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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

EM 9 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exa. me Sr. .Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - Teve segunda leitura a proposta apresentada na sessão anterior pelo Digno Par Baracho. - O Sr. Presidente communica que vae envial-a á commissão de agricultura. - O Sr. Presidente do Conselho dá explicações acêrca dos acontecimentos de 4 de maio na gare do Rocio a chegada do Sr. Conselheiro Bernardino Machado. - O Digno Par Sebastião Baracho protesta contra o destino que o Sr. Presidente deu á sua proposta, e requer que seja publicada no Diario do Governo o resultado da syndicancia mandada applicar ás occorrencias de 4 de maio. Este requerimento é approvado. - O Digno Par José de Alpoim dirige perguntas ao Sr. Ministro da Justiça acêrca de um telegramma enviado pelos Bispos de Portugal ao Arcebispo de Paris, e a ida a Tuy do Sr. Cardeal Patriarca. Em seguida explica o verdadeiro significado de palavras que pronunciou na sessão antecedente. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par Alexande Cabral communica que o Digno Par Jacinto Candido não tem comparecido ás sessões, nem poderá assistir a mais algumas, por motivo justificado. - O Digno Par Bandeira Coelho envia para a mesa um requerimento pedindo documentos ao Sr. Ministro das Obras Publicas. E expedido.- O Digno Par Teixeira de Sousa refere-se á crise do Douro e ás providencias governativas tendentes a acudir a esse mal. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas. Consultada a Camara, autoriza que o Digno Par Villaça se ausente temporariamente do reino. - O Digno Par Sebastião Baracho mania para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda, insta pela remessa de esclarecimentos que constam de anteriores pedidos, refere-se aos sanatorios da Madeira, á viagem do Sr. Cardeal Patriarcha a Tuy. aos acontecimentos de 4 de maio, e entranha o destino dado á sua proposta, que teve segunda leitura no começo da sessão - O Sr. Presidente, em vista do protesto do Digno Par, declara que a proposta de S. Exa. fica sobre a mesa, para ser opportunamente discutida. - Responde ás considerações do Digno Par Sr. Sebastião Baracho o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par João Arroyo refere se ao telegramma dos Bispos portugueses ao Cardeal Richard. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par Pedro de Araujo allude a declarações do Sr. Ministro das Obras Publicas respeitantes á crise do Douro. - O Digno Par Hintze Ribeiro promete discutir os acontecimentos de 4 de maio, quando se discutir a resposta ao Discurso da Coroa. Sobre o mesmo assumpto trocam-se explicações entre o Digno Par e o Sr. Presidente do Conselho. - Encerra-se a sessão, e apraza-se a seguinte, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho, Ministros da Marinha, da Justiça, e das Obras Publicas.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde occupou a Presidencia o Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha, servindo de secretarios os Dignos Pares Luiz de Mello Bandeira Coelho e José Vaz Correia Seabra de Lacerda.

Feita a chamada verificou-se estarem presentes 28 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente foi approvada sem reclamação.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Officio do Ministerio das Obras Publicas, enviando os esclarecimentos pedidos pelo Digno Par Francisco José Machado em requerimento apresentado em. sessão de 5 de junho ultimo, sob o n.° 31.

Á secretaria.

Officio do Ministerio da Fazenda respondendo ao requerimento n.° 3 do Digno Par Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

A secretaria.

Officio pelo Ministerio das Obras Publicas, respondendo ao requerimento n.° 12 de 5 de junho de 1906 do Digno Par Antonio Teixeira de Sousa.

A secretaria.

O Sr. Presidente: - Vae ter segunda leitura a proposta do Digno Par, o Sr. Baracho.

Lida na mesa foi admittida enviada á commissão de legislação.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça communicou-me que, na ultima sessão, o Digno Par Sr. Arroyo tinha perguntado qual o destino dado á syndicancia que o Digno Par, o Sr. Hintze Ribeiro, mandou fazer acêrca dos acontecimentos na estação da Avenida, na noite de 4 de maio ultimo. O Sr. Ministro da Justiça respondeu a S. Exa. que o assumpto não corria pela sua pasta, e por isso venho hoje a esta Camara para responder a S. Exa., apesar de ter de comparecer na outra casa do Parlamento, onde se trata de um assumpto de bastante importancia.

Isto mostra, Sr. Presidente, não só a muita consideração que me merecem os membros d'esta Camara, como tambem a minha boa vontade em dar todas as explicações que me sejam pedidas, sobretudo quando ellas se referem a actos de administração.

