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SESSÃO DE 23 DE MARÇO.

Vinte minutos depois do meio dia, occupou a Cadeira o Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Secretario Barão de Alcobaça, havendo concluida a chamada, declarou estarem presentes 31 Dignos Pares, faltando, além de Sua Alteza Real o Principe D. Auguro, e dos que ainda não compareceram, os Srs. Marquez de S. Paio, Conde de S. Paio, Visconde de Sá da Bandeira, e Sottomaior, todos com participação á Camara.

O Sr. Vice-Presidente disse, que estava aberta a Sessão; e lida a Acta da precedente pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, foi approvada sem reclamação.

Distribuiram-se pelos Dignos Pares, impressos de uma obra intitulada = Apologia do Coronel de Infanteria Jeronymo Pereira de Vasconcellos =; assim como de uma Ode a Sua Alteza Real o Principe D. Augusto, composta por Joaquim José dos Ramos.

O Sr. Secretario mencionado deu conta de um Officio do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, participando haver Sua Magestade a RAINHA exonerado o Digno Par Duque da Terceira do Ministerio da Guerra, e havelo outro sim nomeado Chefe do Estado Maior do Exercito; e que a mesma Augusta Senhora encarregára interinamente do Despacho do referido Ministerio ao Digno Par Conde de Villa Real. — A Camara ficou inteirada.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Pela participação que acaba de ouvir ler-se sabe a Camara, que o Digno Par Duque da Terceira foi nomeado Chefe do Estado Maior do Exercito, cujo Commando em Chefe Sua Magestade conferiu ao Digno Par o Principe D. Augusto; e como o artigo 31 da Carta determina que em quanto durarem as funcções de Par ou Deputado, cesse o exercicio de qualquer emprego, á excepção dos de Conselheiro d'Estado, e Ministro d'Estado, desejava que V. Exc.ª pozesse á votação se a Camara dispensava neste artigo relativamente a Sua Alteza Real, e ao Sr. Duque da Terceira.

O Sr. Vice-Presidente: — A Camara o resolverá.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Não póde haver a menor duvida, nem me parece que Membro algum se opponha.

O Sr. Vice-Presidente: — Mas sempre é preciso uma votação da Camara. — Por tanto proponho, se a Assembléa dá licença que o Digno Par o Principe D. Augusto, fique com o exercicio de General em Chefe do Exercito, e o Digno Par Duque da Terceira com o de Chefe do Estado Maior?

A Camara resolveu affirmativamente.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão da Proposição para a venda dos Bens Nacionaes. (Vide pag. 163.)

Leu-se o seguinte

Art. 4.º No preço dos Bens que se venderem em virtude da presente Lei, poderão entrar em todo ou em parte.

§. 1.º As apolices, ou titulos de Divida Nacional, que vencem juro.

§. 2.º Os titulos dos emprestimos Nacionaes, ou estrangeiros, contrahidos desde o anno de 1823.

§. 3.º As cedulas dos Juros dos Padrões Reaes, vencidos desde o 1.º de Agosto de 1833.

§. 4.º Os titulos de soldos e ordenados vencidos, pertencentes a individuos que permaneceram, fieis á RAINHA, e á Carta Constitucional.

§.º 5.º Os titulos de Tenças, e Pensões vencidas, durante a usurpação; e bem assim os titulos de Congruas Ecclesiasticas que se pagam pelo Thesouro, pertencentes a pessoas, que permaneceram fieis á RAINHA e á Carta.

§. 6.º Os titulos de Papel-moeda mencionados no art. 4.º do Decreto de 23 de Julho de 1834, da maneira alli determinada.

§. 7.º As apolices, ou titulos do emprestimo do Porto, de que tracta a Lei de 20 de Fevereiro deste anno, e segundo se acha determinado no art. 6.º da mesma Lei.

§. 8.º Os titulos que se derem ou tiverem dado por indemnisação: 1.º dos rendimentos dos Bens sequestrados, ou confiscados no tempo da usurpação, que effectivamente entraram no Fisco: 2.º das perdas e damnos provenientes da extincção dos Direitos das Pescarias: 3.º das perdas e damnos provenientes da extincção dos Dizimos que se achavam annexados in perpetuum a algumas familias, ou vinculados, os quaes serão indemnisados na sua totalidade: 4.º da perda, ou diminuição total ou parcial do rendimento em Dizimos das Commendas das Ordens Militares, calculado sobre o methodo estabelecido no Decreto de 30 de Julho de 1832. (*)

(*) Decreto de 30 de Julho de 1332, art. 10.º

«Receberão em logar do rendimento liquido anterior um ou mais predios rusticos ou urbanos dos Bens Nacionaes, cujo rendimento seja em termo medio dos quatro annos anteriores, igual á metade do rendimento do termo medio da mesma época, que lhes davam as Commendas ou os Dizimos: porém o predio, ou predios havidos por este titulo serão reputados em tudo, como se tivessem sido comprados á Fazenda Pública.»

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Todos os titulos indicados nos §§. precedentes serão recebidos pelo seu valor nominal, qualquer que seja o que tenham no mercado.

Na generalidade porém dos mesmos §§. não são comprehendidos os titulos, ou apolices emittidas em nome do governo usurpador, ainda quando venham a ser, para outro qualquer fim, reconhecidas.

O Sr. Vice-Presidente: — Continúa a discussão do §. 1.º do art. 4º que ficou addiado ha Sessão precedente. — Tem a palavra o Sr. Gyrão.

O Sr. Gyrão: — Fallou-se hontem em preço do mercado, e deseja-se fazer uma Tabella, em que se determinem os valores dos titulos que vencem juros, em relação a esses mesmos juros: essa lembrança é seductora, e muita gente de boa fé se illude, e pensa que desta maneira o Estado lucrará muito na venda dos Bens Nacionaes, livrando-se de pagar os juros annuaes; vejamos o que verdadeiramente deve resultar d'uma tal medida.

Primeiramente observarei que nós não temos um verdadeiro mercado de Papeis de credito, como ha em Londres; porém sabia-se até aqui na Praça do Commercio quanto valiam estes Papeis: mas quem determinava esse valôr? A concurrencia, o juro relativo, e o estado em que se achava o Governo para o pagar com mais ou menos promptidão... Logo o juro, e a certeza de o receber é que determinavam o sobredito valor, que nada mais é do que um capital proporcionado ao juro. — Agora mudaram as cousas de face inteiramente; e logo que se publique esta Lei, de que tractamos, já não é o juro que determina o valor dos titulos, mas sim o seu nominal; porque o juro cessa desde o momento em que se effeituar a venda de qualquer propriedade a troco desses titulos; e como aquelles que os possuem é que são senhores de lhe determinar o preço a dinheiro, quando algum lhos quizer comprar, segue-se que todos os possuidoras devem pedir por elles o mesmo que representam nominalmente; porque ninguem quer perder o que tem, nem é provavel que vendam por 60 um titulo, que possa entrar com o valor de 100, na compra dos Bens Nacionaes; as pequenas excepções que póde haver, é alguma venda particular filha de circumstancias individuaes, que não alteram a regra geral, nem determinam o preço do mercado; logo este preço com que se pertendem formar as Tabellas, tirado do sobredito mercado, será infallivelmente o mesmo valor nominal dos titulos em questão. — Por conseguinte fica muito desairoso a esta Camara expressar-se em materia tão grave, com uma linguagem estranha á Economia Politica, não prever os resultados, e dar indicios de não querer pagar aquillo que se fez por contracto, e que se deve guardar religiosamente: o Estado prometteu de pagar esses titulos pelo seu valor nominal, e deve assim pagalos infallivelmente se quer ter credito, e contar com recursos promptos em qualquer urgencia.

Agora mostrarei com toda a evidencia que admittindo os titulos á compra dos Bens Nacionaes pelo seu valor nominal, realmente os vem á resgatar pelo valor relativo ao juro que elles vencem, e talvez por menos; porque a concurrencia, e só a concurrencia livre e franca, é que determina o justo valor das mercadorias no mercado, visto que alli não se faz mais nada senão trocar mercadorias por mercadorias: os metaes preciosos são mercadorias, e aquillo que os representa tem a mesma natureza; logo, os artificios, as Leis, as taxas, o mais que podem fazer é acertar com o preço real e verdadeiro das cousas vendaveis; se aceitam nada mais fazem do que a concorrencia; e se não acertam prejudicam muito ao comprador e vendedor.

Vejamos o que se passa no acto d'uma arrematação — Os titulos de juro de 3 e de 4 por cento concorrem com os titulos que não vencem juro, a saber: de soldos, de ordenados, de recompensas pelos prejuizos da extincção dos dizimos, de congruas, de juros de Padrões Reaes, etc. etc.; por consequencia os portadores destes ultimos Papeis desejosos de se desfazerem delles a troco de propriedades, aonde encontram a realidade visivel, e permanencia segura, o rendimento provavel, e muitas vezes a estimação e o gosto, devem necessariamente cobrir todos os lanços, e por isso forçam os outros portadores, ou lançadores, que tiverem Titulos de juro a lançar acima das louvações, tanto quanto fôr a parte nominal dos seus titulos excedente da real; de maneira que o lançador que tiver titulos de vencer juro de 3 por cento, póde lançar pelo valor em terras representativo de cem mil réis até cento e sessenta e seis mil réis; e o que lançar nas mesmas com tenção de pagar em titulos sem juro, póde dar duzentos mil réis, e necessariamente os hade dar, porque depois de cubrir os lanços dos que tem Papeis de vencer juro, concorre com os outros Lançadores que tem titulos sem juro, e segundo a conveniencia que fizer a propriedade que mais deseja, assim será o seu lanço mais elevado, donde se segue uma vantagem mui grande para o Estado; porque vendendo fazendas do valor de 15 milhões de cruzados rime uma divida de 30 ditos, e ganha 15 nesta operação.

Pelo contrario se excluissemos todos os titulos que não vencem juro, e bem assim os de pequenos juros, quaes são de 3, e 4 por cento, segurasse que havendo poucos concurrentes, e sendo os Titulos d'um grande valor em rasão do alto juro, as fazendas que se pozessem em praça baixaria a muito do preço da avaliação, tanto por falta de concurrencia, como porque as terras não rendem mais de 3 por cento, d'onde resultava que a terra do valor de cem mil réis não acharia na praça senão cincoenta, e para amortisar 30 milhões de cruzados, era necessario vender propriedades que valessem 60 ditos, vindo assim a perder o Estado 30 milhões em tão mal calculada operação. — Que importa por tanto, á vista desta grande perda, que nos livrassemos de pagar os juros annuaes de cinco, ou seis por cento, se perdiamos um capital muito grande, que podia render outros tantos juros. — Senhores, nas operações de credito, e de vendas observa-se o mesmo que nas forças mechanicas: usamos de machinas para levantar um peso muito grande, e que fazemos com isto? Ganhamos em força o que perdemos em tempo. — Por conseguinte aquillo que se conforma com os luminosos principios da Economia Politica, com a rasão, e com a justiça, é deixar á livre concurrencia dos compradores a compra dos Bens Nacionaes; pois esta balançará os diversos interesses tanto dos Lançadores como do Es-

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tado, e ninguem se poderá queixar de nós com justificados motivos. — Voto por tanto pelo Parecer da Commissão a que pertenço, tal como essa.

