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COMMISSÃO MIXTA.

Sessão celebrada em 10 de Abril de 1835 para a definitiva decisão da Proposição de Lei sobre a venda dos Bens Nacionaes.

Sendo dez horas e vinte minutos, e achando-se reunidos na Sala das Sessões da Camara dos Dignos Pares os Membros nomeados por ella, e pela dos Senhores Deputados para formarem esta Commissão Mixta; occupou a Cadeira o Sr. Duque de Palmella (na qualidade de Presidente da Camara Hereditaria) e disse logo

O Sr. Presidente: — Desejo saber se a Commissão auctorisa o Presidente a nomear os Secretarios.

Assim o manifestou a generalidade da Commissão: e havendo Sua Ex.ª designado o Digno Par Conde de Lumiares, e o Sr. Deputado Antonio José d'Avila para servirem de Secretarios, tomaram cada um o respectivo logar na Mesa, occupando o primeiro o da direita e o segundo o da esquerda da Presidencia.

O Sr. Secretario Avila fez a chamada, e verificou estarem presentes todos os Membros da Commissão, nomeados, a saber:

Pela Camara hereditaria

Os Senhores Polycarpo José Machado.

Marquez de Loulé.

Conde de Lumiares.

Thomaz de Mello Breyner.

Conde da Taipa.

Marquez de Valença.

Marquez de Fronteira.

Bispo Conde.

Conde da Cunha.

Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento.

Visconde da Serra do Pilar.

Barão d'Alcobaça.

Marquez de Ponte de Lima.

Marquez de Ficalho (substituindo o Digno Par Barradas, impedido).

Pela Camara Electiva

Os Senhores Joaquim Antonio d'Aguiar.

Rodrigo da Fonseca Magalhães.

Joaquim Antonio de Magalhães.

Manoel Gonçalves de Miranda.

Antonio José d'Avila.

Francisco Antonio d'Almeida Moraes

Pessanha.

José Alexandre de Campos.

José Ferreira Pestana.

Florido Rodrigues Pereira Ferraz.

Francisco de Lemos Bettencourt.

Januario Vicente Camacho.

José Marcellino de Sá Vargas.

Lourenço José Moniz.

Manoel Joaquim Cardozo Castel-Branco.

O Sr. Presidente: — O objecto da reunião desta Commissão Mixta consta do Officio da Camara dos Senhores Deputados que vai ler-se.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares fez a leitura da peça alludida. (É o Officio que se acha estampado na Sessão da Camara Hereditaria de 9 d'Abril, (Vide pag. 249.)

O Sr. Presidente: — As species de que aqui se tracta são os Periodos 1.º, 3.º, e 4.º do § 8.º do Art. 4.º da Proposição de Lei sobre a venda dos Bens Nacionaes, emendada na Camara dos Dignos Pares, nos quaes a dos Senhores Deputados não conveiu, nem tão pouco na eliminação do Art. 17.º — Vão ler-se os referidos Periodos e Artigo.

Assim o fez o Sr. Secretario Avila; são os seguintes

Artigo 4.º

No preço dos bens que se venderem em virtude da presente Lei, poderão entrar em todo ou em parte:

§. 8.º

Os titulos, que se derem por indemnisações:

(Periodo) 1.º — dos rendimentos dos bens sequestrados, ou confiscados no tempo da usurpação, que effectivamente entraram no Fisco:

(Periodo) 3.º — das perdas e damnos provenientes: da extincção dos dizimos, que se achavam annexados in perpetuum a algumas familias, ou vinculados, os quaes serão indemnisados na sua totalidade:

(Periodo) 4.º — da perda, ou diminuição total, ou parcial do rendimento em dizimos, ou bens da Corôa das Commendas das Ordens Militares, calculada sobre o methodo do Decreto de trinta de Julho de mil oitocentos trinta e dous, nos Artigos decimo e undecimo, com a só differença de se avaliarem os rendimentos pelos quatro annos ultimos anteriores á usurpação.

Artigo 17 (supprimido)

Os bens de que tracta a presente Lei não poderão ser reduzidos a vinculo, por titulo algum.

O Sr. Presidente: — Está aberta a discussão sobre o Periodo 1.º do § 8.º Art. 4.º

Obtendo a palavra, em primeiro logar, disse

O Sr. Sarmento: — Parece-me que dando as rasões, porque a Camara dos Dignos Pares adoptou a doctrina que se contém neste Artigo, responderei assim de algum modo ás duvidas que ao mesmo foram postas na Camara Electiva.

O principio geral, que se teve em vista, fazendo entrar nesta Lei os titulos que se tenham dado, tanto para indemnisações, como por outras perdas, foi querer manter rigorosamente o direito de propriedade. — Não são sómente alguns dos Membros da Camara dos Dignos Pares os interessados nesta doctrina, ha muitos outros Portugueses que tem nella o mesmo interesse: — não posso, entre muitos, deixar de mencionar o Morgado Carvalhal, da Ilha da Madeira, que preferiu os principios de honra, e de adhesão á Causa da Rainha e da Carta, a 306 mil cruzados de renda annual, além de perdas de incalculavel consideração na sua vasta propriedade. Trago este facto por ser mui conspicuo, e ter tido logar n'um tempo em que se faziam as profissões com muita facilidade, mas com maior facilidade ainda se davam passos diversos com o fim de interesses particulares. Não são por tanto alguns Dignos Pares quem sómente interessam na conservação da parte do Artigo que está em discussão: até recorrendo a argumentos

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historicos, seria facil provar que poucos são os Membros da Commissão, que propoz esta modificação, que sejam interessados nella: eu fiz parte dessa mesma Commissão, e assim como outros, que constam da lista, alguma perda tive no rendimento dos meus bens, ainda que não a reputo consideravel senão em relação a mim, e nunca em relação aos grandes proprietarios, que tiveram enormes perdas. Mas ha muitos Portuguezes que não tem connexão alguma com os individuos que compõem a Camara dos Dignos Pares, que soffreram graves perdas; e finalmente quando se tracta do direito de propriedade; creio que se não devem calcular valores, porque o pobre, que perde aquillo que a Providencia lhe doou, soffre tanto em proporção como o rico, que teve grandes prejuisos. O principio da justiça deve manter-se, assim como o da propriedade: este é o grande ponto moral, e politico. Assim o pedem os mesmos interesses Nacionaes; a falta de respeito ao direito de propriedade é uma das causas, que nos tem trazido ao ponta calamitoso a que chegaram os Portuguezes. As mesmas Leis eram feitas em differentes occasiões sem respeito algum áquelle direito tão sagrado: que o digam as Leis dos transportes, a practica dos embargos das tulhas, e celleiros dos particulares, as aposentadorias, e os aboletamentos. O que era um serviço publico, e que devia por isso ser feito a custa de toda a Nação, pesava muitas vezes exclusivamente sobre as classes mais desgraçadas dela. De maneira que tão familiarisados estavamos com as violações do direito de propriedade, que mais parecia Portugal nesta parte um paiz de barbaros, do que uma Nação civilisada. — Não sendo preciso fazer o elogio dos direitos consagrados na Carta, diante d'uma Commissão composta de pessoas tão illustradas, era comtudo conveniente trazer alguns exemplos sobre a materia.

Póvos existem, onde o direito de propriedade não era conhecido antes de serem conquistados: não conheciam o que era, ou em que consistia a conservação do resultado da sua herança, do seu trabalho, e industria, foi necessario que um conquistador lhes dissesse que havia meios de ser senhor, tanto o pobre como o rico, daquillo que tinham adquirido; sendo maravilhoso que as vantagens da conquista paralisassem no coração as naturaes inspirações do amor proprio nacional. É por isso opinião geral que em quanto o Governo Britanico conservar a guarda destes direitos a cem milhões de individuos, estão muito longe de se rebelarem contra Inglaterra os habitantes do seu Imperio Asiatico, não importa que elle seja composto de Nações de differentes origens, religião, e córes.

Mas se o direito de propriedade não fosse respeitado nesta Lei, poderia dizer-se de algum modo que em Portugal acontecia em ponto pequeno o mesmo que tivera logar em França depois de 1789: que nós em vez de restabelecermos as Leis; e o Throno Legitimo, sómente procuravamos fazer guerra aos ricos, e despojalos de suas fortunas. — Receio muito offender a modestia d'alguns dos Membros desta Camara que me estão ouvindo. — Aqui está assediado um Digno Par, que, quando outras pessoas tinham muitos receios que D. Miguel lhes embargasse as suas pensões, não teve duvida em patentear os seus sentimentos de adhesão a Causa da Rainha, escrevendo com sua propria mão a perda de 60 mil cruzados de renda. — Procedimentos desta ordem, direi eu que são ainda mais nobres do que aquelles, que foram practicadas pelos Portuguezes de nome nas Indias Orientaes. Se D. João de Castro foi virtuoso, a sua virtude consistiu em uma resignação á nobreza que herdara, e em não querer enriquecer pisando a honra, e os preceitos da Religião; e esse despreso pelas riquezas para Conservar a honra, fará que sua memoria existirá em quanto houver homens de bem. D. Luiz de Athaide não quiz trazer da India mais do que quatro jarras cheias das aguas do Ganges, do Indo, e do Euphrates, e de outro rio, que tinham testemunhado os feitos gloriosos dos Portuguezes, recusando todos os presentes que lhe traziam os Regulos tributarios da Corôa Portugueza. Teve mais prazer em vêr aquellas bagatellas guarnecendo os angulos da sua casa de campo, do que servir-se do poder para acarretar tropheus, que servissem á ambição, e fossem monumentos de avareza, e sêde de ouro; acção romantica, e em si tão grande, que não é possivel della ter lembrança sem que se derramem lagrimas sobre as paginas da historia de tão esclarecido e virtuoso Portuguez. Por certo o descer da riqueza para a pobreza; o sacrificar grandes fortunas pela dignidade de guardar a fé do juramento da honra, senão iguala as grandes acções referidas, por certo as excede. — Apesar de sermos os descendentes de homens taes, apezar mesmo das sympathias que alcançamos na emigração, talvez que a Nação estivesse a ponto de ser sacrificada á usurpação se não ornassem a emigração muitos nomes das nossas antigas familias.

