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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 2

EM 4 DE JUNHO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - O Digno Par João Arroyo manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio do Reino. - O Digno Par Teixeira de Sousa envia para a mesa requerimentos solicitando esclarecimentos aos Ministerios da Fazenda e Obras Publicas. Estes requerimentos são expedidos. - O Sr. Presidente do Conselho faz a apresentação dos novos Ministros, e diz qual é o programma do Governo. Conclue mandando para a mesa uma proposta que tende a permittir que alguns Dignos Pares dependentes do Ministerio do Reino possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as que desempenham no mesmo Ministerio. E approvada. - O Digno Par Marquez de Pombal justifica a sua falta á sessão antecedente; diz que se a ella tivesse assistido teria approvado as propostas que n'ella foram apresentadas; cumprimenta os membros do Governo, e promette-lhe o seu apoio, se se mantiverem dentro da Constituição. - O Digno Par Marquez de Sousa Holstein participa que não póde comparecer á sessão anterior por motivo justificado, e que se tivesse vindo á Camara teria dado o seu voto ás propostas emanadas da Presidencia e ás que foram apresentadas pelo Digno Par Alpoim. - O Digno Par Pimentel Pinto mostra qual a attitude do partido regenerador perante o novo Governo. - Segue-se no uso da palavra o Digno Par Jacinto Candido, que se refere ao novo Ministerio. - Responde a estes dois oradores o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par José Luciano de Castro define a attitude do partido progressista em face do Ministerio.-O Sr. Presidente do Conselho agradece as declarações do Digno Par José Luciano. - Segue-se no uso da palavra o Digno Par Sebastião Baracho. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu á sessão todo o Ministerio.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde verificando-se a presença de 44 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada; sem reclamação,, a acta, da, sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Um officio do Digno Par José Estevão de Moraes Sarmento, participando que falta ás sessões por motivo de saude.

Para o archivo.

O Sr. João Arroyo: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, com urgencia, me seja enviado, pelo Ministerio do Reino, o original ou copia do processo de naturalização do Sr. E. Driesel Schrõter.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, em 4 de junho de 1906. = João M. Arroyo.

Foi expedido.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta camara os seguintes documentos:

Copia de toda a correspondencia entre o Ministerio da Fazenda e a Companhia dos Tabacos de Portugal, directamente ou por intermedio do commissario regio, desde 21 de março de 1906 até esta data.

Copia do despacho ministerial que auctorizou a requisição de 800:000 kilogrammas de tabaco manipulado, a que se refere o n.° 5.° do artigo 5.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, e de toda a correspondencia que a esse respeito foi trocada entre o Ministerio da Fazenda e a Companhia dos Tabacos, directamente ou por intermedio do commissario regio.

Copia de toda a correspondencia trocada entre o Ministerio da Fazenda e a Companhia Portuguesa de Phosphoros desde 21 de março a 18 de maio ultimo.

Copia de todas as propostas que foram apresentadas no concurso para adjudicação do exclusivo da fabricação dos tabacos no continente do reino, que teve logar no dia 1 de maio ultimo, e ainda do auto lavrado pela commissão que as viu.

Copia do contrato provisorio, em relação ao exclusivo, celebrado no dia 2 do mez corrente entre o Governo e a Companhia dos Tabacos de Portugal.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos:

1.° Nota da divida fluctuante (designando separadamente a interna e a externa) nos dias 20 de outubro de 1904, 21 de março e 18 de maio de 1906.

2.° Nota do montante dos débitos do Thesouro ao estrangeiro, em ouro, em conta da divida fluctuante, nos dias acima mencionados.

3.° Nota dos recursos extraordinarios, alem dos obtidos pela divida fluctuante, desde 20 de outubro de 1904 a 21 de março de 1906 e desde esta data a 18 de maio.

3.° Nota das disponibilidades na conta corrente do Thesouro com o Banco de Portugal em 21 de março e 18 de maio ultimo;

5.° Nota de todos os depositos em ouro que em conta do Thesouro existissem nos dias 21 de março e 18 de maio já mencionados;

6.° Nota do credito do Thesouro no estrangeiro e suas disponibilidades nas referidas datas;

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7.° Copias das propostas feitas pela Caisse de Reports et des Dépots, de Bruxellas, para a collocação de 3:000 contos de réis em inscripções e opção em 6:000 contos de réis;

8.° Nota dos titulos da divida portugueza externa na posse da Fazenda e disponiveis em 21 de março e 18 de maio de 1906=

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja remettida a esta Camara copia do parecer e respectivo relatorio da commissão incumbida de estudar e propor os alvitres que entendesse em relação á crise do Douro.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos:

Nota de todos adeantamentos feitos pelo Ministerio da Fazenda aos diversos Ministerios, desde 20 de outubro de 1904 até 21 de março de 1906, e ainda desde esta data até 18 de maio ultimo;

Nota das despesas auctorizadas a mais das previstas no orçamento em vigor e relativamente ao Ministerio das Obras Publicas, á data de 21 de março de 1906;

Nota das importancias pagas pelo Ministerio da Fazenda, em bilhetes do Thesouro, e por conta do Ministerio das Obras Publicas, desde 21 de março até 18 de maio ultimo.

Sala das Sessões da Camara dos Pares, 4 de junho de 1906.

Foram expedidos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: tendo pedido a demissão o Governo presidido pelo Sr. Conselheiro de Estado Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, dignou-se Sua Majestade El-Rei confiar-me a organização do novo Ministerio. Procurei desempenhar-me d'essa missão, e logrei a coadjuvação e a annuencia dos cavalheiros que hoje se encontram n'esta casa, a meu lado.

Para a pasta da Justiça entrou o Sr. José de Novaes, antigo Deputado, um dos mais antigos que ha hoje no Parlamento portuguez, antigo governador civil, e que em todos os logares, e em todas as situações, honrou o seu nome e procurou sempre bem servir o seu paiz.

Para a pasta da Fazenda convidei, e tive a fortuna de ver acceito o convite, o Sr. Ernesto Driesel Schrõter, antigo director e vice-governador do Banco de Portugal, até o momento em que entrou para o Ministerio, e presidente da Associação Commercial de Lisboa.

Se mais ou menos alheado das lides , politicas, é certo que possue larga experiencia dos negocios financeiros, fundo conhecimento das questões economicas, sob os seus differentes aspectos, commercial, industrial e agricola, e é bastantemente versado nos assumptos que correm pela pasta que lhe foi confiada. A modestia de S. Exa. pôz obstaculos á sua entrada no Governo, mas perante a minha insistencia, e a demonstração da utilidade que resultaria para o paiz da sua accedencia ás minhas supplicas, S. Exa. promptificou-se a sobraçar a pasta da Fazenda, que pela primeira vez está confiada a um membro da classe commercial.

Para a pasta da Guerra tive a fortuna de obter a coadjuvação e o auxilio do Sr. tenente coronel de engenharia Vasconcellos Porto, antigo Deputado da nação, illustre professor da Escola do Exercito, e que em varias commissões de serviço publico, quer de natureza particular, quer de outras ligadas á administração do Estado, tem demonstrado que a uma elevada intelligencia allia qualidades de mando verdadeiramente apreciaveis.

Para a pasta da Marinha, que é ao mesmo tempo do Ultramar, tive tambem a fortuna de alcançar a cooperação do Sr. capitão do estado maior, Ayres de Ornellas, que tem uma larga folha de serviços nas campanhas em Africa, onde se distinguiu pelo seu saber, pelo seu valor, e pelos seus dotes disciplinares.