O Governo a que tenho a honra de presidir constituiu-se no dia 19, e logo no dia 20 o Sr. commandante da policia disse-me quaes eram as instrucções que recebera do Digno Par, o Sr. Hintze Ribeiro, no dia 4 de maio, em relação á chegada a Lisboa do Sr. Dr. Bernardino Machado, e accrescentou que, passados dias, o mesmo Digno

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Par o tinha encarregado de fazer uma syndicancia em relação a essas occorrencias, e pediu-me ao mesmo tempo instrucções acêrca do assumpto.

Respondi que enviasse a syndicancia ao poder judicial, pois era elle o competente para avaliar qualquer responsabilidade dos actos praticados pelos agentes da policia, e que, conforme as decisões d'esse tribunal, o Governo havia de cumprir o seu dever.

Quando tive conhecimento da pergunta do Digno Par, mandei perguntar ao Sr. commandante da policia se mais alguma cousa havia a esse respeito, e a resposta foi que o assumpto estava paralysado, e isto pelos motivos que esse funccionario expôz em officio que vou ler á Camara, e, ao mesmo tem pó, me communicou que na Boa Hora o processo que se tinha instaurado tinha sido mandado sustar por despacho do respectivo juiz.

Em vista d'isto ordenei que se mandasse a syndicancia para o poder judicial, e que me fosse enviada uma copia que eu tenho a honra de mandar para a mesa, a fim de que todos os Dignos Pares possam ter d'ella conhecimento.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. não tem duvida em a mandar publicar no Diario do Governo?

O Orador:-Nenhuma. V. Exa. requer e a Camara resolve. Logo que a syndicancia esteja sobre a mesa, a Camara póde resolver como julgar conveniente.

No officio estão relatados os factos, e a Camara fica habilitada desde já a 'ter conhecimento d'este documento.

O Digno Par, o Sr. Hintze Ribeiro, alem da syndicancia, ordenara ao sr. juiz de instrucção criminal que procedesse ao apuramento das responsabilidades da policia.

Parece que se deu qualquer equivoco e que esse funccionario informara S. Exa. de que tinha mandado para a Boa Hora, no dia seguinte áquelle em que se deram os acontecimentos, os populares que ali tinham sido prezos, e que na sua qualidade de juiz de instrucção criminal, não tinha competencia nem attribuições para levantar o processo sobre o assumpto.

O processo, pois, está entregue ao Tribunal Judicial.

São estas, Sr. Presidente, as informações que posso dar.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Sebastião Baracho: - Desejo affirmar a minha opinião sobre o facto

de V, Exa. enviar para a commissão de legislação a minha proposta; mas em occasião opportuna eu direi de minha justiça.

Por agora, requeiro que sejam publicados no Diario do Governo os documentos que o Sr. Presidente do Conselho mandou para a mesa.

(Consultada a Camara resolveu affirmativamente).

O Sr. Presidente: - Estão inscriptos os Srs. Alpoim, Teixeira de Sousa, Sebastião Baracho, Arroyo e Hintze Ribeiro.

O Sr. Alexandre Cabral: - Eu tinha pedido a palavra, antes do Sr. Hintze Ribeiro; mas é-me indifferente usar d'ella antes ou depois de S. Exa.

O Sr. Presidente: - Peço perdão; mas não ouvi o Digno Par pedir a palavra.

Vae ser inscripto.

O Sr. João Arroyo: -Quero referir-me a um assumpto para que preciso da presença do Sr. Presidente do Conselho, mas desde já previno que não me absterei das considerações que tenho a apresentar se S. Exa. sahir da sala, porque, para mim, o Governo está sempre representado por qualquer dos seus membros, e nada me impedirá de dizer o que entendo.

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Hintze Ribeiro: - Desejava apresentar uma simples observação, mas não quero tirar a palavra a nenhum dos oradores que estão inscriptos.

O que tenho a dizer, porem, precisa da presença do Sr. Presidente do Conselho, porque não é evidentemente na ausencia de S. Exa. que desejo referir-me ao que S. Exa. disse ha pouco.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Já disse á Camara que não posso deixar de acompanhar uma discussão em que está empenhada a outra casa do Parlamento.

