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SESSÃO N.° 3 DE 14 DE JANEIRO DE 1896 27

Algarve, sinto um justificado orgulho de ter sido aquella formosa e bella provincia berço de João de Deus, sublime e glorioso poeta, uma gloria nacional, que a morte infelizmente nos veiu arrebatar. Ainda no anno passado a sympathica e briosa mocidade academica lhe iniciou e realisou em vida a mais brilhante apotheose, á qual se associou El-Rei, galardoando o eminente poeta por modo tão distincto e affectuoso que elle, extremamente reconhecido, soube sempre agradecer a Sua Magestade com a gratidão que era tão propria do seu coração nobilissimo e bondoso.

O governo, correspondendo á manifestação geral de sentimento por tão infausto acontecimento, apresentou na camara dos senhores deputados uma proposta, agora convertida em projecto de lei em discussão, na qual alem de conceder uma recompensa á familia de João de Deus, que nasceu e morreu pobre, ao mesmo tempo prestou uma homenagem de justiça á memoria do poeta que com o seu genial talento honrou as letras patrias e prestou os maiores, serviços á instrucção popular.

Eu creio que a camara não deixará de resolver que na acta das suas sessões se consigne um voto de profundo sentimento e que este voto seja communicado á familia do illustre extincto.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, trata-se do mais popular e mais sympathico dos modernos poetas portuguezes.

De accordo com as considerações que v. exa. acaba de fazer, mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ser lida na mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

A camara dos pares resolve lançar na acta da sessão de hoje um voto de profundo sentimento pela morte do grande poeta João de Deus, que tanto se desvelou pela instrucção popular.

Sala das sessões, 14 de janeiro de 1896. = Agostinho de Ornellas = A. de

O sr. Presidente: - Os dignos pares decerto admittem á discussão esta proposta. (Apoiados.)

Em vista da manifestação da camara está admittida á discussão.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente "to Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o sentimento do governo pela morte de Joio de Deus está expresso na proposta de lei que hontem apresentou á camara dos senhores deputados; não é um sentimento exclusivamente do governo, porque este não foi mais do que o interprete do sentimento geral.

Todos tinham por João de Deus estima e consideração especial. Desde o chefe do estado, que lhe deu disso brilhante testemunho, até ás creanças que lhe abençoam o nome quando aprendem as primeiras letras, todos enaltecem e louvam aquelle que foi pelo talento um grande poeta, e pelo coração o melhor dos homens.

Não ha ainda um anno que o paiz lhe fez a consagração mais solemne, cordial e enthusiastica que me parece tem sido tributada até agora aos mais benemeritos da patria. Viu-se então acordar o sentimento vivo, espontaneo, sincero, de fórma que não restou duvida que para todos João de Deus era verdadeiramente um homem querido, estimado, idolatrado até.

A esta consagração entendeu o governo poder corresponder agora com a proposta de lei que a camara dos dignos pares tem diante de si.

João de Deus foi um grande poeta. Ninguem como elle interpretou o sentir do coração portuguez, ninguem na nossa epocha reflectiu com mais verdade os cambiantes da alma meridional, tão meiga como ardente na manifestação das suas paixões.

Propugnador acerrimo da instrucção popular foi elle que, lembrando-se do preceito do Evangelho sinite parvulus ad me venire, chamou a si as pobres creancinhas, amparando-as nos primeiros passos, guiando-as no primeiro caminho da illustração do espirito.

Foi um bemfeitor da humanidade infantil!

A par d'isto, João de Deus era homem de tanta honestidade, de tão rectas intenções, de uma modestia tão grande que a sua vida, pobre, é verdade, mas honrada, póde servir de exemplo.

Parece-me, pois, que a camara dos dignos pares, votando por acclamação a proposta que o sr. Antonio de Serpa acaba de apresentar, assim como a proposta de lei do governo, se- engrandece, porque o parlamento engrandece-se sempre que recompensa aquelles que prestam tão grandes serviços ao paiz.

(O orador não reviu.)

O sr. Arcebispo-bispo do Algarve: - Ha pouco tempo ainda, sr. presidente, que a provincia do Algarve, de que v. exa. é um dos filhos mais illustres e respeitaveis, e a cujos interesses religiosos eu tenho a honra de presidir, se associara com o mais entranhado jubilo ás manifestações de ferveroso enthusiasmo, ás homenagens respeitosissimas com que, como v. exa. tão eloquentemente acaba de dizer, o paiz inteiro saudava um nosso concidadão, que, sobre evidenciar-se talento brilhante, distinctissimo litterato e poeta mimosissimo, consagrava as suas privilegiadas faculdades a bem da instrucção da infancia, da instrucção popular, de que elle fôra obreiro infatigavel e prestigioso. Foi essa, sr. presidente, uma expansão ruidosa, mas justissima, de gratidão e de lealdade, dois sentimentos preciosissimos, que, mercê de Deus, não fallecem nos corações portuguezes, sempre inclinados a patentear seu estremado affecto por todos os que, de uma ou outra fórma, ou qualquer das variadissimas applicações da actividade humana, chegam a bem merecer da patria.

N'este caso estava o chorado poeta João de Deus. O Algarve, que lhe fôra berço e testemunha tambem dos eminentes dotes do seu espirito e coração bondosissimo; essa região encantadora, onde elle déra os primeiros passos na senda da vida, o seu espirito, principiara de expandir-se em clarões de luz, que mais tarde haviam de levantal-o ás culminações da gloria, cumpriu então o dever que lhe impendia, manifestando o seu reconhecimento e juntando os seus applausos, os seus louvores aos que echoavam e irrompiam espontaneos por todo o paiz em honra de João de Deus, que, na galeria immensa de varões illustres nas sciencias, nas letras, na magistratura e nas armas, com que o Algarve justamente se ufana, occupa logar especialissimo, inconfundivel, como de direito pertence aos que, por seus altos talentos e relevantes serviços, conseguem sem estrépito, sem reclamos espectaculosos, mas modestamente, com serenidade imperturbavel e pacientissima, assumir as proporções de uma verdadeira gloria nacional.

João de Deus, esse grande homem, não existe já entre nós. Do invólucro, que lhe viera da terra e á terra brevemente volverá, desprendeu-se, para voar aos seios de Deus, a sua alma formosa; morreu, mas desce ao tumulo estimado e querido de todos; baixa á sepultura sem que após de si fique uma voz a amaldiçoar-lhe o nome.

Vivo, conquistou affectos e respeitos; morto, lega-nos saudades, tristezas e máguas. E hoje, como ha apenas alguns mezes, o Algarve com o seu pastor reunir-se-ha ao paiz inteiro, não para celebrar com alegres e festivos hymnos o anniversario natalicio do grande poeta, mas para, consternado e entristecido, prantear a perda irreparavel que acaba de soffrer, e orvalhando com sentidas lagrimas as cinzas ainda quentes d'aquelle que tanto estremecêra e amaára, dirigir aos céus piedosas e ardentes preces pelo