Regressando não ha muito tempo do ultramar, onde governou um districto importantissimo, ali evidenciou a sua competencia em assumptos que pertencem á administração colonial, tendo tambem revelado qualidades de parlamentar eximio n'esta Camara, de que é distincto ornamento.

As questões coloniaes merecem-lhe especial cuidado e rara attenção. Parece-me que, obtendo a cooperação de um colonial tão distincto, posso ufanar-me de ter trazido para o Ministerio um elemento essencialissimo para a administração do Estado, porque é no ultramar que nós temos ainda hoje riquezas importantes a explorar, largo dominio a civilizar, e um brilhante futuro a realizar.

Para a pasta dos estrangeiros entrou o Sr. Dr. Luiz He Magalhães, herdeiro de um dos nomes mais illustres, mais sympathicos e mais gloriosos da nossa epoca constitucional. Ha de, por certo, corresponder, com a sua intelligencia, com sua vontade e com seu indefesso trabalho, ás exigencias do pesado encargo que sobre S. Exa. impende.

Para a pasta das obras publicas entrou o Sr. Conselheiro Reymão, una distincto orador parlamentar, antigo governador civil, e que, tanto nas lides parlamentares como rio desempenho de commissões que lhe teem sido confiadas, mostrou sempre o desvelo que lhe merece o bem do paiz.

Com relação ao programma do Governo não preciso de tomar muito tempo á Camara para que ella possa ter conhecimento perfeito de quaes são os nossos intuitos, e a razão que determinou a acceitação do encargo que nos foi commettido. O partido regenerador-liberal, a que tenho a honra de pertencer, tornou conhecido o seu objectivo, n'uma propaganda por todo o paiz, e no Discurso da Coroa, lido ha dias ás duas Camaras reunidas, por Sua Majestade El-Rei, estão consignados as principaes medidas, o principal intuito, os principaes fins a que visamos.

O Governo é liberal, e ha de ser tolerante.

Liberal, pela convicção profunda em que estão todos os seus membros, de que a Monarchia Portuguesa precisa, mais do que nunca, de dar ao paiz a segurança das garantias individuaes inseridas na Constituição, e fazer que o regimen representativo seja, quanto possivel, puro e correcto nas suas normas e praxes.

Tolerante, porque as actuaes condições que a politica portugueza atravessa, a meu juizo, se bem que posso estar em erro, exigem que todo e qualquer Governo se preoccupe com a administração do Estado, pondo de parte mesquinhos interesses de politica partidaria.

Não vimos com o intuito de combater qualquer dos agrupamentos politicos que existem na politica portugueza, e não nos preoccupa o facto da existencia, no Parlamento Portuguez, de quaesquer representantes das diversas agremiações partidarias, mesmo d'aquellas que mais adversas se mostrem ás instituições, desde o momento em que o corpo eleitoral os tenha legalmente investido no gozo de um direito que não lhes pode ser contestado.

O Governo fará convergir todos os seus esforços no intuito de poder realizar o seu programma e desempenhar a a sua missão.

Conta o Governo, para o conseguimento do fim a que visa, com o apoio da concentração liberal, com o apoio parlamentar e politico dos dois partidos, o partido regenerador liberal e o partido progressista.

Por occasião das ultimas eleições geraes, os principios que animam os chefes dos dois partidos ficaram claramente definidos e correctamente demarcados.

É certo tambem que o Governo se julgaria feliz em poder contar com o apoio e auxilio de quaesquer agrupamentos politicos, e com a coadjuvação de quaesquer homens publicos portuguezes; mas dispensa-se de solicitar esse apoio e essa coadjuvação, não por

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motivos de vaidade, ou orgulho, mas porque, alem de benevolencia, nada mais, por parte do Governo, ha direito a exigir.

Depois das eleições realizadas ultimamente, é de presumir - embora officialmente ninguem ainda o tenha affirmado - que a maioria da Camara dos Senhores Deputados acompanhe as ideias politicas dos homens que fizeram parte do Governo que presidiu a esse acto eleitoral.

Ainda assim, o Governo, cujo programma acabo de annunciar, e cujas intenções acabo de definir, julga dever esperar d'essa maioria a approvação do orçamento, que encontrou feito, e que não teve tempo para rever ou modificar, e a apreciação do contrato dos tabacos, que apresentará á Camara, moldado precisamente nas bases e nos termos delineados pelo Ministerio anterior.

Na approvação d'estas medidas, cuja iniciativa nos não pertence, muito embora tenhamos de assumir a inteira responsabilidade d'ellas, desde que as apresentemos ao Parlamento, espera o Governo não encontrar difficuldades.

Deseja o Governo que assim seja, não por quaesquer razões de ordem politica ou partidaria, mas por motivos de indiscutivel interesse publico.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, e sabem todos que, de ha mezes, a administração financeira do Estado se encontra apoiada no orçamento de 1904-1905.

É desejo do Governo, e deve ser desejo do Parlamento, tão interessado como o Governo em respeitar as formulas parlamentares, principalmente no que respeita á cobrança dos impostos e á applicação das despesas publicas, que se saía d'esta situação pela unica forma em que, n'este momento, isso é possivel, isto é, pela cooperação das actuaes Camaras com o Governo.

Todos comprehendem tambem a conveniencia que ha em liquidar a questão do contrato dos tabacos, analysando-se quanto antes a respectiva proposta, concedendo-lhe o Parlamento, ou a sua approvação, se entender que d'isso resulta um bem para a causa publica, ou a rejeição, se julgar que esse contrato é prejudicial aos interesses que nos cumpre acautelar e defender.

Nada mais preciso dizer. Falei com toda a franqueza, e com toda a lealdade, e espero que da mesma forma me respondam.

Se porventura a Camara precisar de novas explicações, estou prompto a dal-as.

Antes de terminar permitta-me V. Exa. que mande para a mesa uma proposta para que possam accumular, querendo, as suas funcções legislativas com as que exercem no Ministerio do

Reino alguns Dignos Pares que constam da mesma proposta. (O orador não reviu).

Leu-se na mesa e foi approvada a proposta, que é do teor seguinte:

"Era conformidade com o disposto no artigo 3.° do 1.° Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos, dependentes do Ministerio do Reino, que exercem em Lisboa os Dignos Pares do Reino:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, presidente, José Luciano de Castro, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Julio Marques de Vilhena, Antonio Telles Pereira de Vasconcellos *Pimentel, vogaes do Supremo Tribunal Administrativo.

Conselheiro Antonio Augusto Pereira de Miranda, provedor da Santa Casa da Misericordia de Lisboa.

Conde de Bertiandos, vogal do Conselho Superior de Beneficencia.

Conselheiro D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio, vogal do mesmo conselho e vogal extraordinario do Supremo Tribunal Administrativo.

Conselheiro José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral, agente do Ministerio Publico junto do mesmo tribunal.

Conselheiro José Vicente Barbosa du Bocage, vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica.

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, vogal extraordinario do Supremo Tribunal Administrativo e lente da Escola Polytechnica.

Visconde de Athouguia, inspector da Academia de Bellas Artes.

Secretaria dos Negocios do Reino, em 4 de junho de 1906.

O Sr. Marquez de Pombal: - Sr. Presidente, pedi a palavra para participar a V. Exa. e á Camara que, por motivo justificado, não pude comparecer á ultima sessão, e se a ella tivesse assistido ter-me-hia associado a todas as propostas que foram approvadas pela Camara.

Já que estou no uso da palavra, no momento em que o novo Governo acaba de se apresentar, não posso deixar de cumprimentar os novos Ministros.

Tenho por todos a mais subida consideração.