O Sr. Margiochi: — Na ultima Sessão, Sr. Presidente, eu concebi algumas aprehensões a respeito do nosso credito, quando julguei que nós iamos offerecer para pagamento uma quantia que não tinha proporção com a divida, e para isso pedi algum tempo para saber qual é a do estado da nossa Fazenda, e para ver se podia obter alguma idéa, de qual era o valor dos nossos Bens, e então tive a satisfação de ver que o resultado era muito agradavel, porque olhando para o defficit actual que apparece no Orçamento appresentado pelo Sr. Ministro da Fazenda, eu acho que é de 4:450:000$00 réis; sobre esta quantia tem-se levantado altos clamores, julgando que ella é extraordinaria, com tudo comparando-se com outro Orçamento que foi feito em 1823, e no qual o defficit era de 2:000 e tantos contos, não acho differença senão de 1:500:000$ réis, isto é, de menos de quatro milhões: ora esta differença é puramente devida aos acontecimentos posteriores, e é ainda menos do que são os encargos que tem accrescido depois daquella época pelos emprestimos estrangeiros, os quaes importão em setenta e cinco o milhões, dos quaes é preciso pagar o juro, sendo todo elle a 6 por cento, são necessarios mil e oitocentos contos de réis, e mais do que seria a differença do defficit em 1823 para o actual; por consequencia vê-se que senão fosse a guerra que tem havido, e que tivemos de sustentar contra o usurpador, o estado do Paiz actualmente está melhor, a pezar de ter perdido os dizimos; se o defficit de 1823 não assustou, tambem este não deve assustar; eu fallei com pessoas que tem conhecimento bastante do estado actual das nossas finanças, as quaes dizem que se nos appresenta um futuro muito lisongeiro, pelos recursos que necessariamente hade haver pelas reducções que se fazem em tempo de paz no Exercito, e na Marinha, e outros objectos satisfactorios. Em consequencia olhando mesmo para fora a divida Nacional, e estrangeira; a Nacional uma parte que está a cargo da Junta do Credito Publico, importa em 39 milhões, vejo que toda ella não chega a 130 milhõens, fallo da consolidada. — Ora agora o que nós vamos offerecer para pagar parte desta divida são os Bens Nacionaes, de cujo valor ainda se não póde fazer uma idéa aproximada, porem creio que ha toda a probabilidade de que elles valerão mais do que a metade da divida, e isto segundo o que disse o Sr. Ministro da Fazenda relativamente ás avaliações feitas destes Bens na Provincia da Estremadura; e creio que são bastantes para chamar os credores, e para que se não possa dizer que nós não queremos pagar; além de que nós não os obrigamos, não lhes dizemos que se não quizerem comprar daquelles Bens não lhes pagamos.

Por tanto parece-me hoje que o artigo está muito bem nesta parte, porém agora vou para um extremo contrario, e digo que duvido que os individuos que tiverem titulos de juro de 5 e 6 queirão concorrer nesta compra, e que hãode julgar mais conveniente ficarem com os seus titulos, e receberem o juro. Em consequencia approvo este paragrapho, e o meu receio unicamente é, que os titulos que se appresentarem sejam ainda mais pequenos, e por isso ainda preciso reformar esta Lei para admittir titulos que não vençam juro; mas então o Governo o proporá, pois que tem amortisado tantos titulos depois da nossa restauração, que duvido de que ainda hajam titulos avulsos que venção juro.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o § 1.º do Artigo 4.º posto á votação e approvado, tal qual se achava.

Sobre o § 2.º do mesmo Artigo disse

O Sr. Margiochi: — Este paragrapho não vem no Projecto da outra Camara, e além disso me parece que fica um tanto restricto.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Vem no artigo 4.º (Leu-o): comprehendeu-se neste artigo a doctrina do paragrapho em discussão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Isto provém de que na redacção do Projecto, que veio da Secção, se reputa divida Nacional, sómente a que foi contrahida dentro do Reino; mas divida Nacional é toda a que o Estado contrahio tanto dentro como o fóra de Portugal. Por tanto parece-me que o Sr. Margiochi tem rasão, e que não haverá inconveniente em explicar mais este paragrapho.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Seria bom que se esclarecesse, porque nas Leis quanto mais se repetem as cousas tanto melhor.

O Sr. Gyrão: — Essa foi a razão porque a Secção escreveu esta doctrina n'um paragrapho separado; afim de que não houvesse a mais pequena duvida, tanto a respeito do tempo como da qualidade da divida: a clareza, e mesmo redundancia, em nada podem prejudicar uma Lei.

O Sr. Margiochi: — Nem ha emprestimo nenhum estrangeiro antes da época marcada no §.

Sem mais reflexão foi o §. 2.º posto á votação, e approvado.

A respeito do §. 3.º do mencionado artigo disse

O Sr. Marquez de Loulé de Lima: — Eu vejo que neste paragrapho se diz, Juros vencidos desde e 1.º de Agosto de 1833, e veja que no paragrapho 5.º se falla em = titulos de tenças e pensões vencidos no tempo da usurpação: — parece-me tanto direito tem as pessoas que recebem Juros Reaes como aquellas que tem tenças, e pensões: e por isso creio que se deve fazer uma emenda a este paragrapho neste sentido, no que não poderá haver duvida.

O Sr. Margiochi: — Parece me haver aqui duvida, porque expecificar, que só são as cedulas de 33 para cá, isso é fazer um grande mal aos proprietarios que entraram com o seu dinheiro; e por consequencia quando se admittem no 1.º § todos os titulos que vencem juro, parece-me que é de justiça admittir estes.

O Sr. Ministro da Fazenda: — No Projecto do Governo appresentado á Camara dos Senhores Deputados se fallava em admittir os titulos dos emprestimos Nacionaes de 1823 para cá, mas não os titulos dos Padrões Reaes contados de tempo algum; e uma das razões foi porque ainda se não sabia a sua importancia; além de que muitos delles foram dados graciosamente, outros por compensações de Officios, e alguns por dinheiro; havia mais de quarenta annos que se não pagavam, e viriam a fazer um grande peso admittindo-os indistinctamente na compra dos Bens Nacionaes. Depois disto fizeram-se mais algumas alterações, pela extincção da Patriarchal, pela das Or-

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dens Religiosas (que tinham bastantes), assim como pela da Casa das Rainhas etc. Sabe-se que estes juros importavam em cento e sessenta contos, o que dá um capital de sete milhões de cruzados: sobre isto tem o Governo de propôr algumas medidas, porque realmente não é justo que as pessoas que tem estes titulos, fiquem sem ser pagas, posto que tambem me parece se deva fazer alguma differença em attenção á sua origem: os que foram obtidos como pensões e por mera graça, não estão de certo nas mesmos circumstancias dos que se compraram, ou daquelles alcançados por indemnisação de Officios que se extinguiram: entretanto vejo agora que a Secção da Camara dos Dignos Pares admitte as cedulas dos juros dos Padrões Reaes de 1823 para cá; não me opporei a esta alteração que aliàs me parece justa; e quanto as preteritas rezerve-se isso para tempo mais opportuno, em que possa haver uma Statistica mais exacta, para á vista della o Governo poder appresentar a medida que tenciona propôr sobre este objecto.

Julgada a materia do paragrapho sufficientemente discutida, foi posto á votação, e approvado.

O Sr. Vice-Presidente: — Segue-se o §. 4.º, o qual corresponde ao 1.º do Art. 5.º da Proposição da Camara dos Senhores Deputados.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não me parece que tenha opposição alguma, e julgo que está em circumstancias de se pôr á votação.

Assina o fez o Sr. Vice-Presidente, e ficou approvado.

S. Exc.ª proseguiu: — Segue-se o §. 5.º correspondente ao 2.º do Art. 5.º da Proposição da outra Camara.

Obteve a palavra e disse

O Sr. Ministro da Fazenda: — Aqui neste paragrapho 5.º desejaria eu que a sua redacção fosse em harmonia com o paragrapho 4.º, que diz (leu): isto comprehende os Soldos e Ordenados, Tenças, e Pensões, até ao tempo em que acabou a usurpação, e tambem comprehende mesmo Soldos antes da usurpação, que alguns ha se não pagaram; e aqui não é o mesmo, por tanto pediria licença para propôr uma emenda que me parece harmonisará o §. 4.º com o §. 5.º (S. Exc.ª leu a seguinte)

Emenda.

«Os Titulos de Tenças e Pensões vencidas até ao 1.º de Agosto de 1833. = O mais conforme o artigo.»

Digo até ao fim da usurpação, porque póde haver alguma Tença ou Pensão que não fosse paga, e que o Thesouro se veja obrigado a pagar em dinheiro uma parte, e a dar um titulo pela outra parte.

O Sr. Sarmento: — A dificuldade que eu acho, está em marcar a época do fim da usurpação; e parece-me se deverá ter isto em vista na redacção do paragrapho. — Esta razão é incidente e historica, e talvez fosse esse o motivo porque me levantei, por quanto em objectos do Fazenda, pouco posso fallar.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Por esta occasião direi qual foi a marcha que o Governo adoptou a este respeito: quando Sua Magestade Imperial chegou a Lisboa, o Governo persuadido de que a usurpação acabaria logo, e que em breve poderia tomar providencias para pagar o que se devesse até Agosto de 1833, declarou que pagaria dalli em diante, e que a respeito do atrazado tomaria medidas para o pagar depois de liquidado; porém os calculos falharam, e então viu-se obrigado a pagar algumas quantias da divida anterior as pessoas que por sua politica e graves prejuizos que tinham soffrido estavam em circumstancias de merecer a sua attenção. Quanto a Pensões estão pagas até ao meio do anno de 1834, e se nisso tem havido algum atrazo é devido á falta de folhas processadas, o que tem levado muito tempo e trabalho para se tirar da confusão em que a usurpação as tinha mergulhado; e o mesmo se praticará a respeito das Tenças logo que o processo estiver prompto, pois que não ha duvida em se pagarem, mas é necessario pagar bem, e a quem se deve, e tiver sido fiel á Patria, e á RAINHA. — Pelo que toca ao artigo, penso seria melhor declarar «até ao fim da usurpação» porque não será justo deixar de metter no titulo aquella quantia que se dever até ao principio da usurpação, e sómente durante a usurpação, porque a divida é a mesma assim como as pessoas, e não ha razão para a divisão dos titulos e quantias sendo ellas da mesma natureza. Por tanto concluindo digo, que me parece que se deve conservar como o fim da usurpação até ao ultimo de Julho de 1833.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu levantava-me simplesmente para dizer o que concluiu o Sr. Ministro da Fazenda; não se tracta da questão Militar ou Historica, tracta-se puramente do que pertence a finanças; e por tanto considera-se como fim da usurpação a épocha em que continuaram os pagamentos em nome da RAINHA, que foi a da occupação da Capital, quer dizer, o fim de Julho do 1833.