Farei a diligencia por me conservar na sala até que falem os Dignos Pares que desejam explicações da minha parte; mas se porventura eu tiver de retirar-me, o Governo fica representado por qualquer dos seus membros, como muito bem disse o Digno Par o Sr. Joio Arroyo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Hintze Ribeiro: -Para o que a tenho dizer, não dispenso a presença do Sr. Presidente do Conselho, porque, evidentemente, eu não posso referir-me a um assumpto que o Sr. Presidente do Conselho tratou sem que S. Exa. possa ouvir-me.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Casiello Branco):-Já disse que se discute hoje na Camara dos Senhores Deputados um assumpto que não posso deixar de acompanhar. Farei tudo o que puder para me conservar n'esta Camara emquanto V. Exas. usarem da palavra; mas, se porventura tiver de me retirar, qualquer dos Ministros, como disse o Sr. Arroyo, representará o Governo para o effeito de responder aos Dignos Pares.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Serei conciso nas reflexões que vou fazer, e não tratarei de assumptos concernentes aos factos de 4 de maio, a que se referiram os Srs. Hintze Ribeiro, Baracho e Arroyo, nem farei quaesquer considerações, que, aliás, derivam immediatamente e logicamente da leitura do officio que o Sr. Presidente do Conselho mandou para a mesa. Esses assumptos serão versados pelos meus illustres collegas, e eu entendo até que, por dever de cortezia, n'elles não devo intervir.

O assumpto que desejo tratar é differente.

Está presente o Sr. Ministro da Justiça, e é especialmente a S. Exa. que me quero dirigir.

Ha dias, ha mesmo bastantes dias, li nos jornaes a noticia de que os prelados portuguezes se haviam dirigido ao Arcebispo de Paris, fazendo sua a doutrina de um documento em que aquelle prelado francez se insurge contra actos do Governo do seu país, e prestando a sua adhesão ás resoluções tomadas pelo Episcopado da Republica Franceza.

Li tambem que o Sr. Cardeal Patriarcha, como demonstração plena de solidariedade com os actos do Sr. Bispo de Tuy, hoje em lucta com o poder civil da Hespanha, o fora visitar.

V. Exa. e a Camara comprehendem a importancia d'estes factos.

Os prelados portuguezes não são membros de um clero livre, vivendo n'um Estado livre; alem de Principes da Igreja e das altas funcções ecclesiasticas de que estão revestidos, são funccionarios publicos subsidiados pelo Estado, com rendimentos, casas e edicios que o Estado lhes fornece, e até teem taes direitos e regalias, que occupam logar n'esta casa do Parlamento por direito proprio. Sendo assim, V. Exa. e a Camara comprehendem o que ha de inconveniente, para não lhe dar outro nome, no facto de intervirem na vida intima de paizes com quem vivemos nas melhores relações.

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Desejo que o Sr. Ministro da Justiça me diga qual tem sido a sua intervenção n'este assumpto, porque não pode S. Exa. ficar indifferente perante taes actos.

Entendo que devo falar assim, até em nome do partido a que tenho a honra de pertencer, porque V. Exa. e a Camara sabem que o partido progressista foi sempre eminentemente liberal e democratico, não consentindo jamais que o poder ecclesiastico prevalecesse ao poder civil; e a prova é que nos primeiros annos da sua vida publica, o Sr. José Luciano de Castro travou, contra as pretensões de Roma, uma lucta importante.

Não nego justiça a quem a merece.

Sabe a Camara inteira que, a ultima vez em que fui Ministro da Justiça, tive de defender os direitos do Estado postergados pelo Sr. Bispo de Bragança, que substituiu a lei pelo capricho.

N'estas condições, desejo saber o que faz o Sr. Ministro da Justiça.

Sei perfeitamente que vou ser accusado de me deixar levar por paixões exageradamente liberaes, e até no dizer de gazetas reaccionarias, por sentimentos impios.

Nós vivemos n'uma epoca em que recordar o que, sob o ponto de vista das relações da Igreja com o Estado, se praticava nos tempos da monarchia absoluta, é censuravel aos homens publicos; mas V. Exa., Sr. Presidente, que é eminentemente illustrado e profundamente liberal, sabe, que os velhos Reis tiveram muitas vezes que defender a sua Coroa das intrusões dos prelados; e que aquelle Rei, que representa na Monarchia Portuguesa o exemplo mais vivo e mais puro do fanatismo religioso, de que deixou evidente prova n'essa mole immensa do Convento de Mafra, esse mesmo Rei Portuguez obrigou os nuncios a cumprirem o seu dever, e muitas vezes travou lucta com os prelados portugueses, até com cardeaes, obrigando-os a submetterem-se aos direitos da Coroa e a respeitarem a lei civil.

Hei de ser accusado de exageradamente avançado e profundamente demagogo. E o costume. Mas cumpro o meu dever. Tambem não obedeço a qualquer sentimento de animadversão contra o episcopado portuguez, onde conto alguns dos meus melhores amigos.

