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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão em 7 de janeiro de 1868

presidencia do ex.mo sr. duque de Loulé vice-presidente supplementar

Secretarios os dignos Pares Marquez de Sabugosa

Visconde de Soares Franco

Estavam presentes o sr. presidente do conselho conde d'Avila, encarregado tambem dos ministerios do reino e dos negocios estrangeiros; o sr. ministro da justiça visconde de Seabra, o sr. ministro da fazenda José Dias Ferreira, o sr. ministro da guerra José Maria de Magalhães, o sr. ministro das obras publicas Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas, e o sr. ministro da marinha José Rodrigues Coelho do Amaral.

Pelas quatro horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 25 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Marquez de Sabugosa): — Mencionou a seguinte

Correspondência

Um officio da presidencia do conselho de ministros, participando, para conhecimento da camara dos dignos pares do reino, que tendo Sua Magestade El-Rei, por decretos datados de hontem, concedido a exoneração que lhe pedíra o ministerio presidido pelo conselheiro d'estado effectivo Joaquim Antonio do Aguiar, houve por bem, por decretos da mesma data, nomear para os cargos de presidente do conselho de ministros e ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, o encarregado interinamente da pasta do ministerio dos negocios do reino, o par do reino conde d'Avila; dignando-se outrosim nomear para o ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça o par do reino visconde de Seabra, para o ministerio dós negocios da fazenda o deputado da nação portugueza José Dias Ferreira, para o ministerio dos negocios da guerra o general de brigada José Maria de Magalhães, para o ministerio dos negocios da marinha e ultramar o general de brigada José Rodrigues Coelho do Amaral, e para o ministerio das obras publicas, o conselheiro Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas.

Inteirada.

Um officio do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei tom resolvido receber, na proxima quinta feira, 9 do corrente, pela uma hora da tarde, no real paço de Belem, a deputação da camara dos dignos pares, encarregada de levar ao conhecimento do mesmo augusto senhor, que se acha installada a mencionada camara.

Para a secretaria.

Um officio do ministerio do reino, accusando a recepção do officio datado de 3 de janeiro corrente, participando achar-se organisada a mesa da camara dos dignos pares do reino, para a actual sessão legislativa.

Inteirada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Conde d'Avila): — Sr. presidente, estando a hora, como está, bastante adiantada, cumpre-me em primeiro logar agradecer a V. ex.ª e á camara a benevolencia que tiveram em esperar que nós podessemos aqui comparecer, para dar algumas explicações relativamente á organisação do actual gabinete e ao programma que elle pretendo seguir.

V. ex.ª e a camara sabem qual era a situação em que estava o paiz quando teve logar a ultima crise ministerial. Sua Magestade, depois de ter procurado resolver esta crise por outros meios, fez-me a honra de me chamar para formar o novo gabinete. Eu, sr. presidente, em circumstancias normaes teria pedido respeitosamente a Sua Magestade que me dispensasse de tão honroso encargo; já disso isto mesmo na outra casa do parlamento, repito-o aqui, e não se pense que é por falsa modestia que o faço, é por um sentimento intimo que desejo manifestar: conheço todos os cavalheiros que compunham a passada administração, sei quanto valem pelo seu talento, illustração e patriotismo, e não me julgo nas circumstancias de os poder substituir com vantagem: não hesitei porém em aceitar o encargo, sendo anormaes, como são, as circumstancias; por julgar que o contrario importaria o querer subtrahir-me a um grande sacrificio. Organisei pois o gabinete com os cavalheiros que tenho ao meu lado. O nosso programma politico é o de todas as administrações que nos têem precedido desde que nos regem instituições liberaes; isto é, havemos de procurar manter em toda a sua integridade as instituições que felizmente nos regem, dando-lhes a interpretação a mais larga, a mais fiel, a mais conforme com as necessidades da civilisação da epocha actual.

Ha dois pontos, sr. presidente, sobre que a camara desejará de certo saber em especial a opinião do governo; esses dois pontos são as medidas ultimamente promulgadas que encontraram no paiz tantas repugnancias: fallo das leis da organisação da administração publica, e da que creou o imposto de consumo. Emquanto á lei de administração civil, nós reconhecemos que n'ella ha principios que seria hoje inconveniente desprezar, e que ha uma parte importante da mesma lei que já está em execução. O que pretendemos pois fazer é pedir ás côrtes a necessaria auctorisação para revêr essa lei, e remover os inconvenientes que a experiencia já tem feito conhecer e se possam oppor á sua execução.

Não acontece o mesmo com relação ao imposto de consumo; pois a nossa convicção intima é que a essa lei não se pôde dar execução, e por isso somos forçados a apresentar ao parlamento uma proposta para a sua revogação.

O governo, sr. presidente, não deixa de reconhecer o estado pouco satisfactorio das nossas finanças; ha um desequilibrio entre a receita e a despeza, o é necessario que esse desequilibrio desappareça; para esse fim havemos fazer nos diversos ramos da administração publica todas as economias que as necessidades do serviço comportem.