Sem mais discussão foi o paragrapho approvado com a emenda lembrada pelo Sr. Ministro da Fazenda.

O §. 6.º (correspondente ao 3.º do Art. 5.º da Camara Electiva) foi approvado sem discussão; assim como o §. 7.º

Passou-se a discutir o primeiro membro do §. 8.º do Art. 4.º

E disse

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Estou em grande embaraço com o fim deste paragrapho (leu-o).

O Sr. Ministro da Fazenda: — Não me opponho ao periodo em discussão, devo comtudo fazer uma declaração relativa ao comportamento que o Governo tem seguido a este respeito: intendeu e determinou elle que tudo quanto tivesse entrado no Erario por meio de confisco era um verdadeiro deposito, que não podia ser subjeito ás regra de indemnisações; porque tinha sido directamente tirado aos confiscados; por isso tudo que existia tem pago parte a uns e a totalidade a outros. — Não acontece o mesmo aos bens sequestrados: porque muitos dos rendimentos delles não entraram nunca no Thesouro, porque entraram em diversos cofres, ou ficaram em varias Repartições, sendo tal o abuso, que na Provincia da Beira apenas entraram em todas as, Repartições dez contos de réis, e então as pessoas em cujas mãos ficaram estes bens, devem ser por elles obrigadas. Faço esta declaração para que se saiba o que o Governo

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tem feito a este respeito, e donde procede a differença do pagamento dos bens confiscados, e dos sequestrados.

O Sr. Conde dá Taipa: — Bem vejo que o Thesouro não poderá já pagar todas essas importancias, mas que remedio lhe dá o Sr. Ministro da Fazenda. É verdade que algumas pessoas que terão tido empenhos, já receberam, mas outros nada: aqui está um Digno Par ao pé de mim (o Sr. Marquez de Fronteira) que tem lá mais de trinta contos, e ainda nada recebeu.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Não sei se o Sr. Marquez de Fronteira requereu alguma cousa dos bens que lhe foram confiscados; não tenho disso ideia.

O Sr. Marquez de Fronteira: — Requeri apenas cheguei a Lisboa, duas vezes, mas tem-se-me dito no Thesouro que espere pelas medidas geraes.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Não estou lembrado de ver Requerimento algum de V. Exc.ª, nem sei que se podesse fazer essa excepção, tendo o Governo assentado me pagar a todos, mais, ou menos.

O Sr. Marquez de Fronteira: — Então ámanhan farei um terceiro Requerimento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Esta questão acho eu propria de cada um dos Dignos Pares, não só nesta qualidade, mas tambem na de proprietarios; seja-me pois licito dizer alguma cousa sobre ella. — Em primeiro logar declaro, que desejaria oppôr-me a este periodo, porque considero que este dinheiro que entrou liquidado no Erario, ou seja de rendimento de bens da Corôa, ou de bens patrimoniaes, ora pertencente a individuos que se achavam compromettidos pela Causa da RAINHA; não entra na regulação de indemnizações, como outras perdas; é uma restituição d'um deposito verdadeiramente tal e em virtude de que se poderia intentar uma acção contra o Thesouro. — Confirmando agora o que disse um Digno Par devo assegurar, porque o sei por experiencia propria, que os rendimentos das Commendas que ainda se achavam na Junta dos Juros, quando chegámos a Lisboa, foram entregues a mim os que me pertenciam, bem como a outras pessoas outros que estavam nessas circumstancias e os reclamaram; entretanto o que havia entrado no Thesouro creio não seria entregue a ninguem; negaram-se os titulos como aconteceu ao Sr. Marquez de Fronteira, o que era muito natural, porque não era possivel dálos; o que se devia, era darem-se as respectivas importancias, havendo-as, ou então das dando successivamente. Entretanto supponho que a importancia do que existe no Thesouro de rendas entradas, e pequena, porque muitos rendimentos dos bens sequestrados a pessoas perseguidas não tiveram o mesmo destino que os confiscados, havendo nisto muita variedade; parece-me que neste ponto, posso reclamar a primaria; a minha casa, que foi talvez a mais desbaratada, e de seus rendimentos tinha entrado uma consideravel porção de dinheiro, que considero em pleno direito de receber, mas á conta de tudo o que recebi foram dous contos de réis pela totalidade das minhas rendas entradas no Thesouro desde o tempo da usurpação; entretanto não me considero com mais direito que o Sr. Marquez de Fronteira, ou outro

qualquer individuo. — São estes os motivos porque julgo se deve ommittir este periodo na Lei.

O Sr. Conde de Linhares: — Ha uma specie que ainda aqui se não tocou, e que será bom que se saiba; parece-me que considerando-se este dinheiro como em deposito, sem se nos pagar juro, tambem nós estamos desobrigados de pagar juro do que devemos, e então mandaremos os nossos credores para serem pagos por esse dinheiro que está depositado; pois que do contrario viriamos a ser extremamente prejudicados. — Concluo dizendo, que o juro para nós não deve ser obrigatorio, visto que o Estado considera aquelle nosso dinheiro como em deposito.

O Sr. Sarmento: — A razão que a Commissão teve em redigir assim este §. foi como uma specie de homenagem ao respeito que merecem estes titulos. — Se a Commissão tivesse ouvido o Sr. Ministro talvez tivesse em vez do que aqui propõem, posto alguma cousa mais. A Carta foi quem induziu a Commissão a appresentar esta garantia de propriedade tão sagrada, muito superior, e que devia ser a primeira divida que se pagasse; por consequencia a Commissão não terá duvida nenhuma em convir, com tanto que não fique em esquecimento esta qualidade de divida.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Aqui tracta-se do rendimento liquido dos bens confiscados: este rendimento liquido entrou no Thesouro; os donos das casas sequestradas tem direito a ser indemnisados; mas não estão uns e outros no mesmo caso: eis-aqui a differença que eu fiz, porque aquelle rendimento entrou effectivamente no Thesouro, eu o julguei como um deposito que não precisava liquidação alguma, e seria grave injustiça demorar a seu dono o embolso do seu dinheiro depois de tantos soffrimentos porque todos passaram; assim mesmo não paguei tudo, dei alguma cousa á conta conforme as circumstancias do Thesouro, e isso fiz a todos os que requereram.

O Sr. Sarmento: — Por isso mesmo é necessario mais alguma explicação, porque não são culpados os Subditos fieis da RAINHA se as auctoridades Miguelistas em vez de metterem no Erario do usurpador o producto das violencias, ajuntaram ás suas vexações o roubo das propriedades, que foram confiscadas, assenhoreando-se dellas, devendo-as cobrar para o Thesouro do governo que serviam.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Eu diria desta maneira: = No caso de que as pessoas a quem pertencem, antes prefiram os titulos do que o pagamento desses dinheiros confiscados. = Porque assim, se lhe fizer mais conta receber um titulo tem mais uma garantia, e o Governo mais um meio de pagar.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Aqui me fez observar um Digno Par que está ao pé de mim, que ha uma fraze a tirar, e vem a ser relativamente a este preterito (leu); porque os titulos que se tem dado pelas Camaras, não são pelos rendimentos sequestrados ou confiscados.

O Sr. Vice-Presidente: — É preciso examinar se nos outros paragraphos haverá alguns titulos...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não creio que haja nenhum: e explicando mais o que ainda agora tive a honra de dizer, parece-me de justiça evidente, que o Thesouro é responsavel e deve pagar em dinheiro, sempre que o possa fazer, a im-

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portancia do producto de rendimentos liquidos que nelle entraram, ou por sua ordem tiverem sido applicados a despezas do Estado; por exemplo, trigos, ou outros generos levados nesse tempo por ordem do Governo; porque ouro é o que ouro vale, e então é evidente que tudo que foi recebido pelo Thesouro, ou seja no tempo da usurpação ou posteriormente, deve quanto seja possivel restituir-se aos seus proprietarios.

O Sr. Sarmento: — Mas perdôe-me o Sr. Presidente do Concelho, póde acontecer que o Thesouro não possa; e que além desta gente ter tido os seus bens sequestrados vão agora ficar sem recurso para serem indemnizados; porque, de que serve o recurso de demandarem, e a quem? O governo usurpador deu occasião a fazerem-se todas estas injustiças e violencias; assim irá haver um horror de demandas sem proveito, porque a maior parte destes individuos não tem bens, nem por onde paguem: parecia-me pois que o ter soffrido por causa da Carta, e da RAINHA, merece outra contemplação, porque na verdade estavam, na classe dos inimigos do usurpador, e não só então não tinham recurso algum, mas até era perigoso requerer.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu não disse o Thesouro, disse o Governo; o dinheiro que tiver sido recebido pelo Thesouro, ou o valor de generos que houverem sido tirados por ordem do Governo, ou pelos seus agentes: isto é que eu com todos, considero como a divida mais sagrada, e que se deve restituir em dinheiro, quanto fôr possivel. Tudo o mais que disse o Digno Par, é exacto, não o posso negar, até por interesse proprio; entro nessa classe tambem (porque tenho parte em todas as classes de perseguições); mas por isso mesmo é que aqui se enumera, a questão é differente da de indemnisações.

Julgada a materia sufficientemente discutida, ficou approvado, o §. 8.º até ao fim do 1.º membro, com a suppressão (proposta pelo Sr. Presidente do Conselho) das palavras = Ou tiverem dado = e com o additamento do Sr. Ministro da Fazenda.

Entrou em dicussão o 2.º membro do mesmo §. — Sobre cuja doctrina disse

O Sr. Conde da Taipa: — Eu tenho que fazer aqui um additamento: e agora que estamos fallando nesta materia sempre, quero dizer alguma cousa. Eu creio muito pouco nesta Lei: fui obrigado, como eram todos os filhos primogenitos das Casas da Nobreza, a entrar no Exercito; a minha Casa tinha quatorze mil cruzados de renda de Bens da Corôa, mas se alguem me quizer dar 800$000 rs. cada anno pelo que isso me ha de render, acceito-os. Aqui ha uma cousa que se deve notar, quando houve a comichão de fazer estas Leis, atirou-se com a propriedade pelos ares; houve gente que tinha comprado certas rendas e perdeu tudo; não se teve attenção a cousa nenhuma. — Por exemplo, o Marquez de Santa Iria, que tinha comprado com o seu dinheiro os Direitos Reaes do Reguengo do Porto; o Governo fez uma Lei que acabou com os fóros, e não tractou de o indemnisar. Ora o que eu digo é que quem comprou com o seu dinheiro uma cousa que depois se abole, deve ser indemnisado; porque do contrario ataca-se a propriedade, e então acabou-se a Ordem Social; porque a Sociedade reune-se para cada um manter o que é seu, e acabada esta garantia, torno a dizer, que se acabou a Sociedade: é logo preciso attender a isso, quero dizer, ao principio Social, de todos o mais sagrado. Por tanto eu quereria accrescentar aqui = e os que perderam pela abolição dos Dizimos: = e se fallo nisto não é pelo meu interesse pessoal, porque aquillo que eu defendo é que o direito de propriedade não seja uma cousa de palavras, mas sim uma realidade.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Parece-me que terá logar esclarecer aqui o Digno Par: tem-se suscitado a duvida sobre quaes foros se extinguiram, se são os dos Bens da Cora, ou se devem separar-se destes aquelles que pertenciam a particulares: sobre isto ha um Projecto de Lei na Camara dos Senhores Deputados; e parece-me que quando elle entrar em discussão é que tem logar as reflexões relativamente a essa materia.

