O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 7

N.º 1

SESSÃO DE 8 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

O sr. presidente refere-se com elogio ás campanhas da Africa e da India. - Lê-se um telegramma do sr. Thomás Ribeiro. - Usa da palavra o sr. ministro da marinha. - O digno par o sr. Antonio de Serpa apresenta uma proposta, que é lida e admittida. - Fallam sobre as expedições os srs. arcebispo-bispo do Algarve e Thomás de Carvalho, que termina mandando para a mesa duas propostas, as quaes são lidas e admittidas. - Tem a palavra o sr. conde de Thomar, que requer urgencia para um projecto de lei ácerca de uma pensão aos militares das expedições. - Fallam os srs. conde do Bomfim, Agostinho de Ornellas, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Francisco Costa e conde de Lagoaça, que manda, para a mesa uma proposta. - Usa ainda da palavra o sr. presidente do conselho.-São votadas por acclamação todas as propostas que estavam sobre a mesa. - São lidos os nomes dos dignos pares que compõem a deputação para participar a Sua Magestade a constituição da camara e felicital-o pelo bom exito das expedições. - O sr. presidente levanta vivas á familia real, á patria e ao exercito. - É encerrada a sessão e designada ordem do dia.

O sr. Presidente: - Agora, que a camara dos dignos pares está installada, creio bem que, antes de qualquer outra resolução, será conveniente e justa a de lançar e consignar na acta um voto de enthusiastica congratulação pelo brilhante exito que as nossas expedições militares alcançaram na Índia e na Africa oriental. (Apoiados.)

Os successivos e memoraveis triumphos que tiveram por feliz epilogo o recente aprisionamento do rebelde regulo Gungunhana, briosamente obtidos pelos nossos bravos soldados nas inhospitas e longinquas possessões d'alem-mar, recordando as assignaladas victorias e heroicidades da remota epocha das nossas gloriosas conquistas e affirmando o dominio portuguez em tão ricas regiões, despertaram o mais ardente e justificado jubilo em toda a nação, e foram sobremaneira gratas e agradaveis ao magnanimo coração de Sua Magestade El-Rei. (Apoiados.)

A camara de certo deseja, por tão brilhantes feitos de armas, prestar justo preito de homenagem, louvor e reconhecimento aos serviços do Senhor Infante D. Affonso, que com tanta dedicação, valor e amor patriotico, expondo a saude e arriscando a vida, espontaneamente acceitou o cominando da expedição á India; ao illustre coronel Galhardo, ao valente capitão Mousinho de Albuquerque, e a todos os mais dignos e distinctos officiaes, alguns dos quaes foram feridos em combate, assim como aos bravos soldados de ambas as expedições, que por esta fórma assignalaram, por mais uma vez, o seu valor, a sua austera disciplina e o seu amor ao paiz, pois que todos bem merecem da patria e honraram o exercito portuguez de terra e mar, do qual Sua Magestade El-Rei é chefe supremo, (Muitos apoiados.)

N'esta manifestação de homenagem e de justiça a tantos heroes, a omissão do nome do illustre e distincto funccionario civil, que acceitou, em condições tão difficeis, o espinhoso cargo de commissario régio em Moçambique, seria imperdoavel. (Apoiados.) Refiro-me ao sr. conselheiro Antonio Ennes. No desempenho de tão elevada missão que lhe foi confiada, soube pelo seu esclarecido criterio, zêlo comprovado e amor pela patria, conquistar e prestar serviços relevantes ao seu paiz, o que o tornou digno da admiração e da gratidão de todos nós. (Apoiados geraes.)

Por ultimo, como estes factos são de regosijo nacional, entendo que, sem quebra da imparcialidade, propria do logar que tenho a honra de occupar, posso felicitar o governo pelas medidas sensatas, (Apoiados.) promptas e energicas, que adoptou, contrahindo tantas responsabilidades, porque assim concorreu efficazmente para estes acontecimentos tão gloriosos, que hão de ficar gravados em letras de oiro n'uma das paginas mais brilhantes da historia da nação portugueza. (Muitos apoiados.)

Por esta occasião cumpre-me dar conhecimento á camara do telegramma, que vae ser lido, e tive a honra de receber do illustre e distincto parlamentar, nosso honrado collega o sr. Thomás Ribeiro.

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa o seguinte telegramma:

"Petropolis, em 6, ás 3,30 horas da tarde. Presidente camara dignos pares. Lisboa. - Desejo não parecer estranho ao jubilo de que o parlamento a que tenho a honra de pertencer está certamente possuido pela terminação gloriosa das campanhas de Africa. = Thomás Ribeiro."

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os srs. ministro da marinha, Antonio de Serpa, arcebispo do Algarve, conde de Thomar, Agostinho de Ornellas, Jeronymo Pimentel e Baptista de Andrade.

O sr. Conde do Bomfim: - Eu tinha pedido a palavra.

O sr. Thomás de Carvalho: - Eu pedi tambem a palavra no principio da sessão.

O sr. Presidente: - Eu inscrevo os dignos pares.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido da Silva): - Sr. presidente, pedi a palavra para, em nome do governo e por mim proprio, me associar com todo o enthusiasmo, e no cumprimento de um grato dever de publico reconhecimento, á communicação que o orador propõe á camara dos dignos pares do reino.

É a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra n'esta assembléa tão illustrada, selecta e respeitavel, e é gratissimo ao meu coração que a Providencia me tivesse destinado para esta estreia um tão memoravel ensejo e uma tão solemne opportunidade. (Apoiados.)

Momento verdadeiramente augusto da vida nacional é este, sr. presidente (Muitos apoiados.), em que tratâmos da commemoração de altos feitos, de assombrosas façanhas, e de proezas épicas, com que um punhado de bravos, mais uma vez, affirmaram, em terras inhospitas, sob climas mortiferos, através de mil fadigas e de mil perigos, o vigor da nossa raça e a energia da nossa tempera! (Apoiados.)

Ainda bem que emergimos, emfim, das densas trevas de noite funebre que nos envolviam, e que alem, no horisonte, se alevanta, aquecendo-nos é illuminando-nos, um novo sol fulgurante de promettedoras esperanças!

Ainda bem que despertámos do lethargo, e resurgimos do torpôr em que jaziamos, esquecidos, e já quasi de nós mesmos ignorados, e que nos levantámos altivos, de cabeça erecta, defrontando, com a serenidade dos fortes, o nosso destino historico e a nossa missão social!

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ainda bem. que parece, finalmente, ter-se encerrado o cyclo tormentoso de desgraças e oppressões em que temos vivido apertados, e que uma nova epocha se inaugura, desanuviada de sombras e radiante de luz! (Apoiados.)

Ainda bem, sr. presidente.

Pensavamos que a nossa, voz, desde muito só affeita ás lamentações doridas e aos gritos roucos do desespero impotente, não mais se poderia erguer em canticos alegres de victoria; e eis que ella se evola em notas enthusiasticas, celebrando glorias famosas, e entoando hymnos vibrantes de triumpho!

Operaram o prodigio e realisaram a transformação essas affirmações de valor antigo, de coragem indomita, e de audacia quasi fabulosa, com que na India e Africa o exercito portuguez e a marinha de guerra nacional acabam de enaltecer-se, enaltecendo o paiz, e dando alevantados exemplos de heroismo ao inundo inteiro.

Bem merecem da patria os que a patria honraram, com tão altos feitos, dignos dos tempos épicos, que a historia celebra nas suas paginas de oiro mais brilhantes. Soldados e marinheiros portuguezes sois dignos representantes das gloriosas tradições do passado; sois a honra do presente e a esperança do futuro. (Apoiados.)

Por isso eu dizia, sr. presidente, que era hoje, não só no exercicio de um direito, mas no cumprimento de um dever, dever sagrado de reconhecimento nacional, que usava da palavra em nome do governo, para me associar á saudação calorosa e enthusiastica com que felicitamos o exercito e a armada; tributando aqui, solemne e publicamente, os justos louvores de que se tornaram credores para com a nação, e declarando benemeritos da patria esses bravos, que, fazendo lembrar os velhos e lendarios heroes dos nossos áureos tempos, nas terras bravias de alem mar, mais uma vez alevantaram o prestigio do nome portuguez, honraram a nossa bandeira, e defenderam a integridade do nosso territorio.

Bem hajam elles! (Apoiados.)

Gratissimo é, sr. presidente, termos a consciencia segura de que onde existir uma farda de soldado ou de marinheiro portuguez, a bandeira nacional ha de sempre tremular altiva, porque a defendem, até á ultima gota do seu sangue e até ao ultimo sopro de vida, verdadeiro corações de patriotas e fortes almas de heroes!