O que desejo é que o Ministerio governe dentro da constituição e com as leis, e, se assim fizer, terá o meu voto e o meu apoio.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Marques de Sousa Holstein: - Pedi a palavra para participar a V. Exa. que me não foi possivel assistir á sessão de ante-hontem, e para declarar que se a ella tivesse comparecido teria approvado as propostas de V. Exa. e as do Digno Par o Sr. Alpoim.

CS. Exa. não reviu).

O Sr. Pimentel Pinto: - Sr. Presidente, duas palavras apenas.

O partido regenerador resolveu não suscitar n'esta camara a questão politica, sem que previamente sobre ella se tenha pronunciado a Camara dos Senhores Deputados. De accordo com esta deliberação, eu e os meus collegas d'este lado da Camara abstemo-nos n'este momento de apreciar as declarações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, e tambem não discutimos agora, nem a constituição do Gabinete, nem o seu programma, com o qual, evidentemente, não estamos da accordo, pertencendo, como pertencemos, a um partido conservador.

O partido regenerador, porem, reserva-se o direito de discutir esse assumpto opportunamente, se julgar a sua discussão conveniente ou necessaria aos superiores interesses do Estado.

São estas, Sr. Presidente, as palavras que tenho a dizer em nome do partido regenerador.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Acaba de ouvir as declarações do Governo.

A sua attitude está antecipadamente traçada, visto que o partido a que tem a honra de pertencer, e de que é um dos dirigentes, tem a sua lei organica e tornou conhecido o seu programma por meio de larga propaganda.

O partido nacionalista dará o seu apoio ao que lhe parecer bom, e rejeitará, naturalmente, o que julgar mau para os interesses da nação, pois que para a defesa d'estes se instituiu, e não para cuidar de interesses pessoaes.

Não attende a pessoas, considera factos, sem querer saber da sua procedencia.

Definida assim a sua attitude, cumpre-lhe entrar na apreciação de factos importantes, dominantes mesmo nas actuaes conjunturas.

A crise que determinou a constituição do actual Gabinete surprehendeu o paiz. Sabe que, nos termos da Carta Constitucional, compete ao poder moderador nomear livremente os Ministros. Se essa disposição representa apenas um livre alvedrio não a discutirá. Mas não lhe parece que assim seja, e por isso pergunta a todos que e ouvem se a solução da crise a que allude seria a verdadeira. E preciso que todos que ali estão pugnem pelas prerogativas do poder legislativo, unico

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representante verdadeiro e legal da nação. A Carta Constitucional - e folgou de ouvir o Sr. João Franco pugnar pelo seu respeito - diz que a unica e efficaz salvaguarda das garantias individuaes reside no justo equilibrio dos differentes poderes do Estado.

Pois ha quasi dois annos que o poder legislativo é arrastado, escarnecido; não tem havido sessões regulares e o funccionamento das Côrtes está sujeito ao capricho, ao sabor, á vontade despotica dos Governos. Onde está então o justo equilibrio dos differentes poderes do Estado ? Ao poder moderador cabe manter esse equilibrio. E a sua funcção primacial. As Côrtes têem o direito e o indeclinavel dever de velar pela guarda da Constituição e do seu paiz. Pois em nome d'esse imperioso dever civico é que elle, orador, levanta a voz para dizer á camara, ao paiz e ao Rei, com acatamento sim, mas tambem com a hombridade e o desassombro dos antigos portugueses, que é necessario acatar as prerogativas do poder legislativo, que as Côrtes funccionem regularmente, de sorte que mio sejamos uma excepção em relação aos outros paizes constitucionaes.

O Sr. Presidente: - Lembra ao Digno Par que é a hora de entrar na ordem do dia.

O Orador: - N'esse caso pede a S. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que elle, orador, continue no uso da palavra.

(Consultada a Camara, resolve esta que o Digno Par Sr. Jacinto Candido continue falando).

O Orador: - Torna-se necessario que o poder legislativo não continue a representar o papel de mera chancella do poder executivo. lia uns tempos para cá que, após o discurso da Coroa, nos mandam embora, sem ao menos esperarem pela nossa resposta. Esta situação, unica, representa um verdadeiro estado de revolução, por ser a violação anarchica das disposições legaes.

E mister dizer a verdade, embora com acatamento e sem levantar questões pessoaes, que, sendo irritantes e deprimentes, dislocam a discussão dos verdadeiros interesses vitaes do paiz. Mas do que se trata agora é de uma questão de principios.

O programma do partido nacionalista declara a necessidade de manter-se a autonomia entre os differentes poderes do Estado e o legislativo, que deve regular-se pela sua auctoridade propria, e não pelos caprichos de quaesquer Governos.

Ultimamente só tem visto o engrandecimento do poder executivo com dictaduras, adiamentos, dissoluções e auctorizações parlamentares. Com eleições feitas e sem que se esperasse pela convocação das Côrtes, tem visto ainda derrubar Ministerios. Bem sabe que El-Rei não podia suspender a continuidade do poder executivo, mas tudo indicava que na actual conjuntura se houvesse organizado um Ministerio de caracter extra-partidario e que, após, ouvidas as Côrte, fosse então adoptada uma solução definitiva do problema politico. Pois não era isto que havia a fazer? Como se explica que já se apregoe a necessidade de dissolver as Côrtes?

N'um discurso por elle, orador, proferido n'esta Camara em 13 de fevereiro de 1903, já ventilara a mesma questão e chamara a attenção do Monarcha para tal assumpto. Recorda-se ainda das palavras então proferidas pelo Sr. José Luciano, quando S. Exa. mostrava o perigo de recorrer amiudadamente aos favores da Corôa para que os factos pessoaes não ficassem tão a descoberto.

Apoiara então S. Exa., e o apoio assim prestado subira de ponto quando o Sr. José Luciano protestava contra a falta de respeito pela Constituição, chegando a declarar que se tudo não entrasse em vida nova abandonaria a sua carreira politica.

Triste decepção! Novamente chamado aos conselhos da Corôa o Sr. José Luciano, o poder legislativo ainda era peor tratado, escarnecido, adiadas e dissolvidas as Côrtes, que não chegaram a funccionar senão para dar ensejo ás verrinas do Sr. José Luciano contra os dissidentes, e d'estes contra o Sr. José Luciano. E foi para isto que os nossos maiores derramaram sangue nas luctas da liberdade?!

As incoherencias são terriveis nos seus effeitos. Lá temos agora o Sr. José Luciano a prestar apoio ao Sr. João Franco, o que deve ser para o orgulho politico do Sr. Presidente do Conselho o seu maior triumpho.

Vae já longe o tempo em que na politica portugueza tinha curso o axioma de que o Rei era a força. Pois a elle, orador, parece lhe que nunca como hoje tal axioma tem cabimento. Teem os Reis os seus logares marcados nas Constituições, mais ai d'aquelle que saía fora da sua esphera de acção!

O Sr. Presidente: - Lembra ao orador que tem de restringir-se propriamente ao assumpto.

Vozes: - Não saíu da ordem.

O Sr. Presidente: - O Digno Par não pode discutir a pessoa do Rei.

O Orador: - Tem, como todos, o mais subido respeito pela pessoa do Rei. Mas está discutindo actos e não pessoas, e d'esse direito não prescinde. (Apoiados dos Dignos Pares Srs. Sebastião Baracho e José de Alpoim). O que acaba de dizer já antes o dissera no discurso a que ha pouco se referiu.

O Sr. Presidente: - Satisfaz-se com as declarações do Digno Par.