V. Exa. e a Camara sabem que fui eu quem nomeou Bispo do Porto o Sr. D. Antonio Barroso, uma figura tão eminentemente sympathica e que praticou distinctos serviços na nossa Africa; o Sr. Arcebispo de Braga, que é uma das individualidades mais brilhantes do episcopado, e o Sr. Bispo da Guarda, que em. verdes annos tanto

honra já a profissão a que se dedicou. Mas acima das amizades pessoaes está a causa publica, e os dissidentes progressistas, em ambas as casas do Parlamento, procederão sempre sem nenhuma especie de consideração pessoal, seja para quem for, e em que situação for, na defesa dos interesses do Estado e das regalias e liberdades da nação.

Desejo, pois, que o Sr. Ministro da Justiça, que não pode ter ficado indifferente perante os actos referidos, pelo menos reclame desde já dos Bispos a copia da mensagem, e que nos informe se é certo que o Sr. Cardeal Patriarcha não pediu licença para ir visitar o Bispo de Tuy.

Estimarei que o Sr. Ministro da Justiça responda peremptoria e terminantemente.

Posto isto, quero referir-me a outro assumpto.

V. Exa. e a Camara ouviram as declarações por mim feitas na ultima sessão, referentes a umas palavras pronunciadas pelo meu nobre amigo o Sr. Presidente do Conselho, palavras onde se poderia ver uma referencia ao partido progressista, sobre as quaes não insisti depois das affirmações do Sr. José de Novaes n'esta Camara e ainda depois do que disse o Sr. João Franco na outra casa do Parlamento.

V. Exa comprehende que não trago para aqui o proposito de levantar uma questão que, por sua natureza, está morta, de affirmações tão terminantes; mas a Camara ouviu bem o que eu disse. Frisei que defendia os actos do partida progressista em questões de administração, sob o ponto de vista da seriedade e da moralidade; disse que só com um homem publico d'esse partido, o Sr. José Luciano de Castro, tinha as minhas relações pessoaes cortadas, e que a todos os outros prestava a minha estima e consideração, defendendo os actos da sua vida publica. As minhas palavras foram o mais nitidas, o mais claras, o mais sinceras possivel.

Appello para todos os membros d'esta Camara, aos quaes, ainda mesmo áquelles com quem tenho as minhas relações cortadas, presto todo o tributo da minha consideração pessoal, que digam se eu sou capaz de falsear a verdade, se pronunciei uma só palavra que pudesse ser interpretada como allusão ou aggravo pessoal aos membros do Gabinete progressista.

O silencio com que eu fui ouvido por parte dos meus collegas n'esse Gabinete é um testemunho de que não os aggravei, nem a esse partido.

Postas as cousas n'este pé, foi com grande surpresa que vi lá fora essas palavras, tão singelas, e tidas n'essa conta por illustres membros d'esta Camara, e pela maior parte dos Srs. Deputados da Nação, interpretadas por uma forma evidentemente desagradavel para mim, e contraria á verdade dos factos.

Sr. Presidente: não digo onde essas palavras foram pronunciadas, nem quem as pronunciou, nem se foram escriptas nos jornaes, e se foram por entidades particulares ou por collectividades, e não o digo por duas ordens de razões: por attenção e respeito a esta casa, e por attenção a mim proprio.

Por attenção a esta casa, porque não quero por forma alguma que se diga que a transformei em logar de desforço e sitio onde exploro as minhas vaidades irritadas.

Por attenção a mim proprio, porque não devo fazer referencias a essas pessoas, nem aos seus nomes, visto que ellas não teem aqui o direito de replicar.

Sr. Presidente: sou um homem publico, parlamentar e jornalista e, jornalista desgraçadamente, não porque precise do jornal como instrumento de combate ou processo de politica, mas porque a minha vida financeira não permitte que eu prescinda dos recursos que d'ahi me adveem.

Assim, Sr. Presidente, no uso do meu direito, eu posso, a pessoas que não estão n'esta casa, discutil-as e aprecial-as, sob o ponto de vista politico, assim como estou sujeito a iguaes apreciações, e nada com ellas tenho, nem ellas me magoam.

Sr. Presidente: tenho sido por varias vezes classificado de orador desvalioso, de politico insignificante, de pallido jornalista, de estadista sem meritos ; tudo isso tem resvalado na couraça, não digo do meu desdem, mas da minha indifferença.

Tenho ouvido dizer: "quem vae á guerra dá e leva". E como eu sou um luctador, não admira que seja ferido pelas mesmas armas, mas isto não importa de modo nenhum incidentes pessoaes, e é tambem para que elles não appareçam que eu falo tão ciara e nitidamente.

Sr. Presidente: não é meu proposito levantal-os ou evital-os. Discuto as cousas e as pessoas sob o ponto de vista politico. Foi assim que falei, na ultima sessão, e peço a V. Exa., á Camara e a todos os Dignos Pares, que digam se porventura nas minhas palavras houve alguma expressão que destoasse das affirmações que acabo de fazer.