Honra lhes seja, a esses benemeritos da patria, soldados e marinheiros, e officiaes de terra e mar, em cujo numero se illustra um infante da casa real portugueza conquistando louros e ceifando glorias, á frente das forcas do seu cominando, como digno descendente da estirpe forte de que provem! (Apoiados.)

E não esqueçamos tambem, na nossa saudação, o prestigioso funccionario civil, o illustre commissario regio de provincia de Moçambique, que tão valiosos e dedicado; serviços tem prestado á nação.

Menos brilhante é, por certo, esse trabalho improbo e constante de gabinete; mas não menos util á nação, nem menos merecedor dos nossos louvores, e da gratidão d paiz inteiro.

Na crise dolorosa e perigosissima que atravessou o districto de Lourenço Marques, delicadissima e espinhosissima missão foi a que sobre si tomou o conselheiro Antonio Ennes. Gravissimas responsabilidades assumiu; e tão graves, que só uma grande dedicação patriotica, e uma alta comprehensão dos mais nobres deveres civicos o determinaram, por sem duvida, a acceder ao convite, que aliás a sua provada competencia e a superioridade do seu espirito, tanto e tão valiosamente recommendavam aos poderes publicos.

A elle, pois, tambem, sr. presidente, em nome do governo, a mesma calorosa saudação, e o mesmo profundo agradecimento, pelos seus relevantissimos serviços á causa publica. (Apoiados.)

Cumpre-me ainda, antes de concluir, agradecer a v. exa. as benevolas e delicadas referencias com que honrou o governo, de que actualmente faço parte, e que me não cabem a mim individualmente, porque, como v. exa. e a camara sabem, não fazia parte do gabinete, quando foram ornadas essas graves resoluções, de que derivaram as campanhas, cujos triumphos e glorias hoje celebrâmos.

Disse.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Antonio de Serpa: - Tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

Esta proposta tem por fim que a deputação nomeada ião só seja incumbida de communicar a El-Rei, a sua augusta esposa e a sua augusta mãe a nossa satisfação pelo bom exito das expedições, mas tambem que represente a acuara dos dignos pares em todas as festividades que se realisarem por occasião da chegada dos expedicionarios. Apoiados.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Antonio de Serpa.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que esta camara se associe á congratulação do sr. presidente pelo successo das nossas armas na Africa na Asia, e que o mesmo sr. presidente nomeie uma deputação de onze membros que vá felicitar Sua Magestade El-Rei e a Rainha pelos feitos do ultramar, e que vá igualmente comprimentar Sua Magestade a Rainha a senhora D. Maria Pia pela louvavel dedicação com que o sr. Infante D. Affonso se prestou a servir na India, sendo a mesma commissão encarregada de representar esta camara em todas as festas que se realisarem por occasião da chegada dos expedicionarios. Proponho que depois se encerre a sessão de hoje. = Antonio de Serpa.

O sr. Presidente: - A proposta é de natureza que não me parece necessario consultar a camara sobre a sua admissão.

O sr. Arcebispo Bispo do Algarve: - Pedi a palavra, sr. presidente, para, como bispo catholico, embora o ultimo de todos, e como cidadão portuguez, declarar, em termos concisos e breves, que do coração me associo ao preito de homenagem, e applaudo o voto de congratulação que v. exa., em phrase eloquente, acaba de propor, commemorando os feitos recentemente occorridos na India e na Africa oriental, feitos brilhantissimos, cuja jubilosa noticia, echoando e repercutindo-se com extraordinaria rapidez pelo paiz, tem sido acolhida em toda a parte, de um a outro extremo, nos centros mais populosos, como nas aldeias mais humildes e sertanejas, com fremitos de enthusiasmo, e com acclamações íntimas e calorosas.

É que, sr. presidente, esses feitos heroicos significam e traduzem um serviço grandioso e valiosissimo prestado á patria, na manutenção e defeza dos honrosos titulos da sua liberdade, do seu poder, da sua independencia, da sua autonomia, e da integridade do seu territorio. (Apoiados.)

Apesar da indifferença com que em nossos dias se encaram as cousas mais serias, ainda assim ninguem deixa de curvar-se, respeitoso e grato, ante os que não recuam nem trepidam na presença dos maiores perigos, e por entre as conjuncturas mais formidaveis e arriscadas, para conseguirem com seus esforços, trabalhos e sacrificios, que o abençoado solo em que nascemos, se ostente, á face do mundo, engrandecido e acatado nos seus dominios, na sua historia, em suas tradições, na religião santa, que nossos pães nos transmitiiram e legaram como herança preciosissima, em tudo, finalmente, o que constitue e fórma essa entidade sublime, a que damos o dulcissimo nome de patria. (Apoiados.)

E eu, sr. presidente, que, por Indole e por temperamento, não sou propenso a expansões ruidosas, sinto-me,

Página 9

SESSÃO N.° 1 DE 8 DE JANEIRO DE 1896 9

no emtanto, irresistivelmente impellido n'essa corrente de enthusiasmos, dominado pelas, mesmas emoções de alegria, que, certamente, agora experimentam todos aquelles em cujos peitos pulsa um coração verdadeiramente portuguez.

É intimo e vivissimo o meu prazer, ao ver que n'este paiz, pequeno e apertado no extremo occidente da Europa, não se apagou ainda o nobilissimo sentimento do amor patrio, esse fogo sagrado, que, fortalecido pela fé religiosa, escrevera as paginas mais bellas e mais famosas do nosso povo, d'este povo de valentes que fôra, outr'ora, o assombro do mundo pelo prestigio do seu nome, por suas emprezas, conquistas e sublimadas façanhas, (Apoiados,) é immenso o meu jubilo por ver que os nossos soldados não duvidam verter o seu sangue e expor a sua vida para que a patria, que, por igual é mãe de todos, para que Portugal, que tivera sempre no maior apreço os sesis valiosos direitos, e, em todas as epochas, se alevantava altivo e nobre, na defensão de seus foros e regalias, continue a existir com honra, e a occupar com dignidade o logar que lhe pertence á mesa onde se sentam as nações livres.

Louvores mil, e mil agradecimentos sejam rendidos aos nossos valentes e arrojados expedicionarios que, verdadeiros benemeritos da patria, vieram recordar-nos esses felizes tempos em que Portugal, pela intrepidez e coragem de seus filhos, era respeitado, temido e acatado no mundo inteiro. (Muitos apoiados.)

Louvores mil a esses bravos que tanto se assignalaram por commettimentos de heroismo que, engrandecendo-os e exaltando-os a elles, e constituindo-lhes um padrão de gloria indelevel, enchem do mais justificado jubilo a todos nós, que não podemos nem devemos deixar de consideral-os como dignos descendentes d'essa raça de heroes, que, em tempos idos, vencendo obstaculos incriveis, e a despeito dos mais arriscados lances, estenderam e dilataram os dominios da corôa portugueza, e estando n'ella as suas joias mais ricas e preciosas.

Louvores tambem ao Serenissimo Infante o sr. D. Affonso Henriques que, nos extremos do seu affecto e do seu ardente amor patriotico, não hesitou em furtaivse aos carinhos, ás commodidades e aos confortos que a sua alta, posição lhe proporciona, para, em longinquas terras e em regiões inhospitas e insalubres, ir pôr ao serviço do paiz, que elle ama tão entranhadamente, a sua dedicação, o seu valor, a sua coragem e os grandes recursos do seu espirito cultissimo.

De louvores tambem, e muitos, é merecedor o illustrado governo de Sua Magestade Fidelissima, pelas providencias tão efficazes como energicas, promptas e salutares com que abriu caminho e preparou o exito felicissimo dos feitos que nós hoje celebrâmos. (Apoiados.)

Ao governo peço, já que a Providencia divina permittiu que vissemos affirmado militarmente o nosso dominio nas regiões africanas, que procure consolidal-o e robustecel-o pelos meios que mais adequados se lhe afigurem, entre os quaes não deverá esquecer aquelles que dimanam, da acção benéfica, salutar e verdadeiramente civilisadora, enrista e patriotica que exercem as missões catho-licas, convenientemente dispostas e bem organisadas. (Apoiados.)

Sr. presidente, na prestação d'estes louvores, n'esta manifestações de regosijo e de reconhecimento aos bravos expedicionarios, nós não fazemos senão solver uma divida, que tem tanto de imperiosa como de sympathica.

