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SESSÃO DE 12 DE MARÇO.

Pela uma hora e meia, occupou a cadeira o Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Secretario Barão d'Alcobaça, tendo concluido a chamada, declarou estarem presentes 31 Dignos Pares, faltando, além de Sua Alteza Real o Principe D. Augusto, e dos que ainda se não appresentaram, os Srs. Duque da Terceira, e Conde de Villa Real, por motivo de Serviço, Sotto-maior com licença da Camara, e Marquez de Santa Iria sem causa motivada.

O Sr. Vice-Presidente, disse que estava aberta a Sessão; e lida a Acta da precedente pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, ficou approvada sem reclamação.

O mesmo Sr. Secretario, deu conta de um Officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando a remessa de 40 exemplares do Diario da mesma Camara de pág. 103 a 118, e 50 das suas Actas de n.º 73 a n.º 75. — Mandaram-se destribuir.

Leu mais a seguinte

PROPOSIÇÃO.

Proponho, que a Commissão Especial do Ultramar appresente, quanto antes, um Projecto de Lei, para que todos os negocios dos Dominios Ultramarinos se reunam em uma das seis Secretarias d'Estado actualmente existentes. Palacio das Côrtes, 12 de Março de 1835. — Conde de Lumiares, Par do Reino.

Foi admittida, ficando para segunda leitura.

O Sr. Marquez de Loulé: — Como Membro da Commissão Special de Caudellarias, participo a Camara que ella se acha instalada desde o dia immediato á sua nomeação; e que nomeou para seu Presidente ao Sr. Marquez de S. Paio. Secretario ao Sr. Conde do Farrobo, e Relator ao Marquez de Loulé. — A Camara ficou inteirada.

O Sr. Sarmento: — Pedi a V. Exc.ª, que sendo possivel tivesse hoje segunda leitura a Proposição que tive a honra de apresentar á Camara em uma das precedentes Sessões, para dirigir a Sua Magestade uma Respeitosa Mensagem, afim de serem honrados com mercês os parentes chegados daquelles individuos, que pela sua extremada lealdade ao Throno legitimo, e ás Liberdades patrias deram as vidas nos cadafalsos, nos desterros, e nos carceres.

Accedendo-se ao Requerimento do Digno Par, teve segunda leitura a Proposição referida (Vide pág. 119.), appresentada em Sessão de 9 do corrente. — Foi unanimemente emente tomada em consideração, determinando a Camara se remettesse a uma Commissão Special, cuja nomeação encarregou ao Sr. Vice-Presidente.

Passando-se á Ordem do Dia (que é a discussão dos artigos dos Projectos sobre o modo de constituir as pronuncias nos Processos criminaes), pediu a palavra sobre a ordem e disse

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Pedi a palavra para fazer uma observação antes de entrarmos na Ordem do Dia. Na Segunda feira discutiu-se em geral a Proposição sobre pronuncias, que tinha vindo da Camara Electiva, e na Terça, indo a tractar-se por artigos, na conformidade do que manda o nosso Regimento, propôz nesta occasião o Sr. Conde de Linhares uma emenda nos mesmos artigos, foi admittida á discussão, e propondo depois o addiamento, afim de se não tomar uma determinação precipitada na materia, foi concedido. Ora eu ainda estou no mesmo estado de conhecimento da doctrina da Proposta, que estava hontem; e então discutindo se já, e sem duvida que se não preenche o fim do addiamento, porque, (ao menos eu; os outros Dignos Pares não sei) não tenho novas luzes sobre o objecto, para poder agora fallar nelle. Por tanto, proponho se tome uma

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deliberação sobre isto; é necessario que se nos dê uma copia das emendas que hão de entrar em discussão, porque não temos senão as da Proposição de V. Exc.ª e do Sr. Barradas; de contrario, declaro que vou entrar na questão com a mesma ignorancia em que estava quando foi addiada.

O Sr. Conde de Linhares: — Sómente observarei, que me não toca, tendo appresentado estas emendas, oppôr-me a que se conceda maior dilação de tempo. Na Sessão antecedente pedi á Camara licença para ler certas emendas que desejava propôr aos artigos deste Projecto, e juntamente o addiamento por vinte e quatro horas. Por tanto nenhuma objecção tenho a qualquer prolongação que se reclame.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — A Camara por uma deliberação precedente, alterou a ordem natural dos nossos trabalhos. Qual é a ordem de tractar qualquer Proposição? É decidir a materia em geral, e passar depois a discutir cada um dos seus artigos, e então os Dignos Pares que tem alguma emenda a fazer, mandam-na para a Mesa, discute-se, e a final ou ella ou o artigo se approva; mas a Camara alterou esta ordem, porque acceitou as emendas e consentiu no addiamento: agora digo eu que não posso entrar na questão sem primeiro ter em meu poder aquella emenda, ou substituição, para a combinar com as Propostas primitivas; não me posso decidir sem consultar todos os Pareceres, e a substituição com as emendas a cada artigo: eu requeiro isto pela razão, que já dei, de que a Camara inverteu a marcha dos seus trabalhos, considerando, e muito bem, que era preciso decidir maduramente. Por consequencia, dêem-se-nos as copias que não temos, e marque-se outro dia para esta discussão.

O Sr. Vice-Presidente: — Outro dia tractando-se a questão, se as emendas deviam ser admittidas á discussão, não se chegou a votar, porque seu auctor pediu o addiamento; ficaram então as mesmas emendas sobre a Mesa, por isso não póde haver duvida em serem discutidas hoje mesmo. Entretanto parece-me que a ordem seria tratalas em relação a cada artigo.

O Sr. Conde de Linhares: — E era exactamente o que eu tencionava fazer, tanto assim que as emendas estão escriptas em tres folhas de papel separadas.

O Sr. Vice-Presidente: — Não resta senão uma pequena duvida, e vem a ser sobre a admissão da emenda ao primeiro artigo, que alguns Dignos Pares julgaram prejudicada: entretanto é melhor suppôr que o não está, e tractar a questão da Ordem do dia restrictamente a cada um dos artigos, começando pelo primeiro, e nesta ordem poderá a Camara tomar em consideração as emendas do Sr. Conde de Linhares. (Apoiado. Apoiado.)

Então leu o Sr. Secretario Barão de Alcobaça os seguintes:

Artigo 1.º (Da maioria da Secção de Legislação.) No acto preparatorio do processo criminal, a ordem escripta do Juiz de Direito, e por elle assignada, que manda pôr em custodia o Cidadão de quem se querelou, ou devassou; e a declaração por elle escripta nos autos, depois de ínquiridas as testimunhas, de que o dito Cidadão e suspeitoso e indiciado de crime; não podem, segundo a Legislação adoptada na Carta Constitucional, completar a pronuncia. Esta só se póde dizer completa, quando á declaração do Juiz de Direito accede, em conformidade com ella, a declaração dos Jurados.

Art. 1.º (Do Sr. Barradas.) O despacho, que nos processos crimes preparatorios profere o Juiz competente, sobre provas de testimunhas, ou documentos, pronunciando o arguido indiciado do crime, e mandando-o pôr em custodia, produz logo provisoriamente um dos principaes effeitos da pronuncia, que é a segurança do indiciado, ficando os mais effeitos dependentes da rectificação da mesma pronuncia pelo Jury.

Art. 1.º (Da Camara Electiva.) Nos processos crimes preparatorios, o despacho do Juiz de Direito; ou de Policia Correccional, que mandar pôr em custodia o Cidadão suspeito de ter commettido algum crime não constitue a pronuncia, a qual só terá logar por decisão do Jury, affirmativa de culpabilidade, na fórma do artigo seguinte.

O Sr. Vice-Presidente: — Estão todos estes tres artigos em discussão.

Teve logo a palavra e disse

O Sr. Gyrão: — Esta questão que hoje se nos appresenta é da maior transcendencia que se póde imaginar; pois della depende a segurança, e bem estar da Sociedade, ou a sua continua agitação e desassocego. Por consequencia desejo que ella seja olhada por todos os lados, a fim de apparecer a verdade; porque na sua presença nenhum Digno Par deixará de votar com acerto. — Eu dividirei o meu discurso em tres partes. — Na primeira mostrará que a ultima votação que se tomou, admittindo o Projecto á discussão na sua generalidade, em nada prejudicou o debate de hoje; na segunda farei ver que o artigo 1.º do mesmo Projecto é injusto, iniquo, é absurdo; na terceira provarei que é impossivel executalo.

Nós temos muito má expressão parlamentar, e por isso quando approvamos um Projecto na sua generalidade, exprimimos a idéa verdadeira muito mal; porque todo este circumloquio de palavras nada mais quer dizer do que fazer delle a terceira leitura, e admittilo á discussão. — Se isto não fosse assim, se os seus artigos ficassem desde logo approvados, então escusado era discutilos de novo: ora tanto entre nós, como nos Paizes estrangeiros se está vendo todos os dias alterar, ou rejeitar de todo um Projecto admittido á discussão, sirva de exemplo o que se passou na Camara dos Srs. Deputados um destes dias como Projecto denominado = contra os Miguelistas =, foi approvado na sua generalidade, foi discutido largamente, entrou n'uma Commissão a refundir de novo, tornou a ser admittido á discussão, approvado na sua generalidade, debatido largamente, e por fim ficou rejeitado; o primeiro Bill de Reforma das Eleições em Inglaterra, teve uma sorte igual, como todos sabem, e deu occasião a estrondosos successos que não esquecerão aos Portuguezes: logo a minha primeira Proposição está superabundantemente provada: passarei á segunda. — O artigo 1.º do Projecto é injusto, (injustissimo) iniquo, e até anti-Constitucional, porque não preenche os fins da Legislação social, e razoavel. — O fim d'uma Lei justa é segurar primeiramente o bem estar da Sociedade, e livra-la dos ataques que lhe podem fazer os membros della: porque o bem de muitas, prefere ao bem de um só homem, ou de poucos homens; isto é um principio inconcus-

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so de Direito; mas o artigo em questão favorece a impunidade, olha só ao individuo, e não á Sociedade: direi mais, tende a proteger o criminoso, o membro podre da mesma Sociedade, e a revesti-lo de defezas iniquas contra a justa e necessaria acção do Juiz, a quem se encarrega a segurança publica; pois que não se lhe permitte que o pronuncie, e prenda, apenas, que o detenha temporariamente, ao mesmo tempo que lá se lhe vai abrir a porta do Jury mal organisado, para que se escape por ella. Eu, Senhores, intendo por liberdade a practica de Leis justas, e sábias, e não o exercicio daquellas que se fazem com a mira em casos particulares como esta é; pois todos conhecem o Individuo, por amor do qual se gastaram na Camara dos Srs. Deputados tres Sessões inteiras, e muitos odios, e affeições particulares vieram entrar no jogo; este Projecto é um rastilho daquellas discussões; e não tem por objecto nem o bem publico, nem o geral interesse. — Quando se tracta de punir os crimes é preciso que a acção do Juiz esteja bem livre, e bem desembaraçada até segurar o réo, e depois de preenchido este objecto, pede a humanidade que o mesmo réo tenha todas as garantias necessarias. Mas, pergunto eu agora, que mais lhe querem do que as que tem presentemente? — Não é responsavel o Juiz; não entrevem o Jurado na rectificação da pronuncia; não vemos nós todos os dias propender a balança da Justiça a favor dos culpados; ou para fallar a verdade, ficarem quasi todos impunes; não é o mesmo individuo, acima referido, e por amor do qual se forjou este Projecto, um exemplo vivo do que eu digo?... Então que mais querem? Será preciso ainda violar a Carta na parte mais vital della, o § 3.º do art. 67, e dispôr as cousas, para que nas futuras Eleições possão os facciosos impunemente pertuba-las, e cheios de crimes venham assentar-se entre os Representantes da Nação!

