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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 3 DE JANEIRO DE 1859.

presidencia do ex.mo sr. visconde de LABORIM, vice-presidente

Secretarios, os Srs. Conde de Mello / Visconde d’Ovar.

Às duas e meia da tarde, achando-se reunido o numero legal, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio do Reino, participando que no dia 1.° de Janeiro, Sua Magestade El-Rei, receberia no Paço das Necessidades a Deputação desta Camara encarregada de apresentar á Real Sancção alguns Decretos das Côrtes Geraes.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente fez leitura da allocução que em nome da Camara, e como Presidente da respectiva Deputação, apresentára a Sua Magestade El-Rei, por occasião de ir cumprimentar o Mesmo Augusto Senhor no dia de

Anno-bom; e igualmente deu conhecimento da resposta que Sua Magestade Se Dignou dar á referida felicitação.

O Sr. Conde de Mello apresentou quatorze representações de Officiaes do Exercito, os quaes dizem que, apesar de serem lesados, se passasse o projecto sobre preterições, desejam que esta Camara, approve o mesmo projecto. Pede por tanto que estes requerimentos tenham o mesmo destino que os outros já apresentados.

O Sr. Conde do Bomfim apresentou á Camara o seguinte requerimento:

«Requeiro que se peça ao Governo para illucidar a discussão a respeito do projecto de Lei n.º 83 = Relação dos Officiaes a quem pertencerá maior antiguidade nos postos ou graduações em que se acham, conforme o projecto de lei n.º 83 — Relação dos Officiaes a quem pertencerá maior antiguidade nos postos ou graduações em que se acham, e a graduação do posto immediato, conforme o dito projecto de Lei — Relação dos Officiaes a quem pertencerá maior antiguidade nos postos ou graduações que tem, e a quem ainda no futuro pertencerão outras graduações, conforme o referido projecto de Lei — 7 Relação dos Officiaes a quem se tem concedido indemnisações de antiguidades desde 1851 inclusivè, declarando os motivos — Nota dos Officiaes combatentes a quem aproveitará o projecto de Lei n.º 92 — Nota dos Officiaes do Exercito que soffrerão pelo dito — Relação dos Officiaes a quem se tem applicado a disposição da Lei de 17 de Julho de 1835. - Sala da Camara dos Dignos Pares, 30 de Dezembro de 1858. = Conde do Bomfim.»

O Sr. Presidente disse que ficava sobre a mesa para ser opportunamente attendido.

O Sr. Conde do Bomfim, pediu se propozesse á Camara se admittia o seu requerimento, cuja urgencia tambem pedia, porque deseja que as mencionadas relações já estejam na Camara quando entrar em discussão o projecto sobre preterições, e tanto mais que consta, que essas relações existem, e não ha inconveniente algum em se enviarem á Camara.

(Foi lido e approvado o requerimento.)

O Sr. Presidente declarou que se passava á ordem do dia, que era o projecto de resposta ao Discurso da Corôa, concebido nos seguintes termos:

«Senhor! A Camara dos Pares do Reino, apreciando em grau eminente a agradavel segurança, que Vossa Magestade, na solemne abertura das Cortes Geraes da Monarchia, Se Dignou Dar-lhe, de ser sempre com grande satisfação que Se Encontra entre os Representantes da Nação, venho já depositar ante o Throno Constitucional de Vossa Magestade a homenagem do seu profundo respeito, acrisolada fidelidade, e sincero reconhecimento.

A Camara muito se felicita de não terem sido interrompidas as relações de amizade com as nações nossas alliadas; todavia não póde deixar de, possuir-se de um vivo sentimento pela seria desintelligencia, suscitada entre o Governo de Vossa Magestade, e o de Sua Magestade o Imperador dos francezes, por causa do apresamento, nas agoas de Moçambique, do navio francez Charles et Georges; e que, tirada esta questão do campo do direito, em que o Governo de Vossa Magestade se empenhára pela manter, e esgotados por elle os meios em que a letra dos Tractados auctorisava a confiar, força lhe foi ceder á peremptoria exigencia da entrega daquelle navio, e da libertação do respectivo capitão.

A Camara entretanto, na presença dos documentos, que já lhe foram apresentados, e na dos que hão de continuar a ser, fazendo uso da mais rigorosa e justa analyse, formará segura e imparcial opinião do procedimento a que as circumstancias compelliram o Governo de Vossa Magestade em tão critica occorrencia.