Aproveito o ensejo para deste logar dirigir as minhas cordiaes e sinceras felicitações ao nosso collega, honra e ornamento d'esta camara, o digno par sr. Agostinho de Ornellas, que entre os expedicionarios tem um filho, que tanto e tão nobremente honra as tradições de sua familia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Thomás de Carvalho: - Sr. presidente, tinha pedido a palavra no principio da sessão porque, se acaso me demorasse, era evidente que havia de ser prevenido no que tinha a dizer, e effectivamente assim succedeu. Fui prevenido, não só por v. exa., mas tambem pelos dignos pares que já usaram da palavra e, é necessario que eu diga que aquelles que fallarem depois de mim, já tambem foram prevenidos no que tem a dizer a respeito do acto extraordinario que veiu ultimamente levantar o entusiasmo popular, pelos feitos gloriosos dos nossos expedicionarios.

Tenho presentes duas propostas, que não são exactamente iguaes á que foi apresentada pelo meu nobre collega, o digno par sr. Antonio de Serpa. Vou lel-as, depois do que v. exa. sr. presidente, e a camara me permittirão acrescentar apenas duas palavras para justifical-as.

A primeira proposta é a seguinte:

(Leu.)

A segunda proposta é a seguinte:

(Leu.)

Lamento, sr. presidente, que não esteja presente um collega nosso a quem realmente competia fazer o elogio Los nossos expedicionarios e historiar ao mesmo tempo aquelle grande feito. Refiro-me ao nosso collega sr. Antonio Candido, que um motivo, para mim inexplicavel, tem ausente d'esta camara. S. exa., com a sua assombrosa eloquencia, é que poderia traduzir verdadeiramente o enthusiasmo da camara, e mostrar, com as suas phrases eleva-las e nobres, quanto eram dignos d'esta commemoração aquelles heroes africanos. E esta a hora da grande eloquencia.

Em todo o caso, apesar de já ter sido prevenido por outros oradores, permittir-me-hei dizer duas palavras, sem, cansar a camara e sem pretensões a sublimidades de rhetorica.

Foi depois da nossa primeira sessão que chegou a Lisboa a noticia da victoria sobre o inimigo mais forte e poderoso do nosso dominio africano. Ora, na temerosa crise que atravessâmos, na miseria, da nossa grande tristeza e abatimento, aquella noticia veiu levantar o enthusiasmo de em povo que parecia adormecido; e por toda a parte, mesmo nas mais recônditas aldeias, como já se disse, o povo acclamou com grande jubilo os nossos exercitos de terra e mar.

Eu entendo que a camara dos dignos pares, sendo a primeira assembléa politica do paiz, deve associar-se a esse inthusiasmo popular, mostrando assim reconhecer quanto devemos áquella victoria alcançada, e patenteando ao mesmo tempo ao mundo que não degenerámos d'aquelles antigos portuguezes que nos mesmos territorios tantas vezes obraram prodigios e maravilhas.

Foi o capitão Albuquerque quem lançou a mão ao indomito inimigo, quem o trouxe maniatado para Lourenço Marques, quem dissolveu as suas mangas de guerra, e ali mesmo, diante dos vatuas, castigou aquelles que mais tinham contribuido para a rebellião.

Sr. presidente, este nome de Mousinho de Albuquerque, este nome prestigioso, recorda o primeiro que deu a existencia pela liberdade, e depois, continuando pelos filhos e pelos netos, virá a ser inscripto em tábuas de bronze nos fastos da historia portugueza.

Ao capitão Albuquerque e ao punhado de valentes que o acompanhavam, se deve o estabelecimento da paz nos dominios africanos, a affirmação do nosso direito n'aquellas regiões, e ao mesmo tempo a abertura de um novo horisonte para a civilisação que temos o dever de implantar n'aquellas regiões.

Sr. presidente, de hoje em diante a bandeira portugueza fluctuará livre e desassombrada em todo o continente negro.

Mas, sr. presidente, não é só ao punhado de valentes que acompanharam o valoroso Mousinho de Albuquerque

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que nós devemos os nossos louvores, tambem os devemos e sinceros ao sr. ministro da guerra e a todos que souberam iniciar as ultimas expedições, e que não pouparam nem esforços nem recursos para que essas expedições podessem ter a necessaria efficacia para vencer o regulo rebelão.

Igualmente entendo, sr. presidente, que a camara deve dirigir ao chefe supremo do estado, como generalissimo do exercito, uma mensagem de admiração e reconhecimento pelos serviços prestados pelo exercito, cujas instituições e progresso elle promove com o zêlo e dedicação que todos lhe reconhecem pelas cousas militares.

Mando para a mesa as minhas duas propostas.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa.

Leram-se na mesa. São do teor seguinte:

Propostas

Proponho que a mesa da camara dos dignos pares apresente pessoalmente a Sua Magestade El-Rei, na sua qualidade de chefe supremo do estado, e como generalissimo do exercito, um voto de congratulação e felicitação pelas ultimas victorias alcançadas em Lourenço Marques.

8 de janeiro de 1896. = Thomás de Carvalho.

Proponho que no livro das suas actas a camara dos dignos pares lance um voto de admiração e reconhecimento ás tropas de mar e terra pela grande victoria alcançada sobre o forte e poderoso inimigo dos nossos dominios africanos, o regulo Gungunhana.

8 de janeiro de 1896. = Thomás de Carvalho.

Foram admittidas á discussão.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, é sempre difficil fallar sobre um assumpto depois dos distinctos oradores que acabaram de me preceder; todavia, elle é de tal ordem que não posso esquivarme a dizer algumas palavras sobre um acontecimento tão importante.

Qualquer que seja o meu modo de apreciar os actos do governo durante a dictadura, n'este momento não póde haver discrepancia de opiniões.

Associo-me de todo o coração ás palavras proferidas por v. exa. e pelos oradores que me precederam.

São dignos do maior elogio e da nossa admiração todos os feitos praticados durante toda a campanha pelos nossos soldados na Africa, como chorados devem ser todos aquelles que pagaram com a vida tanto valor, tanta dedicação e abnegação.

Associo-me igualmente a todos os applausos dirigidos pelos oradores que me precederam com relação á expedição á India commandada pelo Serenissimo sr. Infante D. Affonso, que estou certo tem prestado relevantes serviços, mas o meu objectivo é outro n'este momento, e por isso limito-me ao ponto que pretendo tratar.

V. exa. dirigiu-se ao governo, fazendo o seu elogio, e eu dirijo-me e applaudo tambem o governo, mas não posso deixar de elogiar muito especialmente o nobre ministro da guerra. A iniciativa de s. exa., á disciplina que levantou no exercito, ás providencias tomadas por elle, se deve o estado do nosso exercito e os bons resultados colhidos em Africa; por consequencia eu não posso deixar de mandar um bravo ao nobre ministro da guerra e de dirigir tambem as minhas sinceras felicitações a todos os ministros da marinha que têem occupado successivamente aquelle logar, pois todos trabalharam com dedicação, e ao seu trabalho devemos o bom resultado obtido.

Sr. presidente, todos têem elogiado o procedimento dos nossos soldados, preparam-se grandes manifestações de regosijo pelo seu regresso, mas embora as recepções, os hymnos, os foguetes, os arcos de triumpho, sejam apropriados e de molde a festejar a chegada dos triumphadores, comtudo, é preciso mais alguma cousa, e é por isso que eu preveni o sr. presidente do conselho de que tencionava mandar para a mesa um projecto sobre o assumpto que estamos discutindo. Permitta-me v. exa. que eu leia o relatorio, que são apenas leia duzia de palavras.

(Leu.)

Sr. presidente, os feitos de Mousinho de Albuquerque e dos seus companheiros são de tal ordem e tão extraordinarios, que o paiz faltaria a um dever sagrado se os não recompensasse. Todos cumpriram, todos foram bravos, mas o feito da prisão do Gungunhana é extraordinariamente bravo e brilhante.

Sr. presidente, o assumpto é de tal ordem que me parece que não póde haver hesitação, nem por parte do governo, nem da camara, em acceitar esta idéa que, para ter mais prompta acceitação, devia ter sido apresentada por pessoa que tivesse outros dotes e outro fallar, mas é uma idéa e um dever que se impõe a todos, porque não basta, como disse ha pouco, receber com hymnos e foguetes os expedicionarios, é preciso que elles encontrem, á sua chegada, a recompensa dos seus grandes serviços e a certeza que quem honra a patria, a patria contempla.

Mando para a mesa o meu projecto e peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se admitte a urgencia.

(Consultada a camara resolveu affirmativamente.)