O Orador: - Desculpe a Camara o seu ardor, mas é que vem tonificado pelo ar das montanhas onde esteve, e d'ahi o parecer talvez rude. As considerações que acaba de fazer, já o Sr. José Luciano as expusera n'esta mesma Camara.

Sempre que a Corôa saía da orbita de acção que lhe está marcada, entra no dominio da discussão, passa a ter responsabilidades moraes, que não podem ser julgadas por quaesquer processos ordinarios, mas sim extraordinarios.

Ha de sempre pugnar pelas regalias do poder legislativo. Tinha feito a si mesmo a promessa de que, aberto o Parlamento, ali as viria defender, fossem quaes fossem as circumstancias. Desempenha-se pois d'essa promessa.

Pelo que respeita ao programma do Governo aguarda, para discutil-o, a resposta ao Discurso da Corôa, se acaso agora não continuar a ficar sem resposta como tem acontecido aos ultimos...

O Sr. Sebastião Baracho: - Já ha três, nessas circunstancias.

O Orador: - Então dirá o que entender, embora declare desde já que folga em ver no programma do Governo mencionadas algumas das medidas que fazem parte do programma politico do seu partido, taes como descentralização administrativa das colonias, independencia judicial e reorganização das forças de mar e de terra.

Poderão ter parecido descabidas as considerações que acaba de fazer, mas, como ultra-conservador que é, não pode deixar de apregoar o respeito á lei, visto que abandonado esse caminho se entra na anarchia e para ahi é que o não arrastara nem a sua indole nem as suas convicções.

Quer o respeito á lei, pois a força que d'elle deriva é a unica capaz de amansar as ondas revoltas da mais violentos despeito". Falou em nome da lei e dos interesses conservadores.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Tres Dignos

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Pares usaram da palavra em seguida á apresentação, que eu tive a honra de fazer, do Ministerio, e ás affirmações respeitantes ao que constitue o programma do Governo a que tenho a honra de presidir.

Usou da palavra, em primeiro logar, o Digno Par o Sr. Marquez de Pombal.

Tenho a agradecer a S. Exa. a maneira por que se dirigiu ao Governo.

Possue o Digno Par um elevado caracter, tão distincto pela sua independencia, como pela sua sinceridade. Oxalá que o procedimento do Governo alcance ininterrompidamente a approvação de S. Exa., porque isso não importará unicamente o voto autorizado de um illustre membro d'esta Camara, mas evidenciará que a opinião publica nos dá o seu apoio.

Em seguida usou da palavra o Digno Par o Sr. Pimentel Pinto, e falou S. Exa. por forma a não poder ser tomada como individual a sua declaração, mas representando manifesta, declarada e politicamente a attitude do partido regenerador em presença do Governo.

Sinto não ver aqui o chefe d'esse partido, o Sr. Hintze Ribeiro; e sinto-o, pelos motivos que d'aqui o afastam.

Se esses motivos compungem justificadamente o coração dos seus amigos,, não menos me compungem a mini.

Ha cinco annos que nós andamos politicamente separados; mas anteriormente estreitos laços nos uniram n'uma intimidade pouco vulgar.

E, Sr. Presidente, a mocidade não volta; mas eu nunca poderei esquecer, sejam quaes forem as contingencias e os accidentes que se me deparem, aquelles ao lado de quem me encontrei no começo das lides parlamentares, e ao lado de quem experimentei alegrias, e supportei agruras e dificuldades.

Sinto, pois, profunda e sinceramente que o Sr. Hintze Ribeiro aqui não esteja, e sinto-o por saber a razão que determina a ausencia de S. Exa.

Mas o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, a quem as noticias dos jornaes officiosos conferem a direcção do partido regenerador, durante a ausencia do seu illustre chefe, usou da palavra n'esta Camara, e fel-o por uma forma que em nada corresponde á esperança, ou desejo, que eu tinha manifestado.

Disse já aqui, e repito, o Ministerio, muito embora até este momento, que eu saiba, não tenha tido occasião de se assegurar, por qualquer acto, de qual a attitude da outra casa do Parlamento, julga comtudo que ella lhe não será politicamente affecta, desde que a sua maioria sahiu de umas eleições a que procedeu o partido regenerador.

Entendo, pois, que não devo contar com a confiança politica de uma Camara, cuja maioria é adversa ao Governo; mas expondo razões de ordem publica, fundamentalmente importantes para os interesses nacionaes, entendo tambem que essa Camara me não devia recusar o seu apoio para a execução de duas medidas de caracter administrativo.

Esperava que esse apoio me não fosse negado, tanto mais desde que eu havia sido o primeiro a frizar que o Governo vinha com o empenho sincero de fazer administração, deixando em plano inferior as questões de caracter estrictamente partidario e politico.

Mas o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, em nome do partido regenerador, nem uma palavra proferiu acêrca d'essas duas questões de caracter administrativo, tão urgentes, como são o orçamento e os tabacos, e limitou-se a dizer que esse partido reservava qualquer debate para a outra Camara.

Quando o chefe do Governo falava em administração e interesse publico, quando se referia á necessidade de discutir e approvar um orçamento que era, evidentemente, da sua responsabilidade, porque os diplomas officiaes são da responsabilidade de quem os apresenta,, mas elaborado pelo Governo transacto; quando se mostra a conveniencia de discutir o contrato dos tabacos, celebrado por este Governo, sim, mas nos precisos termos em que o deixara o Ministerio anterior, o Sr. Pimentel Pinto responde pela forma que ouvimos.

A resposta, pois, de S. Exa. foi completa, cabal e categorica.

Por aqui já o Digno Par Sr. Jacinto Candido vê que o Governo tem no seu programma o respeito pelas praticas de um verdadeiro systema representativo, porque onde o poder legislativo se amesquinha não ha a liberdade.

Ouvi o eloquente e alevantado discurso do Digno Par e penso exactamente como S. Exa., porque fui victima da falta de um bom regimen representativo.

Depois de 15 annos de lucta, vi-me esbulhado dos meus direitos, e posto de lado sem a menor contemplação pelos meus serviços e pela sincera honestidade com que sempre procurei ser util ao meu paiz.

Pela falta de regimen parlamentar, estive quatro annos afastado de uma situação que eu havia adquirido á custa do meu esforço e da minha dedicação, não porque eu tivesse perdido a confiança dos eleitores que ininterruptamente durante um largo periodo de tempo m'a tinham manifestado; não porque a elles repugnasse a orientação a que eu me havia subordinado; mas porque assim aprouve ao poder executivo, que a seu talante alterou a lei eleitoral de forma a tornar improductiva qualquer lucta.

Quero e desejo que o systema representativo volte ao seu regular funccionamento, quero e desejo que elle se pratique como se praticava ha 40 annos e ainda como se praticava ainda no começo da minha carreira parlamentar, e n'isto vae um serviço ao paiz e ás instituições, porque Parlamento que não represente a opinião publica não é Parlamento: é uma oligarchia. (Apoiados).

O meu liberalismo não é doutrinario; é um liberalismo de experiencia.

É preciso, é indispensavel que esta machina funccione com a maxima regularidade e que o paiz veja em nós uma força, posta ao serviço dos seus interesses, e não de forma alguma um instrumento, posto ao serviço de quaesquer ambições.

Para trabalhar n'este sentido estou hoje, como estarei no resto da minha vida.

Estou intimamente resolvido, quer como chefe de Governo, quer como chefe de partido, quer como Deputado? quer como simples particular, em não me desviar nunca d'esta senda, que conduz aos verdadeiros interesses do paiz e á manutenção das instituições, a quem presto homenagem, por julgar ligada a ellas a independencia do meu paiz.