Mui satisfactoria foi para a Camara a participação do que o progresso das obras publicas não tinha soffrido interrupção, e que servirão, para o seu mais amplo desenvolvimento, os meios que, para tal fim, foram votados na ultima sessão legislativa.

A Camara consagrará a mais escrupulosa e circumspecta attenção ás medidas, que o Governo apresentar, e que de novo reclama aquelle importante ramo da publica administração; e com igual esmero avaliará as especiaes propostas, de que serão objecto as communicações acceleradas.

A Camara procurará corresponder á confiança, que Vossa Magestade nella Se Digna Depositar, applicando o maior e mais efficaz zêlo no exame da situação da fazenda publica, para o que muito lhe servirá de direcção o orçamento da receita e, despeza do Estado, que o Ministerio já lhe apresentou e no de varias propostas, que tem de lhe apresentar, para o melhoramento do systema tributario.

Tendo merecido ao Governo de Vossa Magestade particular attenção, no intervallo decorrido desde a ultima reunião das Côrtes, a revisão da Pauta geral das Alfandegas; reconhecendo ao mesmo passo a conveniencia de propôr ao Corpo Legislativo, tanto em proveito fiscal, como no dos consumidores, aquellas reducções de direitos, que não comprometiam os interesses racionaes das nossas diversas industrias; a Camara igualmente empregará todos os seus cuidados, para que, sobre este interessante ponto, se alcancem tão salutares effeitos.

Quando forem á Camara opportunamente apresentadas as diversas propostas, tendentes á instrucção publica, cuja diffusão, e melhoramento tantas rezes tem sido reclamado; á fixação das condições necessarias para evitar os abusos da emigração; á rapidez, e simplificação do processo judicial; ás provisões convenientes, para que o credito offereça recursos faceis e seguros ás industrias do paiz; ás alterações que a experiencia aconselha se effectuem na lei do recrutamento; e finalmente ás disposições, reclamadas pelas necessidades dos nossos dominios ultramarinos; sendo, a todas as luzes, reconhecida a magnitude de tão ponderosos objectos, que demandam o estudo o mais meditado, e reflectida consideração, ha de a Camara sem duvida prestar-lh'a quanto estiver ao seu alcance.

A Camara, quando for chamada a pronunciar-se sobre a proposta de lei eleitoral, eia que se corrijam os defeitos, que a pratica tem mostrado existirem na actual Legislação, ha de esforçar-se para que, pela sua parte, elles desappareçam, e nella se obtenha a desejada perfeição.

A Camara respeitosamente agradece a benevola e obrigatoria esperança, que Vossa Magestade nutre, de que o zêlo de seus membros efficazmente concorrerá, para o rapido desenvolvimento dos interesses moraes e materiaes da Nação Portugueza, tão digna da prosperidade, que os seus muitos recursos lhe affiançam, quando devidamente aproveitados. A Camara confiadamente protesta a Vossa Magestade, que empregará todos os seus activos desvelos na escolha dos meios conducentes ao fim, de que essa esperança, para ella tão lisonjeira, seja na possivel extensão realisada.

Sala da commissão, 29 de Novembro de 1858. = Visconde de Laborim, Presidente = Barão de Porto de Moz = José Feliciano da Silva Costa.»

Finda esta leitura

O Sr. Presidente propoz á Camara se queria que houvesse uma só discussão sobre a resposta do Discurso da Corôa, podendo cada um dos Dignos Pares que fallar referir-se ou tractar de todos ou de quaesquer dos pontos que se acham exarados no mesmo projecto de resposta?

(Signaes de assentimento.)

O Sr. Aguiar — Entre os objectos comprehendidos no discurso da Corôa, ha um que tem merecido com preferencia a attenção publica, e merece de certo a desta Camara (apoiados).

A Camara não estranhará que eu reconhecendo que elle tem sido tractado de modo que mal poderá dizer-se mais do que se tem dito e escripto, e que a opinião dentro e fóra do paiz não carece de ser esclarecida para o avaliar, me occupe delle; protestando contra um procedimento offensivo da soberania, da independencia, e da dignidade nacional.

O sentimento, que a iniquidade, e a injustiça desse procedimento me inspiram, não consente que eu proteste contra elle por um voto silencioso.

O direito que as nações tem de regular os seus negocios domesticos, e de se regerem pelas suas Leis, ficando os transgressores, quer nacionaes, quer estrangeiros, sujeitos aos Tribunaes do paiz em que as transgressões se commetterem, é um direito incontestavel, e incontestado, embora tenha sido violado muitas vezes pelo abuso da força, que é quasi sempre o direito do mais forte.

