncia, por quanto (torno a dizelo) é d'ahi que procede o stigma, o qual cahindo sobre a cabeça do Cidadão, ataca a sua fama; e depois, ainda quando seja declarado innocente, nada póde resarcir os males provenientes d'aquella primeira impressão na opinião geral; nós o temos desgraçadamente visto mais de uma vez. É esta a consideração, além de ser a admissão do Jury um artigo da Carta, para não commetter a um só homem, ao Juiz de Direito sómente, um dos pontos mais transcendentes do gozo da liberdade civil. Eu tambem sou Juiz de Direito, e peço, pela minha propria tranquillidade, pelo socego da minha consciencia, que os Jurados exercitem o seu voto nestas occasiões: e reconheço que não bastam boas intenções para os homens bem obrar, é tambem preciso que haja boas Leis, que affiancem o pleno gozo das garantias civis, Leis providentes, tanto para affiançarem os direitos do Cidadão, como a tranquillidade das consciencias dos Juizes, e a segurança da sua reputação entre os seus Concidadãos.

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, tem-se dito que este Projecto é contra a Carta; e eu digo que não póde ser ella contra, porque incerra um principio de Liberdade, e a Carta não póde conter principios contra a Liberdade; e considerar o contrario seria uma injustiça feita a quem no-la outorgou, e a nós tambem pela termos acceitado. (Sensação.) Como póde ser principio de Liberdade que um Cidadão seja privado de representar a Nação na Camara Electiva, só porque o declarou suspeito um Magistrado que se póde enganar, estando de boa fé, ou que proceda de má fé para servir um partido, ou por estar peitado por um Ministerio. Poderá isto ser um principio de Liberdade? Eu digo que não, e que se tal está na Carta, eu a não quero; mas affirmo que lá não está; porque deste modo ficaria em pé superior á vontade de trinta mil habitantes (que votam n'um Deputado) a vontade de um só homem, que é o Juiz de Direito, ou um Ministro. — Este só principio é bastante para dever fazer approvar a Proposição; e não cançarei mais a Camara, referindo-me ás razões, e argumentos do Sr. Sarmento, a que na minha opinião, se não póde responder.

O Sr. Gyrão: — É uma ousadia fallar neste ponto de Direito, depois de o ter feito o Sr. Gerardo de Sampaio, que levou a questão á evidencia; ficando para mim uma parte espinhosa que é olhar a materia pelo lado politico; com tudo quando o interesse da Patria reclama que eu diga alguma cousa, não ficarei em silencio.

Diz-se que antes da pronuncia ser rectificada pelos Jurados, não deve haver prisão, mas unicamente detenção: todavia quem não vê que isto é um jogo de palavras? A detenção e a prisão vem a ser uma, e a mesma cousa; e se disso resulta algum mal, tanto será estando o réo em custodia como em prisão; e então o que os Dignos Pares não querem é que a nota de prisão seja mandada pôr pelo Juiz de Direito. — Mas vejamos se a este, por ignorancia ou maldade, será facil fazer uma pronuncia, só porque assim o queira: eu digo que é impossivel, e para prova do que digo, trarei alguns exemplos do tempo de D. Miguel. Houve então algumas testemunhas que juraram em cincoenta processos, e por mais diligencias que fizeram os Ministros do usurpador, nunca poderam pronunciar Pedro de Mello Breyner; quizeram tambem prender em Azeitão a José Antonio da Fonceca, e nunca conseguiram culpalo; ainda apresentarei outro exemplo, e sou eu mesmo: quando se deu uma denuncia de mim foi entregar-se nas mãos de D. Miguel, passou depois á Intendencia, e de lá ao Bairro do Mocambo cujo Juiz tirou uma devassa a meu respeito, de que nada resultou; teve ordem para tirar segunda e terceira, em que empregou seis mezes a devassar, e com tudo isto nunca fiquei pronunciado. — Logo digo eu, que não depende da vontade de um Juiz pronunciar qualquer individuo, e assim quando se parte de principios falsos as consequencias não podem ser exactas. Demais o Juiz de Direito não tem interesse nenhum nestes procedimentos; mas dado que o tivesse, não teria facilidade de achar as testemunhas necessarias: por conseguinte todo este medo de que os Magistrados façam pronuncias injustas ou prendam um homem despoticamente, é infundado; e eu não fallarei mais a este respeito, para não ser obrigado a tocar em algumas cousas, é a declarar outras.

Olhemos agora a questão pelo lado politico, attentando bem ás nossas actuaes circumstancias: eis-aqui aonde eu encontro os abrolhos. Eu quero que o Jury intervenha só naquillo que é conveniente, porque desejo uma liberdade rasoavel, e não concorrer para o estabelecimento de liberdade anarchica, que

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nunca póde existir: tendo pois a fallar desta instituição, devo declarar que me não refiro ao Jury do anno de 1826: — Custa muito estabelecer os Jurados em qualquer Nação, e não é pouco difficultoso que elles se cinjão simplesmente aos seus deveres: em França aconteceu que quando alguem do partido Catholico era levado ao Jurado, e este era de outra crença, ficava o accusado sempre pronunciado, e vice-versa: o mesmo motivo foi causa de que em Inglaterra acontecessem as cousas mais injustas que se podem imaginar; havendo muitas sentenças dadas sobre casos identicos, e diametralmente oppostos em seu julgado: a este respeito veja-se a Obra que se intitula — Os Inglezes vistos em Londres, e nas Provincias: em politica, principalmente, tem esta Nação todos os defeitos que acompanham as outras: tem alli acontecido, muitas vezes, serem dous réos do mesmo crime, um absolvido, e o outro condemnado á morte! O Jurado quasi nunca se restringe ao seu limite, porque se lhes diz: = Vós não julgais senão pela vossa consciencia; a vossa sorte é mais independente que a dos Juizes de Direito, estes são responsaveis, e vós não. = Ora um Jury vendo-se assim irresponsavel, faz o que intende. Mas olhará elle para a sua consciencia, ou para o seu coração? Estou persuadido que olha mais para este do que para aquella, e conseguintemente não se restringe ao facto, como era do seu dever. Ora eis-aqui porque eu digo, que sendo o Jury uma boa instituição, resente-se com tudo dos deffeitos inherentes ás cousas humanas.