Leu-se na mesa o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Aos officiaes e praças de todas as armas que tomaram parte no glorioso feito da prisão do Gungunhana, e seus alliados, será dada uma pensão annual e vitalicia igual aos soldos correspondentes ás respectivas patentes em serviço na metropole, independente de qualquer reforma a que tenham direito por lei.

Art. 2.° Esta pensão passará ás viuvas e filhos por morte dos agraciados.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 8 de janeiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Presidente: - O projecto será enviado ás commissões de guerra e de fazenda, logo que ellas estejam constituidas.

Tem a palavra o digno par o sr. conde do Bomfim.

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, n'esta hora grave, em que todos nos congratulâmos pelos factos passados alem mar, eu, como membro de familia liberal, filho do exercito, tendo percorrido os territorios da Africa oriental, e como deputado por aquella provincia, tendo por vezes levantado a minha voz a favor da necessidade de sustentar os nossos dominios ultramarinos, não podia deixar de tomar a palavra n'esta occasião.

Sr. presidente, não é necessaria a eloquencia quando os factos de per si são tão eloquentes, e faliam do alto, que attestam, de um modo que não é facil de destruir, a coragem, o amor civico, a dedicação do exercito e da armada levada ao extremo do heroismo, e coroada de tão feliz exito, nos ultimos acontecimentos que se succederam nas nossas colonias.

Sr. presidente, eu folgo e creio que todos nós devemos rejubilar, que a final estes factos viessem acordar a nação do lethargo em que jazia ha tanto tempo. (Apoiados.) Não tenho eu pela minha parte e por parte de muitos outros defensores, que abraçamos a questão colonial com porfiado interesse, deixado de envidar os nossos esforços insistentemente, n'esta e na outra casa do parlamento para que se guarneça a Africa com forças adequadas, para que se avigorem as instituições militares multiplicando-se-lhes os effectivos, a fim de se prepararem, por

Página 11

SESSÃO N.º 1 DE 8 DE JANEIRO DE 1896 11

tal fórma, os resultados d'esta ordem, a que tinhamos direito e de tão momentoso alcance para o meu paiz; mas o desalento e a descrença tinham entrado por tal modo no coração da nação, que tem tornado impotentes os nossos intentos, e como que alquebrado a sua antiga e proverbial fé.

Nunca em nenhuma occasião, porém, a coragem nacional se entibiou, e sempre que as nossas heroicas forças de terra e mar foram chamadas á defeza do solo patrio, ainda aos confins mais remotos da monarchia, para defender a integridade dos territorios da corôa, se apresentaram pressurosas e nunca faltaram ao seu dever desempenhando-se d'elle com estoica firmeza e constancia.

Muitas e innumeras expedições têem sido organisadas, e n'ellas se tem perdido milhares de vidas e despendido muito dinheiro, mas sempre houve bravos que se arriscassem a todos esses sacrificios, com a maxima abnegação, indo ás paragens mais inhospitas e longinquas.

Se ha perigo na Africa occidental, se é necessaria a occupação do Congo, lá vae a gloriosa expedição que o occupou, e na qual um dos mais distinctos ornamentos d'esta camara que felizmente se acha presente, tanto se illustrou juntando mais um feito á sua gloriosa carreira militar. Se nos voltâmos para a India, os membros da familia militar lá vão prestar os seus serviços com risco da propria vida, em diversas epochas, e os membros da augusta familia reinante, rivalisando sempre em coragem com os mais valentes, lá prestam os seus assignalados serviços.

Se se trata da Africa occidental quantas e tantas vezes têem os filhos do exercito e da armada dado o seu contingente, para debellar o furor do gentio, e quantos foram ahi abrir as suas sepulturas, quiçá talvez olvidados no presente.

Massacraram-se portuguezes ás mãos dos negros, offereciam-se voluntariamente os combatentes que os pretendiam vingar.

Organisára-se a expedição de 1869, aonde só iam os que queriam, e não faltaram a completar as suas fileiras, nem valentes soldados, nem officiaes habeis; mas é forçoso confessal-o, embora triste dizel-o, a falsa orientação e a descrença pelas cousas ultramarinas era tanta, que nem um adeus da patria recebeu aquella expedição ao partir, e apenas se viam aquella hora solemne as physionomias consternadas dos entes charos da familia que a alguns deram o ultimo abraço!

Um dos descrentes de então o sr. Antonio Ennes, ainda bem que já em 1891 se convertêra, organisando brilhantemente uma expedição que facilmente se completou, e ultimamente, pondo a sua vigorosa intelligencia e a sua energia, com a maior dedicação e risco de vida ao serviço da causa ultramarina, nas ultimas expedições que agora partiram para a Africa, e ás quaes tambem não faltaram nem homens, nem coragem.

E felizmente, sr. presidente, que uma nova aurora de esperança desponta para Portugal, e que os triumphos obtidos pelos combates de Marracuene, Magul Coollela, e tomada do kral de Manjacaze e por ultimo o feito heroico praticado por Mousinho de Albuquerque, descendente de uma familia que tantos serviços tem prestado, destruindo o poder do celebre vátua das terras de Gaza, e fechando com chave de oiro o cyclo das nossas victorias, electrisaram e fizeram vibrar a alma nacional, avigorando o animo e o coração portuguez; porque com taes feitos é de esperar que a malfadada descrença se risque por uma vez da memoria da nação, e assim possâmos colher d'estes felizes resultados alento para caminhar avante.

Não regateemos, portanto, louros a ninguem, por estes acontecimentos, nem aos dirigentes, nem aos expedicionarios, nem recompensas aos que com tanto arrojo e bravura se portaram.

Saudemos a patria e o Rei, a quem a causa nacional, mais deve, e os que pelejaram a favor della, os nossos camaradas da armada e do exercito.

Sr. presidente, as nações não morrem quando o seu acrysolado patriotismo se affirma por actos tão brilhantes.

As instituições militares que são garantia e esteio do estado, revelando-se incontestavelmente uteis, precisam manter em condições de permanencia, moldando-se á diversidade de climas, o nosso prestigio colonial inteiro, e por isso é dever que lhes dediquemos o nosso mais instante cuidado e solicitude a fim de efficazmente protegerem os direitos nacionaes e o nosso tradicional bom nome, não só na metropole, como nos dominios ultramarinos.

A nossa autonomia está ligada á manutenção das colonias e só a força publica robustecida pela força da opinião e pelo sentimento nacional poderá conserval-a illesa.

Associo-me, pois, de bom grado á proposta de v. exa., porque tambem sinto no meu intimo satisfação plena e fremitos de enthusiasmo, não só pelos recentes acontecimentos, que festejâmos, mas por ver que o paiz acorda da sua indifferença, que lhe podia ser fatal, e que melhores dias alvorecem.

Entendo, pois, que devemos victoriar solemnemente esses heroes da patria, que honram o exercito e a armada, pelos relevantes serviços que praticaram.

E oxalá que os nossos testemunhos publicos e os seus feitos sirvam para de futuro as administrações procurarem manter com decisão na Africa a affirmação do nosso direito, como a nossa autonomia, uma vez para sempre, ahi nesses territorios onde outrora as armas portuguezas estavam costumadas a contar o numero das victorias, pelo numero de emprezas audazes que intentaram, e aonde agora depois de dura lição que infligiram aos negros rebeldes, o prestigio do nome portuguez, de novo se alevanta.

Tenho dito.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, depois das vozes eloquentes dos meus collegas que se têem associado ao brado unisono de jubilo que resoou em Portugal de uma extremidade á outra do paiz, quando tivemos conhecimento dos feitos gloriosos dos nossos soldados no ultramar, poderia eu abster-me de levantar tambem a voz, pouco affeita a estas lides da palavra e ha tanto tempo silenciosa n'esta camara; mas quando conseguisse conter o enthusiasmo que trasborda e quer manifestar-se, devia por um dever imperioso testemunhar o meu agradecimento ao sr. arcebispo do Algarve, que citou o nome de um filho, unico que tenho, que se alistou voluntariamente entre os expedicionarios, e expoz a vida no serviço da sua patria.

O louvor que lhe teceu o digno par no seu brilhante discurso, os signa es de approvação com que a camara o escutou, constituem a mais preciosa recompensa que elle póde esperar pelos serviços que prestou, pois julgo ser o mais honroso galardão este testemunho de apreço, que excede tudo quanto póde ambicionar um verdadeiro soldado, ser louvado no seio da primeira assembléa do paiz.

Não posso deixar tambem, sr. presidente, de testemunhar ao governo a minha indelével gratidão por não ter desesperado dos destinos do paiz n'uma crise tão grave como a que ao mesmo tempo ameaçou todo o nosso dominio ultramarino.