Quando eu escrevi ácerca dos direitos da nossa Augusta Rainha, e do direito que a Nação Portugueza tinha de possuir uma Carta Constitucional, como qualquer outro povo do Mundo, combatendo quanto pude aquelles, que em Inglaterra, França, e Alemanha em seus escriptos ousaram chamar ao Governo da Terceira um governo de piratas, foi preciso dizer que nós tinhamos capiteis das columnas corinthicas entre nós mesmos, para lhes mostrar quanto eram falsas e calumniosas suas asserções, asseverando que a antiga nobreza era toda a favor da usurpação: eu referi os nomes dos chefes das familias, que tinham conservado a honra illesa, e que se tinham sacrificado pela Patria, e pela Rainha. Foi este um dos mais fortes argumentos a bem da nossa causa; e honra seja dada a tantos illustres Portuguezes, que me ouvem; nem lhes tributo lisonja, digo a verdade. — Depois destas observações, que talvez não fossem necessarias senão para cumprir com o dever de Membro da Commissão de Fazenda da Camara dos Dignos Pares, resta-me concluir o meu discurso, na persuasão de que os Senhores Deputados, que fazem parte desta Commissão Mixta, hãode mudar da opinião, que por ventura tivessem formado relativamente á decisão da Camara Hereditaria, no que diz respeito ao ponto em discussão, conhecendo que ella tomou um arbitrio, tendo sómente em vista, não o interesse particular de alguns de seus Membros, mas o geral da Nação no respeito á propriedade; direito de que nenhumas forças humanas devem privar os Cidadãos. (Apoiado.)

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O Sr. Aguiar: — Eu devo explicar os motivos porque a Camara dos Deputados não adoptou este Artigo. — A questão não é se nas Camaras ha pessoas interessadas em que esta doctrina passe, ou não: esta questão não é para este logar: entretanto devo dizer que se tem fallado em suspeitas que de certo não existem, nem nunca existiram na Camara dos Deputados; os motivos porque ella rejeitou este Artigo forão outros.

Esta Lei não é propriamente de indemnisações, e uma Lei que admitte certos titulos na compra dos Bens Nacionaes; nella não se tracta de estabelecer ou tirar direitos: e o principio sanccionado neste Artigo não se acha estabelecido em Lei alguma, antes pelo contrario, existe o Decreto de 28 de Maio de 1831 que diz assim (leu). Agora pergunto eu; está feita a Lei, a que este Decreto se refere? Aonde existe ella? Eu cuido que não, e creio que me não engano. Será por ventura esta que discutimos? Certamente não, porque o seu objecto é estranho á materia das indemnisações. — Segunda razão. — Um tal principio não poderia admittir-se sem sanccionar uma injustiça, porque ha um grande número de prejuizos tão recommendaveis como aquelles de que tracta este Artigo no paragrapho primeiro. Qual será o motivo porque a Nação ha de estar obrigada a receber estes titulos na venda dos Bens Nacionaes, e não ha de receber outros de perjuizos tão dignos d'attenção como elles? Por exemplo, obrigou-se, no tempo da usurpação, um Cidadão fiel á RAINHA, e á Carta a entrar no Thesouro com certa porção de dinheiro; tem este por ventura menos direito, do que aquelle cujos bens foram confiscados? Eu creio que não. — Aquelles a quem foram violentamente aprehendidos os fructos de sua lavoura, os effeitos de seu commercio, os objectos de sua industria não merecerão igual favor? Então qual é a differença? Eu não a posso achar; uns e outros, pelo menos, tem igual direito. — Mas diz-se, é necessario respeitar o direito de propriedade. E em que consiste este respeito? Em que o Estado se não apodere da propriedade particular, e quando o fizer por utilidade pública, indemnise o proprietario. Pergunto eu agora; a Nação, ou o Governo actual, apoderou-se contra o direito de propriedade, dos bens cujos rendimentos entraram no Thesouro? Certamente não. Foi o Governo de D. Miguel quem violou esse direito de propriedade; em consequencia este principio não póde ser admissivel para o caso presente. Póde ainda dizer-se que os prejuizos de que tracta o Decreto em questão se acham liquidados, e os outros não: mas o que eu não sei é, porque alguns destes prejuizos se não poderam liquidar a tempo d'entrarem os titulos na compra dos Bens Nacionaes, ao que tem tanto direito esses prejudicados como os de que tracta o Artigo rejeitado na Camara dos Deputados, visto que a razão, pelo menos, é igual para todos.

A Camara dos Deputados assim o intendeu, e vendo que ha muitas classes de prejuizos a que esta doctrina é applicavel, e que seria injustiça conceder favor aos titulos d'uns, offerecendo-lhes um meio de pagamento na compra dos Bens Nacionaes, e negando-o aos outros, os quaes aliàs devem ser tantos, e tão varios que sería difficil comprehendelos todos na providencia da Lei em discussão, não quiz dar a preferencia aos titulos, de que tracta o Artigo; e foi este o unico motivo que moveu aquella Camara a eliminalo.

Todos os que soffreram tem direito a ser indemnisados, mas salvo lhes fica esse direito, para quando uma Lei regular a maneira porque o hão de ser.

O Sr. Campos: — O principio porque na Camara Electiva se não admittiu a emenda que consta do paragrapho em discussão, foi um principio de justiça, e de igualdade; tendo em vista não dar a esta Lei o caracter de Lei de indemnisações; por quanto a incluir-se nella uma qualquer specie de indemnisações, deveriam igualmente ter ahi logar todas as outras: a Camara Electiva teve tambem em vista, que não permittindo a magnitude da indemnisação integral o ser contemplada nesta Proposição, nenhuma outra por tanto podia ser attendida: foram logo estes principios de justiça, e de igualdade, aquelles porque não se admittiu a emenda da Camara dos Dignos Pares. — Mas houve ainda outros motivos para tal exclusão.

A indemnisação de que tracta a referida emenda, apezar de muito recommendavel, não é certamente daquellas que devam occupar o primeiro logar: antes della estão outras, tal é a dos prejuizos causados pelo Governo Legitimo para obras de defeza, os quaes em conformidade da Carta, deviam ser pagos á vista, e que o não poderam ser pelo imperio das circumstancias: pelo menos deviam selo desde o momento em que as urgencias do Thesouro o permittissem. — Se se quizer responder a esta consideração, dizendo que elles não estavam liquidados, direi tambem que isso não póde imputar-se a omissão da parte dos prejudicados, mas sim a falta de providencia Legislativa a esse respeito. — Conseguintemente se na Lei da venda dos Bens Nacionaes, houvesse de entrar alguma indemnisação, é evidente que nunca deveria obter a preferencia aquella que consta do paragrapho; e na impossibilidade de se admittirem uma e outras, assentou a Camara Electiva em não admittir nenhuma; pois a admissão de alguma (com a exclusão de outras que tem tanto ou mais direito) importaria um principio de excepção, sempre odioso. Além de que a emenda funda-se n'um principio que não é exacto; e vem a ser, o suppôr que o producto dos bens confiscados entrava effectivamente no Thesouro; que fôra recebido pela Nação; mas isso é um perfeito equivoco. — O fisco, e o Thesouro exprimem repartições legaes, mas nos tempos da usurpação não havia nada legal, por consequencia quem recebeu o producto dos bens confiscados, ou sequestrados, não foi a Nação, foi outrem: logo a illação de que esta deve pagar esse producto, não se póde jamais tirar. É necessario considerar a usurpação um mero facto, (Apoiado) sem que delle se possa seguir consequencia alguma juridica: os actos que os seus empregados commetteram contra alguem não tem outro caracter, que não seja o de criminalidade particular. Por tanto pouco importa que o Thesouro ou o fisco recebesse tal ou tal quantia, para que a Nação agora responda por ellas. Isso foi recebido contra a Nação, e não pela Nação: logo não tem ella obrigação de pagar cousa nenhuma, logo nem devia ser responsavel por similhante indemnisação, porque nada recebeu d'aquillo que representa.

Afóra estas ideas, ha tambem que attender a ou-

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tra consideração. — Ainda não está decidido qual ha de ser o principio geral das indemnisações; isto depende do Poder Legislativo; mas a doctrina do paragrapho intende que as mesmas indemnisações hão de ser integraes. Não se sabe tão pouco se as mesmas indemnisações dão de ser pagas peles rebeldes ou pela Nação. Ora um principio desta importancia não podia tractar-se na presente Lei, mas na propria das indemnisações; por tanto querer antecipar a decisão destes pontos, é dar por determinada uma doctrina que ainda o não foi, e que por isso é possivel ficar prejudicada, segundo o principio porque não devem admittir-se estes titulos. — Os dos soldos, e ordenados não estão no mesmo caso; não são comparaveis com outros quaesquer: os empregados cessaram de o ser em virtude da necessidade: o contrario sería suppôr que a execução da Lei fôra interrompida pela usurpação, o que não é possivel, por não haver essa interrupção rigorosamente fallando.

Eis-aqui pois quaes foram os principios de justiça e igualdade porque na Camara dos Deputados se rejeitou a doctrina do paragrapho em discussão, a qual não pertence propriamente a esta Lei: mas se apezar disto se vencer que nella se tracte de indemnisações, nesse caso não duvidarei votar por algumas.