Digo pois que se o artigo 1.º passar, pode elle ser principio de grandes desordens: póde um homem, que conta com uma facção, chegar a fazer o que quizer; com tanto que se mascare com a liberdade, e que se finja um zeloso constitucional, chamando miguelistas aos que não forem do seu partido; póde, digo, tyrannisar as eleições, fazer expulsar dellas quem se lhe opponha; tudo isto porque ainda que o prendam conta com a impunidade no Jury; porque em fim as opiniões do dia influem nelle; depois é nomeado para a Representação Nacional, e deita a perder tudo quanto ha. Com a nova Legislação não podémos nós evitar todos os crimes, em quanto não tivermos costumes. Além destas rasõens, lembremo-nos tambem que o Juiz de Direito é responsavel, e que se offender a liberdade de qualquer Cidadão, tem este o direito de proceder contra elle. — Admittindo pois que póde verificar-se esta hypothese, e sendo alias conforme a Carta (como está provado) que a pronuncia pertence ao Juiz de Direito, não póde admittir-se a doctrina do Projecto, como evidentemente o provou o Sr. Gerardo de Sampaio.

Antes porém de a regeitar (porque eu assim tenciono votar) direi, que visto constar-me que na Camara dos Srs. Deputados existe um Projecto de Lei, onde se definem as attribuições dos Juizes de Direito, nelle se hade tractar das pronuncias; então parecia-me melhor não fazer Leis aos retalhos, e quando se discutir o Projecto, de que fallei, então se terá em vista a materia deste; e por tanto pediria o addiamento, até que a outra Lei viesse a esta Camara, para em presença della, e dos inconvenientes apontados, te tomar uma resolução adequada.

O Sr. Vice-Presidente: — Não posso deixar de dizer á Camara, que me parece não está em seu poder addiar este Projecto, porque passou na Camara dos Senhores Deputados, não póde aqui ser senão approvado, regeitado, ou alterado. Por tanto não posso propôr o addiamento.

O Sr. Conde de Linhares: — Mas podemos addialo para outro dia, e creio que é isto o que se pede.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Quero fazer uma pequena observação. O artigo 119 da Carta diz: = Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei. Ora eu estou ouvindo uma discussão para reformar a Carta; e isto acho eu que é contra a Ordem.

O Sr. Marquez de Loulé: — Opponho-me ao additamento; mas não posso apoiar as idéas que V. Exc.ª acaba de expender: parece-me que o Projecto se poderia addiar temporariamente, julgando-se necessario decidir primeiro outro qualquer: e tanto isto assim é, que na Camara dos Senhores Deputados se acha em practica. Quantas Leis se tem daqui remettido, em que ainda lá se não fallou? Por tanto não convindo nos motivos dados por V. Exc.ª, opponho-me com tudo a que o Projecto se addie.

O Sr. Vice-Presidente: — O Digno Par que primeiro fallou em addiamento, quiz fazer o limite delle dependente da appresentação de outra Lei; e foi referindo-me a isso, que eu disse não era possivel; agora que a discussão do Projecto se possa addiar por algum tempo, não ha duvida nenhuma. — Tem a palavra o Sr. Bispo Conde.

O Sr. Bispo Conde: — Não pedi a palavra (Sr. Presidente) por intender que me fosse possivel exceder, nem ainda igualar a erudição, e eloquencia dos Dignos Pares que antes de mim tem fallado sobre o assumpto; mas sim, e tão sómente para dar em poucas palavras o meu voto, como Membro, que tenho a honra de ser da Secção de Legislação. Explicarei o meu pensamento nas menos palavras que me seja possivel, conformando-me ao meu genio, e cingindo-me á minha limitada capacidade.

Consiste a questão em examinar, se a declaração que o Juiz faz no seu despacho, de que tal, ou tal pessoa está indiciada de culpa, e deve ser posta em custodia, é, ou não pronuncia. — Que cousa é pronuncia? É uma declaração de alguma cousa, é uma exposição, ou manifestação que se faz em publico, ou ao Publico etc. Assim dizemos, que o Orador pronunciou o seu discurso, quando o fez patente ao Publico: que pronunciamos palavras, quando por sons manifestamos os nossos pensamentos etc. Neste sentido generico e amplissimo não ha duvida que o despacho de que tractamos é uma verdadeira pronuncia. — Mas venhâmos mais ao ponto: venhâmos á significação mas restricta do vocabulo; á significação que elle tem na Jurisprudencia Criminal Portugueza. Nesta chamavamos até agora pronuncia o despacho do Juiz que; primeiro, declarava o réo indiciado de crime; segundo, mandava-o pôr em prisão: terceiro, obrigava-o a livramento, isto é, a purgar-se dos indicios ou suspeitas que havia contra elle, a defender-se, e mostrar-se sem culpa. Estes tres effeitos da antiga pronuncia, que resultavam d'um só acto do Juiz, acham-se hoje divididos e separados. O Juiz declara o réo indiciado de crime, e o manda pôr em custodia. O Jury achando justo este despacho, manda-o por em prisão, e obriga-o a livramento. Logo a declaração