Havemos introduzir no systema de cobrança todos os melhoramentos que forem possiveis, de maneira que esta se torne menos vexatoria e mais productiva. Procuraremos tambem adoptar as necessarias providencias para fortalecer o nosso credito; e declaro á camara que uma das que considero que mais ha de concorrer para esse fim será o habilitarmo-nos a dar prompta e larga execução á lei de desamortisação, da qual devem resultar immensas vantagens para os estabelecimentos comprehendidos n'essa lei, a qual concorrerá tambem muito efficazmente para o augmento da riqueza publica, e melhoramento do valor dos nossos titulos de divida fundada. Não me lisonjeio de que com estas medidas faremos desapparecer o deficit; mas afigura-se-me que, pondo nós em pratica essas providencias com a lealdade de que somos capazes, o paiz se não recusará aos sacrificios que forem indispensaveis para collocar a nossa fazenda n'um estado normal, como é indispensavel para podermos continuar os melhoramentos materiaes...

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Materialmente fallando.

O Orador: — Este é o pensamento geral da administração, e lisonjeamo-nos do que para o levar a effeito havemos do ter o concurso dos illustres membros das duas casas do parlamento.

O sr. Costa Lobo: — A gravidade da conjunctura em que o ministerio, que acaba do se apresentar á camara, toma conta dos negocios publicos, não póde ser demasiadamente encarecida. N'um paiz, como o nosso, em que é grande a penuria do thesouro, vacillante o seu credito, e escassa a educação constitucional, a gravidade do uma crise, como aquella que atravessamos, complica-se com a gravidade da situação geral. E sobre tudo isto sobrepõem-se as circumstancias lastimosas em que o governo transacto abandonou o poder..

Esse governo, depois de ter provocado, aggravado, avultado a indignação e o clamor publico pelos seus desacertos e obstinação intratável; quando o perigo por elle adjurado se levantou perante elle, e o confrontou face a face, esse governo desamparou o poder. Mas como operou elle essa retirada? Da mesma fórma que ha alguns dias, na capital da Inglaterra, certos homens, para libertarem um seu associado, fizeram, por via de uma explosão terrivel, chover a ruina em volta do si, assim os ministros passados para se salvarem e a sua responsabilidade, caíram, mas envolveram na sua queda o prestigio da corôa, a dignidade do poder legislativo, a força da auctoridade, e levaram o abalo até aos proprios fundamentos da ordem social. Caíram, mas não por meios constitucionaes, nem perante o parlamento. Caíram pela intimação da força, no atrio do parlamento, e perante as vaias populares. Estimo a sua queda; lamento a maneira por que caíram.

Homem que sempre lutei na opposição, não venho aqui vangloriar-me no meu triumpho, não venho aqui rever-me na realisação das minhas previsões, nem perseguir com as minhas accusações ministros que já não existem. Mas é conveniente que se registem estes factos, para que nos sirvam de lição para o futuro, e afastem de nós os perigos que nos ameaçam.

N'estas circumstancias 'o primeiro sentimento que nos deve dominar, em relação ao governo que se apresenta, é o da gratidão, por ter tomado sobre si encargo tão pesado, o rejeitado por hombros robustos e fortalecidos na lida dos negocios publicos.

' Em segundo logar offerece-se perguntar qual a marcha que seguirão na gerencia dos negocios publicos.

Sobre todas as difficuldades que nos cercam, sobre todos os males que nos avexam, sobreleva um problema, cuja solução constitue de per si uma doutrina politica completa, que profunda as suas raízes em todos os actos administrativos, que se consubstancia com todo o progresso moral e material d'este paiz, que se prende até com a nossa existencia nacional, porque eu não me arreceio nem de exerci-tos nem de invasões estrangeiras; mas o de que eu me arreceio são as crises, como aquella por que passamos, que' nos fazem perder a consideração, á sombra da qual podemos viver felizes, tranquillos, á face da Europa.

N'este ponto não posso deixar de dar os parabens a mim mesmo por ver á testa dos negocios d'aquella repartição um conselheiro, a par de quem eu militei na opposição, e que defendeu na outra camara exactamente as idéas que eu professo, com a differença que as defendeu com o talento, eloquencia e habilidade que o distinguem, diante das quaes eu voluntariamente me curvo.

O sr. ministro entra pois na posse do seu cargo de ministro da fazenda com um programma assentado e idéas definidas. Esse programma e essas idéas encontram-se nos seus discursos proferidos na outra casa do parlamento, na sessão do anno passado; discursos que, se até aqui tinham apenas o valor da sua palavra auctorisada, têem hoje o valor de documentos officiaes. A esse programma presto eu o meu apoio leal, sincero, enthusiastico, e sobretudo desinteressado; é por isso pois que eu recordo ao actual ministro da fazenda esse e outros dos seus discursos que ainda hontem tive o prazer de ler.