Um exemplo flagrante desta violação é o procedimento do Governo francez na questão do navio Charles et Georges, capturado n'um porto vedado ao commercio e á admissão de navios estrangeiros julgado, em primeira instancia, por Juiz competente, boa presa e entregue por effeito da violencia e da força commettida contra o direito das gentes, e dos tractados.

Pela violencia, e pelo abuso da força foi o Tribunal de segunda instancia, para onde o capitão appellára, reconhecendo por esse facto a sua competencia, inhibido de conhecer da appellação; porém o processo subiu a um Tribunal mais auctorisado — o da opinião publica manifestada principalmente pela imprensa; e a imprensa nacional e estrangeira não só confirmou a sentença, mas comprehendeu na condemnação o Governo francez, condemnando severamente o seu procedimento. E assim foi julgada pela Europa e pelo mundo civilisado, com imparcialidade e com justiça, a questão que o Governo francez receou submetter a um Tribunal portuguez.

Uma Lei portugueza de 1853 vedou ao commercio, e aos navios estrangeiros os portos de Moçambique em que não houvessem alfandegas definitivamente organisadas, salvo, em quanto á admissão de navios, o caso de força maior ou de arribada forçada, e pouco antes tinha a França feito com Portugal um tractado, no qual se havia estipulado que os navios francezes seriam admittidos nas possessões portuguezas aonde o commercio estrangeiro não era ou não viesse a ser prohibido, e nesse mesmo tractado foi reconhecida a jurisdicção dos Tribunaes portuguezes para o julgamento das transgressões e dos crimes commettidos nellas.

Differentes ordens Regias prohibiram a saída de negros das possessões portuguezas, a titulo de terem sido ajustados como trabalhadores livres, para irem servir temporariamente nas colonias francezas, ou em outros paizes, porque por este modo se animava o trafico da escravatura, e se promovia a continuação delle; e estas ordens expedidas pelo Ministerio da Marinha em 27 de Fevereiro de 1855, e 30 de Julho de 1856, foram publicadas no Diario do Governo, e inseridas na Collecção das Leis, transmittidas aos Governadores geraes das nossas possessões africanas, communicadas ao Governador da ilha da Reunião, e levadas ao conhecimento do Governo francez, que, longe de impugnar o direito que Portugal tinha de ordenar aquella prohibição, o reconheceu nas reiteradas instancias, com que se empenhou para obter a revogação dessas ordens pelo grave prejuizo, que dellas se seguia ás suas e ás nossas colonias — instancias a que o Governo portuguez não annuiu; antes respondendo ás notas do Ministro de França, e do Conde de Waleski, concluiu manifestando o desejo de que se ordenasse ao Governador da ilha da Reunião que fizesse publicar que nos portos portuguezes da Costa de Africa não eram permittidos aquelles recrutamentos.

Sabia, portanto, o Governo francez, que as auctoridades portuguezas das nossas possessões africanas não podiam permittir a saída de negros para as suas colonias, e tambem não ignorava que Portugal é obrigado por tractados com a Inglaterra, a cooperar com ella para a suppressão do abominavel trafico da escravatura, e que entendendo, como o Governo inglez, que o procedimento dos agentes francezes na costa de Africa o faria reviver, empregando-se os meios do roubo, da devastação, e da guerra, para abastecer o mercado de escravos, que depois fossem vendi dos aos traficantes e exportados com o titulo de trabalhadores livres, não podia toleral-o sem faltar ás obrigações contraídas, e aos principios humanitarios, em que aquelles tractados se fundaram. Porém, tambem a França tem compromissos solemnes no tractado de Vienna, e na convenção de 1845 com a Inglaterra, porque ainda tendo caducado as disposições estipuladas para levar a effeito a abolição do trafico de escravos, ficou vigorando o principio, obrigando-se as partes contractantes a prohibil-o para sempre nas suas colonias, e a defender aos seus respectivos subditos que directa ou indirectamente se empreguem nelle. E comtudo, devendo esperar-se que o Governo francez prohibisse que os seus navios se empregassem em operações ligadas com o trafico da escravatura, e tendentes a fazel-o reviver com todas as suas consequencias, pelo contrario essas operações foram por elle auctorisadas e differentes navios com bandeira franceza, levando a bordo agentes officiaes, tem saído principalmente da ilha da Reunião — tem demandado os nossos portos vedados ao commercio e aos navios estrangeiros e dahi tem conduzido para as colonias francezas, negros com gorgalheiras ao pescoço, e com os braços amarrados, tendo sido reduzidos á escravidão e vendidos como escravos! Assim aconteceu com o navio Charles et Georges apresado, ao alcance da nossa artilheria, em um porto vedado aos navios estrangeiros, tendo já a bordo cento e dez negros, e continuando o embarque dos que deviam completar a carga! Estes infelizes consentiram em ír para a ilha Bourbon por cinco annos, e embarcaram todos por sua livre vontade! Consentiram mesmo alguns delles em serem conduzidos para bordo com os braços amarrados!..... Quer a Camara ouvir o que se lê em um dos chamados contractos, pelos quaes os negros embarcados no navio Charles et Georges voluntariamente se obrigaram a ír como trabalhadores para aquella colonia? «Certificamos que o Sr. Ronxel, commandante do navio Charles et Georges, actualmente fundeado na bahia de Quitangonha, embarcou hoje quarenta trabalhadores livres e voluntarios, que todos declararam que consentiam em ír para Bourbon por cinco annos, e todos foram conduzidos para bordo em sua liberdade, menos os primeiros onze, que por seu consentimento foram na chalupa com os braços amarrados!»