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do Juiz é verdadeira pronuncia, porque produz alguns dos seus effeitos; mas não é completa porque os não produz todos: (Apoiado!) o seu complemento depende da decisão do Jury. Esta decisão, junta á declaração ou despacho do Juiz, fazem a totalidade (digamolo assim) da pronuncia, que d'antes consistia n'um acto unico. Parece-me pois, que a questão versa mais nas palavras do que nas cousas; e que fazendo-se differença entre pronuncia completa, e incompleta, se removem todas as difficuldades, e cessa a discrepancia d'opiniões.

Mas diz-se, que isto é contra a Carta Constitucional, que no §. 7.º do artigo 145, prohibe prender alguem sem culpa formada. Torno a perguntar: que cousa é culpa formada? Não é certamente culpa provada; porque nem a declaração do Juiz, nem a confirmação do Jury são por si sós bastantes para condemnar o accusado. (Apoiado!) Culpa formada pois, parece que é a culpa que resulta do exame dos factos feitos segundo as fórmas estabelecidas pela Lei. Este exame é feito pelo Juiz, logo quando elle manda pôr o réo em custodia, já ha culpa formada, ou (se quizerem) meio formada. Com tudo deve aqui notar-se, que custodia não é o mesmo que prisão, como impropriamente se tem dito, e se o fosse, não diria a Lei, que pela decisão do Jury, deve o réo passar da custodia á prisão. É verdade que tanto pela custodia, como pela prisão, o homem é privado da sua absoluta e plena liberdade; mas por differente modo, e com mui differentes effeitos legaes, que é o que basta para estabelecer a differença entre os dois vocabulos.

O outro artigo que se citou da Carta, (artigo 126) parece provar que a pronuncia do Juiz é completa, porque manda, que os actos depois da pronuncia, sejam publicos, e a resolução do Jury, é com effeito pública. Mas deve notar-se, que a Carta neste logar se refere manifestamente á pronuncia que então havia, que era só a do Juiz, e reputando-a completa, como indubitavelmente era naquelle tempo, ordena que dahi em diante todo o processo seja publico. Depois porém de estabelecido o Jury de pronuncia, as cousas mudaram nesta parte, e com respeito á mudança se deve intender a Lei.

Não adiantarei mais o meu discurso, nem entrarei em mais miudas explicações, porque as tenho por desnecessarias, e porque penso que com ellas se tornaria talvez obscura uma questão, que em si mesma me parece simples, clara e de facil solução. Reduso o meu raciocinio a duas palavras. Considero a pronuncia da antiga pratica como constante d'alguns actos distinctos, os quaes pela intervenção do Jury, se dividiram entre elle, e o Juiz de Direito. É necessario o concurso de ambos para que a pronuncia seja completa, e produza todo o seu effeito. — Intendo por tanto, que o 1.º artigo da Proposta offerecida pela Secção, está bem concebido, e que os dois seguintes, não são mais que meras consequencias delle. Isto é o que eu queria dizer, não julgando necessario importunar a Camara por mais tempo. (Apoiado; apoiado.)

O Sr. Conde de Linhares: — Principiarei por pedir á Camara queira ouvir-me com alguma indulgencia, visto que vou fallar em uma materia que não é particularmente da minha profissão. — Creio que uma grande parte das difficuldades que aqui se tem encontrado resulta da maneira porque a Lei actual admitte o que se chama em Inglaterra Grande Jurado, e entre nós se chama Jurado de Pronuncia. — Em Inglaterra é um Jurado estabelecido para livrar o Cidadão do vexame inutil d'um Processo improcedente, isto é, de um em que se não acha materia sufficiente para progredir; é por este motivo que a Lei Ingleza admittiu, que se doze Cidadãos fossem unanimes em rejeitar as peças do Processo, este não poderia ter logar. Pelo contrario, a Lei Portugueza estabeleceu dous Processos, em logar de um; o que longe de ser uma garantia, é uma injustiça prejudicial causada ao Cidadão accusado, augmentando-lhe o vexame d'um Processo inutil. A Legislação dos Estados-Unidos, é identica com a Ingleza neste ponto. — Bem pelo contrario porém, a nossa chama o réo a defender-se perante o Grande Jurado; e assim realmente vem este a ser n'esta instancia subjeito a um verdadeiro, e inteiro Processo preparatorio; o que de certo não acontece em Inglaterra aonde o Grande Jurado decide independente da defeza do réo, e só sobre as peças do Processo preparatorio, se deve ter ou não logar o Processo.

É pois da existencia deste Jury de accusação, tal qual já foi admittido entre nós, que de facto resulta o fundamento deste Projecto, o qual exige que para se completar a pronúncia, seja necessario uma declaração do Jury, visto que admitte ao réo uma defeza: mas nem por isso, disponha o que dispozer o Projecto, a pronúncia fica sendo menos, como já aqui se tem dito, a sentença, ou a pronunciação de um crime, feita por um Juiz contra alguem a que a Carta Constitucional tambem chamou formação de culpa. — Agora passemos a outras considerações; todo o Cidadão tem direito a receber da Sociedade garantias, mas tambem elle as deve á Sociedade. — Eis-aqui a primeira garantia que a Carta concede ao Cidadão, Art. 145, § 9.º (leu). A segunda consiste em admittir o Jurado de accusação, o qual tem o direito de anniquilar o Processo, mas para o anniquilar, julga os Documentos em que se funda o Processo, e (como na Lei Ingleza) não requer a intervenção directa do réo, a quem dispensa assim do vexame d'um Processo preparatorio, que não julga nem util, nem necessario.