Confesso, sr. presidente, que, ao ver estampados o meu pensar e as minhas convicções nas palavras energicas e eloquentissimas do illustre ministro da fazenda, senti a alegria sincera do homem que está na vespera de ver realisados os seus votos mais caros, porque são os que se referem á prosperidade do seu paiz.

Vejamos pois qual o programma do sr. ministro da fazenda, e partindo do principio que ás questões de fazenda se devo dar preferencia, entende em primeiro logar que é necessario fazer grandes economias, e dar um golpe profundo nas despezas publicas, que é necessario reduzir os quadros e simplificar o serviço; e, na phrase pittoresca de s. ex.ª, levar o cutello das economias a toda a parte sem consideração alguma pessoal.

Primeiro principio. A camara estará talvez lembrada que são estas as idéas que defendi por occasião da discussão do imposto de consumo, discussão em que eu expuz que não se devia lançar imposto sem primeiramente se fazerem as economias compativeis com o bom serviço publico.

Segundo principio do. illustre ministro. Não se deve gastar um real improductivamente, e só sim com despezas productivas, e essas mesmas não se devem fazer sem primeiramente se crearem as receitas correspondentes, o não se deve emittir um titulo de divida publica sem se crearem os meios que hão de satisfazer o seu juro.

Sr. presidente, a camara tambem ha de estar lembrada que foi esta a doutrina que eu sustentei, com a differença que fui mais longe; o disse que, havendo um tão desproporcionado desequilibrio entre a receita e despeza do estado, emquanto se não conseguisse o equilibrio, em relação a essas mesmas despezas reproductivas, se não devia, por emquanto, attender senão aquellas, cujo immediato rendimento compensasse os encargos contrahidos; todavia eu aceito o principio do illustre ministro.

Terceiro principio do illustre ministro. Que nenhum ministro da fazenda, digno d'este nome, se deve apresentar ao parlamento sem um plano largo e combinado, em que indique approximadamente á nação a epocha em que ha de saír d'esta situação anormal.

Sr. presidente, a camara estará tambem lembrada de que eu na sessão passada accusei o illustre e honrado ex-ministro da fazenda, porque entendi que não tinha um plano certo de fazenda, e que não se soccorria senão a expedientes.

Tomei a liberdade de confrontar perante a camara as opiniões de illustre ministro da fazenda com as minhas, para justificar a adherencia sincera e leal que sou obrigado a dar á politica do ministerio.

Ainda mais. O illustre ministro da fazenda, não contente em apresentar estes principios, esforçou-se em os reduzir a resoluções praticas e a regras determinadas; o primeiro ponto financeiro relativo ás economias. Estas regras o estas resoluções estão consignadas n'uma proposta mandada para a mesa na camara dos senhores deputados, na sessão nocturna de 10 de junho de 1867. Peço a attenção da camara para esta proposta. Ella vae ouvir a proposta, exposição financeira do illustre ministro da fazenda, vae conhecer antecipadamente das medidas que s. ex.ª ha de apresentar ao parlamento. Podo s. ex.ª ter a certeza que ha de encontrar todo o apoio que lhe podem prestar as minhas debeis forças. Esta proposta está assignada pelos srs. Dias Ferreira e Paula Medeiros. A estes dois illustres nomes eu peço me seja permittido ligar o meu humilde nome. Passo a ler a proposta (leu).

Aqui está a exposição das idéas financeiras do illustre ministro, aqui estão os titulos por que s. ex.ª se senta n'aquelle logar, aqui está o penhor do seu credito como homem de bem e estadista honrado e de boa fé.

Sr. presidente, para que esta proposta fique sendo padrão das idéas do illustre ministro da fazenda, para que ella tenha as honras que merece, para que eu lhe possa afixar a minha assignatura, vou ter a honra de mandar para a mesa uma proposta para que a de s. ex.ª seja inserida na acta.

Sr. presidente, sendo a administração da fazenda o eixo em que gira a administração publica, e sabendo eu das idéas do illustre ministro da fazenda sobre as finanças, confesso que me é indifferente não conhecer as opiniões dos outros ministros, alguns dos quaes não tenho a honra de conhecer, nem pessoal nem politicamente, mas estou persuadido que estão á altura do logar a que foram elevados.

Não posso pois deixar de prestar o meu apoio ao actual ministerio, porque elle symbolisa as minhas idéas; e seria falta de coherencia, de boa fé e de honradez da minha parte se não desse o meu apoio a um ministerio que vem sustentar aquellas idéas, a favor das quaes eu propugnei na sessão passada.

Não tenho mais nada a dizer senão que espero que o sr. ministro da fazenda não desanime na realisação do seu programma, nem recue nunca diante dos clamores dos interessados, nem dos sarcasmos dos invejosos.

Honra seja a s. ex.ª que defendeu na opposição a bandeira da nossa regeneração financeira, e parabens lhe dou

Sor ter agora a felicidade de a hastear no pináculo do poder. Em vista d'essa bandeira pôde contar com o auxilio de um soldado obscuro, mas dedicado.