Dignos Pares do Reino, eu tenho demonstrado com evidencia a injustiça deste artigo, a sua iniquidade, e tudo quanto tem de máu; eu receio offender-vos, suppondo que sejam percisas mais razõens para o rejeitar: passemos á terceira parte, em que pertendo mostrar que é inexequivel. — Aqui tenho a Statistica dos crimes, e desta se vê que no primeiro dia deste mez houve 7, quasi todos graves, e acontecidos nesta Côrte; no segundo dia aconteceram 19, e no terceiro 10; assim vai continuando, e não vos cançarei a ler uma cousa tão triste. Será possivel que se forme um Jurado para cada caso de crime; que se inquiram as testemunhas, que se ouçam os Advogados, etc. etc.? — Notai, Srs., que este Projecto não quer deixar nenhum para o Juiz de Policia Correccional, quer positivamente que todos pertençam ao Juiz de Direito, e por conseguinte que o Jury intrevenha em todos. — Ora isto é absolutamente impossivel, a não se crearem centenares de Juizes, e occupar a povoação toda a formar Jurys todos os dias. Penso que ninguem quererá approvar uma cousa tão absurda; porque se o artigo fôr approvado, será a consequencia infallivel, o amontoar-se a gente detida em custodia nas prisões, e nunca se poder julgar, cançarem-se os habitantes de tanto concelho de Jurados, e formar-se um tal enredo de cousas, que ninguem poderá sahir delle. — Póde tambem acontecer (e mui facilmente) que o réo semi-pronunciado (segundo esta nova linguagem.) não possa ser semi-preso, e no entanto ser eleito para Camarista, ou para Deputado, e como está na sua liberdade vir-se assentar entre os Representantes da Nação, ou entre Camaristas honrados. Será isto justo? E se tiver uma parte que o persiga, será bom que se faça calar o queixoso, que se calque aos pés a Justiça, ou que se tire o dito réo do logar que occupa para ir para Angola, ou para o patibulo conforme a gravidade do delicto? — Por todas estas ponderosas rasõens voto contra o artigo.

O Sr. Sarmento: — Confesso que nunca me achei em circumstancias tão difficeis para tractar uma questão; por isso mesmo que esta se acha n'um estado de confusão, de que não é facil achar a porta por onde se ha de entrar, a não ser, importunando a Camara com repetições, em grande parte, inuteis. — Esperava do Digno Par que me procedeu, que mesmo nas suas objecções ao artigo, o seu discurso me desse uma chave para o poder seguir; mas frustraram-se as esperanças, que tive a este respeito, até porque me parece que elle tractou uma questão, que não está em discussão, por quanto, depois da votação de antes de hontem, estam authorisadas as partes da Proposição, que nos parecerem convenientes; e se tractou este ponto com tanta attenção, que até se forneceu occasião opportuna (a um Digno Par que appresentou outro Projecto) para hoje novamente lhe ser tomado em consideração, a fim de poder haver uma discussão, que tambem o comprehendesse, e em resultado della decidir a Camara, qual era preferivel, se o novo, se o original. — Parece-me pois que o meio mais seguro de alcançarmos este conhecimento, é ir tractando artigo por artigo, e até me parece que essa foi a ordem da discussão designada pela Mesa; de outra maneira acontecer-nos-ha o mesmo que Fernão Mendes Pinto diz, fallando das maravilhas de Peckin, que ellas eram tantas, que assaltavam a sua alma, e que realmente não sabia por onde havia começar. Não sei se se poderá dizer isto do Projecto, entretanto elle é de grande importancia, e tracta de uma das principaes garantias da liberdade civil. — A primeira questão que vou examinar é se o objecto do artigo 1.º, é contra a Carta. — Discutiu-se este ponto com tanto saber, fizeram-se allusões, então proximas, a dois logares da Carta, que parecia não dever ficar o menor escrupulo a este respeito; entretanto appresenta-se um argumento, que é sempre ponderoso, por isso mesmo que a Lei Fundamental, deve ser a base de todas as outras Leis. — Que a doctrina do artigo não é contraria á Carta, mostra-se mesmo d'aquelle logar della, que os Dignos Pares, que assim pensam, foram buscar, dizendo = que n'aquelle caso particular, em que um Juiz tivesse formado culpa a um Digno Par, ou a um Sr. Deputado, não póde proceder, porque recebe da Carta uma injuncção positiva, e directa de remetter o Processo á respectiva Camara depois de pronunciado. = Estas ultimas palavras, são que causam toda disputa, e tem dado motivo a suppôr que o artigo é contra a Carta: ora, eu já toquei nesta specie, e ainda que receio enfadar a Camara, não posso deixar de a repetir. — Qual é a razão porque, quando um Par, ou Deputado é pronunciado, vai o Processo á competente Camara? Se

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a pronúncia pelo Juiz ficasse completa, bastaria que este désse conhecimento disso á Camara: logo não o está. Então para que vai o Processo á Camara, de que o accusado é Membro? É porque os Dignos Pares, ou os Senhores Deputados são os Jurados natos dos individuos Membros das Camaras Legislativas, que estão indiciados de crime; e conhecem dos respectivos Processos, para que a declaração da Camara respectiva, faça com que a pronúncia fique completa. Eis-aqui como eu intendo o artigo 27 da Carta; logo a pronúncia não é a declaração do Juiz de Direito (de Policia não fallemos), ou não ha pronúncia completa pelo despacho do mesmo Juiz de Direito, e se ha de mister a declaração da Camara competente; e isto do mesmo modo que quando se tracta de qualquer Cidadão particular, não vale a pronúncia sem a decisão dos seus proprios pares, que são o Jury.

Tiremos agora um argumento de analogia, ou argumentemos, combinando, e pondo em paralello a nossa Carta Constitucional, com as Cartas, e Constituições dos Povos mais livres. Chamemos para aqui a de França, e a de Inglaterra; e eu vou mostrar que apezar da Carta Portugueza ser tanto, ou mais liberal, ficariamos a este respeito de peior partido, se nas pronúncias não entrasse o Jury. Napoleão, é verdade, determinou, que em logar de haver um Jurado de pronúncia, houvesse uma Secção, em cada um dos Tribunais de Segunda Instancia, hoje Côrtes Reaes ou Relações de França, composta essa Secção, denominada = Chambre des mis en accusation = de cinco Juizes; entretanto são cinco togados de um Tribunal Superior, que decidem, se o individuo ha de ser stigmatisado, e indiciado do crime, para dar a sua defeza. E terá isto alguma comparação com o que se pretende dever fazer entre nós, que é entregar a um só homem essa decisão? — Mas o que acabo de referir era estabelecido antes do anno de 1831 n'aquelle Paiz. E quereremos nós pôr-nos inferior a elle n'um ponto tão importante, e donde dependem as liberdades civis, submettendo-o assim a uma base tão precaria?... Cresce este argumento Juridico e Politico se attendermos ao que se passa em Inglaterra sobre este mesmo assumpto. — Alli ha quatro modos porque qualquer póde ser pronunciado Comprehendem-se nelle todos os casos de ex-officio (informations) pelo Procurador da Corôa (Attorney General) sobre o qual a Inglaterra tem chamado, e póde bem ser, que caminhando no progresso das suas reformas, este methodo de pronúncia venha a acabar: mas assim mesmo não póde comparar-se a garantia, que elle offerece ao Cidadão Inglez, com o methodo usado em Portugal até agora. Mesmo neste ponto, que é o methodo mais arriscado alli, fica mais seguro o Cidadão do que entre nós, entregue á decisão de um Juiz de Primeira Instancia. — Passemos ao segundo modo, que é quando o Banco do Rei (King's Bench) obriga qualquer individuo a ir defender-se de uma certa accusação. Methodo chamado na Jurisprudencia Criminal Ingleza = Criminal Information = Neste mesmo caso exige a Lei que o accusador se mostre rectus in Curia; isto é, que passe por um Processo judicial, antes de se conhecer de meritis da questão contra o mesmo individuo, que ha de ser processado, quando o Author é preciso que se mostre incapaz de abusar do recurso da justiça: elle faz uma justificação muito mais difficultosa, não bastando alli, como entre nós, o tão usado juramento de calumnia: em fim, ha uma difficuldade extraordinaria, pelas muitas cautélas, que as Leis Inglezas estabeleceram, para se intentar uma destas accusações. — Vejâmos o terceiro modo; este tem logar nos Processos em que ha Auto de corpo de delicto, nos quaes entra o Coroner: ainda entre estes, e os nossos ha uma disparidade immensa, porque o Coroner decide com um conselho de Jurados. — O quarto é quando a pronúncia é solemnemente declarada pelo Grande Jury; e comparado este methodo com a decisão de um unico Juiz de Direito em Portugal, sería tomar o tempo á Camara, o querer mostrar a differença que ha entre um e outro procedimento.

Agora digo eu: se uma Carta Constitucional como é a Portugueza, que tem em si todas as garantias da liberdade civil (não tracto ainda da liberdade politica) em mais apuro do que a Carta concedida aos Francezes por Luiz XVIII., e mesmo do que tudo que em Inglaterra se reputa debaixo do termo Constitucional; pergunto eu, se não seria monstruosidade, que uma Constituição como a nossa, ficasse, em seu desinvolvimento, com um defeito tão opposto ás garantias, que ella tem na letra e espirito da Lei, comparada com os dous institutos referidos das duas Nações mencionadas, e isto n'um ponto tão importante de liberdade civil? A força deste argumento, não sei que tal a avaliarão os Dignos Pares mas eu a acho de grande peso: é ajudado delle, e da letra, e espirito da Carta Portugueza, facilmente podemos decidir, que não é conforme, nem segundo os principios de verdadeira liberdade, o tornar um Cidadão subjeito a livrar-se de qualquer crime pela declaração de um só individuo. — Eu pediria á Camara, que quando se tractarem pontos de tanta transcendencia, prescindissemos de preteritos acontecimentos; olhando esse ponto sem relação a facto algum. — Não podendo eu deixar de dizer, que tive muita satisfação de votar ha dias em favor de um objecto, que a opinião (não digo pública, mas estabelecida) olhava como Ministerial; sustentei-o quanto pude; assim como agora quanto poder, hei de defender o artigo em discussão, embora alguem o repute contrario ás idéas do Governo: pois eu só sustentarei as suas opiniões, quando as julgar justas, e conducentes ao bem da Nação; de outro modo não era digno de me assentar nesta Camara, nem das Mercês de um Soberano, cuja Memoria será eterna. (Apoiado.) Digo pois, que este ponto é a verdadeira base, a unica (digo mais) da liberdade civil. Que importa que qualquer Cidadão Portuguez, n'um processo em que o Governo, ou um particular, seja auctor, fique a final absolvido, se sempre lá esta o stigma da pronuncia? Por consequencia seja essa declaração, ao menos, feita pelos seus pares, que é o Jury. O contrario seria não só injusto, mas tambem impolitico, dando-se com isso occasião a que o Cidadão não goze desta vantagem, que o segura contra o arbitrio de um só homem. Emfim seria muito singular que hoje sanccionassemos a continuação do antigo methodo, como o propôz um Digno Par; por quanto não havendo agora o meio de aggravar d'um despacho injusto, tolhido esse recurso, ficariam os indiciados do crime de peior partido com a Carta do

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que estavam antes de a termos. Torno a dizer, onde estão esses recursos? Eu não os vejo, nem os quero, senão conforme a Carta! É preciso que a cultivemos, ao contrario mostraremos que não somos dignos da Liberdade. Esta não é uma vantagem que se goze no meio das maiores delicias do mundo, é como uma posição muitas vezes arriscada, que é preciso ter animo e coragem para defender. — Por esta razão sou ainda de parecer, não involvamos questões civis com questões politicas; a prudencia, e a justiça mesmo assim o pedem. — Quando em Inglaterra se tractou se Mr. Wilkes deveria ser membro do Parlamento, a questão deveria ser tractada politicamente, e sem interferir em objecto da administração da Justiça. Foi sómente argumentando-se com principios de Direito Constitucional que a grande questão do Bill de Mr. Fox, em 1791 fui tractada debaixo do verdadeiro ponto de vista; e como não havia então objecto pessoal, não houve motivo, para se desfazerem determinações, como no caso de Wilkes, a qual, sendo uma questão mais de personalidade do que de Direito, logo que houve a mudança de entrar na administração o Marquez de Rockingham, Wilkes foi restituido aos seus direitos. Refiro estes exemplos, porque eu desejaria que em parte alguma do Codigo Criminal Portuguez, houvesse Legislação, que fizesse allusões acasos particulares de eleições, e digo mais, que se não olharmos este ponto com todo o sangue frio, não será possivel decidilo com justiça.