O Sr. Castel-Branco: — Admittidos por uma e outra Camara os titulos de soldos, e ordenados, não podem sem injustiça excluir-se aquelles de que tracta este periodo 1.º (leu). Se aquelles que deixaram de receber soldos, e ordenados são indemnisados desta maneira, porque o não serão aquelles cuja fazenda e propriedade entrou no Thesouro? — A Lei que citou o Sr. Aguiar longe de ser um fundamento para apoiar o seu raciocinio, dá um argumento contrario, porque a mesma nos Artigos 4.º e 6.º diz o seguinte (leu); por tanto estão comprehendidos os titulos de soldos, e ordenados, como os que se derem por indemnisação dos rendimentos liquidos de bens entrados no Thesouro. Mas diz-se que se nós admittirmos estes, outros ha que tambem o deverão ser, como os dos damnos causados para a defeza contra a usurpação; a isto respondo eu, que nós não viemos aqui senão para tractar se se devem admittir, ou rejeitar estes titulos, que foram incluidos no Projecto pela Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Conde da Taipa: — Quando a Camara dos Pares ía incluir em um dos Artigos da Lei da venda dos Bens Nacionaes estes titulos, fêlo como consequencia necessaria pela admissão de outros, que foram approvados na Camara dos Senhores Deputados. Terá menos direito um proprietario, que foi perseguido, e emigrou, sendo assim fiel á Rainha, terá este menos direito digo, do que o empregado publico que tambem emigrou? Certamente não: tanto mas que muitos destes foram-se embora depois que D. Miguel os despediu, e talvez se elle assim não fizesse que o continuassem a servir, mas por isto os não criminaria eu se elles lhe não fizessem maiores serviços; porém o que não concedo e que estes homens tenham mais direito do que o proprietario que emigrou, e abandonando a sua fortuna a entregou nas mãos de D. Miguel. Terá este menos direito do que outro que tinha pensões, ou tenças dadas, muitas vezes, graciosamente, ou sem ser a titulo de serviços? Certamente não. — Disse um Sr. Deputado, que me precedeu a fallar, que os que tinham entrado no fisco tinham tanto direito como estes: se esta questão se tivesse tractado separadamente eu não teria duvida; porém esta Lei tem-se tractado politicamente, e então não estão no mesmo caso uns, e outros: tanto mais que já ha uma injustiça para com estes a quem agora se derem titulos, que nunca poderão subir ao par na compra dos Bens Nacionaes; e segundo disse aqui outro dia o Sr. Ministro da Fazenda, que tinha considerado este dinheiro como em deposito, e alguem havia a quem elle já tinha pago parte da divida; logo para que o Governo fosse consequente devia continuar a pagar em dinheiro, e não o fazendo practica uma injustiça para com aquelles a quem der titulos, porque necessariamente hãode ter perda.

O Sr. Miranda: — Exporei as rasões porque na Camara Electiva não foi admittido o paragrapho em discussão, mostrando que nisso não houve nem acto de injustiça nem de desigualdade, antes pelo contrario. Já o meu Illustre Collega, que ha pouco fallou, reflectiu que esta Lei não era de indemnisações, mas unicamente tinha por fim a venda dos Bens Nacionaes, pela qual o Estado pertende retirar da circulação um grande numero de titulos de divida, a troco d'alguns dos mesmos Bens. Assim não se tracta dos damnos que se devem ou não indemnisar, tracta-se sómente da specie de titulos que devem entrar na compra dos mencionados Bens.

Este paragrapho diz: (leu-o) Ora dos muitos bens de que os Portuguezes fiéis foram espoliados, e mesmo por ordem de auctoridades ou effeitos da usurpação, uns entraram no fisco, e outros não; perguntarei então que differença de direito póde haver para serem agora indemnisados uns por maneira diversa dos outros? É evidente que nenhuma; por tanto dar uma preferencia aos que effectivamente entraram no fisco, seria o mesmo que suppôr que a Nação Portugueza é obrigada a indemnisação delles só por esse facto; isto é, suppôr que o Thesouro Publico é obrigado a pagar aquillo que recebeu o de D. Miguel. A ser isto assim, não só desappareceriam os principios de justiça, mas até seria violada a propria dignidade Nacional. — A Nação Portugueza não póde reconhecer o Governo da usurpação senão como um governo de facto, e todos os actos practicados pelas auctoridades do Usurpador não passam de meros factos, sem poderem invocar em seu favor nem mesmo as antigas Leis. Sendo assim, estão nas mesmas circumstancias todos os individuos que foram sequestrados na épocha da usurpação, ou os seus bens dessem entrada ou não no fisco; e a differença entre uns e outros, foi o que a Camara Electiva não pôde admittir. Embora entrassem na compra dos Bens Nacionaes os titulos dos damnos causados pela usurpação, mas fazer distincção entre alguns delles, não me parece justo: convenho em que todos os Cidadãos devem ser indemnisados, mas diferença no modo não é admissivel. Se os depositarios ou a auctoridade que fizeram os sequestros não derem conta desses bens, o que foi privado delles tem igual direito a ser indemnisado; e não é a Legislatura ou o Governo legitimo, quem hade ir estabelecer uma differença.

Entretanto pondera-se que as perdas de uns estão liquidadas, e que a outros não é isso tão facil. Mas será isto rasão para admittir aquelles, e excluir es-

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tes? Não póde haver principio de justiça que cohoneste similhante procedimento: a Liberdade não consiste mais do que na igualdade da mesma regra para todos os governados, o Governo despotico, que é um Governo de excepção, é quem admitte preferencia perante a regra geral da Lei. — Torno pois a repetir que a Camara Electiva não pôde convir na excepção que o paragrapho ia estabelecer, por ser opposta á justiça e á igualdade.

Não deixa ella de conhecer que ha um direito para todos os Cidadãos serem indemnisados dos prejuisos que lhes causou a usurpação; comtudo cumpre notar que a Lei da venda dos Bens Nacionaes passou alli no tempo em que apenas se começava a tractar a outra das indemnisações, cujas bases nem ainda estavam fixas, nem se tinha ainda decidido se haveria uma differença entre os damnos materiaes, e os damnos pessoaes; não digo que esta fosse justa, mas tractava-se esse ponto, o qual como todos os que dizem respeito a indemnisações, mesmo hoje não estão determinados. É por tanto uma questão nova cujos detalhes se não podem enunciar com certeza; não sei qual será o modo de que se hade lançar mão; postoque não haja duvida no principio geral. — Logo não existe a contradicção que notou o meu illustre Collega, sendo estas as rasões porque o paragrapho não foi approvado naquella Camara; mas no caso contrario, isto é, admittindo alguma excepção á regra geral, não havia motivo algum para que os individuos que soffressem perdas pelo facto da usurpação, deixassem tambem de ser indemnisados. — A circumstancia de terem os productos d'alguns sequestros entrado para o Thesouro do usurpador, é a mesma cousa, e não deve fazer duvida alguma, quando se tracte de pagar um damno causado, porque está solemnemente declarado que o Governo legitimo não reconhece as dividas contrahidas pela usurpação: na mesma regra pois estão os Cidadãos, que foram confiscados, e ainda outros, por exemplo, aquelles cujas propriedades padeceram pelas baterias dos rebeldes, ou a quem foram tiradas generos para o exercito do usurpador: uns e outros, ainda que os seus valores não tivessem effectiva entrado no seu Thesouro, desembolçaram aquillo a que não estavam obrigados. — Veja-se por tanto aonde nos conduziria (se se admittisse) o principio de que os titulos dos damnos causados pelos rebeldes, pelos sequestros que effectivamente tivessem dado entrada no Thesouro, podessem entrar na compra dos Bens Nacionaes: deveriam selo todos os outros pelos motivos que expuz, os quaes ninguem póde negar: embora os titulos d'uns estejam liquidados, e não os d'outros, é certo que a todos compete o ser pagos do mesmo modo, para observar uma regra geral, e sobre tudo não comprometter a dignidade da Nação, por se dar a intender (não faço referencia a opinião alguma) que de alguma maneira se reconhece ou julga a importancia dos titulos dos bens confiscados, como uma divida que passa do Thesouro do usurpador para o do Governo legitimo. — A respeito do principio geral, o de indemnisação, creio que todos estamos d'accordo, a duvida é sómente sobre o modo de a verificar.

O Sr. Aguiar: — Só duas palavras Sr. Presidente, porque na verdade não desejo prolongar uma discussão em que pouco ha que accrescentar; mas realmente não ouvi ainda appresentar uma razão pela qual se possa sustentar este Artigo; a unica que tem pezo é aquella do Digno Par, que diz que achando-se no catalogo dos titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, os de tenças, soldos, ordenados etc., era forçoso, por um principio de justiça admittir estes; mas aqui nasce a minha difficuldade; não me parece que fosse esta a razão que a Camara dos Dignos Pares teve em vista, porque então força era que para não haver incoherencia, ella senão limitasse aos titulos de que tracta o Artigo, antes comprehendesse todos os mais em que se desse a mesma, ou maior parte a favor, como além dos que já referi, os de prejuizos resultantes da demolição de predios para obras de defeza, e muitos outros. Ouvi que se devia fazer differença dos que soffreram e emigraram, áquelles que subjeitaram a D. Miguel; mas eu não vejo esta distincção no paragrapho, e só sim estabelecer a regra em geral, e além disto ha prejuizos soffridos por quem não emigrou, tão recommendaveis como os das confiscações feitas aos emigrados.

O Sr. J. A. De Magalhães: — A questão está bastante elucidada e pouco ou nada se póde accrescentar ao que se tem dito; com tudo como eu tinha pedido a palavra sempre direi a minha opinião que é exactamente aquella que segui na Camara dos Deputados, postoque a não emitti, mas votei approvando este quisito o qual foi rejeitado naquella Camara por uma maioria de tres votos, se bem me lembro; e agora que posso torno a sustentar a mesma opinião.

Não me encarregarei de explicar ou declarar os motivos que a Camara, a que tenho a honra de pertencer, teve para o rejeitar; não só porque fui da minoria, mas porque já tres ou quatro de meus Collegas o fizeram, e muito melhor que eu o poderia fazer; porém do que me não dispensam é de dizer que os argumentos que se tem produzido contra, não tem força alguma para a sua rejeição. — O argumento do Decreto de 23 de Maio de 1831, não tem força absolutamente; e por isso escusado é responder-lhe; porém ha outro, e é; o querer-se provar que da admissão destes titulos resulta uma injustiça senão o forem os outros dos differentes damnos causados pela usurpação: este é que tem sido o grande ponto do debate; e a mim parece-me que não ha injustiça nenhuma, pela maneira que intendo a questão; e espero que todos os Senhores intendam bem estas palavras que aqui se acham, = que entraram no fisco. = Intendo eu, que são os rendimentos liquidos que entraram no Thesouro pelas estações competentes, e a respeito dos quaes já o proprietario não póde ter outro direito senão o de ser indemnisado pelo mesmo Thesouro, assim como os dinheiros liquidos provenientes dos bens que não foram confiscados, mas sim sequestrados, e que são tão sagrados, e tem tanto direito como aquelles que provém do confisco effectivo; por consequencia intendo que os dinheiros que entraram no Thesouro pelas estações competentes, ou fossem provenientes de fisco, ou de sequestro, estão em uma linha de conta diversa de todos aquelles que podem proceder de prejuizos causados, e que ainda se não acham liquidados; em todos os tempos se tem feito esta distincção entre o liquido, e o illiquido. É uma fatalidade, e uma desgraça, que muitas vezes crédores com maiores direitos são preferidos por ou-

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tros que não tem tantos: além disto ha uma grande linha de demarcação entre o liquidado, e illiquidado, e que para o caso presente colhe absolutamente. Nós sabemos que as Leis fiscaes são as mais severas, e nós temos a Ordenação (não fallando já na Lei de 6 de Dezembro de 1772) digo temos a Ordenação, a qual diz que se não admittam compensações taes. Examine-se este exemplo, e ver-se-ha que colhe para o nosso caso; em consequencia, torno a repetir, ha uma differença immensa entre uns, e outros, ainda que a ordem seja a mesma entre todos os que soffreram por causa da usurpação, e que tem direito a liquidar os seus damnos; comtudo no momento não o estão e não podem ter logar para entrar na venda dos Bens Nacionaes, e no fim de 6 ou 8 mezes que se possam metter de permeio, até tomar uma medida diffinitiva já não existiriam esses bens. — Ora ainda quando mesmo conservada a igualdade de justiça nos direitos, não se póde dizer que, porque uns não estão ainda legalmente habilitados, se deve deixar de pagar aos que o estão. — Parece-me pois ter mostrado a grande differença que ha entre liquido, e illiquido nos prejuisos causados pelo Governo intruso, e que quanto aos dinheiros liquidos, esses se devem intender como existentes nas estações competentes; demais que isto se não intende senão para aquelles que foram victimas da usurpação; principio debaixo do qual certamente é que foi admittido este quesito, e se acaso fôr necessario alguma declaração estou persuadido de que todos concordarão nella.