Em todas as partes do globo onde Portugal conserva ainda restos gloriosos das suas passadas conquistas, surgiam dificuldades, guerras, revoltas, que assoberbariam todos os que não tivessem o coração educado na comprehensão dos deveres para com a patria.

Julgo poder este senado, como o de Roma depois da derrota de Cannas, agradecer ao governo, o não ter, como os generaes então vencidos, desesperado do futuro.

Felizmente não houve agora generaes vencidos; os nossos soldados provaram mais uma vez as qualidades incom-

Página 12

DIARIO DA CAMARA DOS DI&NOS PARES DO REINO

paraveis de que são dotados, pois foram elles que, saídos apenas da escola da recruta, não tendo experiencia alguma de guerra, principalmente era paizes inhospitos, affrontando os perigos e as fadigas que desconheciam, poderam ainda assim triumphar dos mais aguerridos e temiveis dos indigenas africanos.

Eu, em consequencia de ter entre os que combateram um filho meu, segui com o interesse que se póde imaginar todas as peripecias da campanha de Africa, e não houve um facto, um só acontecimento que não fizesse palpitar de receio ou de prazer o meu coração de portuguez.

Os nossos soldados, quando o clima era lá mais rigoroso é que desembarcaram e tiveram de seguir immediatamente, sob chuvas torrenciaes, porque era urgente que se affrontassem os negros que tinham vindo cheios de audacia ameaçar a cidade de Lourenço Marques. Não havia muito tempo que o posto militar de Angoane fôra deploravelmente abandonado e saqueada uma missão catholica. As guarnições dos navios estrangeiros fundeados naquelle porto, tinham pedido licença para desembarcar, manifestando assim a pouca confiança que inspiravam os nossos meios de defeza e não sei mesmo se algum navio allemão ou inglez chegou a desembarcar tropas na nosso territorio! N'isto não, quero insistir, porque só desejo n'este momento tão glorioso e solemne, quando todos sentimos pulsar o coração desafogado por se inaugurar uma epocha de renascimento nacional, pensar na gloria alcançada e noa deveres impreteriveis que essa gloria nos impõe.

Eram um punhado de homens inexperientes na guerra, mas que sentiam uma fé viva no futuro da patria e partiam decididos a vencer ou morrer. Em terrenos pantanosos, sem abrigo para dormir nem comer com tranquillidade, ameaçados a cada instante de um ataque temeroso, durante uns poucos de dias até chegarem a Marraquene, soffreram todas as inclemencias do tempo e todas as privações da guerra. Ahi, sobre as horas da madrugada, no momento em que os homens mais vigilantes succumbem ao peso do somno, e que os nossos classicos tão apropriadamente denominaram o quarto de Modorra, foram acommettidos por uma massa enorme de negros que se approximára nas trevas e caia de subito sobre soldados inexperientes e exhaustos por todas as privações e fadigas que póde conceber a mais fertil imaginação.

Os soldados angolas, que formavam os corpos avançados, precipitaram-se de roldão dentro do quadrado, que havia pouco se formara, seguidos pelos mais ousados e animosos dos inimigos que gritavam: "não atirem, não façam fogo; são camaradas, são angolas". Eram estas as vozes dos landins ao passo que saltavam dentro do quadrado a azagaiar os nossos.

Esse momento foi dos mais criticos, dos mais perigosos em que se podia achar uma força, que sé podia chamar bisonha, porque era composta de rapazes que nem sequer tinham o vigor de homens feitos.

Fôra forçada a face do quadrado que defendiam os angolas, e a grita, o tumulto no recinto que elle formava, eram aterradores. Pois os outros lados do quadrado conservaram-se tão firmes como se estivessem. N'uma parada. Não houve um momento de hesitação; ninguem olhou para a rectaguarda, continuou o fogo contra os que nos rodeavam, e, de todos os landins que entraram no quadrado, nem um só saíu com vida.

Teve este combate incalculaveis consequencias, porque encheu de brio a nossa tropa e deu-lhe a consciencia do seu valor, incutindo nos negros tamanho terror que nunca mais os régulos das terras áquem do rio Incomati se atreveram a affrontar a nossa gente.

Quando mais tarde se deu o combate de Magul, foi necessario provocar repetidas vezes o inimigo para o decidir a atacar. E já não eram os negros das terras da coroa, mas do norte do Incomati, tribus sujeitas ao Gungunhana. Os das cercanias da cidade de Lourenço Marques, depois da lição que receberam em Marraquene, não voltaram a atacar as nossas forças.

Esta primeira campanha tinha sido feita contra populações de um certo valor militar, mas que estavam longe de se poderem comparar com as mangas da raça mais guerreira de Africa, dos temiveis vátuas, da mesma origem que os afamados zulus, que contam entre os seus feitos de guerra o exterminio de uma divisão ingleza nos campos de Is andhlana.

Estava reservada essa parte mais ardua da campanha á columna que se formou em Inhambane e tinha de medir-se com as forças do mais temido regulo africano, emulo dos Cethyvaios e dos Lo Bengulas, chefe de uma raça educada desde a infancia, como os antigos espartanos, para uma vida de guerra e de rapina, organisados em verdadeiros regimentos, cujas insignias e nomes recordavam fa-çanhas guerreiras e entre si disputavam a prhnasia no valor.

Por circumstancias que não vem para aqui referir, mas de certo provenientes de obstaculos insuperaveis á mais energica vontade humana, estiveram as nossas tropas, no meio de todos os incommodos, soffrimentos e privações imaginaveis, esperando no acampamento que se reunissem os meios de transporte necessarios para que a columna avançasse contra inimigo tão temido e cujo valor era tão afamado em todo o territorio africano.

Quando se conseguiu a final, depois de esforços sobre-humanos, vencer todas as difficuldades, a columna poz-se em marcha, estando então reduzida a 600 homens, de 1:500 que eram; ao passo que as forças do Gungunhana, contando unicamente as escolhidas, aquellas que constituiam a sua guarda, eram calculadas em 6:000 homens pelo menos.

Iam, portanto, marchar um contra dez, e íam cortados de febres, debilitados pelas privações, physicamente prostrados, mas inflammados do mais nobre ardor militar que até ao ultimo soldado souberam inspirar os admiraveis officiaes que ali serviam e entre os quaes me honrarei sempre de contar um filho. Iam materialmente fracos, moralmente invenciveis.

O valor do soldado prova-se mais quando supporta as privações da campanha, do que quando affronta as balas, porque o perigo exalta todo o homem que tem um coração varonil.

Affrontar a morte é o acto mais energico da vontade humana, e ha n'esse sacrificio voluntario, quando inspirado por uma causa sagrada, a mais intensa e nobre das emoções.

Durante dois dias, carregados com os equipamentos e debaixo de um calor ardentissimo, porque a campanha se realisou na estação menos propicia, mantiveram os soldados portuguezes inalteravel bom humor e não mostraram o minimo receio de ir ao encontro dos temiveis e tão numerosos vátuas.

A final, depois de chegarem a pouca distancia do kraal do Gungunhana, pela madrugada, quando estavam para proseguir na marcha, appareceu de subito ante elles o inimigo, na presença do qual os negros auxiliares fugiam espavoridos e tremiam, bradando: - impi de Gungunhana!

Era o exercito vátua dividido em oito grandes mangas, que, conhecedoras de todos os accidentes do terreno, caminhavam de rastos como as serpentes, para depois, levantando-se subitamente, surgirem de surpreza ante o inimigo, como de surpreza atacaram as nossas tropas.

Vinham em força de uns 12:000 homens, o que quer dizer que os nossos valentes militares tiveram de luctar na proporção extraordinariamente inferior de 1 contra 20! Pois, muito embora o inesperado ataque de tão consideraveis massas, os officiaes com a maior promptidão dominaram a primeira e inevitavel emoção de surpreza dos soldados, e tão bem uns dirigiram e outros se portaram, que bem depressa as descargas se fizeram com a maxima regulari-

Página 13

SESSÃO N.° 1 DE 8 DE JANEIRO DE 1896 13

dade e o fogo devastador das Kropatchek e das peças de fogo rapido juncou de cadaveres o campo e susteve a arremettida dos vátuas, que com tanto impeto tinham investido que muitos guerreiros vieram morrer apenas a quarenta passos da frente das nossas tropas! Em menos de tres quartos de hora, os guerreiros até ali invenciveis, que contavam entre os seus regimentos, um que se intitulava "os que não viram costas", fugiam desalentados.