E bom que o paiz saiba quem é que levanta esses incidentes, e qual o motivo por que são levantados.

Digam os Dignos Pares Progressistas e todos os membros d'esta Camara se, na sessão passada, ou na sessão de hoje, se ouviram, da minha parte, a menor phrase que não seja propria do de-

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coro d'esta casa e do respeito que devo ao meu partido, que muito amo, e do qual me separei apenas por uma questão de principios: digam se eu não procedi com a maior lisura, e se nas minhas palavras não houve a maior transparencia e nitidez. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Cumpre-me dizer ao Digno Par Sr. José Maria de Alpoim que já tinha conhecimento, por alguns jornaes, dos factos a que S. Exa. alludiu, assim como em outros vi a affirmação de que elles se não tinham dado.

O Sr. José de Alpoim: - V. Exa. permitte-me que lhe faça umas perguntas para esclarecimento, em nome das nossas boas relações e pelo cuidado com que desejo proceder?

É inexacta a noticia da mensagem do Arcebispo de Paris, assim como a noticia do telegramma do Sr. Cardeal Patriarcha? E inexacta tambem a noticia da visita do Sr. Cardeal Patriarcha ao Bispo de Tuy?

Responda-me V. Exa., concreta e terminantemente, sim ou não.

O Orador: - Apenas tenho conhecimento dos factos, como disse, por ter visto noticia d'elles n'alguns jornaes assim como tambem vi n'outros a sua contestação. Não sei se esses factos foram ou não praticados, mas não quero acreditar que membros do episcopado • português fizessem a manifestação collectiva de que V. Exa. fala e com a intenção que deriva das suas palavras. Tratarei de o averiguar, e desde já affirmo ao Digno Par que as leis do reino hão de ser cumpridas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - O Governo decerto viu publicado nos jornaes o telegramma a que me referi; decerto não ignora a existencia d'elle e se foi ou não expedido.

O Sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa uma communicação. É do teor seguinte:

"Tenho a honra de communicar a V. Exa. que o Digno Par Sr. Jacinto Candido me encarregou de participar-lhe que não tem comparecido ás sessões, nem poderá assistir ás mais proximos, por motivo justificado.

Sala das sessões, 9 de outubro de 1906. = Alexandre Cabral".

O Sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja enviado a esta Camara o original ou copia do relatorio elaborado pelo Sr. Antonio Batalha Reis da sua missão á ilha da Madeira sobre fabrico de vinhos e solução da crise vinicola.

Camara dos Pares, 9 de outubro de 1906. = O Par do Reino, Luiz de Mello Bandeira Coelho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Até que emfim me chega a palavra e por isso me felicito.

Desejo tratar n'esta casa varias quês toes de interesse publico.

Logo na primeira sessão disse que desejava referir-me a uma questão de maxima importancia. Infelizmente, não pude fazel-o até hoje, porque apenas tem havido duas sessões. Lamento-o profundamente, como já tive occasião de dizer, sem que nas minhas palavras haja a menor quebra da muita consideração e respeito que tenho por V. Exa. % Sr. Presidente, e pelo cargo que dignamente exerce. Para normalidade dos trabalhos parlamentares, para que cada um saiba onde chega o seu direito e para que em tudo se dê satisfação á lei e á legalidade, parece-me que não é conveniente o regimen de sessões em que esta Camara se encontra, o qual não se compadece com o que determina o artigo 16.° do nosso regimento, onde se diz que ha sessões n'esta Camara todos os dias que não sejam santificados ou de grande gala. V. Exa. teve a amabilidade de me dizer que, a esse respeito, a Presidencia da Camara costuma ter entendimento com o Governo. Não digo que não, e sou incapaz de affirmar que V. Exa. procede de maneira diversa do procedimento de outros Presidentes d'esta Camara que, como V. Exa., teem honrado esse logar.

Mas os grandes intervallos nas sessões parlamentares são lesivos do poder legislativo e prejudicam o nosso direito, sobretudo em questões que, pela sua urgencia, devem ser tratadas com urgencia. Para que V. Exa. não tenha duvidas, nem hesitações, e para que cada um de nós saiba as leis em que vive, parecia-me conveniente substituir o artigo 16.c do regimento por outro que desse á Presidencia a faculdade de marcar sessão quando julgasse conveniente.