Sou aqui obrigado a convir que a nossa Constituição não estabeleceu claramente o Grande Jurado senão era quanto é relativo a Pares, e Deputados: pelo que diz respeito aos mais não se explicou particularmente, e só ordenou que houvessem Jurados era geral, e deixou a uma Lei Regulamentar o estabelecer o como elles deviam ser organisados: no artigo 27 que o estabeleceu para os Pares, e Deputados, e que póde servir de norma n'este caso, diz assim (leu): aqui temos pois dois principios estabelecidos ordenando que a respectiva Camara seja o Grande Jurado, e admittindo a authoridade do Juiz para pronunciar. Ora, poderemos por analogia concluir, que dados os actos preparatorios do Processo, a saber, pronúncia, ou a formação da culpa, que nos casos de todos, menos de Pares, ou Deputados, poderia até trazer comsigo a prisão immediata do réo debaixo da responsabilidade do Juiz; nada resta já senão a decisão do Grande Jurado, para prescrever se deve progredir ou não a causa crime. Então sim, fica o Cidadão garantido do vexame, que não ha-

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vendo culpa presumivel, lhe pode resultar d'um Processo publico; e é debaixo desta consideração, que o Grande Jurado é verdadeiramente util; tudo que não fôr isto é contrario e prejudicial aos interesses do réo, e não conforme com o artigo 27 da Carta, que nos póde, e deve servir de regra, como fica exposto.

Tambem ouvi fazer algumas observações sobre outro ponto que desejo esclarecer. — É inquestionavel, que o que a Carta Constitucional ordena é para nós uma regra inalteravel, n'ella vejo pois estabelecida uma distincção formal entre direitos de Cidadão, e entre direitos de Eleitor; os primeiros podem perder-se, conforme a Carta; e os segundos não se adquirem, visto que nem todos os que gozão dos direitos de Cidadão Portuguez, tem direito de ser Eleitores; este direito está restricto a condições pelo artigo 67, que diz assim (leu); logo, póde um individuo ser Cidadão Portuguez, gozar dos direitos como tal, e ao mesmo tempo achar-se privado do direito de Eleitor, não sendo este um direito geral para todos os Cidadãos Portuguezes. — D'onde infiro que não resulta inconsequencia alguma de se achar um Cidadão suspeito de crime, inhibido do direito de Eleitor, e elegivel, em tanto que se acha criminoso pronunciado em querella ou devassa, como intendo ordena o artigo 67.

(Entrou o Sr. Ministro da Justiça.)

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, eu queria desfazer alguns erros em que labora o Digno Par. Elle disse que a primeira e segunda Pronuncia em Inglaterra é o mesmo, que deve ser aqui; mas eu creio que está equivocado: em Inglaterra, o Juiz declara que o Cidadão é suspeito, e depois o Jury rectifica a Pronuncia: o mesmo acontece, na America. Um Policia appresenta um homem ao Lord Mayor, e este, se vê que não está nas suas attribuições julgar o crime de que elle é accusado, manda-o perante o Jury, e diz = we will send him before the Jury = o Jury vê se tem ou não logar a pronúncia, e, se a não acha legal manda o homem embora. — O Magistrado de Policia quando se lhe appresenta um homem que elle vê não póde admittir a fiança, manda pôlo debaixo de prisão, isto é uso em Inglaterra, e que nós não vemos aqui. — Quanto ao que disse o Sr. Gyrão eu não o intendi; o que eu sei é que temos visto por ahi pronunciar gente que depois o Jury tem deitado fóra; ainda ha pouco vimos um e apezar disso perdeu o ser Deputado, ao qual o Jury depois de meia hora não achou culpa: tambem foi preso um homem por que imprimiu uma Carta que eu escrevi, depois o Jury absolveu-o quando elle já tinha sofrido muito. — Ora eu tenho gloria em dizer que é a primeira honra para a Camara dos Pares o ter feito com que passasse o originario artigo 20 da Lei da Liberdade de Imprensa, eu me lisongeio de estar aqui sentado só por esse primeiro facto, e agora será o segundo se dicidir que a pronuncia não tenha effeito sem a rectificação do Jury. — Os crimes são offensas á Sociedade, e só a Sociedade tem direito de os punir por Juizes tirados da massa geral dos Cidadãos, que dirão se o indiciado é ou não criminoso; e isto para evitar que se não imponha uma pena a quem não he culpado: isto não involve se não principios de liberdade, e parece uma anomalia querer liberdade, e ao mesmo tempo que qualquer individuo tenha um castigo sem ser criminoso. — Demais a Carta deixou estas cousas para as Leis Regulamentares, e não disse façam-se Leis desta, ou daquella maneira: disse «haverá liberdade de Imprensa — Ninguem poderá ser preso sem culpa formada» Haverá uma Camara Electiva, e uma Camara Hereditaria, etc. Por consequencia vê-se que a Carta não podia estabelecer se não principios de liberdade que seriam conforme a ella regulados por Leis; por tanto voto pela Proposição do Sr. Trigoso, por isso que me parece estar escripta com mais clareza, e difere muito pouco da do Sr. Barradas; posto que não tenho duvida votar por uma ou por outra.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu fui increpado de não intender bem as Leis Inglezas; com tudo repetirei que o Grande Jurado raras vezes chama o indiciado á sua presença, o que se considera alli ser mesmo no interesse do Cidadão accusado. — Em quanto ás outras observações que fez o Digno Par, direi que a Carta Constitucional é muito expressa; e como já notei no artigo 27 diz, que o Juiz poderá pronunciar, e não sei quem lhe póde tolher essa liberdade.