Mas, Sr. Presidente, quando eu mostrava o desejo de entrar n'esta senda, que eu desenhei por uma forma tão clara e nitida, houve o cuidado de se não me responder, de evitar uma resposta, sem se ver que essa falta de resposta era de si bastantemente eloquente.

Sr. Presidente: alludiu o Digno Par o Sr. Jacinto Candido á prerogativa da Corôa, que lhe dá o direito de escolher livremente os seus Ministros.

N'essa parte, não quero discutir a questão no terreno em que S, Exa. a collocou, nem quero, não direi fazer censura, mas ainda o mais pequeno reparo ás suas palavras, porque não tenho a honra de ser membro d'esta Camara.

A Coroa tem o direito livre de escolher os seus Ministros; mas os escolhidos podem ou não acceitar; mas desde que acceitam, assumem immediatamente a responsabilidade d'esse acto.

O chefe do Governo, e aquelles que o acompanham, são responsaveis, perante o Parlamento, da maneira como se desempenham da elevada missão que a confiança da Coroa lhes quiz dar, e, portanto, não ha que discutir, nem os actos da Coroa, nem as suas prerogativas.

Não solicitei a honra do alto cargo que estou occupando. Só por uma forma a procurei: pela propaganda das mi-

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nhãs ideias, affirmando os principios do meu partido nas reuniões dos meus centros e em todos os pontos do paiz. Foi em virtude de uma propaganda intensiva e extensa de cinco annos, que eu pude criar em volta do meu nome, e do meu partido, uma atmosphera de con fiança, e foi d'essa propaganda que resultou a indicação constitucional para que a Corôa, usando da sua prerogativa, me chamasse a organizar Gabinete.

Quando essa suprema honra me foi dada, creia o Digno Par, não me envaideci. Acceitei-a porque nas circumstancias em que se deu a crise politica todos entenderam que não havia solução possivel dentro dos resultados das ultimas eleições, e o primeiro a ser d'esta opinião foi justamente o chefe do partido regenerador, que no ultimo conselho de Ministros resolveu pedir á Corôa a sua demissão.

Acceitei, portanto, a missão de formar Gabinete.

Se a minha administração for util ao paiz, o reconhecimento d'esse facto honrará o meu partido, e justificará a confiança que em nós depositaram. Se, pelo contrario, não soubermos correspondera essa confiança, não ha duvida de que mal foi que fossemos chamados, e mal foi que tivéssemos acceitado um encargo, n'este momento, mais do que nunca, espinhoso e difficil.

Sr. Presidente: peço desculpa a V. Exa. e á Camara de ter tomado n'esta discussão um calor que se justifica inteiramente ou, pelo menos, se perdoa pela absoluta sinceridade com que falo, e ainda pela tristeza e contrariedade profunda que me produziu a maneira por que o partido regenerador correspondeu ás minhas palavras e apellos. A opinião publica, na qual o Governo procura orientar os seus actos, e buscar a força precisa para levar a bom termo a tarefa que se impoz, julgará quem n'este momento mais e melhor corresponde aos interesses do paiz.

Quando ámanhã, em todo o paiz, por meio da imprensa periodica, se conhecer a attitude do partido regenerador, esse tribunal verá quem é que n'este momento corresponde ás necessidades instantes da situação que o paiz atravessa: se o Governo, que quer, dentro da legalidade, defender os interesses financeiros e o bem do paiz, ou quem quer levar tudo para o debate politico. (S. Exa. não reviu).

O Sr. José Luciano de Castro: - Pedi a palavra simplesmente para dizer a V. Exa. e á Camara que tanto eu como os meus amigos poéticos estamos dispostos, não só a não criar difficuldades ao Governo, mas a auxilial-o e apoial-o na realização do seu programma. Em poucas palavras eu explico as razões que determinam esta nossa attitude.

Tendo pedido a demissão o Ministerio da minha presidencia, realizou-se pouco depois a approximação da concentração do partido regenerador-liberal e do partido progressista, da qual resultou um accordo sobre bases e ideias communs aos dois partidos. Apoiados do Sr. Presidente do Conselho).

Estas bases são:

Primeira: - Uma reforma eleitoral tendo por principio fundamental a eleição de deputados por circulos uninominaes.

Segunda: - Uma lei de responsabilidade ministerial tendente a tornar effectiva a responsabilidade dos Ministros pelos abusos ou crimes que pratiquem.

Terceira: - Uma reforma profunda na contabilidade publica, por maneira a que seja assegurada a fiscalização das despesas do Estado.

Sobre estes pontos tomaram os dois partidos compromissos, que certamente hão de ser mantidos, e que não excluem o nosso apoio a outros pontos do programma ministerial que se harmonizem com o programma do partido a que pertenço.

Feito e estabelecido o accordo n'estes termos não hesitamos em dar o nosso apoio sincero e leal ao novo Governo, confiando inteiramente em que elle realizará o fim que tem em vista, e que se contem no programma que apresentou.

Só me resta dizer que a approximação de que resultou a concentração liberal não foi uma fusão partidaria, mas sim uma alliança entre os dois partidos, inspirada no interesse publico sem prejuizo da independencia e autonomia de cada um dos partidos. (Apoiados do Sr. Presidente do Conselho).

E esta a declaração que julgo conveniente e opportuno fazer aqui n'esta occasião para definir a attitude dos meus amigos perante o Governo. Tenho dito. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco): - Pedi a palavra, não para confirmar as palavras proferidas pelo Digno Par o Sr. José Luciano de Castro, pois ellas não carecem de confirmação e eu acompanhei-as com inequivocos signaes de acquiescencia, mas tão somente para agradecer a S. Exa. o apoio que S. Exa. promette ao Governo, para o cumprimento do programma que apresentámos ao paiz.

(S. Exa. não revive ).

O Sr. Sebastião Baracho: - Deu o Digno Par o Sr. Pimentel Pinto a preferencia á Camara Electiva para levantar a questão politica; e todavia, o seu chefe, o Sr. Hintze Ribeiro, cuja ausencia eu lamento pelo motivo que a determina, affirmava, na sessão de 5 de fevereiro ultimo, que não havia preferencias entre as duas Camaras, cujos direitos eram iguaes.

Ao mesmo tempo, o Sr. Pimentel Pinto, pela forma como se expressou, claramente pôz a questão politica, e assim o entendeu o Sr. Presidente do Conselho, na resposta que lhe deu.

Teremos, tudo o indica, mais um Discurso da Corôa lançado ao limbo, e que será o quarto a que esta Camara não responde. Admiro-me até de que o Digno Par o Sr. Jacinto Candido o não traduzisse por essa maneira, das palavras do leader regenerador. O Sr. Jacinto Candido, tão perspicaz, e de espirito tão culto, teve, permitta-me que lhe diga, credulidade assaz ingenua.

As assembleias politicas são para tratar assumptos da mesma Índole. Sempre assim o julguei, e por esse pensar tenho amoldado os meus actos.

Nos bons tempos das rijas pugnas parlamentares, os adversarios cumprimentavam-se, antes de cruzarem armas.

Nas epocas heroicas, os contendores, descendo á arena, não esqueciam, preliminarmente, a venia reciproca de cortezia. Ainda hoje, quando se appella para o campo da honra, as normas de esmerada educação não são olvidadas.

Eu cumprimento tambem os Srs. Ministros. A alguns prende-me amizade pessoal; para outros possuo sentimentos de estima; e a todos dispenso o meu respeito e cortezia.

Traçou-lhes os perfis o Sr. Presidente do Conselho. A mim só me competia o encargo de os saudar. Acabo de o satisfazer.