Sr. Presidente, não vão nas minhas palavras, nem censuras, nem menos consideração para V. Exa., nem para o logar que V. Exa. exerce, mas vae a manifestação do meu sentimento de magua, porque, tendo-se aberto o Parlamento a 29 de setembro, e estando nós a 9 de outubro, ainda não tive occasião de mandar para a mesa duas representações que me foram entregues. Vejo que n'esta Camara ha o desejo de se tratar de uma questão politica. Sei bem, portanto, que, n'este momento, a minha obrigação é ser quanto possivel conciso, e portanto reservo para outra occasião o tratar de assumptos da maxima importancia.

Na primeira sessão d'esta Camara declarei a V. Exa. que desejava discutir com o Governo um assumpto importante e que diz respeito á região do Douro. Depois d'isto veio um facto ponderoso modificar o meu modo de pensar e a orientação que eu tinha a dar ás minhas considerações.

Eu tinha pedido a palavra na sessão passada, porque desejava perguntar ao Governo qual era a sua orientação no que respeita á questão do Douro. Hoje tenho quê dirigir-me ao Governo por maneira differente desde que foi apresentada á outra Camara uma proposta sobre este assumpto: mas o que não posso é deixar de mandar para a mesa umas representações de algumas camaras municipaes e pedir a attenção do Governo para a situação do Douro, e isto sem nenhum intento politico, pois não seria proprio, nem da minha idade, nem da minha posição, o fazer intervir a politica em todas as questões, e praticaria até uma grave falta se porventura, me subordinasse a outro intento que não seja o de acudir á triste situação em que se encontram os lavradores do Douro.

O meu desejo, o meu fim unico ao dirigir-me ao Governo é concorrer para que o Douro saia da situação difficil em que se encontra, e para que até certo ponto se harmonizem todos os interesses.

Ninguem ignora que a região do Douro foi rica, que contribuiu para o bem do Estado, e que hoje se encontra n'uma situação afflictissima. Os seus vinhos, que tiveram em todo o mundo a fama de serem vinhos licorosos de superior qualidade, são hoje vendidos nas tabernas e transformados em aguardentes, e vendidos por baixos preços, que não compensam as despesas do lavrador.

Sei que ha n'esta casa quem pode comprovar esta minha affirmação. A crise por que estão passando estes povos vem já de alguns tempos, mas ultimamente tem-se multiplicado de intensidade. Até aos ultimos annos não havia uma difficuldade grande para se obter um preço regular para os vinhos de 2.ª e 3.ª ordem.

Ha aqui dentro d'esta Camara pessoas que o podem attestar.

Os vinhos licorosos do Porto tinham uma grande reputação, não havia outros que os igualassem; hoje offerecem os a dezoito e vinte mil réis por pipa e ninguem os quer. D'este facto resulta que a região do Douro está a braços com grandes difficuldades e a sua po-

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pulação, pelo caracter que possue, não vae pedir esmola, e vê-se na necessidade de emigrar, como já aconteceu quando o phylloxera invadiu os seus vinhedos.

Parado assim o principal ramo de exportação e o principal elemento de riqueza, sabe Deus a que excessos pode ser levado o povo que tem fome, e não tem pão para comer.

Eu tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto de lei sobre este assumpto, resultado e filho do meu trabalho e do meu estudo e conhecimento pessoal. Apresentei esse projecto de lei, não pelo prurido de legislar, não pela vontade de me pôr em evidencia, mas sim levado pela dor de alma que me causava a triste situação dos meus vizinhos, dos meus amigos, e até por um dever de me pôr ao lado d'aquelles que tão dedicada e poderosamente contribuiram para a situação politica em que hoje me encontro.

Sr. Presidente: esse projecto não teve seguimento, porque o apresentei n'uma das ultimas sessões d'esta Camara, estando então no poder o Governo progressista, e este Governo no meou uma commissão incumbida de estudar o assumpto. Sei que esta commissão se reuniu e funccionou, que reduziu o seu trabalho a conclusões, e que d'essas conclusões elaborou um relatorio.

Tive a honra de mandar para a mesa um requerimento, pedindo me fosse enviada a copia do relatorio das conclusões a que tinha chegado essa commissão, mas até agora ainda o não recebi, certamente por falta de tempo.

O Sr. José Luciano de Castro não providenciou acêrca da crise do Douro. Depois seguiu-se o Governo de que eu tive a honra de fazer parte, e não admira, pelo pouco tempo que esteve no poder, que não adoptasse as providencias necessarias, mas o certo é que já havia começado a estudar a questão, encaminhando-a para uma solução a breve trecho. O Governo que se seguiu, da presidencia do Sr. João Franco Castello Branco, não admira que na occasião em que subiu ao poder não conhecesse logo a intensidade da crise que avassalava aquelles povos, mas a verdade é que nem no programma do Governo, apresentado em varias assembleias do partido do Sr. João Franco Castello Branco, nem no discurso da Corôa, se fez a mais pequena referencia a este assumpto; no emtanto a questão evidenciou-se por tal maneira, e os factos salientaram-se por tal forma, que o Governo entendeu considerar a questão provisoriamente pelo decreto de 80 de julho ultimo.