Resta ainda responder a uma Proposição do meu amigo e companheiro o Sr. Miranda. — Diz elle que não sabe como se possa fazer differença em favor daquelle cujo dinheiro entrou nas estações publicas, e não para outros cujo dinheiro foi extraviado por mãos de depositarios ou de outras pessoas, porque a origem, e a causa foi a mesma. — Sim, Senhor, porém estes tem um direito immediato contra esses depositarios, e essas pessoas, e os outros não; porque senão houvessem esses speculadores que lançassem nos bens confiscados, e sequestrados, ainda que o usurpador os mandasse pôr a lanços, não se teriam extraviado estes dinheiros: em consequencia, nem a Nação, nem o Thesouro está obrigado a indemnisar essas perdas, e os arrematantes e depositarios, unicamente por todas as Leis anteriores, são rigorosamente obrigados a pagar aquillo que extraviaram; mas isto não se póde dizer a respeito daquelles cujo dinheiro entrou no Thesouro como producto do lanço da praça; eu tambem sou de opinião que no Governo de D. Miguel, sendo um Governo de facto, todos os seus actos são nullos; e isto não só pelos principios geraes de direito, mas mui positivamente pelo Decreto promulgado na Ilha Terceira, no qual se declaram nullos todos os contractos feitos com o usurpador; mas torno a repetir, isto só se póde intender para com os speculadores, mas nunca com as victimas da arbitrariedade do governo usurpador, por serem subditos fiéis da Rainha, e tambem com os sectarios da usurpação, que esses estão fóra de todo o direito das gentes, e de todas as considerações.

Por consequencia, em vista de todas estas rasões, parece-me estar mais que justificada a justiça da doctrina deste Artigo; toda a divida deve ser paga quando o crédor está legitimamente habilitado; e por todas as rasões expendidas, eu reitero a minha opinião approvando o Artigo. (Apoiado.)

O Sr. Pestana: — A Camara dos Dignos Pares talvez achasse alguma incoherencia, vendo que a dos Deputados tinha admittido na venda dos Bens Nacionaes os titulos de tenças, pensões, etc. a despeito dos que a Hereditaria julgou igualmente importante, quaes erão os titulos passados por dinheiros entrados no fisco em resultado de sequestros feitos no tempo da usurpação; se pois, como disse, se achou alguma incoherencia na admissão daquelles, e na exclusão destes, a Camara Electiva não achou menos incoherencia na adopção de uns, e na rejeição de outros, que julgou muito menos importantes, quaes são os pertencentes a individuos prejudicados em consequencia de obras necessarias para o ataque e defesa nas operações de guerra contra os rebeldes. Foi em consequencia desta consideração que a mesma Camara, resolveu rejeitar este primeiro Periodo do paragrapho 8.º Artigo 4.º — Considerando que todos os prejuisos causados pela usurpação deviam ser igualmente indemnisados, e estando ainda pendente a maneira dessa indemnisação, pareceu-lhe que não devia beneficiar uns prejudicando talvez outros. Considerou tambem que os damnos provenientes de confiscos tinham sido causados para sustentar o usurpador contra a Legitimidade, e comparando-os com outros mais attendiveis, e que serviram para a defeza da Curta, assentou em rejeitar a preferencia dada aos primeiros. Pelo que diz respeito ao argumento que se quiz deduzir da differença entre a divida liquidada, e não liquidada, fundamentando nesta circumstancia o favor concedido áquella, acho que não é rasão Instante para isso, por se não poder imputar ao Estado a falta da liquidação da sua divida. — Por todos estes motivos sou de parecer, e insisto na rejeição da parte do paragrapho em discussão.

O Sr. Marquez de Loulé. — Quando pedi a paravra, estava fallando um Sr. Deputado que tachou de injusta a disposição do paragrapho em discussão; mas outro Senhor que depois fallou não só preveniu exactamente as minhas ideas, mas expoz a materia com toda a clareza e precisão: e por isso renuncio a palavra.

O Sr. Fonceca Magalhães: - Ainda que, a meu ver, a materia se ache sufficientemente discutida, porque d'uma e outra parte se tem appresentado as rasões mais fortes, que na questão ha pró, e contra, direi comtudo alguma cousa, e principiarei declarando a V. Ex.ª que na Camara dos Deputados votei pela admissão do paragrapho, mas não tive muito em vista, por assim dizer, as rasões juridicas de que o meu Collega o Sr. Joaquim Antonio de Magalhães, fez uma longa resenha. Quanto ás rasões politicas, é innegavel que a discussão tem versado mais sobre indemnisações, do que sobre a venda dos Bens Nacionaes, e sinto que assim tenha acontecido, porquanto tenho observado que alguns dos Membros desta Commissão que fallaram sobre a materia, tem o preconceito de julgar preferiveis os titulos de certos bens que entraram para o fisco só por este respeito; mas isto póde empecer a admissão do paragrapho, méra e simplesmente como parte da Lei da venda dos Bens Nacionaes. Ora é escusado tractar de preferencias, sobre se a devem ter os productos liqui-

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dados que entraram no Thesouro de D. Miguel; porque eu não posso conceber que haja titulo algum que prefira aos que pertencem ao homem que illegalmente foi espoliado da sua propriedade. Por ventura os titulos de pensões e ordenados serão mais sagrados do que os da propriedade particular? Pois o que me proveiu de meus paes, ou da compra do que eu paguei com o meu dinheiro, será menos sagrado do que uma recompensa de serviços? Ninguem o affirmará com justiça. — Ainda accrescentarei que aos pensionarios, e empregados se póde dizer: = cessastes de trabalhar, cessastes de receber, porque o que vós recebieis era em consequencia do trabalho que neste tempo não tivestes. =

Quando deste modo raciocinio, contra mim fallo, porque não tenho outra cousa neste mundo senão o ordenado do meu emprego: assim não levo em vista applicar ao que disse a uma ou outra classe. — Fui demittido em 1823, passei mal; e sendo depois reintegrado no meu logar não me quizeram pagar, e disseram-me: = isso fica para quando possa haver medidas geraes; e tambem, vós não trabalhastes, = e eu callei-me, porque me persuadi que fôra injusto se d'outro modo obrasse. Mas haverá a mesma rasão a respeito da propriedade de qualquer individuo? Não o creio. Diz-se porem que quem o espoliou foi um Governo intruso. Que, votaremos nós para sanccionar o roubo do poder? Não, (Apoiado, Apoiado.) porque nenhum de nós quer fazer uma violencia a todas as Leis da moral. Que os damnos causados pelo usurpador, e seus satellites hãode ser pagos nisto não ha questão, e quando se tractou a materia sabem todos os que me ouvem que nunca puz em duvida que houvesse indemnisações; sim puz duvida no modo de as verificar, adoptando aquelle que mais facil me pareceu. — Ora esta divida, que effectivamente entrou no Thesouro, não merecerá mais favor do que outras, que nem ainda se sabe a quanto subirão? E que menos se póde dar por ella do que um titulo? Não será isto menos oneroso do que ficar o Thesouro obrigado a pagala a dinheiro? Acho que duas vantagens resultarão deste methodo; a primeira amortisar uma divida, e a segunda favorecer a venda dos Bens Nacionaes. Acaso não será isto preferivel a uma exclusão odiosa (estas palavras é que o não são) e injusta! Então se o meu principio (que é o de todos os economistas-politicos) consiste em chamar o maior numero de concurrentes á venda, não posso eu deixar de admittir o paragrapho.

A Commissão Mixta não tem que tractar de preferencias, convém antes que tenha em vista nesta Lei a concurrencia dos compradores aos Bens Nacionaes; em consequencia de tão seguro principio não póde deixar de ter logar a admissão destes titulos, e para isso acho mais que sufficientes as rasões allegadas pro, e as reputo de primeira intuição. — Voto por tanto pela parte do paragrapho em discussão, e nisso vou conforme com os principios que estabeleci e sustentei na Camara dos Deputados. — Agora creio que me será permittido, uma vez que a questão parece discutida, rogar a V. Ex.ª queira perguntar á Commissão se assim o julga. (Apoiado.)

O Sr. Aguiar: — Como fui um daquelles que impugnaram o paragrapho, sou obrigado a dizer que com isso não quero reconhecer os actos do Governo usurpador, nem tão pouco legitimar as violencias delle; mas o que eu tambem não quero reconhecer é que desses actos resulte responsabilidade alguma para o Governo Legitimo.

O Sr. Fonceca Magalhães: — A palavra para outra explicação. — Eu não disse cousa alguma que devesse levar o illustre Deputado a suppôr aquelle principio: de quanto estabeleci não se póde deixar de tirar uma conclusão em contrario.

O Sr. Presidente propoz se a materia estava sufficientemente discutida, e a Commissão decidiu affirmativamente: então disse

O Sr. Moniz: — Requeiro votação nominal, havendo a Commissão manifestado convir neste requerimento, passou a votar-se no Periodo 1.º sobre o qual disseram approvo

Os Dignos Pares Machado.