Oh! Sr. Presidente, pois não bastava violar os direitos das nações e os principios humanitarios, que condemnam o trafico dos negros! Era ainda necessario juntar á deshumanidade o insulto e o escarneo! São trabalhadores livres e voluntarios os que se compram e vendem como escravos? Obrigaram-se por contractos! E que liberdade tem o escravo que contracta com o senhor? Póde acreditar-se que homens livres fossem voluntariamente, e com seu consentimento, para bordo de um navio com os braços amarrados (apoiados)! Poderá ser, suppondo que padeciam alienação mental, que é uma grave molestia, mas naquelle documento importante diz-se, que todos gosavam boa saude (riso); mas nem assim poderia dizer-se que consentiram, porque a alienação exclue a vontade e o consentimento. A verdade é que os negros comprados pelo capitão do Charles et Georges em Quitangonha como escravos, foram conduzidos para bordo como escravos, tendo-se verificado o embarque n'um porto vedado ao commercio e aos navios estrangeiros. E eis aqui a garantia que a presença de um Delegado do Governo ou das auctoridades, coloniaes francezas dá de que no modo porque nas possessões da costa de Africa se obtém trabalhadores negros, não ha operações de trafico da escravos! (Apoiados.) «A presença de um Delegado da auctoridade colonial franceza, (diz o Ministro de França na nota de 6 de Maio de 1858), attestava o caracter das suas operações, e excluia a suspeita de trafico, que parece ter sido admittida pelas auctoridades de Moçambique; exclue mesmo (accrescenta o Ministro na nota de 14 de Setembro) a possibilidade da suspeita, a de uma accusação, a de uma condemnação pelo trafico de negros.»

É este o primeiro fundamento da reclamação feita pelo Governo francez quando já o navio tinha sido julgado boa presa, e o Capitão condemnado, tendo-se provado que recebeu abordo negros escravos comprados por elle em Quitangonha, a dinheiro, e conduzidos presos, e que no acto em que o navio foi visitado iam de terra lanchas com mais escravos para completar o carregamento.

Que a presença de um agente official podesse induzir a presumpção de que o navio se não empregava em operações de trafico prohibido poderia admittir-se; mas a presumpção cede á verdade, e o que se quer é que a verdade ceda á presumpção, e que contra esta não prevaleça a evidencia dos factos (apoiados). Á vista dos documentos apresentados ás Camaras não se póde duvidar que se acham plenissimamente provados os factos criminosos, pelos quaes o Capitão foi condemnado, e o navio julgado boa presa. Embora! A accusação não podia ter logar, a sentença não podia vigorar; porque levando-se a questão aos tribunaes se offendeu o principio de que a presença, a bordo, de um delegado da auctoridade colonial, tornava impossivel a accusação, e a condemnação por factos criminosos, por mais provados que fossem!... Este principio de immunidade, que se diz violado pelo apresamento, pela instauração do processo, e pela sentença proferida em Moçambique, é desconhecido no direito das nações, é uma violação do direito que ellas teem de submetter aos seus tribunaes o conhecimento das infracções, e dos crimes commettidos no seu territorio. Admittido este principio não ha commercio, não ha trafico prohibido, não ha portos vedados aos subditos, e aos navios francezes.

«Suppondo mesmo que o navio Charles et Georges fez operações de trafico de escravatura, o conhecimento deste crime devia pertencer aos tribunaes francezes, porque o navio entrou n'um porto de Moçambique, por effeito de uma especie de força maior, ou arribada forçada.» É este