Merece-me, porem, um reparo o sr. Ministro da Fazenda. Nos meus requerimentos, que publica hoje o summario das nossas sessões, lê-se, sob a rubrica - Pelo Ministerio do Reino o seguinte:

"25.° Publicação no Diario do Governo de todos os documentos e peças do processo instructivo do decreto de 27 de março de 1884, respeitante á naturalização, como subdito português, do Sr. Conselheiro Ernesto Driesel Schrõter, e cuja reproducção na integra, na Folha Official, igualmente requeiro, visto n'ella ter apparecido apenas o seu resumo, constante do despacho inserto no Viario do Governo n.° 77, de 4 de abril do citado anno.

26.° Nota sobre se o mesmo Sr. Schrõter cumpriu o estatuido no artigo 113.° da Carta Constitucional; e, no caso affirmativo, designação da freguesia e anno em que foi recenseado, e dos motivos que o dispensaram do ingresso nas fileiras militares".

Pela leitura que acabo de fazer, a Camara reconhecerá quão urgente é a publicação dos documentos requeridos, a fim de que o paiz se fixe devida-

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mente, acêrca da legalidade, ou da ilegalidade com que o Sr. Conselheiro Schrõter occupa logar na bancada ministerial.

É S. Exa. um intruso?

Convem apural-o sem delongas. Assim o exigem os interesses nacionaes.

De posse dos esclarecimentos que solicitei, eu regularei o meu procedimento em conformidade com a convicção que elles me produzirem.

Posto isto, seja me licito dirigir-me ao Digno Par o Sr. Jacinto Candido, para lhe lembrar que S. Exa. escolheu a peor data para proferir o discurso a que hoje alludiu. Foi, se a memoria me não falha, em 13 de fevereiro de 1903. Não é verdade?

O Sr. Jacinto Candido: - É exacto.

O Orador: - Foi V. Exa. muito feliz em ser simplesmente desattendido nas suas reivindicações.

Pois não occorreu a V. Exa. que a data apontada é anniversaria da lei acelerada de 13 de fevereiro de 1896? Teve V. Ex a verdadeira sorte em não fruir, como premio, o envio para Timor.

Eu, que tanto tenho tratado d'esse assumpto, abstenho me sempre de o versar em data tão fatidica. Não me captiva na verdade uma deslocação náutica até essa colonia, na minha já avançada idade. N'esse dia, por precaução, nem com os meus botões falo; e tudo é pouco.

Occupou-se tambem o Digno Par do uso e abuso que se faz da confiança da Corôa.

Eu não chamo á autoria sobre a materia nenhum dos Ministros das transactas situações; - mas seja-me permittido registar apenas quantas vezes a confiança da Coroa foi prodigalizada em sete mezes.

Em 10 de setembro de 1905, o Sr. José Luciano obteve a confiança da Corôa, e fez o golpe de Estado d'essa epoca, com o encerramento tumultuario das Côrtes Geraes.

Em dezembro, obtem da Corôa nova confiança, e reorganiza o Ministerio.

Poucos dias depois, é contemplado ainda com a confiança real, e adia o Parlamento.

No começo de fevereiro, visita-o mais uma vez a confiança da Coroa, representada pela dissolução da Camara Electiva, para pouco depois lhe ser intimada ,a maxima desconfiança, com a demissão que lhe foi dada.

Alcança, em compensação, o Sr. Hintze Ribeiro a confiança da Corôa, que apenas se patenteia por 58 dias, para se ir refugiar em seguida no Sr. João Franco, o actual chefe do Governo.

E ou não demasiada distribuição de confiança por mercê da Coroa, em periodo tão curto?

Seis irmãos e todos Palhas,
e filhes de Palha pae,
somma total sete Palhas,
que palhada aqui não vae!

Assim designava a sua situação, no seio da familia, Francisco Palha, de humoristica memoria.

Pela minha parte, applico el cuento ás seis confianças dispensadas em sete mezes, tendo presente o sabio aphorismo:

Castigai ridendo mores.

Por esta maneira evito ler os artigos 10.° e 71.° da Carta, cujo desprezo tem sido completo, em presença de tal distribuição irradiativa da confiança a que tenho alludido.

Isto prova, Sr. Presidente, quanto tenho andado integrado com a verdade, quando proclamo que estamos mergulhados no mais exautorante absolutismo bastardo. Em condições similares, affirmava Madame de Staêl no começo do seculo passado:

"Em França o despotismo é moderno; a liberdade é que é antiga".

Pela minha parte, não me accusa a consciencia de ter contribuido, na minima parcela, para o estado deprimente em que nos encontramos. Reconhecendo em 1902 quanto avançavamos no caminho do despotismo, que nem já o ritual e a liturgia do systema representativo eram poupados, declarei aqui, n'esta casa, em 3 de janeiro, que, se tivesse assistido na véspera á sessão inaugural, teria ouvido sentado, como era meu direito, a leitura do Discurso da Corôa.

De facto, alguns membros do Parlamento e do poder executivo se tinham conservado de pé durante aquelle cerimonial.

O meu protesto surtiu os devidos effeitos. Não mais se praticou desacato semelhante, e no campo de igualdade, por todos guardado ulteriormente n'essa cerimonia, affirmam-se os direitos da soberania nacional, sem distincção de especie alguma.

Dito isto, eu não pretendo convencer o Governo da minha maneira de pensar; mas espero da sua cortezia que elle me ouvirá com attenção.

"O sabio, ouvindo, mais sabio fica e o avisado melhor administra".

É dos proverbios de Salomão. E apoiado por tal autoridade vou entrar francamente na materia do liberalismo ministerial, recordando que o Sr. Presidente do Conselho ainda ha pouco asseverava que era um liberal por experiencia.

Foi rude effectivamente o tirocinio politico de S. Exa. nos ultimos annos, o que não obsta a que eu o considere um liberal attenuado.

Nem sequer S. Exa. attinge ao restabelecimento das liberdades existentes no fim do anno de 1885, as quaes representam o minimo que pode exigir-se na actualidade.

E todavia nunca as disfructámos tão completas, como então.

Em 1886 começou a derrocada constitucional.

A anarchica dictadura d'essa epoca até envolveu no turbilhão o Codigo Administrativo de Sampaio, de 6 de maio de 1878, com o seu feitio essencialmente descentralizados Substituiu-o o codigo de 17 de julho de 1896, que, a seu turno, foi derogado pelo de 4 de maio de 1896, em que se sobreleva o famoso artigo 431.°, que estabelece a impunidade para os criminosos administrativos. Mais uma vez se verifica o conhecido conceito, extrahido dos psalmos de David:

- Abyssus abyssum invocai.

O Sr. Presidente do Conselho promette não usar, e derogar até, esse famoso artigo. Não é sufficiente. Impõe-se simultaneamente a feitura de um codigo que restabeleça as immunidades e regalias antigas ás corporações administrativas populares.

Demais, o Sr. Presidente do Conselho orienta-se no seu attenuado liberalismo por modo a deixar-me a seguinte impressão: na fórma, tem S. Exa. praticado actos, desde que ascendeu aos Conselhos da Coroa, que merecem a minha approvação; na essencia, fica muito a desejar, como evidenciarei pela narrativa dos factos.

E entretanto, tudo, tudo, S. Exa. podia incluir no seu programma, quando foi chamado para constituir Ministerio. Coube lhe essa missão em ultimo extremo, consoante o demonstram os factos dos derradeiros tempos.

Se fosse verdadeiramente um convicto, em liberdades amplas, o Sr. Presidente do Conselho teria aproveitado a occasião; e pode crer que não mais ella se lhe apresentará tão propicia. Confirma-o a experiencia de todas as epocas; confirma-o a Historia.