Um Digno Par que abriu a discussão, suscitou uma specie, que me parece tinha sido tractada quando se discutiu a materia em geral; e vem a ser, o receio da impundade dos co-réos: á primeira vista merece esta objecção alguma attenção, mas este não é o argumento principal. Quando se busca arraigar o poder das Leis tracta-se de assegurar a auctoridade dellas, e o fim de similhante empreza não é aquelle que se tem em vista, como quando se faz uma caçada. Que importa que aconteça que um co-réo não fosse preso? O fim das Leis é garantir não só a segurança individual dos Cidadãos, mas a da Sociedade em geral, e esta fica segura sempre que ha uma certeza da Lei não transigir com o Cidadão criminoso. E, que mais se póde exijir de um réo? Essa guerra ad internaecionem era boa para os tempos das Leis Julias, que felizmente não voltarão: então, se era preciso, até se fazia uma guerra, e se negociava, e se não perdoava a meio algum, para apanhar um criminoso, como aconteceu no tempo de D. João II., pedir este ao Rei de Inglaterra, que lhe entregasse o Conde de Penamacor. Com muito boa fé, mandou o Soberano Inglez lançar um aresto de prisão contra elle; mas vendo que a vingança d'ElRei de Portugal se não contentava com isso, disse que lho não entregava. O mesmo Rei D. João II. usou do meio de mandar matar um seu inimigo, que buscára refúgio em París. Ora quem não confessará que isto é uma caçada de uma ave poderosa contra pequenos passaros. A Sociedade exige segurança, mas não é licito para esse fim, ultrapassar os meios porque até d'algum modo se irá atacar o direito natural, e o direito de asylo, que a Providencia concedeu ao homem, para as grandes tribulações desta vida. — Quando o Imperio Romano abrangia quasi o mundo conhecido, é certo que a sorte do infeliz não podia ser mais desgraçada. Nenhum asylo lhe ficava, quando tinha de fugir da ira do Imperador, ou dos seus Delegados. Se fugia para as Hespanhas, achava o Oceano, e se para a Dacia os Montes Carpactos, e povos barbaros eram uma barreira insuperavel. É debaixo deste aspecto, quando não houvesse outras razões, que a divisão do mundo em Nações independentes, exige os agradecimentos do homem á Providencia que véla sobre nós. Ha muitas cousas fóra do poder das Leis: os destinos dos homens não estão em nossas mãos, estão na Providencia. — Supponhamos que nós os Portuguezes fieis, não tinhamos achado um asylo em Inglaterra, e que Lord Wellington, e Lord Aberdeen tinham poder para fazer a D. Miguel o presente de um navio carregado de nossas pessoas; não achariamos por bem triste experiencia que era bem dura a garantia concedida áquella sociedade, de que o sanguinario governo da usurpação se tinha arvorado em chefe. (Riso e signaes de adhesão.) Por tanto, a humanidade mesmo exige que se dê logar de arrependimento a alguns réos; até porque elles se pódem vir a emendar: não digo isto, porque creia que D. Miguel possa tomar emenda, mas tem acontecido que Principes, os quaes quizeram governar com menos arbitrariedade que elle, tirassem algum proveito em esquecer a memoria das tramas de seus inimigos, a Historia refere exemplos sem numero. Jorge II. de Inglaterra consolidam o throno da casa de Hanover por esse meio, apezar do seu caracter não ir muito para a brandura. O que me parece pois necessario, para trazer esta questão a um ponto verdadeiro, é avaliar os prejuizos, que podem resultar de uma, e outra opinião: são realmente os argumentos que acho dignos da attenção da Camara, porque Lei perfeita não ha nenhuma senão a do Evangelho.

Passando agora a outra observação do Digno Par, que primeiro fallou na materia, e da qual á vista dos seus mappas statisticos, quiz formar depois um argumento: direi que eu fui de opinião que excluissemos do Projecto a Policia Correccional, e isto por uma razão muito forte; que é persuadir-me que ella só deve servir, para pequenas cousas, e nunca equiparala aos Juizes de Direito. Um dos males que ha em Portugal é haver muita gente que quer prender, e ficar gente por prender, que devia ser presa, e tambem o empregar-se nesse serviço gente destinada, para outro ramo de serviço: por este motivo, se eu tivesse a honra de aconselhar o Ministerio, eu faria vêr a necessidade de dar nova fórma á Policia Correccional; e eu appresentarei as minhas idéas se o Governo fizer alguma Proposição a este respeito; parecendo-me que nas terras onde ha mais a fazer, se estabeleça aquella authoridade como (além de Lisboa, e Porto) em Vianna, Coimbra, etc.; mas com attribuições taes, que só elles possam prender; estabelecendo-se nas outras terras menos populosas authoridades, que correspondam aos Maires de Franca, aos Mayores Inglezes, e aos Alcaldes Hespanhoes. — A Commissão porém não attendeu, neste Projecto, aos Magistrados de Policia Correccional, e a este respeito direi, que o Ministro da Justiça que servia quando elles foram creados, me fez a honra de me consultar ácerca delles. Eu aconselhei a denominação de Magistrados, em vez de Juizes, porque sempre me pareceu um cousa mui conveniente, para a boa administração, separar a Magistratura, da

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Judicatura. Achei que deviam existir, mas com alguma modificação; ainda hoje não vou contra elles, mas intendo que igualalos, ou tomalos debaixo do mesmo aspecto que os Juizes de Direito, não é possivel, porque estes são os depositarios a quem a Carta entregou um ramo do Poder Politico. O artigo porém não tira aos Magistrados de Policia Correccional aquella auctoridade, que é necessaria se lhes confie, para manutenção, e vigôr do Poder das Leis. — Esta instituição sendo bem organisada ha de ser de grande utilidade, e não é a esta Policia que eu me opponho.

O Sr. Gyrão: — Eu queria dizer sómente, que quanto aos Juizes de Policia Correccional... (Interrupção.) Pelo que toca as auctoridades administrativas, ellas só prendem em flagrante... (Nova interrupção.)

Da esquerda: — Ordem. Ordem.

O Sr. Vice-Presidente: — Tem a palavra o Sr. Gerardo de Sampaio.

O Sr. Gerardo de Sampaio: — Depois da materia, que se discutiu na Sessão passada, e do que, alludindo á Carta, acaba de fallar o meu illustre amigo, o Digno Par o Sr. Moraes Sarmento, sobre o primeiro artigo da Proposição de Lei, que tem com aquellas toda a connexão, é impossivel evitar o deffeito da reproducção; no entanto direi alguma cousa, mas como de passagem, a respeito das dúvidas, que se me offerecem em relação á Carta Constitucional da Monarquia Portugueza: é indubitavel que, determinando o § 7.º do artigo 145 que ninguem deva ser preso sem culpa formada, e estabelecendo a doctrina, que está em discussão, que o Juiz de Direito nos Autos Crimes de preparatorio possa por seu despacho privar qualquer Cidadão do gozo da sua liberdade, considerando-o suspeito de crime, e desta fórma sem pronunciar, e sem lhe formar culpa; existe entre uma similhante deliberação, e aquelle preceito fundamental a maior das contradicções.

É da mesma maneira sem hesitação que, dizendo o artigo 27 = se algum Par, ou Deputado fôr pronunciado, o Juiz suspendendo todo o ulterior procedimento dará parte á sua respectiva Camara =, neste logar se tracta de uma pronúncia feita pelo Juiz de Direito, e de uma suspensão de ordem de captura, que elle não pode levar a effeito, attentas as circumstancias dos pronunciados; donde claramente se vê, que a Carta exclue os Jurados do acto da pronúncia: contra isto disse o Digno Par, o meu illustre amigo o Sr. Moraes Sarmento, que este artigo 27 tão longe estava de provar a asserção, que deixo expendida, que muito pelo contrario continha materia a ella opposta, visto que alli se dizia, que o Juiz suspendesse o procedimento de prisão, em quanto os Pares, ou Deputados não deliberassem sobre o negocio, sendo estes Pares, ou Deputados em taes circumstancias uns verdadeiros Jurados, cuja intervenção era indispensavel: respondo; o artigo contem uma excepção na parte, em que manda suspender a prisão, devida aos Representantes da Nação, e por isso pelo principio geral firma mais a regra, a qual pela Carta manda que seja o Juiz de Direito, quem deva pronunciar, e satisfazer a todos os effeitos da pronúncia.

É igualmente contrario á materia, que está em discussão, o artigo 126, quando por uma boa Hermeneutica deixa ver que a pronúncia ha de ser sempre occulta, e desde a publicação da Carta, todos os actos depois d'aquellas publicos, e manifestos, visto que na Proposição de Lei, estabelecendo-se que seja o Jury quem pronuncia, se estabelece que seja em publico a pronúncia: contra tudo isto se oppoz o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, asseverando que a Carta tal não determinava, e sim que o Jurado fosse quem devesse pronunciar, o que era notorio, quando no artigo 119, diz = os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei =; o Digno Par está equivocado, neste artigo não se tracta da pronúncia, e sim da generalidade da applicação dos Jurados aos factos, devendo tomar-se a palavra pronunciam pela significação de emittem o seu parecer, dão seu voto, significão a sua deliberação, como em uma das Sessões passadas, explicou sabiamente o Digno Par o Sr. Bispo Conde; e tanto é assim, que, sendo o artigo um esclarecimento, ou addicção do antecedente 118, neste se falla não só das causas crimes, mas tambem das civeis, donde não ha pronúncia; de mais, ninguem diz que o Jury no feito crime não ha de pronunciar, ou deliberar sobre o facto, por isso que se concede que elle rectifique a pronúncia, e decida, depois della estar feita, se o réo deve ser accusado, ou posto em liberdade; assim como sobre o outro ponto, ou facto, que lhe appresenta o Processo depois de findo, e no acto de se lavrar a final Sentença.

Tornou-se a repetir que a Carta nos logares, que citei, se referia á legislação antiga; já disse, e torno a dizer, que ou se retira, ou não, é forçoso seguila á risca na moderna; e não são tão pequenas assim mesmo, e na fórma, que eu a concebo, as garantias, que ella presta ao Cidadão; pois lhe concede a do Jurado impedir que ninguem seja accusado sem haver incorrido em formal suspeita de crime, ou, fallando mais exactamente, na realidade do facto criminoso; porque da maneira, que o Jury concorre no Processo presentemente adoptado, e que eu quero que continue a adoptar-se, e no acto da rectificação da pronúncia, e começo da accusação, não decidindo só sobre o que instruiu o Juiz de Direito, mas tambem sobre os outros esclarecimentos, que na respectiva audiencia se appresentão, já delibera sobre materia mais clara, e exacta, em que pode empregar, sem tanto perigo de errar, os seus principios meramente conscienciosos, é melhor caminhar para a sua natureza, e instituição: e igualmente lhe faculta a Carta o Jury de Sentença, e poderá mais desejar-se!

Senhores, eu não pertendo seguir com affectação nem a actual Legislação Francesa, nem a Ingleza; aquella firme, em que o Jury de accusação não deve existir, entre muitas razões, porque não póde nas circumstancias em que então se acha o Processo, formar ainda um juizo claro, e regular: e porque, existindo nessa occasião quasi sempre indicios, e probabilidades, cujo grau de prova he decidido por Lei, desta a applicação, e conhecimento é só proprio do Juiz de Direito; por ultimo, porque lhe obsta a possibilidade, de que o Jury de accusação não obre independente do que pode vir a decidir o Jury de Sentença, e de que este se deixe prevenir pela de-

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liberação daquelle; todavia não me agrada: esta, porque repousa sobre habitos mui distinctos dos nossos, sobre temperamentos contrarios, aos que possuimos, qualidades que tornam a Nação Ingleza, para que assim me explique, sui generis; finalmente sobre a instrucção e desinvolvimento de ideas da classe media, que nós na generalidade ainda não gozamos, tambem a não quero trasladar para aqui só porque é Ingleza, e sim o que ambiciono é que tenhamos Jurados, que decidão com conhecimento de causa, e não a seu bel-prazer, caprichos e paixões, e que entrem no processo como o espirito, e lettra da Carta os manda entrar; por ultimo que prestemos ao Cidadão todas as garantias legaes, mas que não nos esqueçamos de collocar em primeiro logar as da Sociedade, de que elle faz uma parte, o que já em outra falla disse, e agora repito; esperando desta Sabia, e Illustre Assembléa que decida o que julgar mais acertado.