Esta memoravel acção, todos estes heróicos feitos, sr. presidente, não podiam deixar de commover, como commoveram, toda a nação portugueza, que, tendo um passado tão glorioso, póde agora esperar com confiança um futuro digno d'esse passado.

E agora, sr. presidente, não posso deixar de me referir elogiosamente ao sr. ministro da guerra pela maneira acertada e energica com que tem sabido exaltar o prestigio e manter a disciplina do exercito.

Não são menos dignos de louvor todos os que n'este periodo tão melindroso têem gerido a pasta da marinha, que se acha agora a cargo de um dos homens mais esperançosos da moderna, geração. Os officiaes da marinha de guerra rivalisaram em valor e dedicação com os seus camaradas do exercito de terra.

Têem igualmente direito á gratidão nacional todos os funccionarios que pelo dever dos seus cargos collaboraram zelosamente na organisação das expedições que ultimamente têem partido para o ultramar, e todos os que denodadamente as dirigem, entre os quaes se conta um membro da familia real, um principe da dynastia que fundou a nacionalidade portugueza, que lhe reconquistou a independencia e á qual está ligada a nossa existencia entre as nações. Não ouso mencionar outros nomes, só não posso calar o do valente capitão Mousinho que coroou por um acto de inaudito arrojo uma serie gloriosa de feitos de armas, dignos dos tempos heróicos da nossa nacionalidade, e demonstrou praticamente quão completa e decisiva foi a victoria de Coolella.

Resta-me sómente dizer, e é superfluo declaral-o, que a proposta que v. exa. apresentou é d'aquellas que se votam por acclamação. N'este ponto não póde haver dissensões entre os portuguezes, e muito menos entre os dignos pares do reino. (Apoiados geraes.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Jeronymo da Cunha Pimentel: - Sr. presidente, permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que eu, tomando ainda ha poucos momentos novamente assento nesta casa, onde agora me trouxe a honrosa nomeação regia que recebi, inicie a minha nova vida parlamentar associando-me com todo o meu enthusiasmo a uma manifestação em que vae o sentir da nação inteira. (Apoiados.)

Este enthusiasmo é em mim tanto mais sincero, mais ardente, mais vivido, quanto, a despeito do meu temperamento naturalmente frio, e do meu genio profundamente concentrado, elle irrompe espontaneamente, impulsionado pelo mais elevado e grandioso de todos os sentimentos que vibram na alma civica: o amor da patria. Sentimento que abrange, que comprehende, que devora mesmo todos os outros sentimentos e que, como dizia um illustre patriota "se assimilha á lava candente, que devora tudo o que encontra, .quando o vulcão a vomita, alagando a superficie da terra".

Quem ha hoje n'esta terra de Portugal que não se sinta avassallado pelo mesmo enthusiasmo, enlevado pelo mesmo sentimento? Quem ha hoje neste berço de heroes, que avocando ao coração as passadas glorias da patria, não se sinta orgulhoso de ver hoje reverdecer os louros que outr'ora enfloraram a bandeira das quinas?

Em toda a parte, de um extremo ao outro do paia, este enthusiasmo manifesta-se fervido como palpitações anhelantes do coração da patria.

Todos conhecem os factos que ultimamente se deram alem mar, e todos sabem que o Deus dos exercitos que outrora bafejára as armas portuguezas, se dignou mais ima vez proteger, e por um modo quasi miraculoso, os nossos valentes soldados.

Lamento sinceramente que á minha palavra, sem prestigio e sem auctoridade, sem enlevo e sem eloquencia, falte até o calor, incompativel com o meu temperamento com a minha voz, para commemorar como desejava os Feitos gloriosos do nosso exercito no ultramar.

Mas não posso, nem devo sacrificar a essa deficiencia a manifestação dos meus sentimentos, que são por certo os desta camara e de todo o paiz. Vae n'isso o cumprimento de um dever que a todos impõe o amor da patria e a gratidão para com aquelles que levantaram tão alto o prestigio do nome portuguez.

As circumstancias que todos conhecem forçaram o governo, para manter o nosso dominio africano, a mandar preparar expedições que fossem castigar os regulos rebeldes, que punham em grave risco a tranquillidade d'aquellas vastas paragens.

Sem embargo dos sacrificios que isto importava para o estado das nossas finanças, e da incerteza dos resultados, que a muitos se afigurava grande, attentos os perigos e as dificuldades da empreza, o governo não hesitou.

A despeito de tudo era forçoso dar aquelle passo, que se a alguns mais pessimistas parecia aventura arriscada, outros o julgavam indispensavel para mostrar que tinhamos força para manter o nosso dominio colonial.

O governo, com uma energia que lhe faz honra e com um tino que o engrandece, não se poupou a sacrificios e envidou os seus melhores esforços para que as expedições partissem com uma rapidez desusada nas nossas cousas.

Com uma cousa contava o governo: era com o patriotismo, com a valentia e a boa vontade do nosso exercito de terra e mar. E não se enganou.

O soldado portuguez de hoje era ainda o heróico descendente daquelles valentes que arrancaram o crescente arvorado nas ameias cinzeladas das cidades mouriscas, para ali hastearem a cruz do Redemptor; que com a lança no riste e o montante afivelado no punho, cegavam louros de heroes e palmas de martyres.

Era ainda o herdeiro dos que retalharam do manto grandioso de Affonso VI de Lyão o pedaço de purpura, modesto, mas auspicioso, que lançaram aos hombros de Affonso Henriques, como apanagio da realeza, que lhe outorgaram.

Era ainda o representante dos que achando depois limitado o berço em que os arrolaram os brados guerreiros do grande homem, que os fizera nação, se estenderam com um arrojo inaudito das orlas extremas do occidente aos mais remotos confins da Asia; que fizeram espumar de raiva, diante da sua ousadia, o oceano submisso, a sua força, e que desde o Euphrates até ao Ganges e ao Não fizeram echoar o grito da victoria, diante do qual fugiam espavoridos os povos e as tribus que avassallavam.

Nas suas veias girava ainda o mesmo sangue, que animava os heroes, que fizeram recuar os vencedores de lena e Austerlitz.

É que o soldado portuguez conserva no seu espirito valoroso as tradições do velho soldado lusitano, e comprehende o patriotismo com aquelle ardor de fé e convencimento do proprio valor, que é o melhor estimulo das grandes audacias.

As expedições partiram, e os soldados, deixando a patria, a familia, os amigos, a vida folgada dos quarteis e tudo quanto na vida lhes podia ser mais caro, íam satisfeitos sem se arreceiarem dos perigos da guerra nem das inclemencias do clima; íam contentes, porque levavam no coração o amor da patria, e tão grande, que até lhes suffocava o sentimento da saudade!

O que lá se fez, n'essas regiões longinquas e inhospitas,, todos o sabem, e ha pouco ainda o digno par que me pre-

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cedeu mostrou minuciosamente, e com a eloquencia do sentimento, os sacrificios por que passaram, o que mais augmenta o valor d'sses heroes.

O combate de Coelella, a tomada de Majancaze, a derrota dos aguerridos vátuas, o incendio do kraal do Gungunhana e tantas outras proezas brilhantes, são factos de tal ordem que só por si fariam a gloria de uma nação.

Gungunhana era o terrivel regulo que constantemente nos inquietava n'quella parte do nosso dominio africano. Valente, prestigioso, e até intelligente, com um numeroso exercito de aguerridos vátuas, muito bem armados, era a sombra negra que a todos os instantes sobresaltava todos os governos e todas as auctoridades n'quella nossa provincia ultramarina.

Subjugamol-o, vencemol-o, era cousa que a muitos se antolhava empreza difficil e arriscada, mas necessaria á tranquillidade e á manutenção do nosso dominio ali.

Não desanimou o nosso intelligente, illustrado e prestimoso commissario regio? o sr. conselheiro Antonio Ennes, nem duvidaram pôr em execução os desejos e planos do governo e d'aquelle alto funccionario os valentes e illustrados officiaes a quem fora confiada a expedição.

O temido Grungunhana foi derrotado; o prestigio entre os seus estava abatido e aniquilado, mas elle estava ainda em liberdade, o que constituia um perigo para o futuro.

O epilogo d'essa brilhante epopêa coube aos valentes officiaes Mousinho, Couto e Miranda, ao medico Amaral e aos quarenta é seis soldados que os acompanhavam.

É quasi miraculoso! Faz-nos até lembrar as victorias dos tempos biblicos.

Se percorrermos as paginas da historia dificilmente ali encontraremos um facto tão assombroso.

Com uma tão limitada força ir arrancar ao seu novo covil de Chaimite o famoso Grungunhana, prendel-o e o filho e o do Molungo, em frente de 3:000 vátuas, é a ultima expressão de coragem, é um assombro de ousadia!