Marquez de Loulé.

Conde de Lumiares.

Mello Breyner.

Conde da Taipa.

Marquez de Valença.

de Fronteira.

Bispo Conde.

Conde da Cunha.

Sarmento.

Visconde da Serra do Pilar.

Barão de Alcobaça.

Marquez de Ponte de Lima.

de Ficalho.

Os Senhores Deputados Fonceca Magalhães.

J. A. de Magalhães.

Avila.

Pessanha.

Pereira Ferraz.

Bettencourt.

Camacho.

Sá Vargas.

Castel-Branco.

E disseram rejeito

Os Senhores Deputados Aguiar.

Miranda.

Campos.

Pestana.

Moniz.

Ficando assim approvado, o Periodo 1.º do § 8.º do Artigo 4.º, por 23 votos contra 5.

Passou a discutir-se o Periodo 3.º do referido paragrapho. — Sobre elle teve a palavra em primeiro logar, e disse

O Sr. J. A. de Magalhães: — Este periodo ou este quesito labora em duas difficuldades; a primeira é se hãode ou não ser admittidos os titulos que se passarem de pessoas que soffreram perdas pela abolição dos dizimos: a segunda se hãode ser indemnisados na sua totalidade ou em parte. — Quanto á primeira não ha duvida, porque assim eetá sanccionado na Lei, e por tanto não ha mais que executala; diz para diante: = Os quaes serão indemnisados na sua totalidade. = Estas palavras parecem contrarias áquelle direito que se acha estabelecido, pois que já se determinou que sejam indemnisados pela metade. Ora se este é o direito estabelecido anteriormente, o qual sómente tractamos de restabelecer, pois eu creio que esta Lei não póde ser senão execução da outra,

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é o que ella tem por objecto; o contrario seria revogar a primeira, o que mesmo se não poderia fazer senão por uma Proposta certa e clara, a qual deve passar por todos os tramites, porque passam as Propostas de Lei segundo a Carta determina, e não por uma simples emenda que, segundo me parece, tende a esta revogação? Demais que isto não só seria pouco legal, mas de nenhuma vantagem; eu fallo em geral, e digo que as pessoas interessadas neste objecto quando julgassem que iam obter um melhoramento illudiam-se, illudindo a Lei que tinha estabelecido um só direito; porque, disse esta = que as pessoas que soffreram por tal motivo sejam indemnisadas pela metade; = e aqui diz-se = pela totalidade do rendimento: = assim fica o executor da Lei sem ter uma regra certa, porque isto é em contravenção da outra Lei de 30 de Julho de 1832; e então o que resultava era que as pessoas interessadas se haviam de receber alguma cousa, não viriam a receber nada. — Em consequencia a minha opinião é que se observe o que já está determinado naquella Lei anterior, e que o Artigo se redija conforme o direito estabelecido naquelle Decreto.

O Sr. Castel-Branco: — Convenho em que é de rigorosa justiça que os titulos passados pela extincção dos dizimos (e não posso deixar de tocar nos dous numeros do paragrapho) devem ser admittidos na venda dos Bens Nacionaes, não só porque já tem o seu direito estabelecido no Decreto de 30 de Julho de 1832, mas até porque o Governo não podia deixar da o cumprir: entretanto eu acho uma grande differença entre os direitos dos individuos que possuiam Commendas em dizimos, e os das familias, ás quaes alguns se achavam annexados in perpetuum: quem tinha direito, a perceber um rendimento só por dez ou vinte annos, é indubitavel que perde muito menos do que aquelle que o tinha perpetuo, e transmissivel a seus herdeiros: ora se aqui se tractasse de examinar o numero 4.º do paragrapho, sem duvida nenhuma eu approvaria o 3.º, para que essas perdas fossem indemnisadas na sua totalidade: mas como se não tracta de estabelecer um meio unico de indemnisação, como não se obrigam os possuidores a entrar com os seus titulos na venda dos Bens Nacionaes, mas se lhes permitte querendo, assento que a respeito daquelles, de que falla o numero 3.º, se deve estabelecer a mesma providencia que se estabeleceu para os interessados no numero 4.º, isto é, que uns e outros sejam indemnisados da mesma maneira que determina o Decreto de 30 de Julho de 1832.

O Sr. Conde da Taipa: — A Commissão fez differença, e propoz que todos aquelles que tinham a natureza de propriedade particular fossem indemnisados na sua totalidade, porque todos aquelles bens que tinham sido dados por titulos onerosos, ou em rasão de serviços feitos ao Estado, tinham a natureza de propriedade particular, e ninguem póde duvidar disto: quando a Commissão disse que fossem indemnisados na sua totalidade, foi porque ninguem póde dizer que um homem a quem se concedeu a propriedade perpetua de quaesquer bens tem o mesmo direito que aquelle a quem só se concedeu em uma ou duas vidas: por exemplo o Marquez de Ponte de Lima, que tinha a Tapada de Mafra, e que no tempo d'ElRei D. João 5.º se lhe deram em troco duas Commendas por dezoito casaes que hoje se chama Tapada de Mafra; ora dirá alguem que o possuidor destas duas Commendas tem o mesmo direito que aquelle que tem uma dada pelo Sr. D. João 5.º em um dia de bom humor; decerto que com justiça ninguem o póde assim pensar: em consequencia deve haver esta differença entre gracioso, e oneroso. De mais, diz o Decreto citado, que os proprietarios seriam indemnisados pela metade, e por esta Lei não são indemnisados, paga-se-lhes em uma moéda depreciada; porque estes titulos que se lhe derem nunca poderão subir no mercado a mais de 60 por cento; e então o homem não é pago por metade é pago por tres quintos da metade; e fazendo esta distincção, é que a Commissão poz esta differença.

Em Inglaterra ainda não houve Parlamento que dissesse que não era necessario abolir os dizimos, mas ainda não houve Parlamento, nem Ministerio que não dissesse que os proprietarios deviam ser indemnisados na sua totalidade: isto não houve ainda ninguem que o não dissesse em Inglaterra; por tanto creio que se não faz com isto um grande favor aos homens que compraram os dizimos com o seu dinheiro, porque ainda sendo assim indemnisados na sua totalidade não o vem a ser em mais que tres quintos; isto foi o que a Commissão teve em vista quando propôz este Artigo.

O Sr. Aguiar: — Na Camara dos Deputados votei por este paragrapho, porque até elle não havia nenhuma das emendas postas na Camara dos Dignos Pares rejeitada, e eu não queria subjeitar a Lei á sorte de uma Commissão Mixta; mas como veiu a ella voto contra elle, deixando de existir a rasão que me determinou pela consideração da utilidade publica em se expedir a Lei da venda dos Bens Nacionaes, que tão necessaria se torna. Em quanto ao segundo tambem o approvei pela mesma rasão, mas em um sentido differente daquelle que se lhe deu, apezar de parecerem claras as expressões em que elle é concebido, intendi eu que os prejudicados de que ahi se tracta deviam ser indemnisados da totalidade da sua divida, mas segundo o Decreto de 30 de Julho de 1832: e neste sentido emitti a minha opinião na Camara dos Deputados; porque este Decreto é expresso, e apezar de ser um acto da Regencia, não póde ser revogado senão por outro acto legal que passe por todos os tramites; mas hoje que nós temos a faculdade de adoptar ou rejeitar este Artigo, ou de lhe fazer aquellas declarações que forem necessarias, eu sou de voto que se admittam estes titulos, mas só na conformidade do Decreto de 30 de Julho de 1832.

O Sr. Sarmento: — Está visto que a palavra totalidade é o pomo de discordia, pelo que pertence a este periodo; é necessario por isso dar alguma explicação porque se adoptou o vocábulo na Camara dos Dignos Pares. — Já o Sr. Conde da Taipa fez outras observações com o espirito de manter na sua maior extensão o direito de propriedade: foi esse mesmo espirito quem guiou a Secção de Fazenda da Camara dos Dignos Pares em tudo que respeita a esta Lei, como já tive a honra de o expôr nesta Commissão.

Não posso comtudo deixar de dizer algumas para-

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vras sobre a phrase in perpetuum que se acha na parte do paragrapho de que tractamos. — Esta phrase tem sido motejada como usada por quem não sabe direito. Na opinião dos sabios da moda será uma fortuna a ignorancia de direito, porque olhando para as opiniões de certa gente é possivel que o ter conhecimentos juridicos venha ainda a ser motivo para apupadas, e talvez o ser apedrejado na rua; mas a Commissão da Camara dos Dignos Pares não se envergonha de ter inserido aquellas palavras no paragrapho, por isso mesmo que não é ignorante em direito, como pertendeu quem levantou essa lebre. Não posso por tanto deixar de dar os meus agradecimentos aos Senhores Deputados, Membros desta presente Commissão, pela maneira com que se houveram na occasião a que alludo: alguns delles ensinaram já direito, e não era de admirar que na qualidade de professores não achassem motivo para censurar as expressões que alguem pertendeu ridiculisar: porém vai larga differença entre saber direito, e telo ensinado, e o ter aprendido sómente. — É perciso fallar com franqueza quanto ao ponto em discussão; eu tenho ouvido que alguns illustres Deputados se oppõem á idéa da indemnisação das perdas dos dizimos em sua totalidade, por isso mesmo que não consideram esta Lei feita para dar outra Lei á execução, mas como uma providencia legislativa, e não Lei de regulamento de execução. — Na Camara dos Dignos Pares julgou-se que o principio geral de indemnisação (digo indemnisação, ainda que o termo não corresponda exactamente á idéa, porque são mais os pensamentos do que as palavras necessarias para referilos:) julgou-se, digo, convinha a esta parte do paragrapho não por querer enxertar esta Lei na outra, mas em attenção ás regras da justiça universal. Talvez que a Secção de Fazenda fosse pobre em lingua Portugueza, e por isso não soubesse melhor exprimir-se; nem os Dignos Pares, que a compõem terão duvida em admittir qualquer emenda, por isso mesmo que o fim delles é mais cortar por sua opinião, do que captarem elogios: estou tambem persuadido que a sua votação mostrará isto mesmo. (Apoiado.) Em consequencia mandarei para a Mesa uma emenda que é assim concebida:

«(Substituição ao Periodo 3.º) Das perdas e damnos provenientes da extincção dos dizimos que se achavam annexados in perpetuum a algumas familias, ou vinculados, os quaes serão indemnisados na conformidade do Decreto de 30 de Julho de 1832, salvo qualquer direito que possa ser reclamado pelos interessados. — Sarmento.