O Sr. Conde da Taipa: — Bem; acabou-se a questão.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu concordo na doctrina do Digno Par; e mesmo appresentei aqui um Requerimento, que tem relação com esta materia, de muitos proprietarios da Provincia do Minho, o qual a Camara determinou que fosse a uma Commissão. O Governo já appresentou uma Proposta a este respeito. — Como o Digno Par diz que não tem interesse pessoal, eu tambem não, mas sou interessado como elle em sustentar o direito de propriedade.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Eu, com a franqueza do meu costume, posso assegurar á Camara, que me não intendo com este paragrapho; intendo-o sómente até ás palavras = Commendas das Ordens = mas d'aqui para baixo não o percebo, e o acho tão obscuro, que não posso deixar de mandar uma emenda para Mesa; porque indo votar quero que o meu voto seja a favor da virtude, e não do crime. Passo a ler a emenda, e a Camara dirá o que assenta sobre isto. (Leu, e é a seguinte:)

Emenda.

Proponho, que no §. 8.º do Art. 4.º, depois da palavra = Militares = se declare o seguinte = será executado religiosamente ácerca do contheudo neste §. 8.º, o que se acha determinado nos Artigos 10.º e 11.º do Decreto de 30 de Julho de 1833. = Visconde da Serra do Pilar.

O Sr. Ministro da Fazenda: — O paragrapho 5.º refere-se ás pessoas que permaneceram fieis á Rainha e á Carta: bastaria que neste se tivesse em vista a mesma doctrina.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Não me satisfaz o ter-se em vista outro paragrafo, é necessario que a Lei o determine neste.

O Sr. Gyrão: — Eu pouco mais tenho que dizer do que disse o Sr. Ministro da Fazenda: o Decreto diz todos, e esta foi a intenção da Secção de Fazenda, porém se acaso a Camara julga que o artigo não está bem claro, eu pela minha parte concordo em que se acclare ainda mais.

O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Eu desejava que o Digno Par que se assenta defronte de mim fizesse favor de dizer, se quer que a indemnisação seja

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dada nos titulos, ou nos bens; porque conforme elle disse, parece que deseja que isto se faça por estes e não por aquelles: e então não é preciso mais nada senão votar contra toda a Lei.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Não intendo.

O Sr. Ministro da Marinha: — Sobre a redacção direi duas palavras: está o artigo redigido assim (leu); parece-me que isto está um pouco vago, porque estes rendimentos tem tido uma certa diminuição, o que é inherente ao andar dos tempos; e seria por tanto bom, conceber o artigo de maneira que se não désse outra indemnisação, senão aquella proveniente sómente dos males causados pela usurpação.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Supponho que o que estas palavras querem significar, é que se deve indemnisar o valor das Commendas sequestradas, ou de parte dellas; mas as Commendas não consistem sómente em dizimos, algumas tem foros, e outros rendimentos; e então é claro que os Commendadores fiéis á Rainha, neste caso, não perderam das Commendas senão o que provinha dos dizimos.

O Sr. Mello Breyner: — Em uma nota que se refere a este paragrapho, se diz que o calculo do rendimento destas Commendas sequestradas, seja feito pelo termo medio dos quatro annos anteriores; ora estes vem a ser do tempo da usurpação, e por tanto o calculo trará perda á propriedade dos individuos que permaneceram fiéis á Rainha e á Carta; porque então estas propriedades se achavam arrendadas a miguelistas; para evitar este damno me parecia que este calculo fosse feito sobre o termo medio do rendimento dos quatro annos anteriores á usurpação. (Apoiado, Apoiado.)

O Sr. Sarmento: — Na Commissão não houve idéa de fazer injustiça; pelo contrario, parece-me que na Proposição original, que veio da Camara dos Srs. Deputados, se seguia outro methodo, e na Commissão teve-se em vista o guardarem-se as promessas feitas a este respeito; é verdade que em algumas Nações com a mesma franqueza com que se promette se falta: entretanto os principios geraes do direito das gentes mandam guardar fielmente o que se promette. — A Commissão não terá dúvida alguma que esses quatro annos se intendam anteriores á usurpação. Torno o repetir, que a unica cousa que se teve em vista foi conservar com fidelidade as promessas do Sr. D. PEDRO, porque era necessario manter a sua palavra; esta foi a grande consideração, do que os Dignos Pares Membros da Commissão, se hãode muito bem lembrar, não se houve em vista outra cousa.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Pelo que ouvi ao Sr. Marquez de Ponte de Lima, acho que me não sube explicar, talvez tenha esse defeito, mas estava persuadido que fallava bem claro; eu disse que para mim não estava bem clara a ultima parte do artigo, que o julgava confuso, e queria ser esclarecido; e por isto agora apoio o que diz o Digno Par o Sr. Mello Breyner, porque é de toda a justiça.

O Sr. Conde da Cunha: — O requerimento que fez o Digno Par o Sr. Breyner, é de muita justiça, e peço a V. Ex.ª ª que o ponha á votação, porque realmente é merecedor da consideração da Camara; e pelo contrario seriamos castigados em vez de ser premiados, se o artigo ficasse como está.

O S. Vice-Presidente: — A discrepancia é sobre annos em que se deve fazer este calculo: eu intendo-a muito bem, mas parece-me que será melhor que a Commissão, á vista da emenda do Sr. Mello Breyner, se encarregue de appresentar uma nova redacção, porque não será muito facil fazela aqui convenientemente.

O Sr. Bispo Conde: — Parece-me satisfazer a todas as idéas da Camara uma vez que se explique mais a natureza destes bens, de tal maneira que fiquem resalvados os direitos que houver por qualquer perda delles: estas foram as vistas da Commissão, calculando essa perda pelo methodo do Decreto aqui citado, com a só differença de serem avaliados os rendimentos pelos quatro annos ultimos, anteriores á usurpação. (Apoiado, Apoiado.)

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Assim cedo da minha emenda.

O Sr. Ministro da Marinha: — Sobre a questão dos quatro annos, eu creio que o objecto do Digno Par, é que todos aquelles que soffrêram sejam indemnisados; eu pela minha parte já digo que me não acho nessas circumstancias, porque não tenho Commenda alguma; e estou tambem persuadido que o Digno Par, que tantas provas tem dado do seu desinteresse, não quererá uma indemnisação maior do que deva ser; e não será da sua intenção se faça a avaliação só pelos quatro annos anteriores á usurpação; porque, como já observei, estes rendimentos tem ido em uma decadencia muito grande, e tanto assim quanto maiores tem sido as oscilações: offereço estas considerações para que o objecto se possa combinar da melhor fórma possivel, sem que se possa suppôr que se pertende estabelecer uma indemnisação maior: eu sei que essa não é a intenção, mas póde alguem suppôlos

O Sr. Marquez de Loulé: — Desejava que o Digno Par declarasse, como é que se pertende uma indemnisação maior.

O Sr. Ministro da Marinha: — Eu declarei que estava muito certo que nenhum dos Dignos Pares a quer, mas que declarando-se talvez esta época, pareceria que se queria.

O Sr. Marquez de Loulé: — Não sei, nem percebo, porque sendo os quatro annos anteriores á usurpação possa intender-se o que diz o Digno Par; não se altera o Decreto que diz serão os quatro annos anteriores. Realmente não sei que se possa inferir senão, que se quer uma indemnisação mais justa, e não maior.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Estou persuadido de que todos nós queremos o que é justo; mas o caso é que os homens todos se podem enganar, e muitas vezes, tomando uma decisão para fazerem aquillo que julgam de justiça, póde haver um resultado que o não seja. Foi isto mesmo o que disse o Digno Par que se senta ao pé de mini (o Sr. Ministro da Marinha); lembrando que adoptando-se a reducção proposta, podia o seu resultado não ser justo. Eu tambem me inclino um pouco a esta opinião, porque o valor dos generos altera-se conforme os tempos; não se podendo duvidar que nestes annos pas-

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sados tem diminuido muito o valor das terras; por consequencia obrigar o Estado a pagar certas rendas pelo preço que ellas teriam ha nove annos, póde não ser muito justo: é então para combinar a justiça por um lado e outro (quero dizer, a justiça devida á Nação com a que tambem se deve aos interessados) eu proporia se adoptassem para este calculo os oito ou dez annos anteriores, para dalli se tirar a media que se deseja.

O Sr. Conde da Cunha: — Apoio, como já disse, a opinião do Sr. Mello Breyner, porque todos sabem que os rendimentos no tempo da usurpação não foram nada; e nos quatro annos anteriores eram muito maiores: e por isso é que daquelle tempo se deve tirar o termo medio. — Eu não exijo mais do que o que deve ser, pois que não quero premios, nem ainda os pedi pelos meus serviços; os Srs. Ministros da Corôa que digam se eu já pedi alguma cousa, ou se lhes fiz requerimento para isso.

O Sr. Ministro da Marinha: — Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que declare para minha satisfação, se das minhas expressões se podia intender que eu suppunha...

O Sr. Vice-Presidente: — Não Senhor, eu intendi a V. Ex.ª da mesma maneira que V. Ex.ª se está explicando.

O Sr. Ministro da Fazenda: — O que me parece de mais justiça é o que propõem o Digno Par o Sr. Bispo Conde, porque assim é que se póde colher mais algum esclarecimento.

O Sr. Vice-Presidente: — Eu já teria feito uma nova redacção ao periodo de que se tracta, se tivesse percebido uma parte da emenda do Sr. Bispo Conde. — V. Exc.ª creio que desejava se tirasse a palavra Dizimos...

O Sr. Bispo Conde: — Fallando sómente em perda de rendimento, pela extincção dos Dizimos, parece excluir a dos outros bens que faziam parte das Commendas.