O Sr. Barradas: — Esta Proposta incerra dois grandes interesses, a segurança pública, e a segurança individual. A primeira fica salva com a custodia do individuo; ou individuos indiciados do crime, e nisto concordam todos os pareceres, dando-se assim execução ao primeiro effeito do despacho de pronuncia que faz o Juiz a vista das provas no processo preparatorio, dependendo os mais effeitos da pronuncia do concurso do Jury, que, ou se conforma com o juizo, e parecer do Juiz, ou não: se se conforma, fica a pronuncia completa, o indiciado passa da custodia á prisão, e segue-se o processo accusatorio. Se se não conforma é o indiciado posto em liberdade, e desta fórma salva a segurança individual, unico modo porque se podem combinar o interesse publico e a salvação do Estado, com o interesse particular; porque em todo o caso, na collisão em que se podem encontrar, o segundo deve ceder, e fazer um sacrificio ao primeiro, que é o bem geral, porque nesse sacrificio momentaneo se inclue tambem o seu bem, e segurança particular, que de outra sorte poderia vir a perder-se sem remedio.

O Sr. Gerardo de Sampayo: — Sr. Presidente, levanto-me para fazer breves reflexões sobre certas idéas, que emittiram alguns Dignos Pares; disse o Sr. Conde da Taipa que a Carta Constitucional protegia a liberdade, e que se isto não fizesse, a não queria; não só concedo o principio estabelecido, mas até respeitando-o, a adopto, e adoptarei; todavia é necessario ajuntar-lhe a seguinte modificação = ella não protege a liberdade, que parece pretender o Digno Par, e sim aquella, que, por ser justa, regrada, e accommodada ás nossas circumstancias, se acha comprehendida nos seus artigos, da qual, se nos affastarmos, incorreremos em uma reprehensivel licença, quando não absoluta, ao menos relativo; ao que tractando eu de me subtrahir, estabeleço o Juizo dos Jurados, mas de uma fórma a mais liberal, e que mais ligada possa ser com os preceitos da refferida Carta, e principios, que deixei estabelecidos na minha primeira falla.

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Disse o meu particular amigo o Sr. Moraes Sarmento, que as opiniões contrarias á sua se encaminhavam a privar inteiramente a Nação da regalia dos Jurados, beneficio, que o Dador da Carta literalmente lhe havia outhorgado, e que offerecia ao Cidadão a maior das garantias: depois de pedir ao meu Illustre amigo, cuja sabedoria, talento, e caracter, deveras respeito, as mais attenciosas desculpas, digo, que no que me diz respeito, a sua proposição não foi exacta; eu não pretendo privar a Nação do goso de tão grandes bens, mas quero que o Jury se estabeleça como a Carta o manda estabelecer, que se dê ao Juiz de Direito o que ella lhe concede, que senão confunda a natureza deste com a daquelle, que se prestem ao Cidadão garantias, mas que não nos esqueçâmos de as prestar á Sociedade; por ultimo que não franqueêmos, a titulo de liberalismo, mais uma porta á impunidade, de que temos tão recentes exemplos.

Disse o Sr. Bispo Conde, cuja sabedoria, e caracter é bem conhecido, que o Juiz de Direito no seu despacho, sim pronunciava, mas, para que assim se explicasse, só fazia meia pronuncia, ou antes uma pronuncia incompleta, porque não preenchia todos os fins da mesma; e que a outra metade, era feita pelo Jury, ficando assim só completa pelo concurso dos dois.

Tributo a este Senhor muita veneração, mas não posso deixar de confessar, que a sua asserção, e linguagem me causa alguma novidade, e que até mesmo a não intendo, resultado talvez devido á minha pouca comprehensão. Se o Juiz de Direito no seu chamado despacho considera, segundo a Proposição de Lei, o Cidadão suspeito de haver commettido algum crime, e manda contra elle passar ordem de prisão, ou custodia (que já disse, e torno a repetir, que, em quanto ao effeito real, temos uma, e a mesma cousa, e a mera differença só está nos vocabulos) e se estes são os verdadeiros, essenciaes, e unicos effeitos da pronuncia, como não pronuncia elle, e o acto que pratíca, é uma escaça metade da sobredita, necessitando da outra do Jury para constituir um inteiro? Senhores, desenganemo-nos, o Jury assim formado não pronuncia, elle rectifica só a pronuncia, e estabelece, na hypothese da culpabilidade, o principio da accusação; elle faz o mesmo, que o Tribunal Superior fazia pela antiga Legislação nos processos preparatorios de crimes graves.