O Sr. Conde de Linhares: — Sr. Presidente, o Artigo 1.º diz — o Mandado do Juiz para pôr em custodia, não constitue a pronuncia. — Mas a Constituição diz, Artigo 145, §. 7,º — ninguem poderá ser preso sem culpa formada. — Então que será a formação de culpa senão o pronuncia do Juiz? Ibidem. — O Juiz por uma nota por elle assinada, fará constar ao réo o motivo da prisão, — logo da formação da culpa pelo Juiz, resulta a propria prisão, e não a simples custodia.

O §. 9.º — A excepção do flagrante delicto, a prisão não pode ser executada senão por ordem escripta da Authoridade legitima, se esta fôr arbitraria o Juiz que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos etc.

Logo o Juiz formador da culpa, pode indigitar esta a alguem sobre quem recaiam suspeitas, e em consequencia prendelo effectivamente, e não puramente polo em custodia; mas não o pode fazer sem incorrer elle mesmo em uma grave responsabilidade por um acto arbitrario, isto é contrario ás Leis existentes, assim como aquelle a cuja solicitação elle o fizer. Ora daqui resulta que o Cidadão soffre de facto independentemente do Jury de pronuncia o primeiro vexame, de que não se concebe como possa ser exempto, isto é a prisão logo que é suspeito vehementemente de ter comettido um crime. É indubitavel que este sacrificio é feito á Sociedade pelo individuo particular. Então qual será a acção do Jury, já que vemos que ella não o livra do primeiro contra o qual só a responsabilidade do Juiz, e da parte é que serve de remedio ou garantia.

O Jury anniquilla o processo que vai ter logar, anniquillando os fundamentos da accusação, e anniquillada esta, está claro que o individuo réo fica livre do vexame do processo que se ía fazer. Tal se deve considerar o effeito racional do Jury de pronuncia. Tal é em Inglaterra, e Estados-Unidos é o que se diz em França reduire une Canse au neant — Tal é a segunda e forte garantia que a Sociedade concede ao Cidadão nos actos preparatorios do processo, e quando ella tem o direito o mais inquestionavel de as exigir dos particulares para tornar effectiva a observancia das Leis, unica condição do Estado Social. De facto indifferente seria chamar pronuncia a todos os actos preparatorios do processo, e terminar estes com a decisão do Jury de pronuncia, visto que a formação da culpa pelo Juiz traz comsigo a prisão do suspeito, e por tanto garante o castigo do culpado á Sociedade. Mas não é de certo já uma questão de nome; quando com esta denominação se pertende elevar á dignidade de eleitor, ou mesmo de elegido, a quem, é vehementemente suspeito de ter comettido um delicto ou crime?

Não terá a Sociedade civil o direito de exigir nos seus Representantes puresa de consciencia, e de reputação? Que ganhará esta a ser representada por individuos mal fadados e immoraes, ainda que aliás elles tenham outras circumstancias recommendaveis?

Dir-se-ha que faltam á Nação de tal maneira homens para eleitores, e elegiveis que seja necessario recorrer ás cadêas para os buscar? Isto seria offender a Nação em tal suppôr! Digo recorrer ás cadêas pois já provei que o Juiz independente do Jury podia prender.

Dir-se-ha que o mal é irreparavel para o Cidadão. De certo não, se elle é posteriormente declarado puro, ou entra plenamente no exercicio de eleitor, se está no goso dessa prerogativa, ou em identidade de circumstancias elle como injustamente perseguido se torna mais recommendavel nos eleitores, e na eleição segunda pode ser attendido.

É claro que não quero com isto dizer, que não seja um grande mal que soffre o individuo, mas é um daquelles a que difficilmente se encontra remedio para o evitar. E como o contrario contra a Sociedade em geral seria de peiores consequencias, ninguem poderá dizer que se deva satisfazer a vaidade de um ou poucos, quando de facto só se tracta de vaidade, e isto com grave prejuiso moral da totalidade da Sociedade. — Se a Sociedade não tivesse direitos positivos a exigir dos particulares que a compõem, perguntára eu áquelles que se intitulam Liberaes, (isto é homens de razão) porque privar de direitos eleitoraes por exemplo no nosso caso, os menores de 25 annos, os filhos de familia que estiverem na companhia de seus paes, os creados de servir, os religiosos, os que não tiverem 100$ rs. de bens, os que não tiverem 200$ rs., os libertos. Acaso são estes menos homens, ou segundo a Carta §. 12 do Artigo 145, menos iguaes diante a Lei! Não de certo; o que os priva do direito geral de representarem a Sociedade são inhabilidades pessoaes que causariam graves damnos á Sociedade. Então haverá quem diga que o homem suspeito de delictos ou crimes não é privado com justiça do direito eleitoral, em tanto que não é reconhecido innocente. E isto além de outras considerações quando o seu Paiz lhe offerece tanto na independencia do Poder Judicial, como nas formas do processo, e na grave responsabilidade dos Juizes, todas as garantias de não ser opprimido, tanto na preparação do processo, como no mesmo quando se verifique, podendo no dito caso só ser accusado como criminoso, e judicialmente processado com o pleno assentimento de um Jurado de pronuncia, e no segundo sendo julgado pelos seus pares, ou o Jurado de Sentença.

Do que tenho dito, Senhores, se póde inferir, que os direitos da Sociedade em geral, e os direitos da Sociedade em particular, são reciprocos e igualmente fundados em garantias, que se a Sociedade interessa na

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mais severa instrucção dos processos quando ha suspeição de crimes commettidos por individuos, a instrucção destes deve ter logar com a maior amplitude, e sem deixar ao réo a esperança da impunidade, quando a Sociedade se acha compromettida pelo crime perpetrado, com tanto que elle não seja opprimido injusta e desnecessariamente, que tambem o individuo particular membro da Sociedade Civil tem o direito de tornar effectiva a responsabilidade dos seus Juizes, e dos seus accusadores, de não ser processado sem reconhecido fundamento, nem detido desnecessariamente em prisão, e de ser julgado debaixo das formas as mais equitaveis, e segundo as Leis do seu Paiz; em fim, de ser tractado conforme as Leis da humanidade e da razão. — Não são estas as disposições da Carta. Pronuncia do Juiz (Auctoridade legitima), prisão, ou fiança (Vide §. 20.º do art. 145.) formada culpa; nota assignada pelo Juiz da culpa, nomes dos accusadores, e testimunhas. Jurado de pronuncia para decidir se deve ser accusado, e juridicamente processado. E finalmente quando se verifica o processo, não é a decisão do facto separada da do direito, não decide o Jurado sobre uma accusação claramente estabelecida, sobre o depoimento de testimunhas oraes, na presença do réo sómente inquiridas e examinadas, e por elle contrariadas, não é elle inquirido publicamente, não produz a sua defeza amplamente, e não é a decisão dos seus pares pelo sentimento que adquiriram no processo oral que o absolve, ou condemna? — É pois evidente que as garantias do Cidadão são sufficientes e justas, e que por essa mesma razão é que as da Sociedade em geral devem ser igualmente effectivas.

O Sr. Ministro da Justiça (que acabava de entrar na Camara disse): — Peço a palavra.

O Sr. Conde da Taipa: — Sobre a Ordem. Outro dia o Sr. Ministro das Justiças disse, que nesta questão elle não emitia aqui a sua opinião como Membro do Governo, mas sim como opinião sua, e por isso eu agora desejaria pedir-lhe uma explicação; porque se elle não vai fallar por parte do Governo, de outra fórma não o póde fazer aqui, porque não sendo Membro da Camara, não póde emitir a sua opinião como particular; além de que, é notavel que os Membros do Ministerio que o são da Camara Electiva, votaram alli a favor da doctrina do Projecto que está em discussão, e segundo todas as apparencias creio que terão mudado de opinião.

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu, como individuo particular, não tinha entrada nesta Camara; e o que declarei na Sessão passada, foi que daria a minha opinião como Ministro da Justiça; e não como opinião do Governo. Neste sentido creio que me será concedida a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros; — Peço licença para observar, que nesta Camara se não sabe nada dos votos que houveram na outra.

Vozes da esquerda: — Todos o sabem:

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não o devem aqui saber.

O Sr. Ministro da Marinha: — O meu Collega o Sr. Ministro da Justiça previniu-me em parte na explicação que eu tinha a dar; mas ainda farei outra; que o Regimento desta Camara, pelo qual nos regulamos permitte a entrada nella aos Ministros, e que a practica tem sido dar-se-lhes a palavra para darem a sua opinião sobre as materias que se discutem, e só como Ministros é que aqui entram, e tem assento, n'outra qualidade o não podiam fazer; e aproveito esta occasião, fallando sobre a ordem, para dizer, que considero, ainda que outros pensem de outra maneira, que se não fosse para este effeito não teriam aqui entrada, mas sim para que emitindo a sua opinião possam esclarecer as materias, para se não atropelar qualquer decisão.

O Sr. Marquez de Loulé: — Outro dia não se impugnou o Sr. Ministro das Justiças quando fallou, elle é que teve a bondade de dizer, que não sabia se poderia fallar, o que importava o mesmo que se elle declarasse que ia expôr a sua opinião como individuo particular, pois que como Ministro d'Estado sabia que o podia fazer, e não o sendo, nem Membro desta Camara, não teria entrada nella. Não é por tanto da nossa intenção impedir que o Sr. Ministro falle, e até mesmo o Regimento se não oppoem a isso.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu não posso considerar nunca em um Systema Constitucional senão um Ministerio unido nas suas idéas em tudo aquillo que deve dirigir a marcha Ministerial: eu nunca vi senão uma vez em Inglaterra o Ministerio, appresentar opinião diversa, mas era em um negocio que involvia consciencia, que foi a questão Catholica, o mais nunca vi senão Ministerio uniforme nas suas opiniões; se elle está de accordo sobre este ponto não póde o Sr. Ministro tomar parte na discussão senão por parte do Governo, porque faltando um Ministro deve suppôr-se que falla segundo os principios do Governo.

O Sr. Vice-Presidente: — Sem duvida póde fallar como Ministro da Corôa.

O Sr. Conde da Taipa: — Isto que eu disse, teve logar pela declaração que o Sr. Ministro outro dia aqui fez.

O Sr. Ministro da Marinha: — O Ministro das Justiças se o não fosse não tinha entrada nesta Camara, e como tal é-lhe permittido emittir a sua opinião. Nas observações que eu fiz devo declarar que não alludi aos Dignos Pares que se assentão daquelle lado; ainda que um Digno Par suppõe que eu me dirigia a elle; não era assim, eu só fiz uma observação em geral. Seria agora uma discussão ociosa tractar de Ministerio unido ou não unido. O Ministro das Justiças tem entrada nesta Camara, e como tal póde fallar.

O Sr. Ministro da Justiça: — Talvez a duvida do Digno Par procedesse da falta de exactidão com que me expliquei na Sessão passada, pois quando disse a minha opinião individual, queria fallar da opinião do Ministro da Justiça; e neste caso assento que o individuo é tão ligado com o Ministro, que não podem separar-se; sendo o objecto em questão dependente de conhecimentos Juridicos que não estão ao alcance do todos os meus Collegas, por não terem desinvolvido as suas idéas a este respeito n'um assumpto, que não foi objecto das suas meditações, não podia por isso appresentar-me a tratalo aqui como um resultado de conferencia com elles: entretanto não sei se assim mesmo me será permittido tomar a palavra, bem intendido que não ambiciono fallar ainda que muito prézo a honra de o fazer nesta Camara; sendo-me pois permittido continuarei.

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Quando pedi a palavra foi para responder ao Sr. Sarmento, cujas opiniõens já forão combatidas segundo os meus principios, por isso não tomarei o tempo á Camara repetindo o que já foi dito pelo meu nobre amigo o Sr. Gerardo de Sampaio. — O Digno Par, a quem eu me propunha responder, fundamentou uma das principaes rasõens em que estribava a sua opinião, comparando o caso especial em que um Digno Par, ou um Sr. Deputado é accusado de crime com todos os outros em que o qualquer Cidadão, para mostrar que a competente Camara Legislativa fazia, na primeira, hypothese, o mesmo que o Jurado na ultima, isto é, que em ambos se completava a pronuncia; ao que já respondeu o Sr. Sampaio; entretanto diria eu que dessa mesma comparação se poderia tirar um argumento de contra-producencia, porque, havendo uma forma particular para os Membros das Camaras Legislativas, segue-se que a generalidade é o contrario.