Os feitos valorosos do valente coronel Galhardo, do major, hoje tenente coronel, Sousa Machado, de todos os outros distinctos officiaes, a valentia dos nossos soldados, tiveram a sua corôa, o seu epilogo glorioso com a prisão do famigerado Gungunhana.

Emquanto na Africa se mostrava que nas veias do soldado portuguez ainda girava o sangue dos antigos gigantes da historia lusitana, na Índia e em Timor se affirmava, e por um modo brilhante, que elle era o mesmo em toda a parte.

Na India, um Principe da casa de Bragança, irmão do nosso Rei, tão valente como patriota, escrevia com a espada na mão mais uma pagina gloriosa na gloriosa chronica dos principes portuguezes.

Sr. presidente, se olharmos para a Abyssinia, para Madagáscar, para Cuba e para outras partes, mais um motivo temos a justificar o nosso enthusiasmo, e para agradecermos a Deus tantos favores.

É que Deus ainda conserva fito em nós o olhar com que abençoava dos, céus a bandeira outr'ora triumphante das santas quinas. É porque elle, sempre justo, providencial e bom, quiz agora consolar-nos das nossas desventuras.

Depois d'isto ninguem póde dizer que n'esta terra de Portugal existe um adormecimento de todos os sentimentos grandiosos, e que a nossa bandeira dourada pelo sol que alumiava os dias felizes de outr'ora, se transformou em mortalha funebre que envolve a alma da patria.

Não está moribunda uma nação, que cheia de ardor e fé viva, assim se aferra aos altares da patria, e que tem no valor dos seus filhos uma garantia da sua existencia.

Se é pobre o nosso lar, estreitas as nossas fronteiras, é rica a nossa historia e largo o nosso futuro.

Mas não somos tão pequenos que não cheguemos ainda com mão armada á Africa e á India.

Mostrámos ao mundo que sabemos e podemos manter o nosso dominio colonial, e que não vivemos só das tradições, posto que tão gloriosas, quando assim acabâmos de affirmar, e por um modo tão extraordinario, a nossa existencia no presente e as nossas esperanças no futuro.

Votemos a proposta do digno par, meu respeitavel amigo e chefe, o sr. Antonio de Serpa, e saudemos d'aqui os nossos valentes militares que na Africa e na India escreveram com o seu sangue uma das paginas mais fulgurantes da historia da patria.

Tenho dito.

O sr. Baptista de Andrade: - Sr. presidente, tendo eu a honra de ser o mais antigo official da armada portugueza, e, conhecendo, por experiencia propria, os muitos perigos e privações que se soarem nas guerras do ultramar, entendi dever pedir a palavra para declarar, em meu nome e no dos meus camaradas, que nos associâmos de todo o coração ás manifestações commemorativas dos grandes feitos praticados por aquelles que tanto se distinguiram, e honraram o nome portuguez nos recentes combates da India e da Africa. Depois do que tão abalisados oradores acabaram de expor, eu, sr. presidente, nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Como está ainda inscripto o sr. conde de Lagoaça, eu peço a v. exa. para me reservar a palavra para depois de s. exa.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, não foi propriamente para celebrar os feitos gloriosos das armas portuguezas no ultramar, que eu pedi a palavra. Não que eu não estremecesse de jubilo, como bom cidadão portuguez, ao ter conhecimento de tão heróicas façanhas, principalmente da ultima para nós decisiva, a prisão do celebre Gungunhana; mas, sr. presidente, sinto que me fallecem os dotes oratorios para a celebração condigna de tantas glorias e alem d'isso, depois das palavras eloquentes e enthusiastas de tantos e tão illustres collegas meus, nada saberia acrescentar.

Parece-me, porém, sr. presidente que, involuntariamente, de certo, houve da parte dos nossos illustres collegas uma lacuna que, creio, se deve preencher.

Se é justo, justissimo, que se façam enthusiasticos e calorosos elogios aos nossos soldados victoriosos, e que mesmo se faça tudo quanto possivel for para receber condignamente esse punhado de valentes que tiveram a fortuna de regressar victoriosos á patria e ao seio de suas familias, justo me parece tambem que manifestemos o nosso sentimento para com os pobres e valentes soldados que no serviço de sua patria perderam a vida n'aquellas inhospitas regiões.

Não era bom que lá fora se dissesse que não tinha havido aqui uma palavra de dor, de sentimento e de saudade para esses gloriosos portuguezes que tão heroicamente deram a sua vida na defeza da patria.

Proponho, portanto, sr. presidente, que na acta da sessão se lance um voto de profundo sentimento pela morte desses valentes e desditosos soldados.

Parece-me tambem de toda a justiça que na acta se lance um voto de louvor e profundo reconhecimento á benemerita sociedade da Cruz Vermelha, que tantos e tão relevantes serviços tem prestado á patria e ao exercito nas nossas campanhas ultramarinas. (Apoiados.)

Foi simplesmente para apresentar estas propostas que eu pedi a palavra, sentindo não possuir o talento e a eloquencia do meu querido amigo, o sr. Antonio Candido, que sinto não ver presente, para n'esta occasião poder festejar em phrase brilhante e alevantada os gloriosos feitos e do heroicos, que o valoroso exercito portuguez acaba de praticar em terras de alem mar.

Tenho dito.

Página 15

SESSÃO N.° 1 DE 8 BE JANEIRO BE 1896 15

O sr. Presidente: - Peço ao digno par que tenha a bondade de mandar as suas propostas para a mesa.

Agora tem a palavra o sr. Francisco Costa.

O sr. Francisco Costa: - Sr. presidente, quiz ser o ultimo a fallar n'esta solemne occasião, por commodidade da phrase, e para que a camara ouvisse em primeiro logar as vozes auctorisadas dos distinctos oradores que em estylo brilhante fizeram a devida justiça a todos aquelles que empregaram o seu valor, os seus ingentes esforços para defender a patria em climas inhospitos e por territorios intransitaveis.

Não quiz retardar á camara o prazer de ouvir os discursos dos dignos, pares que têem fallado, interrompendo com a minha phrase modesta esse prazer.

Mas, sr. presidente, tendo eu voz n'esta casa do parlamento, não posso deixar de fazer saber á camara que, no exercicio das funcções que me cumpre desempenhar no ministerio de que sou funccionario, tive muitas occasiões de reconhecer as difficuldades e circumstancias melindrosas com que luctavam os heroicos expedicionarios de mar e terra; não hesitações, nem receios, que nunca os pre-senti, nem nos telegrammas, nem nos officios que eram anciosamente recebidos n'aquelle ministerio.

Os perigos eram muitos, todavia é de justiça dizer-se que as requisições dirigidas ao governo eram immediatamente satisfeitas.

É natural que o meu espirito vacillasse algumas vezes sobre o feliz e completo resultado que nós tirariamos dos sacrificios e esforços empregados, e por aqui póde a camara calcular que inefavel prazer seria o meu quando conheci o primeiro telegramma em que se annunciava a victoria das nossas forças em Coellela e Manjacaze, bem como aquelle em que foi participado o aprisionamento do temido regulo Gungunhana.

E tudo isto, sr. presidente, eu quero significar á camara para encarecer a verdade dos successos e os trabalhos e fadigas dos nossos expedicionarios que têem merecido os elevados encómios dos illustres oradores. Associo-me, portanto, aos votos que tendem a elogiar, no mais alto grau, os feitos importantissimos praticados pelas forças de terra e mar.

Tambem tenho uma grande satisfação em fazer sentir á camara que de todo se desvaneceu a idéa de que ao nosso exercito repugnava ir servir no clima inhospito da Africa.

É isto uma grandissima vantagem, e o governo tem agora na sua mão o meio de organisar, como carecem de ser organisadas, as forças do ultramar e as do reino, por fórma conveniente, e creio que ninguem lhe regateará os meios precisos para essas organisações, nem a gloria que lhe cabe pelos bons resultados que tirámos das expedições que mandámos á Africa. (Muitos apoiados.)

É maior o meu prazer por me ser permittido apresentar uma outra conclusão, ou antes significar uma outra vantagem, a qual, pela experiencia que tenho dos negocios das provincias ultramarinas, me parece poder ter importante valor.

É certo que, muitas vezes eu pensei, em vista das informações que nos vinham d'aquelle regulo V atua, que as nossas armas não. lograriam alcançar os bons resultados que felizmente conseguiram, e pensava assim, não porque duvidasse do valor dos soldados portuguezes, Valor que elles tão brilhantemente affirmaram; mas porque sabia que o maior inimigo com que tinham a luctar seria o clima.