Agora voltando á materia em geral, digo, que é para lastimar, que não attendâmos para o grande defeito, em que vamos incorrer, estabelecendo hoje uma doctrina contraria á outra, que já se acha sanccionada no celebre e decantado artigo 20 do Titulo 4.º da Lei repressiva da Liberdade de Imprensa, aonde se determinou que o Juiz de Direito fosse quem fizesse a pronuncia, e que se o Jury désse esta por de nenhum effeito, ficaria aquelle responsavel pelas perdas e damnos, e que só poderia ser posto o réo em custodia depois da decisão dos Jurados affirmativa de culpabilidade; antes de proseguir, para tirar a conclusão farei algumas reflexões sobre esta decisão, porque vem a proposito; reflexões, que faço, porque tenho auctoridade para as fazer, embora fosse o objecto, de que se tracta, vencido nas duas Camaras, e depois sanccionado; porque sendo do meu dever ter civilidade, e obedecer á Lei, não se me cassa comtudo a liberdade de poder ajuizar da perfeição ou imperfeição, da legalidade ou illegalidade do preceito, posto que já reduzido a fórma legal, com tanto que o faça, como vou a fazer, em termos habeis, e parlamentares.

Impôr tal responsabilidade é impôla ao arbitrio, que o Juiz tem, quando pronuncia, arbitrio unicamente regulado pelas disposições de Direito em geral; por outro lado é o mesmo que dizer = nenhum Juiz pronuncie em tal caso: =, intimação nascida do justo temor do resultado da decisão contraria, que o Jury possa tomar; finalmente é proclamar que escreva cada um, sem receio de punição, aquillo, que as suas paixões lhe dictarem.

Mandar pôr em custodia depois da rectificação da pronuncia, do Jury, se custodia não é prisão, como se tem querido provar, e se entre esta, e o pleno gozo dos direitos civeis não ha meio termo, é deixalo em liberdade; finalmente os effeitos da impunidade esclarecerão melhor as faltas, ou imperfeições, que deixei notadas; no entanto tomemos outra vez o fio do discurso: se pois na Lei repressiva da Liberdade de Imprensa, cujos crimes devem estar no catalogo de todos os outros, estabelecemos que o Juiz de Direito pronuncia, como queremos agora deliberar na discussão da presente Proposição de Lei, que o não faz, e sim o Jury, faltando, por esta fórma, aos principios de uniformidade, e reciproco jogo, que deve haver entre a Legislação?

Sr. Presidente, este é o recinto da verdade, é necessario fallala; esta Proposição de Lei, triste effeito do manejo das paixões, foi feita a pretexto de esclarecer o paragrapho 3.º do artigo 67 da Carta Constitucional da Monarchia Portugueza; porém ella o derroga, segundo os principios, que tenho exposto; e peço á Camara que reflexione bem sobre as consequencias que, além desta, se seguirão da sua approvação. A Proposição tende a habilitar um homem suspeito de crime (tal esta confessa, que fica o Cidadão pelo despacho do Juiz de Direito, quando o põem em custodia) na Representação Nacional, e será possivel que mesmo no estado de duvida, em que se acha a moral civil de qualquer individuo, nós o auctorizemos, para que possa ser chamado para o importantissimo emprego de Representante da Nação; será possivel que, conhecendo nós o risco, que um tal arbitrio corre = d'elle ser arrancado do numero dos eleitos pela decisão do Jury affirmativa de culpabilidade, ou de que este, vendo-o alli já collocado, se previna para não administrar Justiça, approvemos similhante doctrina?

Senhores, o caso é de toda a transcendencia, reflexionemos com madureza, e advirtamos que a Liberdade illimitada conduz sempre á escravidão.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu tenho muito sentimento de não ter assistido ao principio desta discussão, porque estive presente na outra Camara, onde tambem me chamava o Serviço Publico: mesmo não sei se como Ministro da Corôa poderei entrar no debate, visto que o Projecto não procede originariamente do Governo. (Vozes na Camara: — Póde, póde. Sua Exc.ª continuou): Como se me concede a honra de fallar, direi alguma cousa, advertindo comtudo, que neste negocio o farei não como Membro do Governo, mas emittindo puramente

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a minha opinião; e pouco cançarei a Camara, porque vejo que a materia se acha sufficientemente discutida.

Segundo o que tenho ouvido, intendo que entre o Projecto vindo da outra Camara, e as substituições feitas nesta, ha muito pouca differença! concordado todos no principio, e é, que o Juiz com o seu despacho obriga o indiciado de qualquer crime a ser posto em custodia; sendo por tanto a questão unicamente, se esta se deve reputar como prisão, para o effeito de ficarem suspensos os direitos politicos, e o suspeito inhibido de tomar assento na Camara Electiva, quando seja nomeado Deputado: é quanto a este ponto, que observo a dissidencia. — Ora, é indifferente que a esta privação de Liberdade, se dê o nome de custodia ou de prisão; os effeitos são privar daquella no individuo preso ou custodiado: por isso os argumentos que a este respeito se podem fazer, são inuteis, no meu intender, porque a denominação em nada altera o facto: e neste affinco não vejo fique mais garantida a Liberdade do Cidadão. Que a disposição deste Projecto não é conforme com os principios consagrados na Carta, já eu ouvi sustentar esta opinião ao meu honrado amigo, o Sr. Gerardo de Sampaio, e na verdade estou persuadido que nos termos da mesma Carta, a pronúncia produz todos os seus effeitos desde logo que o Juiz a lança por seu despacho, e declara o réo indiciado em crime.