Os outros argumentos suscitados pelo meu digno amigo (com o qual muito sinto no fundo do coração não poder convir) reduzem-se a que, não se approvando o artigo em discussão, e sim um principio contrario, viria a nossa Carta a ser menos liberal do que os de outros Paizes. — Respeitando muito as opiniõens desses Paizes, porque conheço que alli se tem os homens dado ao estudo das Sciencias politicas, e que ellas tem o cunho da experiencia, não sou com tudo inteiramente do parecer daquelles Srs., que dizem ser conveniente reformar Portugal no sentido absoluto da Legislação daquelles Paizes, mas julgo que as nossas Leis, quanto ser possa, devera fundar-se nos antigos habitos e costumes da Nação, pois que assim terão muito mais vigôr: o meu amigo o Sr. Sampaio já respondeu, pelo que pertence á França, aonde os Jurados não intervem na pronuncia, e só sim na Sentença. — Ouvi tambem exprimir uma idéa ao meu nobre amigo o Sr. Sarmento, que pelo facto da Pronuncia, se imprime no Cidadão accusado uma certa infamia (não sei se usou desta expressão): a cujo respeito intendo que o Cidadão pronunciado, visto que por esse facto apenas fica suspeito do crime, não póde desde logo ficar infamado, por isso que a infamia é consequencia do facto criminoso provado, e não do indicio; é certo que esta suspeita não é muito agradavel; mas se fosse exacto o que disse o Digno Par, seria essa ainda uma das principaes rasõens em que me fundaria para combater o Projecto no artigo 3.º, por quanto me parece que é da maior importancia afastar, do individuo eleito Deputado, toda a suspeita sobre a sua conducta.

Não sendo possivel seguir no seu longo discurso ao meu Illustre amigo, acabarei por dizer que estamos de accordo relativamente a uma opinião por elle emittida, e vem a ter, sobre a conveniencia de estabelecer os Magistrados de Policia Correccional, conforme os verdadeiros principios que lhes são applicaveis: as bases deste systema, que mereceram a sua particular consideração, já se achão lançadas nos Magistrados de Policia estabelecidos nas Cidades de Lisboa e Porto, e espera o Governo, quando a experiencia mostre os mais elementos a que deve attender-se, melhorar esta instituição que deve inteiramente ser separada do Poder Judicial. — Tambem concordo com o mesmo Digno Par que não será muito possivel, no actual estado da discussão, deixar de attender-se juntamente aos tres artigos: e se me fosse permittido votar intenderia que a emenda do Sr. Conde de Linhares satisfaz completamente a todas as idéas que tenho sobre o assumpto.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu peço que se leia a minha emenda segundo o costume da Camara; e desejo declarar que eu antes votaria pela rejeição do artigo, porem para o caso de se não rejeitar é que propuz aquella emenda.

Satisfeito pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, obteve a palavra, e disse

O Sr. Conde da Taipa: — Não poderei seguir o Digno Par o Sr. Gyrão em todo o seu discurso, porque elle passou tão rapidamente d'umas para outras cousas, que me não foi possivel accompanhar as suas idéas: entretanto alguns apontamentos tomei, e tractarei de mostrar que os meus argumentos não eram sophisticos, mas sim raciocinios fundados em factos. — Primeiramente o Digno Par quiz-nos ensinar que cousa era Policia, e convencer-nos de que a Correccional não era a mesma que a d'um Governo absoluto; parece-me que todos nós sabemos fazer essa differença, e se eu intendesse esta Policia como aquella que mandava espiar os actos mais innocentes que o Cidadão pratíca em sua casa, para depois os criminar, não só não a admittiria, mas até faria uma indicação para que o palavra fosse riscada dos Diccionarios Portuguezes. O que eu chamo Policia e aquella Authoridade necessaria para manter a ordem pública; e para isso é preciso que haja quem mande prender em flagrante delicto, e véle sobre a tranquillidade e socego publico; bom é que haja isto em Portugal, mas queria eu que senão confundisse a Policia, que é do Poder Executivo, com o Poder Judicial; isto é que eu desejo se intenda bem, e que estes principios fossem tidos em consideração quando se tractasse de Legislar. — No Projecto em questão ha uma grande difficuldade em intender bem, o que se quer; ainda aqui ninguem pertendeu que o accusado não fosse posto cm custodia apenas é achado em crime, nem que deixasse de passar á cadêa depois da rectificação do Jury; então, se ninguem pertende isto, como é que se diz que a Sociedade está em perigo por ficarem os crimes impunes. Que é pois o que se pertende! É que o homem que fôr pronunciado pela opinião de um Juiz (cuja pronúncia não é mais que a opinião d'um agente do Governo) seja inhibido de ficar eleito Deputado, ou Vereador d'uma Camara Municipal, ou seja innocente, ou não: basta que diga um Ministro de Policia Correccional: = este homem está pronunciado! Pronuncia-se um homem, guarda-se esta pronúncia na algibeira, e se este individuo fica eleito Deputado, chega um Ministro, e diz: — aqui está esta pronúncia =, e não póde por isto gozar da maior honra a que aspira um Cidadão Portuguez, que é ser Representante da Nação. Se ha um ataque maior á Liberdade de eleição, eu o não conheço. O que acabo de dizer é tanto assim, que ainda ha pouco tempo vimos um individuo eleito para Deputado, o qual tinha sido pronunciado ha 9 ou 10 annos por dar umas pancadas em não sei quem, depois já foi Deputado nas Côrtes de 1826, e ninguem o tinha

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perseguido, agora apparece a pronúncia que estava guardada na algibeira, e disseram = este sujeito não é Deputado =, e o caso é que elle não tomou assento na Camara, para que tinha sido eleito. Ora, se assim se intendessem os effeitos da pronúncia, vinham os Juizes a ter um voto nas eleições, e não seriam Membros da Camara dos Senhores Deputados senão aquellas pessoas que quizessem os agentes do Governo; porque é facil saber quem anda na opinião para ser eleito, e apenas em qualquer districto apparecesse algum que não fosse do partido Ministerial, chamava um Juiz duas ou tres testemunhas, e pronunciava o candidato, que assim era excluido da Representação Nacional, contra a vontade d'uma população inteira. Ora isto é acabar de todo com a Liberdade de eleição, e é principalmente por esta razão que eu me opponho á doctrina expendida pelo Sr. Ministro da Justiça, e pelo meu amigo e collega o Sr. Conde de Linhares. — Este Digno Par tambem mudou alguma cousa de opinião, desde a ultima vez que nos juntámos em outros tempos Constitucionaes; e se eu tenho boa memoria, quando se tractou um Processo na Camara dos Pares, insistiu elle sobre a decisão da mesma Camara como de um Grande Jurado, sem o que não podia haver pronúncia completa...

O Sr. Conde de Linhares: — E ainda hoje insisto.

O Sr. Conde da Taipa: — Nisto insistiu muitissimo o Digno Par em 1828, tanto elle reconhecia que a pronúncia não estava completa sem a rectificação do Grande Jury.

Tem-se dito, para contrariar este Projecto, que ella é contra a Carta. Ora é certo que tem havido muitos inconvenientes em se terem escripto na Carta cousas que não são Constitucionaes, isto é, cousas que não são principios de Liberdade; e parece impossivel que tal acontecesse, pois bem se vê, que as pessoas que a redigiram, tinham lido muito Benjamin Constant; e é do systema d'aquelle Publicista, que as Constituições não devem conter senão principios de liberdade, e tanto assim, que na Carta se incluiu um artigo para tirar os Legisladores de difficuldades, o qual é o 114 que diz (leu). Ora pergunto eu se pertence aos Direitos Politicos e individuaes do Cidadão a fórma da pronúncia? Eu affirmo que sim, segundo um principio de Liberdade que está consignado na Carta, isto é, que os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei. Dizer que a pronúncia não é um facto, é querer negar a verdade conhecida por tal; isto é, que é direito individual do Cidadão; e isto é que não póde alterar-se senão pelas fórmas prescriptas; (e rigorosamente nem por estas, porque são principios de eterna justiça que nenhum Poder póde alterar) a pronúncia é um facto, logo para ficar completa, é preciso que o Jury a rectifique. — Estas difficuldade já tem sido muito disputadas, e por isso é que a Constituição Ingleza os não tem Codigado; são conhecidos por todos os Inglezes, e nunca houve queixas a este respeito; porque as Leis Fundamentaes alli, não tem em si senão principios de Liberdade, como são o Bill dos Direitos, o do Habeas Corpus, etc., mas o maior consiste em ser cada Cidadão julgado pelos seus pares. — Eu refiro-me ao Sr. Sarmento, quando disse, que o Jurado de pronúncia era a maior garantia das Liberdades Inglezas, até mesmo porque no preparo do Processo podem as testemunhas ser aliciadas pelo Juiz Instructor, e fazer outras cousas que não póde o Jury, sendo tirado d'uma urna, onde entram os nomes de todos os Cidadãos. Por tanto, Sr. Presidente, creio que demonstrando que não são Constitucionaes os artigos que tractam da pronúncia, apezar de estarem na Carta, fica igualmente provado que nós os poderemos alterar, porque esta diz, que só é Constitucional... (leu); por consequencia isto é uma doctrina regulamentar que nós podemos aqui modificar como quizermos.

Não haja receio de que a Sociedade soffra pela impunidade dos crimes, nem até agora, ninguem disputou que o Cidadão não fosse preso em consequencia do Corpo de delicto. Então o que se disputa? É que se elle fôr pronunciado pela opinião do Ministerio não possa deixar de ser reconhecido innocente, e se tendo sido eleito Deputado ha de ou não entrar na Camara. Lembrem-se bem os Dignos Pares, que é nisto que eu insisto, e que se este artigo 1.º passar, havemos de ter liberdade de eleição, e em caso contrario daremos um veto para o Governo poder annullar a mesma eleição; isto já nós vimos. — Eu gosto de exemplos de Paizes estrangeiros, porém de Paizes livres, quero os exemplos de Inglaterra, ou mesmo dos Estados Unidos da America, porque na organisação Judicial não foram elles Republicanos, mas não quero os exemplos de França, porque se fossemos assim viajando passariamos á Barberia, depois á Russia, e sabe Deus até onde nós iriamos. — O Sr. Ministro das Justiças, trouxe o exemplo de França, é uma verdade o que elle disse: é um dos maiores males em que está aquelle paiz, mas eu creio que isso tem feito o estado inquieto em que França actualmente se acha; o grande numero de accusações, que tem suscitado os accusadores d'officio, produziu uma das maiores agitações que se conhecem depois da Revolução; porque os perseguidos tem sempre a sympathia a seu favor, a curiosidade vai sempre atraz dos escriptos que se perseguem, e talvez se o grande Jury fosse o que fizesse a Pronuncia, não tivesse havido as grandes desordens que tem tido logar em França. — Esta não é a minha opinião, é a opinião dos melhores escriptores, e dos melhores Jornalistas de Inglaterra: por consequencia aquelle exemplo é a favor e não contra; porque estou persuadido de que o não haver o grande Jury em França é causa das desordens que alli ha. — Depois de ter tomado estes pontos, resta me dizer, que voto pelo 1.º artigo, sem emenda alguma, porque creio que qualquer, ha de ser tão prejudicial, que as pessoas que votarem por ella hão de ter de arrepender-se.