Não venho discutir este decreto, como não venho discutir a proposta de lei.

Devo dizer a V. Exa. que, qualquer que fosse a intenção com que foi feito o decreto de 30 de julho, elle em nada aproveitou á região do Douro.

O decreto de 30 de julho isentava do real de agua, até á abertura das Côrtes, os vinhos de pasto produzidos na região do Douro, e exportados pela barra d'este nome, e reduzia a tarifa do transporte dos mesmos vinhos.

Quando eu vi este decreto publicado no Diario do Governo não me illudi acêrca da sua absoluta inefficacia, porque conhecia bem as circumstancias d'aquella região, e avaliei desde logo a inanidade de semelhante diploma.

Pensar em resolver a questão do Douro, onde se produzem os vinhos licorosos mais finos do mundo, por um regimen de protecção a vinha de pasto, se não era um erro, era um equivoco de comprehensão.

Mas, por outro lado, este diploma publicava-se a 30 de julho, mezes depois dos fornecedores de vinho á cidade do Porto terem feito as suas compras, porque ninguem ignora que desde janeiro a março os commerciantes fazem as suas provisões de vinho até á novidade immediata.

Quem conhece este facto tira logo uma conclusão: o beneficio da isenção do imposto não aproveitava nada ao productor, porque o commerciante já tinha comprado o necessario para abastecer o seu mercado, mas este recebia um beneficio, qual era o de ficar isento do imposto do real de agua, beneficio que não foi pequeno, que montou a algumas dezenas de contos e que não influiu nem pela maneira mais insignificante nas circumstancias em que se encontrava o Douro, não reduzindo a situação afflictiva dos lavradores d'aquella região.

Devo ser justo: o Governo não apresentou aquella decreto como um remedio decisivo para conjurar a crise em que o Douro se debatia; apresentou-o como um beneficio de caracter provisorio, reservando-se para, quando se abrisse o Parlamento, tratar do assumpto definitivamente.

Não sei quem collaborou com o Governo na feitura d'aquelle diploma, e eu não quero ser-lhe desagradavel, dizendo quê teve collaboradores, porque em assumptos d'esta ordem não fica mal a nenhum Ministro procurar collaboração; o que tenho direito de dizer é que os collaboradores de uma parte do decreto de 30 de julho estão entre a designação de ignorantes e a de mystificadores.

O decreto de 30 de julho isentou do imposto- do real de agua, temporariamente, os vinhos produzidos na região do Douro e exportados por aquella barra.

Evidentemente tinha de marcar o que era a região do Douro. Assim o fez.

Não foi buscar a região do Douro, que corresponde á da antiga Compados Vinhos do Alto Douro, nem tão pouco a que estava designada no projecto de lei que tive a honra de mandar para a mesa na sessão de 9 de fevereiro.

Assim o entendeu a commissão nomeada em 25 de janeiro de 1905, e tanto assim aconteceu que, sendo a região vinicola do Douro constituida pelos concelhos de Lamego, de Armamar, Taboaço, Pesqueira, Villa Nova de Fozcôa e de Figueira de Castello Rodrigo, na margem esquerda do rio Douro e pelos concelhos de Mesão Frio, Regoa, Villa Real, Alijo, Sabrosa, Murça, Moncorvo, Mirandella, Alfandega da Fé e Freixo de Espada á Cinta na margem direita, o decreto de 30 de junho cortou d'esta região, eliminou por seu livre arbitrio uma região privilegiada que promettia progredir, e mais dois concelhos essencialmente vinicolas, um dos quaes produzia hoje os melhores vinhos brancos de toda a região do Douro. O Governo metteu no decreto de 30 de junho, como fazendo parte da região vinicola do Douro, o concelho de Alfandega da Fé, pondo de lado os concelhos de Valpaços e Murça, onde se produz um dos melhores vinhos brancos.

Sr. Presidente: nunca pude perceber a razão por que se procedeu assim. Não attribuo a responsabilidade ao Governo, visto que não tinha conhecimento proprio da região.

O que eu me não canso de dizer é que para alguma cousa interveio o Governo depois.

Aproximavam se as eleições, aproximava-se o dia 19 de agosto em que havia de ter logar a nova eleição de Deputados.