A Carta diz, que os actos successivos á pronúncia serão públicos desde já; e diz mais no artigo 145, § 7.º, (se bem me lembro) que ninguem poderá ser prezo sem culpa formada, etc. Ora, o Projecto, as emendas, e a opinião geral a este respeito, combinam em que o Juiz de Direito póde pôr em custodia o Cidadão; logo está a culpa formada, porque aliàs o não poderia fazer conforme a Carta. E então quaes tão os effeitos daquelle procedimento? Entre outros a cessação dos Direitos Politicos; e por consequencia não podemos deixar de dizer; que o Juiz por sua declaração póde dar logar áquelles effeitos, sempre que exista a culpa formada, aliàs incorreria em grandissima responsabilidade, se mettesse na prisão, ou em custodia (que são a mesma cousa, visto que o seu effeito é sempre a privação da Liberdade), a qualquer Cidadão que não estivesse suspeito de crime. — Quanto á vantagem que resulta á Liberdade Civil deste ou daquelle methodo; perguntarei eu, qual é tambem o outro quesito que a Carta exige para poder fazer a pronúncia? Não diz que hajam de se observar novas formalidades na fórma de Leis posteriores, mas refere-se á pronúncia conhecida pela nossa antiga Legislação; e por ella sabem todos que o Juiz tinha a faculdade de declarar o réo indiciado em crime, e que depois deste passo não tinha elle outro recurso senão o do aggravo de injusta pronúncia, garantia unica que a mesma Legislação lhe concedia. Os principios que sobre este assumpto estão consignados na Carta, e que hão de ser desinvolvidos na conformidade da Lei, (conforme a expressão da mesma Carta) já em parte se acham na Lei de 16 de Maio de 1832, a qual combinando o systema da antiga Legislação com o da Carta, os refundiu na rectificação da pronúncia pelos Jurados; e eis-aqui substituido o aggravo de injusta pronúncia por uma das maiores garantias que podia dar ao Cidadão; e que de facto existe na Lei Regulamentar que a Carta manda fazer, e que já temos. Por tanto, ou seja porque não ha differença entre a circumstancia de custodia, e de prisão, ou seja porque de alguma maneira até iriamos offender esses principios já consignados na Lei; intendo que não deve approvar-se o Parecer da Commissão, e a opinião porque votaria seria a do Sr. Geraldo de Sampaio.

O Sr. Sarmento: — Eu pedi a palavra, por observar que, algumas objecções appresentado com bastante emphasi, podiam fazer peso na Camara. — Tenho ouvido a frase de gostar, e não gostar da Carta; eu digo que foi uma fortuna (tanto para os que gostam, como para os que não gostam) que não fossem ouvidos, quando ella se redigiu, e tambem, que foi muito a tempo o chegar ella sem ser esperada: todo o argumento a este respeito não póde servir para nada. (Rumor de approvação.) Lembrarei primeiro, e a respeito do que disse o Sr. Ministro da Justiça, que não posso conceder á Dictadura o poder de fazer Leis Regulamentares, só as Côrtes podem fazer estas Leis, as mais importantes depois da Carta, ainda que aliàs se preste uma homenagem ás que estão feitas, attendendo á pessoa, que as promulgou. - Passarei ao objecto em discussão.

Não ouvi novos argumentos, repetiram-se os que se haviam produzido no principio da discussão, e contra o Projecto. Abeunt studia in mores, e talvez seja esta a razão das minhas opiniões. Sempre me ensináram em Coimbra, e é um principio de Legislação, que em objectos penaes é sempre benigna toda a interpretação. Que a pronuncia do réo é das cousas mais importante, relativamente á liberdade civil, ninguem o duvidará. — Lord Somers, um dos Patriarchas da liberdade Ingleza, compoz uma Obra só para mostrar que o Grande Jurado era a pedra fundamental das liberdades dos Cidadãos. Ora um dos mais importantes empregos do Grande Jury é a declaração se um individuo accusado está ou não obrigado a livrar-se. E será conveniente que isto em Portugal sé continue a fazer como até agora, quer dizer, pela decisão de um só homem, quando no Paiz classico da liberdade é a decisão de um Grande Jury? E deveremos nós entregar-lhe tão extraordinaria auctoridade? O Juiz mais consciencioso dará graças a Deus, se as Côrtes determinarem já, que para as pronuncias concorram os votos dos Pares do réo; e que não fique isto encarregado sómente á sua consciencia; tanto para a responsabilidade moral da outra vida, como para a da opinião pública. Mas em presença das difficuldades, que, temos encontrado, havendo alguma obscuridade, onde iremos buscar uma interpretação para a nossa incerteza? Ao amor que devemos ter pela liberdade, a qual requer esta garantia, sem que não póde existir, o contrario seria um transtorno, seria cortar pela raiz a segurança individual, e a liberdade civil, a qual, mesmo segundo a Carta, é o maior direito do Cidadão. Já que tractamos deste ponto, devemos fazer uma cousa que seja util, e seja vigorosa, pondo de parto o receio de todas essas patranhas proprias para Periodicos escreverem, quando tem por mira um fim particular, e o serviço, ou a hostilidade a partidos, do que a discussão grave de principios

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verdadeiros de liberdade civil sem attenção a factos particulares, que nunca devem perturbar a marcha, e rectas intenções do Legislador. Cuidarão os Dignos Pares que estamos legislando o melhor, o mais perfeito em Jurisprudencia criminal? Certamente não; nem é possivel. Pois havemos nós immediatamente vencer difficuldades, que outros Povos, mais illustrados, ainda não poderam subjugar? Portanto, vamos agora pôr em pratica o que melhor parece, e se na Sessão seguinte apparecerem deffeitos, então se emendarão. Resumindo pois ainda, tudo o que se tem dito, não passa de questão de palavras. Todavia convirei em que o debate tem sido desta especie quanto aos artigos da Proposição, mas não quanto ás opiniõens; porque longe de mim imaginar que estamos fazendo uma Lei, em consequencia de um facto acontecido na Camara dos Srs. Deputados. Eu já disse que as necessidades publicas são as que pedem as Leis, porque fazelas como os Jurisconsultos Romanos, que para isso imaginavam hypotheses, só serve para mostrar o poder da imaginação dos homens. São factos acontecidos quem as incita, e muitas vezes ellas tem sido chamadas por calamidades publicas.