O Sr. Vice-Presidente: — Então seria talvez melhor dizer = Dizimos ou Bens da Cora. =

O Sr. Bispo Conde: — Ou isso. Na Commissão tiveram-se em vista, não só os Dizimos, mas quaesquer outros bens que entrassem nessas Commendas; e nestas circumstancias justo é que se redija o paragrapho nestes termos. — Quanto aos quatro annos que devem servir de base ao calculo destes rendimentos, lembra-me uma ideia que se considerou muito, e muitas vezes na Commissão, e que me parece não deverá perder-se de vista, sobre a justiça ou injustiça deste calculo: a Commissão que conservar aquillo que o Senhor Dom Pedro tinha feito, e por isso adoptou este methodo: sendo certo que calculando-se desta maneira, se faria um grandissimo favor á maior parte dos Commendadores: muitos delles tem certa idade, que em alguns passa de 70 a 80 annos, podendo-se por isso dizer que só receberiam as rendas 10 ou 20 annos, mas sempre menos da metade dos que tem; é verdade que tambem ha outros ainda moços; entretanto na Commissão vogou muito a idéa de ter respeito ao calculo das annuidades, mas, como disse, em attenção ao que tinha determinado o Senhor Dom Pedro, se não levou isso a effeito. Concluo, que quando mesmo o termo medio se vá buscar aos annos da usurpação, se não faria injuria á maior parte dos Commendadores.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Se V. Exc.ª me dá licença, reflectirei que o Sr. Bispo Conde, perde talvez de vista que assim como esse calculo será exacto a respeito dos Commendadores que tinham as Commendas em suas vidas, não o será tanto para aquelles que as tinham em umas poucas, aos quaes por este methodo se não faria favor, mas antes causaria prejuizo.

O Sr. Bispo Conde mandou para a Mesa a seguinte

Emenda.

«Da perda ou diminuição total ou parcial do rendimento em Dizimos, ou Bens da Corôa das Commendas das Ordens Militares, calculada sobre o methodo do Decreto de 30 de Julho de 1832, nos artigos 10.º e 11.º, com a só differença de se avaliarem os rendimentos pelos quatro annos ultimos anteriores á usurpação.» = Bispo Conde.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi approvada a emenda supra em substituição do 4.º membro do §. 8.º do artigo 4.º

Entrando em discussão o penultimo Periodo do artigo 4.º

Teve a palavra e disse

O Sr. Gyrão: — Se não ha contestação, nada tenho a dizer; mas havendo-a, peço a palavra.

O Sr. Margiochi: — Esta excepção creio que está em alguma opposição com o Artigo 9.º que diz (leu); este Artigo foi posto aqui para algum fim, e então não vejo para que sirva esta declaração; creio que o fim deste Artigo é deixar á Auctoridade que faz a arrematação, o escolher entre os titulos que se lhe offerecerem, aquelles que mais conta fizerem á Fazenda Nacional; se os titulos se admittissem indistinctamente pelo seu valor nominal, escusado era dizer isto; e então parecia-me muito melhor deixar ao Governo esta parte, ou á Junta do Credito Publico, a quem se deu poder de fazer esta venda debaixo da inspecção do Governo; é quem o poderá fazer com mais utilidade e vantagem da Fazenda Nacional.

O Sr. Conde da Taipa: — A minha idéa a este respeito é, que todos os titulos que vencem juro sejam recebidos pelo seu valor fundado no juro da Lei, ou então, pelo preço que naquelle dia tiverem no mercado; isto para haver igualdade entre os concurrentes. Eu creio que a origem destes titulos de 3 e 4 por cento vem de que, quando se fez o emprestimo que elles representão, parte do mesmo foi com dinheiro: ora o portador desses titulos, não tem o valor que elles representam, e então não póde admittir-se por 100 aquillo que não vale senão 40, ou 60. Supponhamos que nas Ilhas se seguia o mesmo systema que em Lisboa; que acontecia? A moéda das Ilhas todos sabem que é 25 por cento menos que a do Continente, e por tanto que, o que lá vale 100, apenas aqui tem o valor de 75: lançava um individuo das Ilhas 100 n'uma fazenda que estava em venda, e outro individuo de Lisboa lançava 78; qual era o resultado? Que o primeiro, offerecendo 100 nominalmente mas só 75 em realidade, levava o predio contra o segundo, que tinha offerecido mais 3 por cento. Este raciocinio se applica exactamente aos possuidores de titulos de 3, 4, e 5 por cento, sempre que sejam admittidos pelo nominal. Parece-me por tanto, que o melhor seria pôr-

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lhe o juro da Lei; isto é, os titulos de 3 serem recebidos por 60; os de 4 por 80; e os de 5 por 100; ainda que todos elles estão mais baratos, porque os de 4 compram-se a 65 e 66 actualmente, e deixando-os entrar como 80, já se faz favor aos seus portadores. Por tanto proponho que os diversos titulos sejam recebidos na importancia do que elles produziram multiplicando o seu juro por 20. Não sei se me expliquei bem.

O Sr. Vice-Presidente: — Muito bem; mas será bom que redusa isso mesmo a escripto. — Assim o fez o Digno Par; é a seguinte

Emenda:

«Todos os titulos que vencem juros serão recebidos na venda dos Bens Nacionaes: os de cinco por cento, pelo seu valor nominal; os de quatro por cento pelo valor de oitenta; e os de tres por cento, pelo valor de sessenta.» — Conde da Taipa.

O Sr. Gyrão: — Sinto bastante que o meu estado de saude me não permitta desinvolver esta materia como eu desejava, e por isso direi pouco: ambos estes paragraphos são muito necessarios; a Lei ficará muito imperfeita sem elles; nós não temos um mercado, como o de Londres, (stock exchange) em que se publiquem os preços dos papeis de credito; mas agora mudão as cousas, elles podem entrar na compra dos Bens Nacionaes; por conseguinte pouco importa que lhe marquem um preço inferior ao nominal; porque se alguem os quizer comprar, ha de dar por elles o que seus donos quizerem; e quando entrarem na compra, se haviam os lançadores de offerecer mais pelas fazendas era venda, lanção menos, donde resulta o não servir de nada esse preço que lhe querem arbitrar.

O Sr. Conde da Taipa: — Neste, assim como no primeiro discurso do Sr. Gyrão, não ha nem uma unica idéa de Economia Politica, que não seja errada; e eu o mostrarei quando se queira...

O Sr. Gyrão: — Faz-me muito favor.

O Sr. Conde da Taipa: — Acceito o desafio. — Diz-se que o Governo deve cumprir as suas promessas, com boa fé: convenho. Mas que prometteu o Governo aos possuidores desses titulos? Que lhe daria 3, 4, ou 5 por cento: isso paga elle, e tem assim cumprido, porque não prometteu um praso fixo de amortisação; logo nisto não ha falta de fé pública. Além de que, deve reflectir-se como estes titulos foram feitos, pois todos sabem que em species depreciadas; e muitas vezes a cousa que se diz valer 100 não vale mais que 80, e vice versa: por exemplo, em França os 3 por cento tambem se lhes chama 100; ora, se alguem na Camara dos Deputados em París dissesse, que em qualquer venda fossem admittidos com o mesmo valor titulos de 3 e 4 por cento, toda a gente alli se ria, porque isso era ir fazer um beneficio, a que não são credores, os portadores dos primeiros com preferencia, e mesmo damno, dos segundos. — Está pois guardada a fé pública, visto que se lhes não deve dividendo nenhum. Assim recebem os dos Juros Reaes, a quem nada se tem pago ha muitissimos annos. E na verdade, que differença terá a divida feita por um Secretario d'Estado de D. João V. ou por um de D. Maria I, ou de D. José? Estou persuadido que a Nação ganhou mais com o Reinado do primeiro daquelles Monarchas, que com o dos outros dois: porque ao menos D. João V fez os Arcos das Aguas Livres.

Concluo insistindo na minha opinião, que não passo disso; não tenho amor, nem odio, nem conheço quem possue esses diversos titulos de 3, ou de 4 (talvez os tenham muitas pessoas minhas conhecidas, mas eu o ignoro); e estou firme no parecer que já expendi, porque sejam quaes forem as razões que em contrario se dêem, ha outra razão, para mim, muito attendivel, e é que tres não valem quatro, nem quatro valem cinco.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, este paragrapho é aquelle que accredita a Camara que o sanccionar, e o Governo. Esta materia tem sido tractada por differente modo; e eu creio que o Estado não póde, nem deve dizer ao seu Crédor = os teus titulos estam depreciados =; porque quem os depreciou foi o mesmo Governo, que não pagou quando devia pagar. — Diz-se porém; estes titulos estão nas mãos dos Cambistas que os compraram baratos: seu proveito; o Governo é que teve a culpa porque os não accreditou. — Os titulos de tres por cento são muito poucos, andam por 140:000$ réis, e os de quatro por cento tambem, por isso pouco importaria não os admittir, mas acho seria odioso fazer qualquer excepção: estamos occupando a nossa imaginação com dados que não temos; dizer que os que tiverem titulos de 5 ou 6 por cento não hão de lançar; isto não o sabemos nós, póde ser que lhe faça conta, para mim a materia é de toda a clareza; e digo, que na Praça a concurrencia é que dá o valor á specie com que se compra; valores não são só dinheiro, tambem são papeis de Credito; na Praça tudo é dinheiro; por tanto á vista do que tenho dito parece-me que o paragrapho deve passar, porque accredita o Governo pela justiça em que é fundado.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Esta questão parece-me que é a mesma que se começou a tractar aqui na ultima Sessão, quando se principiou a discutir se se deviam ou não receber os titulos de 3 e 4 por cento no pagamento dos Bens Nacionaes, o que então se não chegou a votar: a questão pois, resuscitou complicando-se com algumas considerações, ácerca d'outro artigo do Projecto, cujo debate, assento eu, que não deve prevenir-se. Vamos por tanto agora a este paragrapho unicamente: diz elle (leu). De dois meios se lembrou a este respeito o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, dentre os quaes escolheu um; o primeiro era que nestas vendas fossem os titulos recebidos pelo valor que tivessem no mercado no dia da compra, e o segundo que o valor delles se calculasse, não pelo que representam nominalmente, mas na razão do juro da Lei. — Quanto ao primeiro, era elle inadmissivel, e a sua adopção importaria transformar esta Lei em operações de agiotagem: inadmissivel, porque para o levar a effeito seria necessario fiar-se no preço que os portadores dos fundos lhe quizessem attribuir no dia da transacção, visto que na nossa Praça não estão esses fundos calculados, com a mesma precisão que isso acontece naquellas onde elles girão em grande cópia, como em Londres ou París: por tanto um

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tal methodo redundaria em beneficio sómente dalguns especuladores que entrassem nessas compras. Resta o outro meio que é fundado em idéas speciosas, mas que eu julgo igualmente inadmissiveis.

O mesmo Digno Par affirmou que não havia um só principio de Economia Politica no discurso d'outro Digno Par (o Sr. Gyrão): a mim parece-me o contrario; e tambem que o Sr. Conde da Taipa não contradisse com razões ou argumentos as razões e argumentos do mesmo discurso. Disse que tres não eram quatro, nem quatro eram cinco; isso é claro, e não carece de demonstração: mas a questão não é essa, porque ninguem propôz que tres se recebessem por quatro, mas sim que os portadores calculem pagar nos titulos que lhes convenha, recebendo-se em attenção ao capital, e não aos juros. Como questão de justiça diz-se que ella se não practica quando se recebe pelo mesmo titulo que vale 100, e outro que vale só 60; mas pergunto eu. Que representam ambos esses Titulos? Indubitavelmente uma somma de 100 que o emprestador deu ao Governo.