O Sr. Sarmento: — Levanto-me unicamente para fazer uma observação. — Tem-se impugnado o artigo debaixo do principio geral de Hermeneutica Juridica, que a excepção estabelece a regra em contrario. Em primeiro logar digo que não procede a excepção da regra, porque esta não existe. Que fez o Legislador da Carta? Appropriou á Nação Portugueza uma Constituição, imaginando quanto era possivel precaver encontros de opiniões, em uma e outra das duas Camaras, que estabeleceu, se dellas dependessem, e das decisões parlamentares, os direitos tanto dos Pares como dos Deputados. Para evitar algum futuro

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encontro entre as Camaras estabeleceu na mesma Carta uma iniciativa para essa Lei, relativamente aos Privilegios dos Pares, e dos Deputados, e quando lançou as bases do processo crime, por meio dos Juizes de Facto, para todos os casos igualmente estivesse estabelecida a Lei em que houvesse o modo positivo de processar os Membros das Camaras Legislativas. Ainda eu admittiria a excepção, mas não vejo aonde esteja a regra geral; esta hão de as Côrtes estabelecer, e parte della estamos nós fazendo agora, debaixo da condição de ser conforme aos principios Juridicos da Carta, que consistem, na nossa presente questão, em que os Juizes de Direito não dêem decisão importante sem serem assistidos dos Jurados: e tudo que se fizer contra esta regra geral tem o cunho da illegalidade, por não ser conforme á doctrina expressa na Carta.

A força, que tem os termos, Par e Jurado, são a mesma cousa, com a differença que este ultimo tem mais corrupção de lingua Latina. Dava-se antigamente este nome a quem occupava certo emprego publico de muita consideração. Mas esta idéa sofreu depois pelo transtorno geral, e mudança, que soffrem, cousas de seculos anteriores. Assim como entre ruinas e montõens, muitas vezes se acham fragmentos antigos, e cousas preciosas, não é para admirar, que aquella palavra Jurado, que até certo tempo, designou um empregado, como disse, de consideração na Sociedade, passasse depois a designar outro de muito menos dignidade, como entre nós veiu a acontecer, sendo esse termo a denominação de um emprego mui inferior. — Ducange e muitos outros que levaram á maior clareza a termologia feudal, dão as explicações necessarias. O que em lingua Latina se denominava Jurado, era Par, em termologia feudal. — O systema feudal, como observa Spelman, se deve considerar o Direito das Gentes das nações do Occidente, naquelle tempo. Resumindo o que acabo de dizer, duvido que se possa argumentar com a excepção de que fallei, como tirada d'uma regra de Hermeneutica Juridica; porque a Carta não tem essa regra geral e deixou ás Côrtes o estabelecela, e torno a dizer, que ella é a Lei, que ora estamos fazendo, a qual deve ser conforme ao espirito da Carta, que é o da Liberdade; sejam quaes forem as razões, que se derem, ainda as mais speciosas, uma vez que sejam contra aquelle espirito. (Apoiado.) O Legislador da Carta sabendo que a opinião Pública em Portugal, era em parte contraria á primeira Constituirão, e que um dos motivos disso era o não se acharem reunidos na primeira Constituição os differentes interesses politicos das diversas classes, tomou sobre si, ao mesmo tempo que deu a Carta, estabelecer um principio de Legislação, para quando os Membros das Camaras tivessem de ser julgados. — Concluo pois, que o argumento seria excellente se houvesse excepção, mas esta não póde existir, porque não existe a regra geral, e não se póde dizer que existe uma regra geral mental, logo esse argumento não destroe de maneira alguma a força dos primeiros que appresentei. — O mais parece-me que está dito por outros Dignos Pares, e como ainda faltam muitos a fallar, não cançarei por mais tempo a attenção da Camara.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu não seguirei o Digno Par em todos os seus argumentos nem mesmo na explicação que deu, e que muito gostei de ouvir.

— O Artigo da Carta que tem sido citado a respeito de Pares e Deputados diz (leu). Neste caso não julgo que nenhuma das Camaras Representantes seja um Conselho de Jurados; eu considero que a Camara dos Pares é Jurado em muitas occasiões, assim como é Juiz quando está formada em Tribunal de Justiça; mas este Artigo dá-me a intender que antes de se formar qualquer processo para um de seus Membros é preciso licença da Camara, e por isto este Artigo é necessario para que não fique livre a qualquer Auctoridade o tirar da Camara nenhum de seus Membros por um acto arbitrario; entretanto eu vejo que se tracta de prisão ou custodia, de pronuncia, e de todas estas questões talvez se não fosse o Artigo 3.º do §. 67 não se suscitaria esta questão. São as excepções daquelles individuos que não podem ser eleitores nem ter voto nas eleições. Alguns dos Dignos Pares querem que este Artigo não seja aplicado senão depois da pronuncia rectificada pela declaração do Jury; eu tambem desejo como os Dignos Pares que têem fallado que a Lei seja bem espressa, porem alguns casos estabelece mesmo a Carta nos quaes supõem que ha alguma medida a tomar, que precede a pronuncia, chamem-lhe custodia ou prisão, porque é necessario que a haja. — Eu julgo muito mais necessario que a pronuncia se faça conforme está estabelecido; pelo Juiz á vista do depoimento de testimunhas, pois que me não posso persuadir que a pronuncia tenha logar sem as formas legaes; por tanto não vejo a necessidade da decisão do Jurado, porque é natural que se não votará em um homem suspeito de crime; em Inglaterra não aconteceria isto; farei uma comparação: quer empregar-se um homem em uma administração, se elle é suspeito de ladrão de certo o não empregam: posto que o ser suspeito o não faz criminoso, e se elle fôr innocente fica sem mancha; porem a opinião individual não deve prevalecer quando se tracta dos direitos do Cidadão, nem eu tal quero estabelecer: por consequencia eu julgo não estar incluido nas excepções que estabelece o Artigo 57; e por isso reprovo o Artigo em discussão, e adoptarei a emenda proposta.

O Sr. Ministro da Justiça: — Pedi a palavra unicamente para uma explicação; e responderei a uma idéa do Digno Par o Sr. Conde da Taipa, que tanto nesta como na outra Sessão, mostrou um grande receio de conceder auctoridade de pronunciar a um homem só, pelo considerar agente do Governo. Permitta-me o Digno Par que lhe diga que não ha exactidão nenhuma neste raciocinio, porque o Juiz de Direito é tanto agente do Governo como o Digno Par. — Respondendo tambem ao que disse relativamente a outro ponto; direi que tenho muito medo dos frios do Norte, e gósto pouco do calor de Constantinopla; e que desejando ao meu Paiz tanta liberdade como se gosa em França, não lhe desejava cousa má.

O mesmo Digno Par attribuiu a maior parte das desordens que tem havido naquelle Paiz ao methodo da pronuncia: todos sabem muito bem a causa dessas desordens, e das perturbações em que se tem visto a França, e estou persuadido de que o Corpo Judicial Francez não merece a má conta em que o tem o Digno Par; a Côrte de Cassação de Leão, deu ultimamente um exemplo que eu estimaria ver seguido

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entre nós, e que prova não se lhe dever imputar cousa que pareça desairosa.

O Sr. Vice-Presidente, pediu ao Sr. Presidente, quizesse occupar a cadeira, o que S. Ex.ª fez, dando logo a palavra a

O Sr. Conde da Taipa: — Disse o Sr. Ministro da Justiça, que eu havia imputado á Magistratura Franceza a origem de todas as desordens em França; como lhe podia eu imputar esta falta, se ella tem absolvido tanta gente accusada de crimes de Imprensa, não havendo um sobre cem que tenha sido condemnado? O Poder Judicial é muito respeitavel em França; porém torno a repetir, o Poder de Policia, isto é o que forma os processos, o que pronuncía, esse é quem tem feito alli as maiores desordens. Se o Sr. Ministro da Justiça visse a Revista de Edimburgo, acharia que, o que acabo de dizer, não é só a minha opinião, é a de todos os papeis publicos, é a das pessoas mais imparciaes, e accreditadas: a causa das desordens em França tem sido o espirito de vingança que tem mostrado os Accusadores publicos contra os Jornalistas; tem sido este mesmo espirito a causa principal das maiores agitações.

Visto que estou em pé, direi tambem alguma cousa relativamente á Camara dos Pares, e á dos Srs. Deputados; ambas ellas tem um Juizo privativo, e isto não é uma preeminencia como o titulo de Digno, ou Senhor, é pelo espirito de Justiça: os Pares e Deputados estão diante da Nação tractando dos negocios de politica, tem differentes opiniões, e por isso, moralmente fallando, não tem senão amigos, ou inimigos, (porque para cousas politicas não ha, imparciaes) e por isso não podia tirar-se da uma dos Jurados senão ou homens de sua opinião, ou da opinião contraria, e então era impossivel que não sendo o Par, ou Deputado dos do seu partido o absolvessem; e esta é a razão porque se lhes deu um Juizo privativo que se julga ser sempre de pessoas imparciaes que não attenderão senão á Justiça. Quando a Duqueza de Berry foi presa, o Ministerio não a quiz julgar, e disse ás Camaras que não tinha senão dois meios de o fazer, ou na Camara dos Pares, ou pelas regras ordinarias; que por aquelle meio haviam de entregala a um Jury, que, ou era seu amigo, ou inimigo, pois neste caso não havia Tribunal imparcial, e que sendo extraordinario, pedia uma providencia special, a qual era de a ter em custodia, se as Camaras o permittissem: á vista destas razões as Camaras consentiram. — Por estes motivos de Justiça é que os Pares, e Senhores Deputados tem um Tribunal privativo; mas não o tem na formação do processo, porque lá está a primeira parte da pronuncia pelo Juiz, e depois a confirmação da Camara competente como Grande Jury; isto se vê do espirito da Carta; e se acaso houvesse duvida, e nós a quizessemos interpretar era necessario fazelo da parte da Liberdade, e não da arbitrariedade.

O Sr. Trigoso: — Não posso deixar de defender a Commissão de uma principal imputação que se lhe fez, vem a ser, que a Proposição da sua pluralidade, é contra a Carta; tem-se isto aqui dito repetidas vezes, sem que ainda ficasse decidido: eu, á vista dos seus artigos farei algumas reflexões para mostrar que a opinião da Commissão, não é contraria á Carta.

A séde fundamental da doctrina que diz respeito aos Jurados, são os artigos 118 e 119: diz aquelle que o Poder Judicial será composto de Juizes e Jurados, os quaes terão logar assim no Civel como no Crime, nos casos, e pelo modo que os Codigos determinarem: em consequencia quando a Carta se fez não haviam Jurados, e depois della considerou ainda que os não podia logo haver; não os fez dependentes de uma Lei Regulamentar (como na aplicação de muitas das determinações da mesma Carta), mas sim dos Codigos: tanta importancia julgou o Auctor da Carta que tinha este objecto, assim como a maneira porque o Jurado devia entrar nos processos civis e criminaes: ora os Codigos não se podiam fazer na primeira, nem na segunda Legislatura, era preciso dar tempo para isso, mas em quanto os não houvesse, era tambem necessario haver Jurados. Intendeu o Ministerio que se seguiu á promulgação da Carta, assim como aquelles que se lhe seguiram, ser necessario fazer uma Lei deslocada, marcando as differenças que havia dos Jurados aos Juizes de Direito; esta Lei está feita, e por tanto devemos considerar o Jury como existente. Mas sendo a Carta que estabeleceu o principio geral (art. 119): que os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei: segue-se que em todas as questões que houver Lei e facto, segundo a mesma Carta, deve haver Jurados e Juizes, para aquelles conhecerem do facto, e estes applicarem o Direito. (Apoiado. Apoiado.) A intelligencia que se deu á Carta, talvez fizesse julgar que não podia haver Jurados desde já, e que isso conservasse as cousas como estavam antecedentemente; mas a Carta deve intender-se a este respeito, como algumas de outras suas disposições. — No artigo 145 §. 17 diz ella, que se organisará quanto antes, um Codigo civil e criminal: vendo que o actual era muito cruel; entretanto ao pé desta disposição ha logo outra (§. 18) abolindo, desde já os açoutes, a tortura etc.: o mesmo fez a respeito dos processos crimes; disse, que houvesse Jurados, mas quando houvesse Codigos; estamos pois no caso de observar as Leis antigas, e de admittir juntamente o Jurado: assim no artigo 126 determinou que, depois da pronuncia, os processos fossem publicos, mas a pronuncia havia de ser secreta em quanto não houvessem os Codigos, mas visto que já ha Lei que reformou a antiga nesta parte, não póde ella continuar a ser secreta.