Aqui está o Decreto de 30 de Julho da 1832 guardado na sua integridade; são direitos que na phrase da Jurisprudencia se chamam imprescreptiveis, e é preciso attender. Torno a dar a rasão porque achei necessario fazer explicações, que talvez tenham parecido intempestivas: a accusação da ignorancia fere mais o melindre individual do que outra qualquer offensa: era preciso rebatela, até porque ella foi feita com tão pouca rasão, como pouca cortezia.

O Sr. Fonceca Magalhães: — Sr. Presidente, pouco tenho que fallar sobre a materia da parte do paragrapho em discussão; mas antes disso não posso deixar de dizer duas palavras em referencia ás proferidas pelo Digno Por que me antecedeu. — Eu não sei, nem suspeito a que allude o que Sua Ex.ª acabou de proferir sobre a phrase = in perpetuum, = mas de certo não póde caber á Camara dos Deputados, e menos á Commissão de Fazenda della: e sem duvida cada um dos Membros desta Commissão, e creio que posso dizer a totalidade della, acreditarão que o motejo de que fallou o Digno Par não podia certamente sahir de homens que sabem direito, ou que pelo menos intendam a idéa da expressão mencionada.

Quanto a terem entrada nesta Lei palavras e referencias a indemnisações, acho que as rasões produzidas a tal respeito são verdadeiras, e militaram tanto para a Commissão de Fazenda da Camara dos Dignos Pares, como para a da Camara dos Deputados: mas o facto é que as palavras são menos que as idéas, e por isso, ainda nas linguas mais ferteis, se recorre muitas vezes ao sentido figurado, pela falta de vocabulos com que exprimir todas as idéas. — Isto posto, devo agora dizer qual foi o principio que me dirigiu a votar pelo primeiro paragrapho, e o que me impele a que eu adopte a emenda do Digno Par. — Está intendido que esta Lei não é de indemnisações, nós não podemos por um incidente alterar um Artigo de Lei que está sanccionado (aqui digo); mas porque não podemos fazer isto, seguir-se-ha que queiramos privar a alguem do seu direito? Pelo contrario, e a intelligencia que a este paragrapho deu ha pouco o Sr. Deputado Aguiar, mostra a insufficiencia delle; por quanto desde o momento em que uma Lei póde ser interpretada de diversos modos, a sua execução se deve considerar parte nulla, parte injusta, e ainda quando esta interpretação dependa dos Juizes, a Lei é sempre deffeituosa: assim creio eu que acontece na que temos á vista, não podendo deixar de ser defficiente, por mais que se queira acclarar um tal negocio.

Eu reconheço (e não só eu, mas ainda as Leis anteriores) o direito que tem aquelle, que em troca da sua propriedade recebeu certos bens, que perdeu sem culpa sua; e está intendido que a Camara dos Deputados lhe não quiz diminuir esse direito; por quanto além d'outras rasões, não vejo observadas as formulas necessarias para isso; pois deveria um tal projecto passar por todos os tramites necessarios para a formação das Leis. Além de que nem é proprio, nem seria conveniente, que o Decreto de 30 de Julho de 1832 pode-se ser derogado por um paragrapho de que aqui se tractou incidentemente. — Eu faço justiça á Camara Hereditaria, e a cada um de seus Membros, persuado-me de que não tiveram a mais remota idéa de que legislavam para si; mas desejo igualmente que os Dignos Pares façam tambem justiça á Camara dos Deputados, convencendo-se de que quando alli se rejeitou a parte do paragrapho em discussão, não foi pela intenção de que elle comprehendia certas, e determinadas pessoas, mas sim por se intender (como ha pouco eu disse) que o Decreto referido não podia ser derogado por esta maneira. Nem á Camara pareceria justo deixar de indemnisar a perda daquelles bens que foram tirados sem consentimento de seu proprietario, e n'uma palavra invito domino, o que era até escusado que esta Lei declarasse.

Concluindo, torno a dizer, que approvo in totum a emenda do Digno Par o Sr. Sarmento, não porque

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ella dê mais direito do que tinham os individuos a quem por ventura será proveitosa tal declaração, mas porque em fim eu assento que quod abundat non nocet, e que nas Leis pela repetição d'algumas palavras não se perde antes se ganha; e se acaso se julgar que ainda mais explicação é necessaria para pôr a salvo o direito dos interessados, convenho em que essa explicação se não poupe.

O Sr. Miranda: — Não posso deixar de approvar a proposição tal qual se appresenta, depois da declaração feita por um Digno Par, que salva o direito adquirido, principalmente a titulo oneroso. Tenho porém outro additamento a fazer, e sobre o qual chamo a attenção da Commissão: desejo que neste paragrapho se faça a mesma declaração que nos Artigos antecedentes desta Lei, visto que aqui senão tracta d'uma propriedade particular, ou que ninguem com justiça póde chamar tal. — Querendo por tanto abbreviar a discussão, e não tomar muito tempo á Commissão, mando para a Mesa o additamento de que fallei, o qual é assim concebido.

Additamento ao Periodo 3.º

Proponho que se declare que as indemnisações de que tracta o periodo 3.º sómente serão applicaveis ás pessoas, ou familias que permaneceram fiéis á Rainha, e á Carta. — Que a mesma declaração se faça no periodo 4.º — Miranda,

O Sr. Aguiar: — Sobre a Ordem Sr. Presidente. — No Decreto acha-se estabelecida a regra geral, e esta declaração generica não julgo ser bastante; nas Leis toda a clareza é pouca, não duvido por isso que se adopte a emenda, mas creio que só deve ter logar no fim do Artigo, e mesmo póde ser concebida de maneira que tire toda a duvida que se suscitou na Camara dos Deputados a respeito do paragrapho antecedente isto no § 5.º que diz (leu); entrou em duvida, digo, a intelligencia deste Artigo: as intenções da Camara forão de certo que se applicasse a todos a clausula da fidelidade á Rainha, e adhesão a Carta. Eu concordo com a declaração feita pelo Sr. Deputado Miranda no fim do Artigo, mas de maneira que comprehenda tambem o antecedente. Agora pediria a V. Ex.ª que propozesse se a materia está ou não discutida.

O Sr. Sarmento: — Eu tinha pedido a palavra sómente para fazer uma declaração, e vem a ser, que quando fallei em motejo não tencionei referir-me ás pessoas de quem fallou o Sr. Deputado Fonceca Magalhães; mas lembrando-me da immensidade de papeis que hoje circulam, e que podia ter acontecido que algum delles copiasse com alguma fidelidade aquillo que alguem disse sobre a phrase in perpetuum, do que poderia resultar ficar duvidoso a quem neste caso cabia o stigma da ignorancia.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Estou conforme com as declarações que fizeram os Senhores que acabaram de fallar, e tanto que pensando muito tempo sobre a maneira de ficar isto clarissimo, como todos desejamos, achei que o melhor era criar outro Artigo concebido nestes termos.

Additamento.

«(Periodo 5.º) Tudo que se acha determinado neste 8.º paragrapho do Artigo 4.º, será unicamente intendido a respeito dos subditos Portuguezes que foram sempre fiéis á Rainha, e á Carta Constitucional, na conformidade do determinado no Artigo 11.º do citado Decreto de 30 de Julho de 1832, — Visconde da Serra do Pilar.»

Parece-me que indo esta materia neste Artigo separado, fica muito mais claro; porque quem ler os paragraphos antecedentes está visto que lhe hade applicar o que consta do additamento.

O Sr. Castel-Branco: — Approvo a idéa do Sr. Visconde, com tanto que comprehenda todos os paragraphos do Artigo 4.º

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Então não me soube explicar; mas foi minha intenção que o additamento abrangesse todos os paragraphos, e neste sentido póde fazer-se a redacção.

O Sr. Miranda: — Convenho em toda e qualquer redacção uma vez que se approve o principio geral, e se applique a todos os paragraphos que fazem parte deste Artigo.

O Sr. Fonceca Magalhães: — Eu, Sr. Presidente, approvo geralmente a disposição daquella emenda, ou seja como tal, ou como additamento: mas, se me não engano, o Digno Par propôla como um novo Artigo: é sobre isto que eu chamo a attenção da Commissão Mixta, porque não sei se ella póde fazer esta innovação.

O Sr. Miranda: — Quando se tracta de clareza nunca importa a redundancia.

O Sr. Fonceca Magalhães: — Approvo a doctrina que se acaba de expender, postoque (por muito sabida) eu tambem a saiba; entretanto agradeço ao Sr. — Deputado o esclarecimento que me deu. — Eu disse que o Digno Par, que appresentou o additamento o fizera como um Artigo separado; e então mostrei qual era a minha duvida, não sobre a sua doctrina, mas a respeito da inserção do novo Artigo.

O Sr. Marquez de Loulé: — Approvo a idéa expendida pelo Sr. Deputado que acaba de fallar; e além disto tambem sou de opinião que não podemos alterar os paragraphos do Artigo 4.º desta Lei, porque foram approvados em ambas as Camaras; e assim não temos a decidir senão sobre aquellas modificações feitas pela Camara dos Pares que não foram approvadas na dos Senhores Deputados. Por tanto, approvando a doctrina do additamento offerecido, intendo que a Commissão Mixta não póde tomar conhecimento della.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Pelo mesmo motivo que nos outros paragraphos se fizeram declarações, proponho eu que se façam naquelles aonde ellas se não acham.

Julgada a materia sufficientemente discutida, requereu o Sr. Marquez de Loulé que a votação fosse nominal.

A Camara accedeu; e sendo logo entregue a votos a substituição do Sr. Sarmento ao Periodo 3.º, disseram approvo todos os Dignos Pares, e Senhores Deputados que compõem a Commissão Mixta; ficando assim prejudicado o Periodo discutido, e unanimemente approvada a substituição referida.

Lido o Periodo 4.º, disse

O Sr. Pestana: — Estou persuadido que depois

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do que esta Commissão tem decidido, e adoptado a respeito do Periodo antecedente deste paragrapho 8.º, não há logar a contrariar a materia deste, e não resta senão pôlo V. Ex.ª á votação, porque o fundamento delle já se acha sanccionado naquella anterior approvação. (Apoiado.)

Não se fazendo outra observação, foi o Periodo 4.º entregue á votação, e unanimemente approvado.