Por tanto dizem muito bem os Senhores Ministro da Fazenda, e o Digno Par o Sr. Gyrão, que a boa fé, e o credito nacional ficariam bastantemente lesados se o Governo agora recusasse receber esses titulos pelo mesmo preço que deram áquelles a favor de quem originariamente se passaram: o Estado actualmente não faz outra cousa, senão dizer a quem ha cincoenta annos lhe emprestou 100; recebo o nosso titulo pelo mesmo que me emprestastes; e outro tanto ao credor de dez annos. Mas observa-se que aquelle vence um juro de tres, e este de quatro por cento; e que muitos dos individuos que os adquiriram não deram similhante dinheiro, e por tanto comprarião agora mais barato: o que se segue disso, é que, quem tem um papel que lhe não rende senão tres, adquirindo-o por trinta ou quarenta, dará esse papel mais facilmente, do que a pessoa que possuir outro que rende cinco, o qual comprasse por sessenta ou setenta, e por tanto na concurrencia da compra d'uma fazenda (por exemplo) o dono do titulo de tres pagará com elle; e o que o possue de cinco, o dará igualmente se lhe convier. — Este equilibrio estabelece-se sempre por si mesmo no commercio (sem que para isso seja necessario Lei) sendo fundado no interesse relativo dos concurrentes.

Por consequencia as razões produzidas contra, reduzem-se unicamente a uma specie de sophisma, que é querer considerar os Titulos de Credores do Estado pelo que aquelles rendem, e não pelo que estes desembolçaram originariamente, e a Nação lhes deve em boa fé; e então não póde deixar de receber estes papeis (já que os quer amortisar) pelo seu valor nominal.

O Sr. Marquez de Loulé: — Eu creio que ha um grande inconveniente em admittir nestas compras os titulos de tres por cento em concurrencia com os outros, porque desta concurrencia ou admissão nenhum resultado ha para a Fazenda Publica: tambem estou persuadido de que não augmentará o numero dos concurrentes no mercado, como se disse, e que desta necessariamente resultava o augmento do valor dos Bens Nacionaes. — Vamos a ver se a admissão dos titulos de tres e quatro por cento augmenta os concurrentes: eu creio que não; porque em quanto houver portadores destes titulos ninguem comprará senão elles; e acabados estes então entrão os de 5, e depois os de 6, porque nenhum póde concorrer com os primeiros. Mas diz-se que o valor dos Bens hade subir muito: isso é que eu não vejo como possa ser, porque uma terra que rende quatro por cento, não tem o mesmo valor que a que rende cinco; e até porque os titulos de tres e quatro hão de subir gradualmente, e o valor no mercado é sempre o mesmo; suppondo que um titulo de tres vale 50, o portador delle vai á arrematação de uma Fazenda que vale 50 contos, elle lança até 50 contos; e o portador de outros não póde cubrir aquelle lanço, porque lhe custaram mais: por consequencia digo eu que se não augmenta em nada o valor dos Bens, e o Artigo 9.º acho-o muito justo, mas é se passar este, porque de outra fórma seria um jogo de pouca fé, não saber as species em que cada um vai lançar; porém assim como os compradores declaram a specie em que hão-de pagar, quando se appresenta um comprador com titulos de 3 por cento todos os outros se retiram, certos de que não podem cubrir o seu lanço; e daqui não resulta bem nenhum á Fazenda Publica. — Dizendo-se que elles não sejam admittidos á venda dos Bens Nacionaes, não se diz que elles não hãode ser pagos; em consequencia eu vou ter a honra de propôr á Camara uma

Emenda.

» Os titulos de 3 e 4 por cento seram recebidos pelo seu valor nomeiado; todos os outros o serão pelo seu valor nominal, qualquer que seja o que tenham no mercado. » = Marquez de. Loulé.

Seria talvez mais conveniente admittirem-se os titulos de tres e quatro por cento, fazendo-se uma operação preparatoria, mas não sei se será possivel, qual era admittir por cada vez todos os titulos do mesmo juro; talvez o Sr. Ministro queira dizer alguma cousa a este respeito.

O Sr. Conde da Taipa: — Tem-se estado aqui sempre a laborar no principio falso, de que esta admissão fará augmentar a concurrencia dos compradores, se elles concurrerem com pessoas que estejam nas mesmas circumstancias, o que de certo não hade acontecer, então sim, mas de contrario tal cousa se não verá. — No tempo em que se venderam alguns Bens Nacionaes, sendo o Conde da Povoa Ministro da Fazenda, para serem pagos em titulos de divida publica, concurreram uns com os outros, e aquillo que valia 8 contos subio a 60, e muitas vezes a 80, porque os homens que tinham titulos, por exemplo, de quatro por cento, concorriam só comsigo; e por isso se agora se disser hoje arremata-se esta Fazenda, e só se admittem titulos todos de tres, ou todos de quatro por cento pelo seu valôr nominal, então sim Sr.; elles hãode fazer o seu dever, porque os lançadores disputarão entre si, e o que valer 60 contos hade talvez chegar a 100, e assim gradualmente; o contrario seria bom se houvessem menos Bens Nacionaes a vender do que ha titulos, porque então os Bens haviam de subir por força; mas como ha muitos, elles dirão comsigo = ámanhan tambem é dia =, e assim toda a concurrencia no mercado hade ser dos homens que tiverem os titulos de tres por cento; e em quanto houver

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não apparecerão os de quatro; não tem duvida alguma. De mais isto nunca póde fazer mal á venda em relação á Fazenda, porque os titulos de tres, diz o Sr. Ministro que importarão em 120 contos. — Por conseguinte estou firme na minha opinião, e voto contra a admissão nominal de todos os titulos indistincta mente.

O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Eu não esperava que este Artigo tivesse discussão alguma, porque a questão é de boa fé, e o Governo, não hade dar sessenta tendo recebido cem, depreciando assim os seus papeis: se algum dos Srs. Ministros quizesse fazer isto, que diriam os Dignos Pares que não estão pela doctrina deste periodo? Quantas vezes tenho eu ouvido fallar em má fé do Governo, pela transacção que fez quando extinguio o Papel-moeda. E quereremos nós agora affirmar que elle não tem obrigação de pagar por inteiro aquillo que contractou solemnemente? Se o Governo disser, a quem tem um papel que vale cem, eu não vos dou senão sessenta, o homem torce-lhe a orelha, e diz, isto é mesmo o que se póde chamar uma ladroeira. — Não vejo que haja grande prejuiso em se admittirem estes titulos porque quem os tiver de seis por cento, que recebe sem risco nenhum, não os irá empregar em uma terra que lhe rende tres ou quatro: os que poderiam fazer affugentar os concurrentes do mercado, seriam os portadores dos titulos de Bens da Corôa e Ordens, porque como não tem outra cousa em que os empreguem poderão offerecer um maior numero delles. — Seria inconsequente da nossa parte, que estamos a censurar o Governo todos os dias, tirar-lhe os meios de pôr estes Bens á venda, e fazer com que elle não satisfaça as obrigações a que se ligou; e como eu desejo não participar desta inconsequencia, por isso voto pela opinião do Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Gyrão: — Se se julga a materia discutida, eu não direi mais nada; levantei-me essencialmente para por parte da Commissão appresentar um additamento sobre a moéda das Ilhas: a Secção assentava que esta moéda estava extincta, e por isso omittiu o Artigo 6.º da Proposição da Camara Electiva; porém como se extinguiu com titulos, é preciso que elles se admittam, e então este additamento, que será o referido Artigo, parece-me que tem logar depois do § 7.º ou 8.º, porque esta idéa foi bem expressa na Secção de Fazenda.

O Sr. Conde da Taipa: — Nós estamos fallando nos titulos que menciona o Orçamento, e não sei se todos os seus juros são pagos na Junta do Credito Publico.

O Sr. Gyrão: — Isto é o mesmo Sr. Presidente; se acaso estes Bens se põem á venda para interesse da Fazenda; se se admittirem toda a qualidade de titulos, hade produzir o que os Dignos Pares desejam.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o penultimo Periodo do Artigo 4.º posto a votação, e approvado tal qual se achava, julgando-se por isso prejudicadas as emendas emittidas na discussão.

O ultimo Periodo do mesmo Artigo, foi approvado sem discussão, mandando-se tambem restituir a este Projecto o Artigo 6.º da Proposição da Camara dos Srs. Deputados, como lembrara o Sr. Gyrão, e o qual ficou nesta ordem da numeração.

Art. 5.º No Archipelago dos Açôres, além dos titulos de que tractam os §§ antecedentes, serão tambem recebidos no pagamento dos Bens Nacionaes, os das moédas de bronze, os que na Ilha Terceira foram emittidos como moéda, e os das moédas de cobre Brasileiras que nos mezes de Abril, Maio, e Junho de 1834 foram supprimidas nas Ilhas do Fayal, Pico, Flores, Corvo, e S. Jorge.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Parece-me que sobre este Artigo não haverá discussão, por ser relativo á execução de uma Lei que já existe; e o ter-se omittido na Secção de Fazenda, foi em consequencia de uma falsa supposição, como já declarou o Digno Par Relator della.

Não se fazendo outra observação foi o Artigo approvado.

Entrando em discussão o seguinte Artigo da Secção, 5.º Para facilitar ás classes industriosas, e ás pessoas menos abastadas, a compra dos Bens Nacionaes, de que tracta esta Lei, poderá tambem o pagamento delles, ser feito a dinheiro de contado pela quinta parte do preço da arrematação, devendo os outros quatro quintos ser pagos em dezeseis prestações iguaes de dezeseis annos consecutivos. Disse sobre elle

O Sr. Margiochi: — Este Artigo talvez tenha inconvenientes na execução, e parece-me que aqui devia marcar-se um limite, designando certa quantia, convindo talvez que fosse de 500$ réis para baixo, porque aliàs isso hade dar uma escripturação infinita e complicada; e por tanto julgo necessaria esta restricção.

O Sr. Gyrão: — O Artigo não diz que se faça, diz que se poderá fazer; com tudo, se parecer bem que se declare algum limite eu não me opponho; mas creio que o Artigo está bem claro, e que isso será excusado.

O Sr. Margiochi: — O Digno Par não me intendeu; eu não digo que se não permitta o pagar logo a quem quizer, disse que em quantias pequenas não conviria admittir a compra por prestações, mas que deviam ser logo pagas, e marquei de 500$ réis para baixo.

O Sr. Gyrão: — Então isso destroe o principio da Lei, porque o Artigo tem em vista facilitar ás classes industriosas, e pessoas menos abastadas, os meios de se tornarem proprietarios. (Apoiado. Apoiado.)