A respeito dos Pares e Deputados, ha a mesma rigorosa applicação; o Juiz pronuncia-os como dantes, mas a Carta já disse no artigo 27, que deve suspender todo o ulterior procedimento, até que a respectiva Camara decida se o processo deve ou não continuar. Mas que querem dizer estas ultimas palavras? Que a Camara decida se aquelle Membro foi ou não bem pronunciado: logo não ha aqui excepção alguma, comparando este caso com os geraes em que, seguido o artigo, deve intrevir o Jurado, pois que a decisão da Camara, é equivalente á de um Jurado, visto que pronuncía sobre o facto. (Apoiado.) — A respeito de culpa formada, como se deverá intender a disposição da Carta, em relação ao caso a que nos referimos? Visto que ninguem póde ser preso sem isso; em certo modo parece que devia intender-se na conformidade da Legislação anterior, porém uma vez que já temos uma Lei novissima que versa sobre o assumpto, não póde a culpa formada deixar de ser em

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conformidade com as suas disposições. — Eis aqui pois que para a intelligencia da Carta é preciso ver bem que relativamente ao estabelecimento dos Juizes de Facto, appresenta algumas determinações geraes, deixando para os Codigos o trabalho special sobre elles; resultando daqui ser a Jurisprudencia da Carta, em quanto ao Jury, segundo as Leis actuaes: logo estes artigos não devem ser intendidos na conformidade do tempo em que foram feitos. Além de que, se a Carta não se oppoem á disposição do Projecto, e reconhece a necessidade de haver Jurados e Juizes de Direito, segue-se que aquella não é contraria á mente do Legislador, sendo certo que se conserve o principio essencial da mesma Carta; isto é que os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam o direito: consequentemente todas as vezes que houver facto e direito, ha de, sobre este, intervir o Juiz, e o Jurado sobre aquelle; como acontece na pronuncia, em que indubitavelmente se tracta da averiguação de um facto.

Tem-se aqui dito, que o Juiz de Direito pronuncía; é verdade; elle o faz verdadeiramente, mas não inteiramente, porque ainda depende da declaração uniforme do Juiz de Facto; o Juiz de Direito manda prender o indicado só por si, entretanto não fórma pronuncia; mas eu creio que nem o primeiro facto se consegue; por quanto o Projecto diz, que o Juiz de Direito conforme a declaração do Jurado, procederá á prisão do suspeito. Mas diz-se que custodia é o mesmo que a prisão; eu tambem o disse aqui ha dous mezes; não é assim. — Quando se tractava do Direito constituido, é sem dúvida, que os custodiados soffrem o mesmo encommodo que os presos; mas no caso em questão, existe alguma differença; até me lembra que a antiga Legislação a estabelece, pois que os Alvarás de 21 de Outubro de 1763 e o outro de 24 de Outubro de 1764 expressamente declaram, que a custodia é differente da cadêa, e em dous casos que positivamente considera, (a resistencia a Officiaes de Justiça, e a prisão dos Militares pelas rondas civis) em ambos declara que os presos sejam levados á custodia. Além de que, o homem que está em custodia, está sim privado da liberdade individual, mas não de direito algum de Cidadão; e para o ser é necessario que esteja em prisão; caso em que ha todos os inconvenientes, pois quem nella se acha está sujeito a correcções, e perde o goso não só da liberdade mas tambem dos seus direitos: por tanto a detenção em custodia não irroga infamia alguma ao Cidadão, é um acto de Juiz de Direito, pelo qual se conserva um homem seguro, para não fazer mal a Sociedade, visto estar suspeito de um crime; quando este se prova e depois que o Jurado concordou com o despacho do Juiz.

Eis-aqui o sentido em que fallou a pluralidade da Commissão, e foi neste mesmo sentido que eu disse que o Juiz punha o accusado em custodia, e que só depois da declaração do Jurado passava desta para a cadêa. — Parece-me por tanto ter provado que o artigo não é contrario á Carta, antes conforme a ella, ao menos ao seu espirito; e que a idéa com que lançou a principio geral, deve ser intendida como disse.

O Sr. Conde de Linhares: — Levanto-me para expôr succintamente que de maneira alguma quero tolher a applicação de tão util instituição, nem tão pouco fallei dos Jurados de accusação neste sentido: pelo contrario desejo que o Jurado de accusação seja conservado não só para decidir da pronuncia, mas até da Justiça da accusação, formada por parte da justiça publica, pelo Delegado do Procurador Regio, quando falte a parte accusadora. Segundo a Lei de 16 de Maio de 1832, a vista a este Magistrado para a formar a accusação, é acto subsequente á decisão do Jury d'accusação; eu quizera que se seguisse immediatamente a pronuncia do Juiz. Ora como não é o objecto do Jury d'accusação decidir sobre a propriedade da pronuncia do Juiz, mas sim se das suas conclusões resulta materia de culpabilidade para o iniciado como suspeito, nenhum inconveniente póde haver em que o Jury decida juntamente o mesmo, sobre os fundamentos da propria accusação, e o que a final vem a redundar na decisão de uma só questão, a saber se com effeito ha motivos sufficientes para se realisar ou não o processo; creio que ninguem poderá taixar-me de querer nisto anniquilar esta garantia, que considero em todo o caso essencial e util a segurança individual. Além de que, determinando o artigo 126 da Carta Constitucional que os actos subsequentes á pronuncia, sejam desde já publicos, e sendo a formação da accusação necessariamente um acto que não póde ser senão privado, o que muito bem o prova o mesmo § 204 da Lei de 16 de Maio (leu-o) é muito mais conforme ao espirito da Constituição, o anticipalo como proponho á decisão do Jury. Olhando agora para a promptidão com que se podem decidir os processos desta maneira, e no que muito se favorecem os accusados de crimes, é incomparavelmente preferivel este methodo, por cujo meio os innocentes ficam privados, pelo mais curto espaço dos seus direitos. — Por tanto intendo que a pronuncia se intenda feita pelo Juiz, e não pelo Jury d'accusação, o qual deve só decidir se ella é ou não procedente, para se verificar o processo, havendo suspeitas fundadas de criminalidade.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu poucas palavras direi, não sendo muito facil a minha posição, tendo de responder ao Digno Par Vice-Presidente; mas se eu intendo bem a força do seu argumento, elle estabeleceu que a creação dos Jurados foi prematura. — Este principio foi estabelecido com a Carta, assim como foi a liberdade de Imprensa, principios que não podem emendar-se, e uma vez estabelecidos os Jurados para um facto, devem ser estabelecidos para todos; eu nesta parte não faço a apologia do Ministro actual, porque não tive parte nenhuma nos Jurados. — Quanto ás Leis Inglezas, creio que não tem a applicação que lhe deu o Digno Par. É o artigo 126 o que regulou a fórma dos processos (leu); diz que são publicos; e as Leis existentes naquelle tempo não podiam deixar de ser seguidas; porém agora já não acontece assim, porque se tem feito muitos Decretos que tem força de Lei, e entre eles foi o da creação dos Jurados. — Em ultima instancia em Inglaterra o Juiz explica o facto aos Jurados, estes decidem delle, e o Juiz applica a Lei, isto é, em ultima instancia, mas não me parece que seja necessario para este caso, toda garantia para que o Juiz não use de um acto arbitrario está na publicidade do processo, e não ha que receiar esse inconveniente. Quan-

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to á custodia ou prisão, do que eu não faço grande differença, a não posso deixar de me inclinar, que havendo um forte motivo de suspeita, seja muito melhor que o individuo indiciado, perca por esse facto, segundo a Carta determina, os direitos de que elle gosaria senão estivesse pronunciado.

O Sr. Gyrão: — Tenho a responder aos argumentos de dous dos Dignos Pares que me precederam; mas antes disso devo lembrar que passa muito da hora em que se costuma levantar a Sessão, e como esta questão é da maior transcendencia, e nós não somos de ferro, pediria que ficasse addiada.

O Sr. Marquez de Fronteira: — Proponho se consulte a Camara se a materia está sufficientemente discutida.

O Sr. Presidente: — Não posso interromper um Orador, que tem a palavra.

Uma voz da Esquerda: — Fallou já duas ou tres vezes.

O Sr. Ministro da Marinha: — O Sr. Gyrão fallou uma vez sobre a materia, e a segunda foi para dar uma explicação.

Teve então a palavra, e disse

O Sr. Gyrão: — Se eu me recordo bem do que ouvi dizer ao Digno Par, e meu particular amigo o Sr. Sarmento, parece-me que os seus argumentos consistiram em afirmar que a emenda proposta pelo Sr. Conde de Linhares era contra a Carta, e depois de extensos, e mui bem feitos episodios sobre o caso do Conde de Penamacor, disse que o Cidadão pronunciado pelo Juiz de Direito ficava stigmatisado, ainda que se mostrasse depois innocente: instruiu-nos tambem sobre o methodo seguido, em varias Nações para pronunciar um réo, disse que as Leis que nos regiam foram feitas pela Dictadura, e que pelas antigas havia um melhor recurso das pronuncias. — Respondo a isto por partes. — Quanto a ser a emenda contraria á Carta, parece-me que a mais subtil hermeneutica juridica o não poderá provar; porque o artigo 119 da mesma Carta diz assim = Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei. = Quem é que não conhece o verbo pronunciar posto na terceira pessoa do plural do tempo presente, e na significação de fallar ou emittir a sua opinião sobre o facto criminoso? — Se assim não fosse, seguia-se que nunca os Jurados podiam intrevir na Sentença final, nem passarião da pronuncia; mas isto é tamanho absurdo, que não julgo preciso expender mais argumentos. Por conseguinte se o artigo 119 falla sómente em generalidade, e quer dizer que os Jurados hãode julgar de facto, e os Juizes applicar a Lei, segue-se que a emenda não e anti-constitucional, nem disso tem a mais ligeira sombra. Quanto ao episodio do Conde de Penamacor, nada mais direi senão que fiz gosto de ouvi-lo; mas que nada tem de ver com esta questão. — Pelo que respeita á ferida que faz na reputação do réo iniciado no crime, a pronuncia do Juiz, ficando assim stigmatisado, como disse o Digno Par, respondo que outra igual lhe faz a declaração do Juiz, quando ordena que elle seja detido em custodia; porque o novo rodeio de palavras com que se explica a mesma cousa não o livra disso; pronuncia é o mesmo que uma declaração, e deter em custodia vale outro tanto como prender. O que mancha a reputação de qualquer individuo é a suspeita de ter comettido um crime, e por isso a pronuncia, e a declaração de que deve ir para a cadeia tem o mesmo resultado. — Eu bem percebo, Srs., que o ponto de mira vai ter direito ao caso particular de um individuo, por amor do qual se pertende fazer esta Lei; mas eu olho para o bem da Sociedade em geral, para aquillo que me parece justo e rasoavel, e não me importam casos particulares; porque o bem de muitos deve prevalecer ao de um só: quando nos desviamos deste rumo, só encontramos escolhos como agora acontece.

Disse mais o Digno Par, a quem respondo, que as Leis actuaes, porque nos regemos, são do tempo da Dictadura; mas pergunto eu: São boas ou más? Se são boas, que nos importa que sejam feitas por um Dictador; e se são más, apontem-se os deffeitos. Por minha parte tributo os maiores elogios de gratidão a quem as fez; pois nos deu a Carta, remiu-nos do captiveiro em que nos achavamos, elevou-nos ao grão de civilisação em que nos vemos, pelo que respeita á Legislação, pois é igual da que tem as Nações mais cultas, e mais civilisadas da Europa, salvas poucas excepções; em fim o nosso Dictador era um Philosopho Guerreiro, que largava a espada por alguns momentos para sanccionar melhores Leis do que as Camaras hão de fazer em cincoenta annos. = Sejamos gratos á sua memoria, e lembremo-nos que se Licurgo se deixou morrer no voluntario desterro para fazer guardar as suas Leis aos Spartanos, tambem o nosso Libertador Augusto deu a vida aos pedaços para nos fazer felizes, usemos de outros argumentos, e não destes sophismas, que indirectamente vão offender no tumulo o melhor amigo que teve esta Casa; e este malfadado Portugal.