Esta circumstancia inquietava-me e enchia-me o espirito de incertezas sobre o final das nossas tentativas e do bom exito das nossas diligencias, porque via a amargurar as nossas forças um clima insaluberrimo e um paiz cheio de pantanos, de mangaes, e de arvores seculares que nem sempre se podiam derrubar com esforço dos homens e dificultariam a marcha das expedições.

Agora, porém, em presença dos factos que todos nós conhecemos e que tão entusiasticamente celebrâmos, estou persuadido de que, e peço á camara que note bem a phrase, podemos dizer que é portugueza agora a provincia de Moçambique.

Conservemol-a.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, não posso nem devo ficar silencioso ante os testemunhos de benevola apreciação que tão eloquentes oradores d'esta camara dispensaram ao governo a que tenho a honra de presidir; ao mesmo tempo é motivo para mim da mais vehemente satisfação ver unir á minha voz a d'aquelles que tão alto culto prestam ao triumpho brilhante das armas portuguezas.

Ás expressões de benevolencia da camara para com o governo presto o nosso reconhecimento; e nem só pelas manifestações de hoje o devo prestar.

Quando em outubro de 1894 nos chegavam telegrammas, que dia a dia eram trazidos ao parlamento, e em que se noticiavam os ataques feitos aos nossos dominios, as ameaças que pesavam sobre a nossa soberania e as affrontas feitas por hordas de gentios que batiam ás portas de Lourenço Marques, o governo encontrava, n'uma e na outra casa do parlamento, da parte de todos, sem distincção de cores politicas, sem divergencias partidarias, uma só voz, um só estimulo, para que cumprisse o seu dever, salvasse o dominio da corôa portugueza.

Este incitamento, este clamor unisono que acompanhava o governo e o impulsionava para que podesse arcar com as difficuldades de uma situação que se annunciava temerosa, era o seu testemunho eloquente de que na hora do perigo todas as divergencias se suspendem, e uma só voz se ergue, imperiosa e vibrante, a voz do dever, um só brado, o que irrompe do sentimento do coração portuguez. (Apoiados.)

O governo cumpriu apenas o seu dever; isto não o escondo á camara, sinto extremado jubilo em poder dizel-o aqui.

Mas não bastava o seu esforço; e por maior que fosse a sua diligencia, o seu cuidado, o seu empenho em querer salvar um dos mais preciosos florões da corôa portugueza, mallogrado seria o seu intento se não encontrasse no peito dos portuguezes a alma, o valor e a comprehensão do dever que a todos animava n'uma situação arriscada.

O governo encontrou um homem de caracter energico e viril, de intelligencia illustrada e culta, o conselheiro Antonio Ennes, que se prestou a deixar o seu paiz, a sua familia, as commodidades da vida, para ir affrontar todos os embaraços, todas as contingencias, todas as responsabilidades do momento agudo em que jogavamos uma cartada decisiva.

Esse, que tudo assim arriscou, desde a vida até á reputação, para bem servir o seu paiz, é, sem duvida, um benemerito da patria. (Apoiados.)

Da parte da armada e do exercito portuguez, encontrou o governo uma vontade inquebrantavel, um enthusiasmo que nada poderia suffocar, um irresistivel impulso que o levaria tão longe quanto necessario fosse para assegurar a gloria da sua bandeira.

Para isso o governo não teve dificuldades de escolha. Não lhe foi mister apurar do exercito, seleccionando, os officiaes e praças que deviam marchar para a Africa e para a india. Aquelles a quem tocava a ordem de marcha, recebiam-a com sincera devoção pela sua patria, iam alegres e contentes, cheios de esperança e de animo varonil. Iam todos a quem tocava, sem necessidade de escolha, porque para todos os officiaes de terra e de mar, para todos os soldados de Portugal ha uma só maneira de servir a patria: é dando por ella a sua vida.

Assim, partiram para as suas expedições arriscadas. Partiram para debellar um perigo imminente, para derrubar um poder que quasi se reputava invencivel, tal era a

Página 16

16 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

idéa que em Africa se falla de um regulo poderoso, que se suppunha nunca poderia ser attingido no seu proprio kraal.

Desde então, é toda uma epopêa epica a valorosa serie de feitos do exercito e da armada!

O que elles fizeram, as inclemencias e as provações por que houveram de passar, os riscos que correram, os triumphos que alcançaram, esquecendo-se da propria vida, com um pensamento unico, com um fito exclusivo, a defeza da sua patria, é verdadeiramente assombroso! Nos primeiros encontros, em Marracuene e Magul, eram os nossos que se defendiam, punhados de bravos contra hordas inteiras de gentios; nos ultimos eram já os nossos que atacavam, eram elles que derrubavam tudo, e tudo venciam. Perto de Manjacaze 500 homens affrontavam 12:000; a batalha decisiva de Coolella assegurava para sempre o nosso dominio n'aquellas paragens.

A entrada no kraal e agora a prisão do regulo Gungunhana são feitos dos mais gloriosos e mais extraordinarios da nossa historia militar.

Agradeçamos á Providencia o favor que dispensou ás nossas armas.

E uma saudação enthusiastica aos heroes de hoje, valorosos continuadores das nossas nobilissimas tradições do passado, aos quaes patria deve ser eternamente reconhecida pelo muito e pelo bem que a serviram.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa pelo digno par o sr. conde de Lagoaça.

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

Propostas

Proponho que na acta se lance um voto de sincero louvor e reconhecimento á benemerita sociedade da Cruz Vermelha pelos relevantissimos serviços prestados ao exercito e á patria nas campanhas ultramarinas, e que d'esta resolução se dê conhecimento á direcção da benemerita sociedade. = Conde de Lagoaça.

Proponho que na acta se lance um voto de profundo sentimento pela morte dos bravos soldados portuguezes que nas terras de alem mar perderam a vida em defeza da patria. = Conde de Lagoaça.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para declarar a v. exa. que, em nome do governo, me associo ás duas propostas que o digno par o sr. conde de Lagoaça, mandou para a mesa.

É uma homenagem de respeito aos nossos soldados, e um testemunho de gratidão a uma instituição que tantos e tão relevantes serviços tem prestado ao nosso exercito.

O sr. Costa e Silva: - Eu proponho que essas duas propostas sejam votadas por acclamação.

O sr. Presidente: - Eu creio que as propostas do digno par o sr. Thomás de Carvalho estão comprehendidas na proposta do digno par o sr. Serpa.

Vão votar-se as propostas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Todas juntas e por acclamação.

A camara manifestou-se pela approvação das propostas por acclamação.

O sr. Presidente: - Estão approvadas as propostas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. que Sua Magestade El-Rei receberá a deputação que lhe vae participar a constituição da camara, no proximo sabbado pelas duas horas da tarde, e estou certo que Sua Magestade receberá por essa occasião os comprimentos da deputação, para o felicitar, segundo a deliberação da camara.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que compõem a deputação para o fim da proposta do digno par o sr. Antonio de Serpa são, alem da mesa, os seguintes:

Duque de Palmella.

Arcebispo-Bispo do Algarve.

Conde do Bomfim.

Conde de Thomar.

Visconde da Silva Carvalho.

Visconde de Soares Franco.

Antonio Emilio Corrêa de Sá Brandão.

Antonio de Serpa.

Augusto Cesar Cau da Costa.

Arcebispo de Evora.

J. Baptista de Andrade.

Diogo A. Correia de Sequeira Pinto.

Thomás de Carvalho.

Agostinho de Ornellas.

Costa e Silva.

Os primeiros sete membros d'esta relação formam a deputação que tem de dar parte a Sua Magestade da installação da mesa d'esta camara, assim como já se fez a communicação para a camara dos senhores deputados.

Antes de fechar a sessão,

Viva Sua Magestade El-Rei e a Familia Real!

Os dignos pares: - Viva! viva!

O sr. Presidente: - Viva a patria!

Os dignos pares: - Viva! viva!

O sr. Presidente: - Viva o exercito de terra e mar!

Os dignos pares: - Viva! viva!

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na sexta feira, 10 do corrente, e a ordem do dia é a eleição do vogal adjunto á commissão administrativa e a da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e cincoenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 8 de janeiro de 1896

Exmos. srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, das Minas, de Penafiel; Arcebispo de Évora, Arcebispo-Bispo do Algarve; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Lagoaça, de Thomar; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Agostinho de Ornellas, Sá Brandão, Serpa Pimentel Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Vellez Caldeira, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Thomás de Carvalho.

O redactor = Alves Pereira.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×