Sem mais reflexão foi o Artigo 5.º posto á votação, e approvado, mudando-se a sua numeração para o algarismo immediatamente posterior.

A mesma resolução teve logar a respeito dos seguintes, que foram todos approvados sem discussão.

Art. 6.º Quando as vendas se effectuarem na fórma do Artigo precedente, deverão os compradores assignar lettras ou titulos pela importancia das prestações, sendo o valor de cada um desses titulos, ou lettras igual á importancia da prestação correspondente, com mais o juro de dous por cento ao anno, o qual juro será contado do dia da arrematação até ao vencimento das referidas lettras, ou titulos.

Art. 7.º Todos os predios rusticos, que forem susceptiveis de divisão, sem por isso se diminuir o seu valor, serão effectivamente divididos no maior numero de porções que commodamente se poder fazer. E nesse caso cada uma destas porções será avaliada, e posta em venda separadamente.

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Art. 8.º A Camara Municipal de cada districto nomeará uma Commissão de homens bons, que sejam intendidos em agricultura, á qual pertencerá exclusivamente indicar os predios, que no seu districto forem partiveis em conformidade do Artigo precedente.

Esta Commissão terá muito em vista, para a divisão dos predios, os logares onde houver agua, e onde por essa, e por outras circumstancias, se possa conceber esperança de que ahi se venha a formar povoação.

Art. 9.º Fica ao arbitrio do comprador escolher qualquer das fórmas de pagamento indicadas no Artigo 4.º desta Lei; mas será obrigado a declarar a sua escolha no acto dos lanços, e da arrematação, e depois disso não lhe será mais permittido variar neste ponto.

Art. 10.º Se as compras forem feitas a dinheiro, na fórma dos Artigos 5.º e 6.º, poderá o comprador remir em qualquer tempo as suas lettras. A Junta do Credito Publico fica auctorisada para lhe fazer entrega dellas, quando assim o requeira, e tenha pago o capital, e juros vencidos até ao dia, em que se ultimar a transacção.

Art. 11.º As vendas que se fizerem em virtude desta Lei serão isentas de Sisa.

Art. 12.º O Governo fica auctorisado para mandar pagar pela Junta do Credito Publico quaesquer dívidas, a quedos Bens Nacionaes vendidos estiverem legitimamente obrigados, sendo-lhe appresentados, e verificados os titulos legaes destas obrigações, e satisfeitas todas as demais formalidades necessarias.

Lido o seguinte

Art. 13.º Se depois de ultimada a venda, ou arrematação de qualquer propriedade, apparecer alguem que pertenda ter a ella direito legitimo, poderá demandar em Juizo o Procurador da Fazenda, e obtendo sentença a seu favor, será indemnisado do valor da propriedade pela Junta do Credito Publico.

Observou a respeito delle

O Sr. Vice-presidente: — Este Artigo foi accrescentado pela Secção de Fazenda, pelas rasõens que dá em seu Relatorio (leu).

O Sr. Gyrão: — Este Artigo é de evidente justiça, e tem por fim facilitar ainda mais a venda dos Bens Nacionaes, segurando áquelle que os comprar que não deve receiar inconveniente nenhum, pois havendo alguma pertenção, recahe ella sobre a Fazenda Publica.

O Sr. Barradas: — É pôr aqui explicitamente o que já se acha determinado de direito; por tanto não pode ter o menor inconveniente.

Sem mais discussão foi o Artigo posto á votação e approvado, modificando-se a sua numeração da mesma fórma que nos precedentes.

Pelo mesmo estilo o foram os tres seguintes

Art. 14.º Quando o pagamento dos Bens arrematados houver de ser feito na fórma dos Artigos 5.º e 6.º desta Lei, ficarão os mesmos Bens specialmente hypothecados á Fazenda Nacional até ao inteiro cumprimento do contracto, e integral solução das prestações. E isto mesmo se intenderá no caso de transmissão dos Bens, de qualquer natureza que ella seja, e por qualquer modo que tenha tido logar.

Art. 15º Quando a propriedade arrematada fôr de tal natureza, que o arrematante a possa alterar, e ainda damnificar em seu proprio proveito, mas de modo que lhe diminua o valor original em mais do que a quinta pane da avaliação; nesse caso os Louvados assim o declararão, e em seus laudos, além do valor da propriedade, louvarão tambem o valor desse damno, ou alteração, de que a julgam susceptivel, afim de que o arrematante, que quizer aproveitar-se do beneficio do Artigo 5.º desta Lei, ao mesmo tempo que pagar a quinta parte do preço dos Bens a dinheiro, preste conjunctamente uma fiança, ou hypotheca segura, equivalente ao valor dessa alteração, damno, ou deterioração possivel.

Art. 16.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

O Sr. Margiochi: — O artigo 17 da Camara Electiva, foi supprimido na Commissão; e a mim parece-me que elle deve ser restituido; porque não vejo utilidade em fazer novos vinculos; não digo que elles se façam, porém como não estão prohibidos, e a Carta permitte a todo o Cidadão o fazer aquillo que a Lei não prohibe, podem se quizerem instituir Morgados cujas rendas excedam a duzentos mil réis; e não se declarando que estes bens não podem ser vinculados ficará a Nação com medo de que se lhe tire a liberdade que elles devem ter; de mais isto foi uma idéa em que já concordou uma Camara inteira; e por tanto pediria que se tornasse a restituir o artigo 17 a esta Proposição.

O Sr. Conde da Taipa: — Para se vincularem bens é preciso uma Lei, e Dor isso não se lira utilidade alguma do Artigo 17, pois ainda que hoje se diga que estes bens se não vinculem, podem as Camaras ámanhan determinar o contrario.

Demais, em um Governo aonde o Corpo Legislativo é composto de uma Camara Hereditaria, não póde deixar de haver Morgados. — Temos um Governo, e é indispensavel seguir-lhe as consequencias. A mim tanto se me dá viver em uma Republica como em uma Monarchia; porque quando eu estou em uma Republica elejo todos os quatro annos um Presidente: mas no nosso Governo, que é uma Monarquia, aonde a Coroa é hereditaria, é necessario haver estas considerações, porque as indoles de cada um destes Governos são diversas. Querer-se-hão por ventura abolir os Morgados dos Pares? Creio que não. Por exemplo, o Conde d'Alva, que tinha vinculado todos os Direitos Reaes do Porto; o Marquez de Ponte de Lima, que tinha igualmente vinculado outros Bens, que ambos compraram com o seu dinheiro, poderiam perder os seus Morgados por estas novas Leis? Se comprarem alguns destes Bens hão de seguir a mesma natureza, isto não se lhe póde negar. — Já disse que eu tão descançado vivia em uma Republica perfeita (até porque gosto de eleger) como em uma Monarchia perfeita; mas nesta é preciso que haja classes intermedias, sem ellas acabou-se tal fórma de Governo, ou, para melhor dizer, teremos Governo de Constantinopla; porque então a influencia fica só no Rei e nos Empregados do Governo, e isso é o que eu não quero; e a necessidade da conservação dessas classes foi a razão porque eu votei pela suppressão do Artigo 17, a qual ainda sustento, para seguir as consequencias do principio do nosso Governo; e se elle fosse outro, eu igualmente as seguiria.

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O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu concordo com o Digno Por que acaba de fallar, em muitas das theorias que expoz; e a Camara toda concorda que o que se quer em Portugal, é a Carta, ou uma Monarchia em que os elementos aristocraticos estão combinados com os democraticos; mas parece-me que estes principios geraes não tem applicação alguma ao ponto de que se tracta, ou por outra, a questão agora não é abolir os Morgados. É preciso confessar que em Portugal houve abuso na facilidade de vincular bens, e que o seu numero é talvez maior do que convém á prosperidade do Paiz, devendo por tanto, quando essa fosse a questão, haver algum escrupulo para não repetir-se esse abuso: mas creio que elle iria muito adiante, se fizessemos a restricção applicavel á compra dos Bens Nacionaes.

O exemplo do Sr. Conde d'Alva (hoje Marquez de Santa Iria) não cabe; porque nelle se lhe não devem dar titulos, por esses fóros que os seus foreiros lhe disputam: entretanto podem haver outros casos em que se concedam esses titulos, em remuneração de propriedades, ou em substituição de vinculos, e então deviam essas indemnisações poder-se empregar em compras de bens que possam ser vinculados. Agora não tractamos da questão da abolição dos vinculos; a Legislação actual aboliu já aquelles cujo rendimento não chegasse acerta somma, o que é expresso em uma Lei do tempo do Sr. D. José.

Parece-me que o inserir-se neste Projecto uma clausula qualquer, pela qual fiquem marcados os Bens Nacionaes, que vão agora pôr-se em venda, de uma maneira que os distinga de todos os outros bens que existem em Portugal, seria impolitica e injusta: politicamente devemos tender não só a que esta propriedade se espalhe, sendo comprada por muita gente, mas que igualmente seja transmittida de maneira que se confunda na massa geral dos outros bens; dahi e que ha de nascer mais um motivo de interesse para a conservação desta ordem de cousas: ora se estes Bens forem marcados como não susceptiveis de serem vinculados ou de receberem uma fórma que outros quaesquer podem receber, isso diminuiria o seu valor.

Em consequencia voto pela ommissão do artigo, da maneira proposta pela Secção de Fazenda, e pelos mesmos motivos que ella para isso teve: isto é, que tudo quanto por agora convém determinar a respeito de Morgados, já se acha estabelecido por Lei, e que aliàs não ha vantagem em que os Bens Nacionaes que se venderem, possam ter um caracter distincto dos outros bens.

Sem mais discussão, approvou a Camara que o artigo 17 da Proposição da Camara Electiva, ficasse supprimido, como opinara a Secção de Fazenda.

O Sr. Marquez de Loulé: — Eu não estava ainda na Camara, quando hoje se pediu licença para que Sua Alteza o Principe D. Augusto fosse nomeado Commandante em Chefe do Exercito...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não se pediu licença para essa nomeação, mas unicamente para que Sua Alteza exercesse essas funcções durante a Sessão das Camara...

O Sr. Marquez de Loulé: — Declaro que votaria contra, porque acho a nomeação anti-constitucional, visto que o Marido da Rainha não póde ser responsavel de facto.

O Sr. Marquez de Fronteira: — Votei contra por estar persuadido que essa nomeação é contraria á Carta.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu como tambem não estava na Camara, declaro que votaria a favor se estivesse presente.

O Sr. Conde da Cunha: — Eu por não estar na Camara declaro agora que tambem voto contra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — A palavra sómente para uma observação. — A causa porque se pediu o consentimento da Camara, foi porque o artigo 31 da Carta determina, que durante as Sessões das Camaras, nenhum dos Membros d'ellas haja de exercer qualquer Emprego, á excepção de Conselheiro d'Estado e Ministro d'Estado: por consequencia pareceu ao Governo que durante o resto desta Sessão devia pedir o seu consentimento: o qual se tornava desnecessario se o Principe não fosse Membro desta Camara; e esta circumstancia responde ao que se ponderou; por isso que não póde haver um Par que não seja responsavel no Tribunal dos Pares.