Passando agora a outro ponto da questão direi que o meu argumento de ser inexequivel o artigo, em razão de serem muitos os crimes, e de ser impossivel que todos elles sejam examinados pelo Jury de pronuncia, ainda está em pé; pois que ninguem lhe respondeu: tanta é a sua força!... Com effeito eu já fiz ver que nos primeiros tres dias deste mez houve trinta e seis crimes só na Capital, e nos outros dias seguiu-se o mesmo; por conseguinte se o artigo passar será inexequivel; os Jurados se cançarão de trabalhar todos os dias, e por fim tantos inconvenientes havemos de ter neste processo, que nos hade accontecer o mesmo que succedeu aos Francezes = ficar sem Jury de pronuncia.

Eu não temo agora a falta de liberdade, receio os seus excessos, e tenho medo que este espirito vertiginoso, em que nos achamos, chamado Constitucional, creste as azas, e caia morto junto da pyra que lhe fascina os olhos; porque voltija muito á similhança da incauta e recem-nascida borboleta. Que precisão temos desta Lei? Nenhuma por certo. Então porque não esperaremos a confirmação da experiencia, para que serve theorisar continuamente, e nunca ter estabilidade em nada? — Por todas estas razõens voto de novo contra o artigo em discussão.

O Sr. Conde da Taipa: — Isto é querer imputar um absurdo sem razão alguma: ninguem disse ainda, que quando um homem fosse pronunciado antes da rectificação do Jury, entrasse para uma Camara; o que se pertende é que depois de se declarar,

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que não ha logar á Pronúncia pelo Jurado, não possa ficar inhibido de entrar na Camara tendo sido eleito; pois se o Jury rectifica a Pronúncia não entra. Dizer-se que isto é contra a Carta, não sei como o Digno Par foi achar isto! Querer o contrario, é que é um absurdo palpavel: é o mesmo que sustentar que um individuo innocente soffra uma pena; e toda a doctrina que se tem expendido contra o artigo, importa o mesmo que dizer, ha de haver um castigo para aquelle que não se sabe se é culpado! Repito, que não se disse entrasse na Camara, ou na Municipalidade quem estivesse indiciado de um crime, mas sim, que fique suspensa essa decisão, até que o Jury diga se tem ou não logar a Pronúncia: e admira que se podesse dar outra interpretação ás palavras de quem sustentou o artigo; nada mais legal e justo, do que prevenir que um Juiz qualquer pelo seu véto possa obstar á vontade de trinta mil Cidadãos; o contrario sería o maximo absurdo que se tem proferido, e parece impossivel haver quem o pertenda; isto é, haver quem queira se imponha uma pena a quem está innocente.

O Sr. Sarmento: — O Digno Par fez alguma allusão ao que eu disse: tenho muito pezar que algumas das Leis que se fizeram nos Açôres se não ponham em práctica, por exemplo, a Lei das Juntas de Parochia, a unica efficaz, para o estabelecimento da Policia Municipal. Como o Digno Par notou que eu tinha sahido alguma cousa da questão, digo que eu não tractei dessas Leis, tractei sómente da necessidade de corrigir, ou remediar o estado em que está a Nação: ha uma deslocação de auctoridades, que ameaça a continuação da anarchia. Uma Lei capaz de occorrer a todos os males como se pertende ser a da Administração, sería um programma excellente, para uma Academia; porque prevenir em uma Lei tão geral todos os casos, está fóra dos limites humanos: sómente faço esta explicação, para dizer que não ataquei Lei alguma; até creio que o Sr. Ministro das Justiças approvou a minha opinião de ampliar a Lei, que estabeleceu a Policia Correccional, e tirar das mãos do Poder Administrativo essas Leis de Policia preventiva, porque o revestir uma auctoridade administrativa, já forte pelas suas proprias attribuições, ajuntando-lhe jurisdicção criminal, é peior ainda que a auctoridade dos Prefeitos do Pretorio nos tempos do Imperio Romano. Eu vejo que os Provedores tem ordem de prender, os Prefeitos prendem: mandam os Corregedores, cuja auctoridade sempre foi a de Delegados do Rei: não sei que possa haver maior accumulação de poder, e quando se invoca a Carta Constitucional que os dividiu. Entretanto segue-se que faltam providencias puramente administrativas, para cujo fim se diz que foram creadas estas auctoridades, que se occupam de outros assumptos. Se fiz alguns reparos, para mostrar algumas faltas, que ha na Lei, tinha direito a fazelos, e justifico com argumentos aquillo que me pareceu necessario observar, porque para mim nada póde haver mais extravagante que é uma Lei que existe, e ao mesmo tempo não existe, para os seus fins. Disse Burke, que o maior despotismo, que ha no mundo, é a existencia de uma Legislação má.

Havendo os Srs. Marquez de Loulé e Ministro da Justiça pedido a palavra, disse

O Sr. Presidente: — Ha dois Dignos Pares que pediram a palavra sobre a materia (um delles é o Sr. Marquez de Loulé que ainda está em pé): o Sr. Ministro da Marinha tambem a pediu sobre a ordem; o Sr. Marquez de Fronteira, propôz se perguntasse á Camara se a materia estava sufficientemente discutida, e o Sr. Gyrão requereu o addiamento: no meio disto, julgo-me obrigado, primeiro que tudo, a propôr se a Camara julga a materia discutida.

O Sr. Marquez de Loulé: — Antes disso queria fallar sobre a Ordem.

O Sr. Presidente: — Então tem a palavra primeiro o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu pedi a palavra sobre a ordem antes do Digno Par que acaba de fallar, que disse seria menos extenso na sua explicação, mas creio que foi mais extenso que nenhum dos outros. Pedi a palavra, como disse, para requerer a V. Exc.ª que propozesse á Camara se a materia estava sufficientemente discutida.

O Sr. Marquez de Loulé: — Tambem me levanto para pedir a V. Exc.ª queira pôr á votação se a materia está sufficientemente discutida; porque, na minha opinião, está não só esgotada, mas até já decidida: a decisão que a Camara tomou na anterior Sessão, é a mesma que hoje ha de tomar-se; então approvou ella em geral a doctrina da Proposição. E qual é essa doctrina, perguntaria eu aos Dignos Pares que votaram a favor da Proposição, e agora rejeitam o artigo? Não ha outro ponto de doctrina, senão que a pronuncia não fica completa antes da decisão do Jury; por isso tanto o artigo 2.º como o 1.º (leu-os) não são mais que desinvolvimentos daquelle ponto. Por conseguinte, torno a dizer, que perguntaria aos Dignos Pares, que na Sessão precedente approvaram em geral, e hoje rejeitam em particular este artigo 1.º (como faz o Sr. Ministro da Marinha) o que lhes agradou; porque, torno a dizelo, a Lei, além daquelle principio special de que na pronuncia concorram os Jurados, não tem nada; e tanto que o mesmo artigo 3.º contém uma declaração que podia escusar-se, porque está intendido, que sendo a Lei igual para todos, todos hão de gosar do beneficio desta. Concluo pois, que os Membros que hontem approvaram em geral a materia, incorrerão n'uma contradicção espantosa se hoje a desapprovarem.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu fui designado de uma maneira tão positiva, que não pude deixar de dizer alguma cousa....

O Sr. Marquez de Fronteira: — Ha muito tempo pedi a V. Exc.ª propozesse se a materia estava sufficientemente discutida.

O Sr. Vice-Presidente: — Quando eu ia a propôr isso, pediram a palavra sobre a ordem dous Dignos Pares; mas o segundo a quem a concedi parece que entrou sobre questões que não eram da ordem; este incidente fez com que eu não podesse consultar a Camara sobre o Requerimento do Digno Par, que aliás estaria decidido. Eu não posso negar a palavra sobre a ordem a nenhum dos Dignos Pares: isso, quando muito, pertence á Camara.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu julgava ter satisfeito com a explicação que já dei; agora convidarei o Digno Par Vice-Presidente que diga, se é fundada essa increpação do Digno Par que acaba de fal-

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lar, que vem a taxar já de inconsequente o voto que eu ainda hei de dar. Não dou mais explicações que aquellas que já dei.

O Sr. Margiochi: — Eu julgo que a materia não está sufficientemente discutida, ao menos para mim; porque tenho argumentos que fazer, e queria que me respondessem a elles: eu quero provar que nós temos já um Codigo de impunidade; é horroroso eu dizer isto, mas é a verdade; quero mostrar tambem que se passar este primeiro artigo que veio da Camara dos Senhores Deputados, altera-se essencialmente esta grande instituição dos Jurados, tão gabada; e ainda tenho outra objecção a fazer, e é, que se passar este mesmo artigo, vamos fazer uma Lei special, que não serve senão para aquelles que tem mais de 400$000 réis de renda; por consequencia eu queria sobre tudo isto dizer as minhas razões, para que me respondessem a ellas.

O Sr. Presidente: — A Camara tomará em consideração o que o Digno Par acaba do ponderar.

Julgada a materia sufficientemente discutida; disse

O Sr. Marquez de Loulé: — Peço que a votação seja nominal.

A Camara accedeu a este Requerimento.

O Sr. Presidente: — O Projecto veio com o Parecer da Secção de Legislação desta Camara, que, a este respeito, se dividiu em duas porções, e appresentou duas Proposições, uma offerecida pela maioria, e outra pela minoria; depois appresentou, tambem o Sr. Conde de Linhares uma emenda ao artigo 1.º Vou por tanto pôr successivamente á votação todas estas cousas; principiarei pelo Projecto da Camara dos Senhores Deputados.

O Sr. Conde da Taipa: — O estilo da Camara é votar, antes de tudo, sobre o Parecer da Commissão, que é o que está no impresso debaixo do titulo de Proposição do Digno Par o Sr. Trigoso.

O Sr. Souza e Holstein: — Houve alguem que pediu a rejeição simples do artigo 1.º; parece-me que esta deveria ser a ordem da votação.

O Sr. Presidente: — No caso referido pelo Sr. Conde da Taipa, occorre a difficuldade de que o Parecer veio dividido em duas fracções; entretanto parece-me que depois de uma discussão tão dilatada, a qualquer dos Dignos Pares lhe será indifferente que se ponha á votação uma ou outra Proposta; é questão que a Camara póde decidir de uma ou de outra maneira.

O Sr. Conde de Linhares: — Parecia-me mais natural propôr o artigo do Projecto da Camara Electiva, até porque houve um Digno Par que disse votava por elle puro e simples.

O Sr. Presidente: — O costume é votar primeiro sobre o Parecer da Commissão.

O Sr. Conde da Cunha: — Então peço se ponha em pratica.

O Sr. Presidente: — A unica dúvida que occorre para se affastar della, foi vir o Parecer de uma fórma insolita; entretanto isso é o mesmo.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Como as Propostas da Commissão, e a da Camara dos Senhores Deputados, são quasi o mesmo, pediria a V. Exc.ª as pozesse á votação, salva a redacção.

De ambos os lados da Camara: — Nada, nada.

O Sr. Presidente: — Os Dignos Pares que approvarem o artigo 1.º do Projecto da maioria da Secção de Legislação, dirão approvo; e rejeito, os que o não approvarem.

Procedendo-se logo á chamada, disseram approvo os seguintes Dignos Pares

Os Srs. — Trigoso.

Marquez de Fronteira.

de Valença.

de Loulé.

de Ponte de Lima.

de Ficalho.

Bispo Conde.

Conde da Cunha.

da Taipa.

de Paraty.

do Farrobo.

Visconde de Sá da Bandeira.

da Serra do Pillar.

Barão de Alcobaça.

Mello Breyner.

Machado.

Sarmento.

E disseram rejeito, os Dignos Pares

Os Srs. — Duque de Palmella.

da Terceira.

Marquez de S. Paio.

Conde de Villa Real.

de Lumiares.

de Linhares.

Souza e Holstein.

Margiochi.

Gyrão.

Braamcamp.

Macedo.

Gamboa e Liz.

Gerardo de Sampaio.

Ribeiro de Abranches.

Assim ficou approvado o artigo 1.º do Projecto da maioria da Secção de Legislação, por 17 votos contra 14; e em consequencia prejudicado o da Proposição da Camara Electiva, e a emenda do Sr. Conde de Linhares.

O Sr. Presidente, deu para Ordem do Dia da Sessão de ámanhan, a continuação da discussão dos artigos do Projecto sobre Pronúncias. — Sendo 5 horas e meia, disse que estava levantada a Sessão.

(P.)

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