O Sr. Presidente: — Varios Membros desta Commissão tem opinado que nella se não podem tractar outros Artigos desta Lei além dos que foram recusados na Camara dos Senhores Deputados. Não sei por tanto se o additamento do Sr. Visconde da Serra do Pilar póde ter logar visto que comprehenda alguns paragraphos que não são objecto da Commissão.

O Sr. Aguiar: — A idéa é muito boa, mas consignada dessa maneira receio se obtenha um fim contrario. O paragrapho 8.º do Artigo 4.º contém quatro species, e dizendo-se a respeito de duas dellas que a sua doctrina é applicavel sómente aos individuos que se conservaram fiéis á Rainha, e á Carta, póde alguem concluir a contrario sensu, que as outras species não ficam subjeitas a esta condição.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — O additamento que eu appresento é para todas as partes do paragrapho 8.º (leu-o). É bem claro, porque os bens sequestrados de que tracta o 1.º periodo o foram sómente ás pessoas que permaneceram fiéis á Rainha e á Carta; o 2.º está approvado em ambas as Camaras: resta o 3.º, o 4.º, aos quaes eu propuz a declaração que peço a V. Ex.ª queira pôr á votação, porque esta Commissão está auctorisada para tractar de tudo que julgar conveniente, sem dependencia do que se determinou nas Camaras; e o additamento é tanto a proposito que o seu espirito seria approvado unanimemente se tivesse sido tomado em consideração pelo Corpo Legislativo.

O Sr. Sarmento: — Parece-me que se V. Ex.ª mandasse ler a parte relativa do Decreto de 30 de Julho de 1832, tornar-se-ía muito clara esta questão.

O Sr. Castel-Branco: — Aqui está. (leu),

O Sr. Fonceca Magalhães: - O Artigo que acaba de ler-se não involve o principio que a Commissão quer expressar, que é o da fidelidade: por tanto parece-me que ou se adopte a emenda do Sr. Miranda, ou o additamento do Sr. Visconde da Serra do Pilar, em ambos os casos ficará satisfeito o desejo da Commissão; mas eu preferiria a primeira por não trazer comsigo idéa de accrescentamento nas decisões que nos competem nesta Lei.

O Sr. Miranda. — Usando do direito que me compete, mandei uma emenda para a Mesa, e peço a votação sobre ella.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Com tanto que se intenda que são excluidos do beneficio desta Lei todos os rebeldes, e que só são attendidas as pessoas que se conservaram fiéis á Rainha, e á Carta. (Signaes de adhesão. Apoiado. Apoiado.)

O Sr. Presidente: — A Commissão está unanime nessa idéa (assim como o está a Nação toda); entretanto offerecem-se duns maneiras de inserir a clausula neste Artigo; ou em cada um dos Periodos, como propoz o Sr..Miranda, ou no fim do paragrapho como propõem o Sr. Visconde da Serra do Pilar: o effeito vem a ser o mesmo: assim vou pôr á votação a emenda do Sr. Miranda pelo principio de prioridade; senão fôr approvada, proporei depois a outra.

Não se fazendo outra reflexão sobre o incidente suscitado pelo Sr. Presidente, propôz Sua Ex.ª se se approvava a emenda do Sr. Deputado Miranda, e a Commissão resolveu affirmativamente: julgando-se por isso prejudicado o additamento do Sr. Visconde da Serra do Pilar.

O Sr. Presidente: — Resta unicamente decidir um ponto controverso, e é o Artigo 17 do Projecto de Lei que da Camara dos Senhores Deputados foi enviado á dos Dignos Pares, e que nesta ultima ficou supprimido; aquella Camara insiste em que não tenha logar essa suppressão, a Commissão o decidirá. — Está por tanto aberta a discussão sobre esta questão, e vai ler-se o mencionado Artigo.

O Sr. Secretario» Avila assim o fez, e é o seguinte

«Artigo 17.º (da Proposição originaria.) Os Bens de que tracta a presente Lei não poderão ser reduzidos a vinculo por titulo algum.»

O Sr. Fonceca Magalhães: — O mesmo principio que me dirigiu na votação dos anteriores paragraphos, me dirigirá ainda para votar neste Artigo. — Parece-me que não tractamos aqui de uma Lei sobre a abolição ou reforma de morgados; e neste sentido direi que não achei uma rasão sufficiente para a introducção do Artigo que faz agora o objecto da discussão. Como opinião minha propria não sou neste logar nem pró nem contra a existencia dos vinculos; postoque não seja Jurista, tenho lido bastante sobre o assumpto, e a minha opinião já a tenho formada a este respeito; excuso porém de produzir as minhas idéas, porque nem a materia nem a occasião assim o pedem.

Eu tenho uma rasão fortissima, a meu ver, para a suppressão do Artigo, e é que não se tendo ainda tractado a questão sobre a existencia dos vinculos, parece-me que seria um ataque ao direito de propriedade o ir limitar o uso que os proprietarios quizerem fazer dos bens que comprarem: não é possivel que alguem queira dar por uma propriedade cujo uso é subjeito a certas condições, o mesmo preço que daria se elle ficasse livre ao possuidor. Ora não só para a melhor venda dos Bens Nacionaes, (que é o tão attendivel e exclusivo objecto) muito importa que aos compradores fique a mais ampla disposição de suas acquisições, mas tambem porque deste modo iriamos appresentar uma condição que de nada serve. — Finalmente as medidas sobre morgados dependem de outra Legislação, que eu creio terá logar nas Côrtes seguintes; e a presente Lei tem por fim sómente a venda dos Bens Nacionaes; por isso sou de parecer que o Artigo se não torne a inserir, concordando nesta parte com a opinião da Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Aguiar: — Eu sou d'uma opinião contraria ao Digno Par que acaba de fallar, tal é a minha convicção relativamente aos inconvenientes que se seguem da instituição dos morgados, convenho em uma unica excepção a respeito dos Membros da Camara dos Dignos Pares; em quanto esta dignidade fôr hereditaria é forçoso que nas familias a que pertence se conservem vinculos, para haverem de passar ás pessoas que nella tem de succeder, porque é de necessi-

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dade, e conveniencia publica que tenham os meios de sustenlala como convém; mas, geralmente fallando, lamento a existencia de similhante instituição, e acho que della resultam grandes prejuisos ao Estado, tão grandes os maiores que da instituição dos Frades, e sinto não ter chegado a effeito a medida que propuz a Sua Magestade Imperial sobre este objecto.

Mas, Sr. Presidente, diz-se que esta questão não pertence a este logar, e eu digo que pertence a este logar: e porque? Porque se tracto da venda dos Bens Nacionaes, e nós, a quem incumbe ultimar o Lei sobre ella, podemos, ou antes devemos pôr todas aquellas condições, que intendermos serem de utilidade publica; mas diz-se que de se pôr a condição de não se vincularem os Bens Nacionaes se segue a sua depreciação: e eu digo que na verdade a depreciação dos Bens; se assim fosse, seria um mal, mas estou persuadido de que a vinculação desses Bens traria comsigo muitos e maiores males, e por isso voto pelo Artigo eliminado na Camara dos Dignos Pares, a fim de restituir-se ao Projecto.

O Sr. Sarmento: — Creio que ninguem pediu a palavra depois do illustre Deputado, que acaba de fallar, e por isso pouco direi. — Parece-me, em primeiro logar, ser alheio da occasião o tractar agora a questão generica sobre morgados, questão que involve em si mesma outras muitas. Já o meu amigo e Collega o Sr. Aguiar manifestou a sua pena por não te; tomado uma medida relativamente á sua abolição, a cujo respeito me contentarei com observar que a sua sahida do Ministerio deve nesse caso ter sido festejada por muita gente, principalmente pelos morgados. (Riso.) Entretanto como agora se não discute esta questão, em breves palavras darei a rasão porque a Secção de Fazenda achou conveniente a suppressão do Artigo 17 approvado na Camara dos Senhores Deputados.

A rasão principal foi para favorecer a Agricultura: por isso que não havendo nas Provincias aquella abundancia de capitaes necessarios, e fazendo-se as trocas de propriedade a propriedade, era util facilitar aquillo mesmo que o Marquez de Pombal teve em vista quando tractou de dar a maior extensão ao augmento da agricultura, e formação de predios nobres Sendo pois um motivo tão attendivel quem guiou a decisão da Commissão, a que tenho a honra de pertencer, parece-me que cessará toda a divisão a este respeito, e apparecerá o espirito de conciliação, que deve ser a base das Commissões Mixtas. — Em consequencia appresentarei uma emenda que, estou convencido obterá os votos dos Dignos Pares, e dos Senhores Deputados, porque é redigida em consideração do que disse: lisongeio-me disso pelo que me disseram alguns Membros da Camara Electiva; e isto mesmo servirá para esperarmos que a Nação portugueza não tenha a soffrer resultado algum de difficuldades desta specie; e que se veja que quando ella é ameaçada de alguma tempestade, tem sempre na sabedoria das Côrtes um Iris de paz, que, como agora, faz com que ella não possa perder a esperança de tempos prosperos. (Apoiado.)

O Orador enviou á Mesa seguinte

Emenda ao Artigo 17.º

Os Bens Nacionaes que forem comprados na conformidade da presente Lei por titulo concedido para indemnisação de propriedade que era vinculada, substituirão os bens vinculados, de cuja indemnisação tracta o n.º 3.º do §. 8.º do Artigo, ou subrogarão outros bens vinculados. — Sarmento.