O Sr. Marquez de Loulé: — O Principe não póde ser responsavel de facto. Qual será o Juiz que mande fuzilar o Marido da Rainha? Longe de mim a idea de que elle chegará a este caso; mas o que digo é que elle de facto não póde ser responsavel, porém como Commandante em Chefe do Exercito deve sê-lo; e por consequencia eu voto contra a nomeação, porque acho que ella é contra a Carta; bem sei que se pediu a licença unicamente porque Sua Alteza é Membro desta Camara; mas ella tem a obrigação de velar sobre tudo quanto diz respeito á execução da Carta, e eu como seu Membro tenho tambem o direito de fazer esta censura ao Governo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Quando eu disse que o Principe D. Augusto era Membro desta Camara, não queria queixar-me de que um Digno Par tivesse suscitado esta questão; disse-o para provar, que essa mesma circumstancia mostra que elle é responsavel. — Não sei se poderá admittir-se essa distincção entre responsabilidade de facto e de direito; mas os Dignos Pares que affirmaram, e de uma maneira peremptoria, que o Principe D. Augusto não podia ser empregado, attenta aquella distincção, parece-me que não provam a sua asserção, e que ao contrario se lhe poderiam recordar exemplos, e muitos, de Principes tão proximos ao Governo, em outras relações, quanto agora o está o Principe D. Augusto, que não obstante commandaram forças e Exercitos mesmo, isto em paizes Constitucionaes, em paizes onde a Constituição estava mais nos habitos do que em Portugal; e como talvez nem todos os Dignos Pares se lembrem d'um exemplo que se applica ainda mais ao caso actual, peço licença para lho recordar; é o do Principe de Dinamarca Marido da Rainha de Inglaterra.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu creio que a Constituição está perfeitamente guardada não obstante essa nomeação, existindo um Ministro da Guerra que é responsavel por todos os actos que referendar.

O Sr. Marquez de Fronteira: — Logo o Digno Par reconhece que o Principe não é o responsavel, e por tanto, que a sua nomeação é contra a Carta.

O Sr. Conde de Linhares: — D. Miguel, não

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obstante ser Principe, perdeu todas as suas prerogativas, e todas as suas rendas, e daqui resulta que a qualidade de Principe não exime qualquer individuo de ser responsavel.

O Sr. Conde da Taipa: — Para evitar que o Principe seja castigado, e porque queremos cercar o Throno de todas as garantias, é que nós votámos contra a nomeação de Sua Alteza, por não querermos que exerça funcções com responsabilidade: o Throno exerce o Poder Moderador, e não deve descer delle; a Rainha está intimamente ligada com seu Marido, nunca póde confirmar qualquer procedimento contra elle.

Diz um Digno Par que poderia citar exemplos para provar que alguns individuos chegados ao Throno tinham exercido Cargos com responsabilidade: mas eu não estou por esses exemplos, lembrando um que deve estar presente a todos os Membros desta Camara. — No Ministerio de Mr. Pitt quiz o Principe de Galles commandar um Regimento, e nunca aquelle Membro lho consentiu, porque sendo o Herdeiro do Throno não podia ter responsabilidade alguma de facto. — Estamos no mesmo caso com o Marido da Rainha, a quem a Carta se exime de responsabilidade, e sómente pelas suas opiniões como Par do Reino: mas como Commandante em Chefe do Exercito, como Empregado Publico, deve elle ser responsavel, porque póde uma vez commetter um crime, mas de facto se não póde effectuar similhante responsabilidade. — Por esta occasião me lembra de uma discussão que teve logar na outra Camara, onde sendo o Ministro da Guerra interpellado a respeito de certo procedimento, disse que não tinha sido obra sua, mas do Chefe do Estado Maior; este diria que isso pertencia ao Ajudante General; e indo-se a casa do Ajudante General, havia elle dizer que o Imperador tinha mandado fazer aquillo de que se procurava a explicação. — Isto aconteceu, e poderá ainda repetir-se com a nomeação que acaba de fazer-se para Commandante em Chefe do Exercito.

Eu não queria promover similhante discussão, contentava-me com appresentar o meu voto a este respeito; mostrando, quando muito, quaes tinham sido as razões porque eu julgava que a nomeação de Sua Alteza era anti-Constitucional, por não poder o Marido da Rainha ser responsavel de facto, mas disseram-se algumas cousas em opposição a esta simples opinião, a que eu não pude deixar de dar tambem alguma resposta.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Quando se não quer promover discussão, não se devem adiantar proposições, que não podem ficar sem resposta. — Quasi tudo o que avançou o Digno Par, não é fundado; e quando eu disse que o Principe era Par, não me podia passar pela cabeça que elle fosse responsavel pelas suas opiniões emittidas nesta Camara, sabendo muito bem que uma das prerogativas dos Membros das duas Camaras Legislativas, é a irresponsabilidade das suas opiniões; quiz dizer (e parece-me que todos me deveriam intender) que um individuo que é Par, claramente e subdito do Rei, e como não póde ser Soberano, e Par ao mesmo tempo, elle não só é responsavel, mas até já é sabido o Tribunal que o ha de julgar. Depois citei exemplos de Paizes não remotos, alludindo a um mais recente do que aquelle que o Digno Par apontou, mas não continuou: no Ministerio de Mr. Pitt foi o Duque de York Commandante do Exercito, sendo irmão do Rei, e seu Herdeiro, tanto como se fosse seu primogenito; porque aquelle não tinha filhos: o mesmo Jorge II commandou os Exercitos, sendo o proprio Rei, mas esse exemplo não vem para o nosso caso, porque prova de mais; e finalmente torno a lembrar, que o Principe de Dinamarca, Marido da Rainha, teve o mesmo Emprego; não accrescentando o que aconteceu no tempo em que o Senhor Duque de Bragança era Commandante em Chefe do Exercito, porque Sua Magestade Imperial era ao mesmo tempo o Chefe do Governo.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, realmente não posso intender como se queira confundir a questão da responsabilidade, olhando-a de facto, ou de direito, nem me parece possa haver, a este respeito, outra interpretação, a não ser a da Carta, que é muito clara: inviolavel é o Rei, e todos os outros Funccionarios Publicos são responsaveis, qualquer que seja a maneira porque estejam collocados, ou a relação em que se achem mesmo com o Soberano: logo o que resta é mostrar qual é actualmente a posição do Principe. Não lhe competem mais immunidades que aos Infantes de Portugal, e ninguem que saiba a Historia do nosso Paiz dirá que elles não fossem responsaveis, e por consequencia não estivessem no caso de serem julgados. Não posso tambem intender como dizendo alguns Srs. que estão aqui para velar sobre a execução, e guarda da Constituição, deixassem de ter (quando chegasse a occasião) a independencia, e o valor necessario para condemnar um Principe, se elle viesse á Barra desta Camara. Sendo pois neste sentido que um Digno Par fallou sobre o assumpto, parece-me que não póde rasoavelmente fazer-se arguição alguma ao Governo..... Torno a dizer que a responsabilidade está determinada na Carta, simplesmente são inviolaveis o Rei, ou Regente no exercicio de suas funcções.

Agora devo rectificar um facto a que ouvi aludir (e que teve logar na Camara dos Srs. Deputados) dizendo-se que eu me desculpára com o Chefe d'Estado Maior, pois assento que tenho meios para continuar a sustentar a opinião que então emitti. — Disse eu que o pessoal do Exercito tinha estado a cargo d'aquelle Official, e havendo acontecido algumas irregularidades (ou preterições que era o objecto da questão) as quaes podiam provir da falta de informações exactas que talvez não houvesse: entretanto accrescentei que todas as vezes que se provasse que o Chefe d'Estado Maior tinha obrado em contradicção ás Leis, e aos seus deveres, devia elle ser responsavel perante o Ministerio da Guerra, e que igualmente sempre que o Ministro não tivesse empregado todos os meios necessarios para levar a effeito aquella responsabilidade, era elle mesmo responsavel. — Foi isto o que disse na occasião mencionada, perante a Camara dos Srs. Deputados, repeti-o, e ainda agora estou repetindo que no exercicio do meu cargo tomarei sempre sobre mim toda a responsabilidade dos meus subordinados.

O Sr. Marquez de Loulé: — Certamente não era

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por falta de valor em mim ou nos meus Collegas, que impugnámos a nomeação do Principe D. Augusto para Commandante em Chefe do Exercito, é porque julgámos que ella é anti-Constitucional, e não pertence a esta Camara authorisala. O argumento que se citou de D. Miguel é contra-producentem, e mal de nós se nos servirmos de taes argumentos, porque só no fim de seis annos é que se poderam terminar os males que elle nos causou; ora se é preciso tanto tempo para se punirem crimes de tal natureza, julgo que é melhor desde já collocarmo-nos em posição que elles se não pratiquem. Supponhamos que é justa e sancta esta nomeação, que utilidade tiramos nós dahi! Não sei qual seja, nem a necessidade que o Governo teve de a fazer. O Principe Augusto tem apenas 25 annos, não me consta que elle tenha practica da guerra; e suppondo que era julgado nesta Camara, quem havia de mandar cumprir a sentença? A Rainha?! — Por todas estas considerações é que eu julgo illegal e inutil esta nomeação.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Tudo isto que se tem dito eu reputo uma conversação; porém como todos tem conversado, eu tambem quero conversar, e dizer que votei a favor; porque sei que só quem não é responsavel é a Rainha, o mais tudo que está em Portugal é responsavel.

O Sr. Vice-Presidente; O Sr. Duque de Palmella participou á Camara as nomeações que o Governo tinha feito dos Dignos Pares os Srs. Principe D. Augusto, e Duque da Terceira; parei um pouco, e ninguem discutio, e a generalidade depois votou a favor destas nomeaçõens. — Alguns Membros da Camara pediram se declarasse na Acta que votariam em contrario se estivessem presentes; creio que tem direito a isso, assim como aquelles que quizerem declarar o seu voto a favor. Não havendo pois objecto algum de discussão ou votação, está terminada esta questão.

Mandou-se lançar na Acta que os Dignos Pares Marquezes de Loulé, de Fronteira, de Ponte de Lima, Condes da Taipa, e da Cunha, declararam que votavam contra a nomeação de Sua Alteza Real o Principe D. Augusto para Commandante em Chefe do Exercito: e que os Srs. Conde de Linhares, e Marquez de Santa Iria votaram a favor da referida nomeação.

O Sr. Vice-Presidente: — A Ordem do Dia para ámanhan é a discussão do Parecer da Secção de Guerra sobre a Proposta do Sr. Visconde da Serra do Pilar, relativa ao augmento do numero dos Alumnos do Collegio Militar. — Está fechada a Sessão.

Tinham dado quatro horas.

(P.)

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