Tracto de pôr termo ao meu discurso (porque agora mesmo me occorre que estou contra o Regimento, fallando terceira vez) e até pela razão de que se os espiritos não estão já habilitados para a materia em questão, pela discussão, que tem havido, recearia, continuando ella, que fossemos cahir até em querer definir idéas simplices.

O Sr. Conde da Taipa: — Peço a palavra.

O Sr. Vice-Presidente: — Como não posso entrar na questão, visto que estou na Cadeira, por esse motivo dei a palavra terceira vez ao Sr. Sarmento, na qualidade de Membro da Commissão. — O Sr. Conde da Taipa pede a palavra, tendo-a tido já duas vezes, a Camara decidirá se devo ou não conceder-lha.

(Vozes: — Falle, falle.)

O Sr. Conde as Taipa: — Tem-se divagado muito sobre esta palavra pronuncia, tem-se feito della o assumpto de uma questão methafisica; os que tem fallado contra a Proposição dizem, que a pronuncia está completa pelo ter dito o Juiz, porque a Carta assim o determina, e levanta-se um aleive á Carta Constitucional, dizendo que ella quer coarctar a liberdade, em logar de estabelecer principios de liberdade: e querer que pelo simples dito de um Juiz possa um Cidadão qualquer ser privado de entrar na Camara dos Srs. Deputados, esta é que é a questão; a mim não me importa quem é o Juiz, sei que é um empregado do Governo, e não é o Juiz de Direito, porque este só applica a Lei; e esta pronuncia quem a faz é um Ministro de Policia, e por tanto um agente do Governo, o qual póde, pelo simples acto da pronuncia, fazer com que o Cidadão seja privado da honra e confiança que nelle tiveram trinta mil habitantes: ha pouco que isto se vio; um Deputado eleito pelo Douro, porque o Magistrado disse estava pronunciado, apezar do Jury declarar que não havia materia para a pronuncia, prevaleceu o dito do Juiz ao voto de trinta mil Cidadãos. Á vista disto, devemos tomar todas as medidas para que não torne a acontecer. Aqui está a Carta, diz ella (leu.) A pronuncia não é um facto? É. Então quem hade decidir deste facto? Hãode ser, necessariamente, os Jurados, porque a Carta assim o diz; e na Carta, eu o repito ainda não ha senão principios de liberdade, tudo o mais é querer confundir as cousas.

Por tanto, Sr. Presidente, eu voto, como já disse, pelo Parecer do Sr. Trigozo, porque elle é conforme á Carta, conforme á Justiça, e uma consequencia dos principios de liberdade.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu pedi a palavra para notar que não fallei em sentido de não approvar a existencia do grande Jurado, mas disse que não era certamente huma garantia em favor do Cidadão subjeitalo a dous processos em logar de um, e disse mais que o objecto deste Jurado era rectificando, ou não rectificando a pronuncia; decidir se sim, ou não devia ter logar o processo. — As garantias que são concedidas ao Cidadão são duas; uma para que não possa ser preso sem culpa formada, e a outra para que ainda antes de ser subjeito a um processo, e por conseguinte ao vexame que delle resulta, seja o seu caso submettido a um Jurado composto de Cidadãos seus iguaes, os quaes pronunciem sobre o fundamento que ha de se fazer ou não o processo. — Tal foi a doctrina que estabeleci, e em que desejo ser exactamente intendido. Finalmente accrescentei que a Lei de 16 de Maio de 1832 em vez de dar uma garantia real ao Cidadão mesmo no caso de não haver processo, o subjeitava sempre a um, o que era justamente o que se queria evitar com o grande Jurado.

O Sr. Gerardo de Sampaio: — Peço que a votação seja nominal. (Apoiado.)

Assim o resolveu a Camara, tendo antes decidido que a materia estava sufficientemente discutida.

Propôz o Sr. Vice-Presidente se se approvava em geral a doctrina da Proposição da Camara Electiva; e disseram approvo os Dignos Pares seguintes Os Srs. Duque de Palmella.

Trigoso.

Duque da Terceira.

Marquez de Fronteira.

de Valença.

de Loulé.

de Ponte de Lima.

de Ficalho.

de S. Paio.

Bispo Conde.

Conde da Cunha.

de Villa Real.

da Taipa.

de Paraty.

Visconde da Serra do Pillar.

de Sá da Bandeira.

Barão de Alcobaça.

Mello Breyner.

Barradas.

Braamcamp.

Machado.

Gamboa e Liz.

Sarmento.

E disseram rejeito os Dignos Pares seguintes

Os Srs. Conde de Linhares.

de Lumiares.

Souza e Holstein.

Margiochi.

Gyrão.

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Macedo.

Gerardo de Sampaio.

Ficando por tanto approvada a Proposição da Camara Electiva na sua generalidade, por 23 votos contra 7.

Suscitou-se uma breve discussão de Ordem sobre ser, ou não sufficiente o quesito que acabava de votar-se; e a final decidiu a Camara não haver logar a fazer-se segunda proposição.

O Sr. Vice-presidente deu para Ordem do Dia da Sessão de ámanhan, a discussão dos artigos do Projecto vencidos hoje na sua generalidade. — Sendo 4 horas e um quarto, disse: — Está levantada a Sessão.

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