Sr. Presidente: recomenda-se na forma o programma ministerial, por providencias como a do consentimento na representação popular ás Camaras, verificada no dia da sua abertura. Torna-se urgico, porem, que tal garantia tenha a sancção devida, em diploma legal, para que, com as mudanças de Gabinete, não experimente fluctuações

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a affirmação de um direito tão respeitavel, como o que foi exercitado recentemente.

Com respeito á altitude ministerial para com os empregados publicos, muito se tem escripto; mas ainda não vi resolução alguma adoptada oficialmente.

Eu tenho no assumpto opinião, por mais de uma vez definida. Entendo que não pode experimentar cortes, nos seus minguados haveres, o funccionalismo modesto que trabalha. Pelo contrario,, é indispensavel retribuil-o por modo a não o depauperar pela fome, como succede na actualidade.

Associadamente, não admittem delongas os cortes a realizar nas prebendas de nepotes e afilhados, - dos que cobram pingues e multiplices gratificações, no desempenho de variados logares.

Extingam-se as sinecuras, e não se tolerem multiplicações, nem sequer duplicações de empregos. Com semelhante medida, vasada pelo mais estricto legalismo, muito lucrariam o serviço publico e a moralidade.

Convem ter presente que ainda se encontra em vigor a lei espoliadora de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1902, que devia subsistir apenas um anno. Durante o longo periodo da sua odiosa existencia, teem-se commettido os maiores abusos e esbanjamentos, sem a minima contemplação para com os esbulhados, e com a acquiescencia, se não com o applauso, dos mais alentados orcamentivoros, cujo desprendimento é facil simular, attenta a sua devorista e excepcional situação.

Acabe-se com a lei de 26 de fevereiro, dando-se por essa maneira legitima reparação aos prestamistas e funccionarios honestos do Estado. Por esta reforma insto, e instarei, parallelamente com as advertencias que faço para que a economia bem ordenada e o trabalho adequadamente retribuido se tornem em util realidade - em apanagio do poder.

Sr. Presidente: merecem-me tambem especial attenção as medidas adoptadas, de caracter tolerante. Entre ellas mencionarei, em primeiro logar, uma em que tive interferencia. Deu-me o Sr. Presidente do Conselho a honra de me procurar em minha casa, no dia 19 do mez passado; e eu? aproveitando o ensejo que me proporcionava a sua visita, pedi-lhe:

Que melhorasse a installação dos presos, indisciplinados da marinha, que se achavam em S. Julião da Barra, em pestilentas masmorras;

Que decretasse uma amnistia tão lata quanto possivel;

Que repatriasse todos os deportados pela lei cruel de 13 de fevereiro de 1896.

Pensava, por certo, o Sr. Presidente do Conselho nas duas ultimas pretensões. Não tenho a fofa vaidade de suppôr que fui eu que lh'as suggeri.

Lembrando lh'as, tive apenas em vista affirmar as minhas ideias, referentemente ás providencias a adoptar, com feitio de acalmação.

Pelo que respeita á restante, forneci ao Sr. Presidente do Conselho um documento, datado de 23 de abril, e que determinou a benevolencia de S. Exa. É d'este teor:

"Para satisfazer ás prescripções do regulamento do serviço de saude do exercito, cumpre-me declarar que as prisões da Praça de S. Julião da Barra não teem condições hygienicas que permittam ser habitadas por homens. Ha muito condemnadas pelo grave risco que n'ellas corre a vida dos que as habitam, já mostram a sua acção perniciosa na angina de caracter infeccioso que attingiu o primeiro grumete n.° 8:169, Joaquim Paulo Cancio, do corpo de marinheiros da armada. Algumas das praças que hoje lá se encontram, regressadas ha pouco do ultramar em manifesto estado de decadencia physica e que ha pouco tempo ainda estiveram no gozo de licença da Junta de Saude Naval, correm risco de vida ou pelo menos de inutilização pela acção deleteria da humidade de prisões infectas.

Institui tratamento para, tanto quanto possivel, evitar os effeitos de tão nocivos carceres, mas receio a sua pouca efficacia pelos motivos apontados. Eis o que me cumpre fazer chegar ao conhecimento de V. Exa., em cumprimento dos meus deveres profissionaes e para cumprimento das obrigações do meu cargo. = Jacinto da Costa Miranda, capitão medico".

Como me chegou ás mãos o documento cuja leitura acabo de fazer?

Como tantos outros que me são enviados por desgraçados e opprimidos, que me arvoram em seu procurador.

Commandei soldados por bastante tempo, e nunca tive necessidade de propor para conselho de guerra um meu subordinado, a despeito de ser inflexivel em assumptos de disciplina. Mas, conjuntamente, repugnavam-me os expedientes deshumanos, e é por isso que eu felicito o Sr. Presidente do Conselho por ter attendido o meu pedido, cujo fundamento S. Exa. desconhecia.

Concernentemente á amnistia, lamento que ella se limitasse apenas á imprensa. Merecia esta, entretanto, ser alvo de todas as preferencias, quando as houvesse, perante a perseguição desusada, impropria, violenta, de que ella estava sendo objecto, no regimen ad terrorem, que prevalecia.

A imprensa, n'um paiz como o nosso, cujo Parlamento tem estado, por assim dizer, encerrado nos ultimos dois annos, é a unica valvula de desabafo e protesto que encontram os povos opprimidos como o está o povo portuguez.

Sr. Presidente: não attendeu infelizmente o Chefe do Governo a minha petição respeitante ao repatriamento de todos os attingidos pela lei barbara de 13 de fevereiro.

Praticou S. Exa. com isso uma assignalada injustiça. Entre nós, anarchistas de verdade, anarchistas pelo facto, só conheço alguns Ministros da Corôa. Esses, sim, que attentam contra a Constituição, attentam contra as leis, attentam contra as praticas consuctudinarias mais recommendadas, attentam contra tudo e contra todos. Nem uma lei de responsabilidade ministerial ha para os chamar á comprehensao dos seus deveres mais rudimentares.

No caso sujeito, haveria a attender, para que a magnanimidade se fizesse sentir em mais larga escala, que eu tenho recebido informações certificando-me que alguns deportados nem a julgamento judiciario foram submettidos. Da Bastilha da Estrella seguiram directamente para o desterro, arbitraria e autocraticamente.

É possivel que a lei perversa, de que é banida até a salubre interferencia do jury, seja deturpada, pela sua suposta insufficiencia?

Não o posso assegurar peremptoriamente; e é por isso que, tanto pelo Ministerio do Reino, como pelos Ministerios da Justiça e do Ultramar, pedi esclarecimentos, cuja remessa, sem demora, solicito n'este momento, a fim de que eu forme juizo seguro acêrca de uma questão de toda a magnitude, qualquer que seja o prisma por que for encarada.

Sinto, Sr. Presidente, não dispor de tempo para mais desenvolvidamente analysar os assumptos de que me tenho occupado e ainda alvejar outros, como o restabelecimento das ordens religiosas, pelo decreto de 18 de abril de 1901, cuja derogação está no espirito de todos os que prestam culto á saudavel doutrina consubstanciada no decreto de 3 dê setembro de 1759, do grande Marquez de Pombal, e no decreto de 28 de maio de 1834, de Joaquim Antonio de Aguiar. Poderia, para tal fim, ficar com a palavra reservada; mas tudo me indica que nada lucraria com esse expediente, conforme as observações que fiz ao iniciar a minha oração.