O Sr. Conde da Taipa: — Nesta questão de morgados ha duas questões a tractar; uma é de Economia-politica, e outra simplesmente de politica. Uns dizem que é bom, outros que é máu, e todos com rasões, porém isso é muito comprido; vamos por tanto ver se pelo lado da politica se devem conservar os morgados; assim o deve intender quem fôr consequente: uma Monarchia Constitucional hereditaria não póde existir sem morgados; é necessario que haja a classe da nobreza; em uma Republica é outra cousa, (eu não olho esta palavra sacrilega como muita gente) porque alli todas as auctoridades são elegiveis, ha uma perfeita igualdade, e então não ha receio, nem o póde haver; entre nós é necessaria esta desigualdade, porque senão houverem as differentes classes, e poderosos, é o Governo o influente, porque é só quem é rico; por tanto digo que n'uma Republica é bom que haja a divisão de propriedades, e póde have-la, mas em uma Monarchia é preciso que haja uma nobreza; e que não seja uma classe de peregrinos. (Riso.) Eu não quero que a nobreza seja uma nobreza de monopolio, que seja como é a aristocracia Ingleza: não quero que se lhe dê a defender abusos, mas que se lhe dê a defender usos; tirem-se-lhe os abusos façam-se iguaes perante a Lei; os privilegios sejam só os constitucionaes, aquelles que são uteis, e necessarios á Sociedade e á Nação, e não dados a um individuo por se lhe fazer favor; em se fazendo isto a classe da nobreza não hade ser prejudicial. Em consequencia ao systema de vincular não se deve dar uma latitude immensa, porque seria pôr um grande estorvo na propriedade. — A minha opinião seria a Lei Ingleza, isto é, a liberdade de testar, porque alli o filho não tem direito algum ao que o pae adquiriu; é morgado só na Camara Hereditaria, desta sorte o espirito aristocratico havia de fazer conservar as familias, e quando quizessem mudar de rumo, não tinham uma Lei que lhe dissesse hade ficar aqui sempre. Além disto a liberdade de testar havia de corrigir muito a moralidade, porque vendo o filho que seu pae tinha a liberdade de dispôr de seus bens, tinha de conter-se na obediencia, e respeito; e porque assim não é, pouco lhe importa que o pae tenha ou não algum defluxo. (Riso)

Por tanto digo que nesta questão não ha simpathias, nem antipathias com morgados; quando tractamos de Leis, não temos senão o coração; em querer conservar este Artigo é que eu não vejo senão antipathia; demais para vincular é preciso uma Lei, e por isso os bens que não estavam vinculados não o podem ser sem ella: as cousas não se devem atacar de lado, nem com subterfugios; aquelles bens que estavam vinculados devem ficar vinculados, porque os morgados não estão abolidos: e o immediato successor dos que existem, tem um direito adquirido que se lhe não póde tirar; e portanto digo que querer sustentar este Artigo não é senão antipathia, utilidade nenhuma, principalmente no tempo presente em que os vinculos se não podem fazer por disposições testamentarias como antigamente. — Concluo vo-

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tando contra a introducção do Artigo supprimido na Camara dos Pares.

O Sr. J. A. de Magalhães requereu a leitura da emenda do Sr. Sarmento, e satisfeito disse convinha na sua doctrina com tanto que a palavra = Substituirão = se mudasse na phrase = poderão substituir. =

O Sr. Sarmento: — Postoque seja objecto de redacção, não tenho duvida em acceder á lembrança do meu illustre Collega.

O Sr. Miranda: — Adopto a emenda do Sr. Sarmento, salva a redacção, e cedo da palavra.

O Sr. Aguiar: - Eu pedi a palavra quando o meu amigo e Collega se dirigiu a mim, dizendo que a minha sabida do Ministerio deve ter sido muito festejada pelos filhos primeiros, vista a opinião em que eu estava a respeito dos morgados; e eu digo que esse festejo fica bem compensado com o sentimento que terião os filhos segundos pela falta de uma Lei, que (como disse) eu tinha tenção de propôr a S. M. I. o Duque de Bragança para a extincção dos morgados.

Por esta occasião accrescentarei que nenhuma influencia pessoal, nenhuma antipathia me determina a reclamar este Artigo na Lei da venda dos Bens Nacionaes; só se se chama antipathia á convicção em que se está de que elles não podem ser uteis, antes são prejudiciaes, salvas as excepções que já notei, fundadas na impossibilidade de subsistir uma Camara hereditaria sem elles. — Diz-se que este paragrapho não era necessario, porque os morgados não poderiam ser estabelecidos senão em virtude de uma Lei, não o intendo eu assim; pela Lei de 3 d'Agosto de 1770 póde requerer-se ao Governo licença para instituir vinculos ou morgados, e o Governo concedela, estando as pessoas que a requerem nas circumstancias dessa Lei; alguem intenderá que o Governo não póde hoje auctorisar similhante instituição: mas pelo menos é este um ponto controverso, e em tal caso cumpre fazer a conveniente declaração na Lei de que tractamos.

O Sr. Campos: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, quando um Digno Par parecia querer inculcar que algum principio de antipathia tinha feito dictar o Artigo na Camara dos Senhores Deputados. Não é assim, e para o provar bastará saber que o mesmo Artigo passou por nina grande maioria, ou creio que quasi com unanimidade. — Explicarei quaes foram os motivos que guiaram a Camara Electiva na adopção do Artigo de que ora se tracta, e ver-se-ha que nelles não entrou o de antipathia, (como já disse) nem cousa que tivesse em menos attenção a nobreza garantida na Carta: foram rasões muito diversas. — Intendeu pois aquella Camara que pela venda dos Bens Nacionaes se devia obter um resultado politico, e outro economico: quanto ao primeiro, teve-se em vista fazer interessar uma grande massa de Portuguezes em favor das novas Instituições; e quanto ao segundo attendeu-se a que estes mesmos Bens houvessem de vir a ter a maior circulação possivel. — Taes foram os principios que regularam a Camara dos Senhores Deputados na sua insistencia para a insersão do Artigo omittido: e conseguintemente está visto que não houve a supposta antipathia. Entretanto querendo pela minha parte conciliar as opiniões oppostas, estou prompto a votar pela emenda offerecida pelo Digno Par o Sr. Sarmento.

O Sr. J. A. de Magalhães: — Eu pediria a V. Ex.ª perguntasse á Commissão se julga a materia sufficientemente discutida.

Assim o fez o Sr. Presidente, e a Commissão resolveu affirmativamente: e proposta depois a emenda do Sr. Sarmento ao Artigo 17 na fórma indicada pelo Sr. Aguiar, foi approvada. — Terminada a votação, disse

O Sr. Aguiar: — Permitta-me V. Ex.ª uma observação. Eu creio que a intenção da Commissão foi admittir a regra geral de que os Bens Nacionaes, que se comprarem, na conformidade desta Lei, não possam ser vinculados, mas ao mesmo tempo admittir as excepções comprehendidas na emenda do Sr. Sarmento; isto não é objecto de redacção, e creio que deve votar-se explicitamente.

O Sr. Sarmento: — Quando eu offereci a emenda foi na intenção duque acaba de manifestar o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: O que intendo da observação que acaba de fazer-se, é que a questão agora se reduz a se o Artigo 17 deve subsistir com o accrescentamento do Sr. Sarmento, ou se esse accrescentamento deve substituir inteiramente o mesmo Artigo.

O Sr. Marquez de Loulé: — A emenda do Sr. Sarmento foi mandada para a Mesa como substituição, nesta hypothese votei; agora se se pozer á votação alguma excepção, declaro que votarei simplesmente pela eliminação do Artigo.

O Sr. Aguiar: — Peço que se reflicta na grandissima incoherencia que seria o sahir daqui uma Lei, em que se determinasse que podem ser vinculados certos bens, que o podem ser geralmente.

O Sr. Presidente: — A justiça me obriga a declarar que eu propuz á votação a emenda do Sr. Sarmento, que depois me pareceu uma substituição: entretanto a doctrina vencida o foi salva a redacção.

O Sr. Marquez de Loulé: — Mas redacção que não alterasse o sentido.

O Sr. Aguiar: — E salvo o modo de exprimir clara e explicitamente a intenção da Commissão; o contrario seria um absurdo.

O Sr. Presidente: - Para sahirmos deste embaraço, parecia-me que os Senhores Sarmento e Aguiar combinassem uma nova redacção. (Apoiado.)

A Commissão conveiu no expediente lembrado por Sua Ex.ª: pelo que o Digno Par e o Sr. Deputado mencionados, depois de terem entre si conferido, remetteram á Mesa a seguinte

Substituição ao Artigo 17.

Os Bens Nacionaes comprados na conformidade da presente Lei não poderão ser vinculados senão para substituir os Bens vinculados, de cuja indemnisação tracta o N.º 3.º do § 8.º do Artigo 4.º, ou para a subrogação de outros bens vinculados. — Sarmento, Par do Reino. — Joaquim Antonio d'Aguiar, Deputado.

O Sr. Presidente: — Não sei se será necessario uma nova votação.

O Sr. Marquez de Loulé: - Peço-a eu, e que seja nominal. (Apoiado.)

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E procedendo-se logo a ella, disseram approvo todos os Membros da Commissão, excepto o Sr. Marquez de Loulé, que disse rejeito; resultando ficar approvada a nova redacção da substituição ao Artigo 17, por 27 votos contra 1.

O Sr. Moniz: — Não é claro na Carta, nem nos Regimentos das Camaras, mas parece-me será muito conveniente, vista a transcendencia desta Lei, que daqui mesmo suba á Sancção Real independentemente de ir ainda á outra Camara.

O Sr. Presidente: — A practica que se tem seguido em casos similhantes, é que decidida a Lei na Commissão Mixta, sóbe depois á Sancção por uma das duas Camaras, (até agora tem sido por aquella que pediu a Commissão): entretanto a Carta é omissa a este respeito, e se a Commissão assim o intender poderá a sua decisão ser remettida á Camara dos Senhores Deputados.

O Sr. J. A. de Magalhães: — Não ha inconveniente algum em se remetter hoje mesmo á outra Camara, para dalli ser enviada á Sancção. (Apoiado.)

O Sr. Presidente: — Visto que a Commissão manifesta approvar esta idéa, cumprir-se-ha. — Vai ler-se a Acta da presente Sessão.

Foi lida pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, e unanimemente approvada.

O Sr. Presidente: — Estando decididos todos os objectos comettidos á decisão desta Commissão, só resta redigir os respectivos authographos para serem remettidos ás duas Camaras: a Mesa vai occupar-se desse trabalho. Rogo aos Membros da Commissão tenham a bondade de reunir-se aqui hoje mesmo pelas 4 horas. — Interrompe-se a Sessão.

Eram tres horas menos vinte minutos.

Sendo quatro horas e vinte minutos, e achando-se reunidos todos os Membros da Commissão, occupou a Cadeira, e disse

O Sr. Presidente: — Continua a Sessão.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu os dous authographos da Acta, e mais dous do resultado das decisões desta Commissão; tendo uns e outros sido assignados por todos os Membros della, disse

O Sr. Presidente: — Achando-se preenchido o objecto desta Commissão Mixta, eu a declaro dissolvida.

Eram cinco horas.

(P.)

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