Sr. Presidente: visto que de actos de altruismo me occupei, que podem ter reflexo no Ministerio do Ultramar, ao titular da respectiva pasta tomo a liberdade de lembrar a necessidade de ser indultado um criminoso que se encontra em Timor. Praticou um acto nefando, sem attenuantes, e foi-lhe por isso applicada, a pena de morte, cujo passamento em julgado conta dois annos. Ha pouco mais de um anno foi condemnado tambem á morte um soldado, que hoje expia a sua culpa no presidio de Santarem.

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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE JUNHO DE 1906 21

Por bastante tempo esteve este sem lhe ser applicado o indulto. Os dois eram conhecidos - desculpe-se o paradoxo - pelos fuzilados vitalicios.

O da metropole deixou esta situação pelos ultimos perdões da Semana Santa. Todas as circumstancias de philantropia aconselham que, para o criminoso do ultramar, haja proceder identico ao que houve para o criminoso metropolitano.

Dito isto, e se passar a fazer a critica succinta da lei de 13 de fevereiro, insistirei pela indispensabilidade de ella ser riscada quanto antes do nosso codigo. As leis definem as epocas e os paizes que as adoptam. E de todos os tempos. Dracon (624 annos antes de Christo) elaborou-as com feição tão cruel que nem applicadas podiam ser. N'aquelles tempos primitivos, em que as legislações affirmavam a existencia por seculos, as de origem draconeana foram annulladas, vinte e nove annos depois, pelas leis de Solon, tão sabiamente formuladas que a sua existencia se prolongou por dilatado periodo, e hoje dispertam ainda respeito e consideração pelo seu autor.

O seu espirito é muito mais elevado e humano do que diversos diplomas da nossa legislação, e designadamente o decreto de 19 de setembro de 1902. Podia o Sr. Presidente do Conselho derogal-o desde já, e propor posteriormente, em projecto de lei, a abolição de todos os diplomas respeitantes á policia preventiva, exercida por magistrados judiciarios.

Por esses diplomas reconhece-se quanto é intoleravel a situação presente. Assim o decreto dictatorial de 28 de agosto de 1893 estabelecia, pelo n.° 5. do seu artigo 24.°, que a vigilancia dos individuos suspeitos competia á repartição da policia de investigação. No n.° 1.° do artigo 27.° investia-se o juiz instructor no arbitrio de ordenar a detenção d'esses individuos.

Esta inqualificavel attribuição, de retinto despotismo, foi expungida da nossa legislação, pela lei de 3 de abril de 1896.

Pois o decreto de 19 de setembro restabeleceu-a, e aggravou-a!...

É inacreditavel, mas é um facto. - Muito baixo temos cahido!...

Sr. Presidente: Não existe peor escola, para quem tenha de julgar homens em justiça ordinaria, do que a que pode fornecer a pratica de um exercicio que se amolda pela suspeição, pela delação e pela espionagem.

Não sou eu só que o assevero, e affirmo repetidas vezes n'esta Camara. Outro membro d'ella, cujos merecimentos e idoneidade são incontroversos, assim o confessa egualmente. Refiro-me ao nosso illustre e respeitavel collega, o Digno Par Sr. Francisco José de Medeiros, que, em sessão da Camara electiva, aos 16 de março de 1903, se expressava assim:

"O regulamento de 19 de setembro é illegal, deprimente da dignidade da magistratura judicial, inconveniente e detestavel".

E sobeja razão tem o Digno Par para tornar tão explicitas as suas affirmativas. Basta para isso considerar que o decreto em questão é ainda mais abjecto do que a lei de 25 de junho de 1760, que organizou a Intendencia Geral da Policia.

Sr. Presidente: E o que direi eu relativamente ao desprezivel e desprezado funccionario, odiento e odiado, que na Bastilha da Estrella dá cumprimento ao infame decreto?

O Sr. Presidente do Conselho, com os seus assomos de legalista, faz uma excepção para ali conservar aquelle instrumento degenerado do funccionalismo, que enxovalha a magistratura.

É indiscutivel a legislação a tal respeito.

Como prova do que asseguro, notarei que o § 1.° do artigo 24.° da lei de 3 de abril de 1896 é a copia fiel do § 1.° do artigo 23.° do decreto dictatorial da 28 de agosto de 1893, e é concebido n'estes termos:

"O juiz de instrucção criminal será tirado do quadro da magistratura judicial, de qualquer das classes, e, para todos os effeitos, será considerado juiz de direito. Servirá por seis annos, ainda que mude de classe, podendo ser reconduzido, e terá o ordenado da classe, pago pelo Ministerio da Justiça".

Por outro lado, o decreto de 20 de janeiro de 1898 dispõe:

"Artigo 14.° Os serviços pertencentes ao Juizo de Instrucção Criminal ficam a cargo de um magistrado...

Art. 15.° A direcção dos serviços de que trata o artigo antecedente será exercida em commissão por um juiz de direito de instrucção criminal, que o Governo nomeará de entre os juizes de 1.ª classe, sem prejuizo de antiguidade nem de promoção".

E o que direi do seu substituto e dos seus dois auxiliares?

Que todos tres disfructam, á semelhança do seu repugnante chefe, chorudos estipêndios, cuja legalidade é contestada, com bons fundamentos; - que todos tres estão acobertados pelo degradante regimen de excepção que suculenta e indevidamente os remunera.

Sr. Presidente, que causas determinam o Sr. Presidente do Conselho a esquecer as suas solemnes promessas, e a trilhar por forma tão significativa pelo caminho da illegalidade?

Supporá S. Exa. que poderá levar a bom termo essa sua tentativa de deixar em vigor legislação tão condemnada, e, em exercicio d'ella, serventuarios indiscutivelmente desqualificados?

Creia S. Exa. que não é supportavel, nem permittido em pleno seculo XX, que se mantenham manchas na administração publica, como as que ficam enumeradas.

Se pela pratica de processos de moderada tolerancia alguem abriga a esperança de que as pretensões legitimas, de mais largas vistas, desarmem, labora n'um completo engano. No estado a que chegaram os negocios publicos, não se pode parar. Desperdiça, o seu latim quem procure contrariar o progresso no seu andamento inexoravel, impulsionado peles exemplos que nos chegam até do Norte, onde dez seculos da mais accentuada tyrannia não puderam apagar a dignidade, a iniciativa e o vigor de um povo.

Pense e medite n'isto quem tem de pensar e meditar na superintendencia dos negocios publicos.

Faça se o regresso, e quanto antes, á legislação liberal de 1885, em todas as suas minucias, e caminhe-se sempre em conformidade com a evolução civilizadora que o tempo vae desenvolvendo, tendo o principal apoio na sciencia e na soberania popular.

Por este modo, e só por elle, se me afigura que se poderão evitar transtornos e abalos, cuja imminencia é manifesta.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora. A seguinte será amanhã e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje, e a continuação d'este incidente.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 4 de junho de 1906

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes, de Alvito, de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, de Sousa Hoistein, Arcebispo-Bispo de Portalegre; Condes: do Bomfim, do Cartaxo, de Casiello de Paiva, de Figueiró, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Sabugosa, de Tarouca, de Villa Real; Viscondes, de Monte-São, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Gare-

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22 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pôs Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Tavares Proença, Ressano Garcia, Almeida Garret, Jacinto Candido, D. Joio de Alarcão, João Arroyo, Gusmão, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Raphel Gorjão, Sebastião Dantas Ba racho, Deslandes Correia Caldeira, Wenceslau de Lima.

Os Redactores.

AURELTO PINTO CASTELLO BRANCO.

FELIX ALVES PEREIRA.

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