Comprehende-se, Sr. Presidente, o ' pavor que fez o decreto nos concelhos de Valpaços e Murça, desde que se tratava de limitar a area que tinha direito a ser beneficiada, ficando fora d'ella aquelles concelhos.

Comprehende-se, repito, o pavor produzido pelo decreto de 30 de junho.

De toda a parte vieram reclamações, as camaras municipaes dirigiram se ao Governo, os influentes politicos dirigiram-se ao governador civil; e o que é certo é que eu, que em nada tinha concorrido para que os concelhos de Valpaços e Murça fossem riscados da região do Douro, e que muito lamentei que se fizesse tão grave e manifesta injustiça, eu e os meus amigos, repito, fomos prejudicados, pois que se dizia que se votassem em determinado sentido esses concelhos seriam incluidos na região do Douro.

Os telegrammas andavam de mão em mão, e até algumas vezes se davam factos pittorescos.

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38 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Um correligionario meu dizia-me que tinha uma grande dificuldade n'uma freguesia porque aquelles que lá tinham maior influencia se negavam a acompanhar os seus antigos amigos, porque se os acompanhassem, diziam elles, o Governo não os deixaria vender o vinho, tal era a ideia de que o Governo, por medidas de caracter eleitoral, queria incluir ou excluir os concelhos de Murça e Valpaços da região do Douro.

Na primeira sessão d'esta casa, recebi eu uma representação da Camara Municipal de Murça, pedindo me que a enviasse para a mesa d'esta Camara, em que ella reclamava contra a injustiça que lhe foi feita no decreto de 30 de julho.

Vi a injustiça a caminho de ser reparada, mas não me dispensei de mandar para a mesa a representação que recebi para cumprir o meu mandato.

E certo, Sr. Presidente, que o Governo apresentou uma proposta de lei para resolver a questão; não a venho discutir agora, não a venho contrariar e muito menos fazer politica de um assumpto tal como este, mas desejo fazer umas perguntas ao Governo para procurar a tempo collaborar com elle, para que a proposta deixe de ser o que é, e se torne uma proposta de lei viavel.

Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que n'esta questão falo só em meu nome. Não tenho procuração dos lavradores do Douro para apresentar quaesquer opiniões ou alvitres, tendentes a beneficiar os seus interesses, assim como não tenho procuração dos lavradores do sul.

Falo em meu nome só, com a minha responsabilidade só, e falo pelo conhecimento pessoal que tenho do assumpto, e com aquella isenção, com que costumo tratar todas as questões.

Tem-se alvitrado para salvação do Douro o constituir-se uma companhia monopolizadora da exploração d'aquella região, o que é incomprehensivel; tem-se alvitrado a restricção da barra do Douro, que é o principio adoptado na proposta de lei apresentada pelo actual Governo; tem se alvitrado o systema de prover por maneira indirecta á exportação pela barra do Douro, e este é o meu projecto.

O que é que se fez no projecto que foi apresentado ás Côrtes?

Apresentou-se uma ideia, que pode ter dificuldades na sua execução, mas que é digna de approvação: é a restricção da barra do Douro á exportação de vinhos licorosos que não sejam do Douro.

É uma ideia que anima e até certo ponto dá satisfação aos interesses do Douro, mas esta proposta, este alvitre, estas bases fundamentaes são rodeadas de taes difficuldades que Sr. Presidente, chego a recear que ella soffra quebra, na sua viabilidade, e a questão continue a ser uma questão morta.

.E sempre difficil fazer uma lei de excepção que sirva determinados interesses economicos, e, sendo difficil fazer uma lei nestas condições, a difficuldade sobe de ponto quando a essas excepções a essas restricções outras se addicionam.

O Governo restringe, na proposta que apresenta ás Côrtes, a barra do Douro á saida de vinho licorosos.

O Governo estabelece na proposta de lei apresentada ás Côrtes que exclusivamente os vinhos da região do Douro podem sair pela barra do Porto. Mas ainda ha mais restricções na proposta. Restringem-se na area do Douro as qualidades de vinhos que se podem cultivar, restringem-se os lavradores que podem produzir vinhos, restringem se os titulos e as marcas, e até os commerciantes que podem importar vinho.

Não é preciso dizer mais nada, para quem tem conhecimento das difficuldades que acompanham uma proposta d'esta ordem. Com tantas restricções, a satisfação não pode ser completa, mas com umas ligeiras modificações o Porto acceita como boa a proposta, sendo tambem preciso harmonizar todos os interesses para que a proposta seja viavel.

O commercio do Porto protesta contra a proposta de lei apresentada ás Côrtes, e no sul a agricultura vinicola protesta tambem contra a applicação d'essa proposta em circumstancias que dificultam a sua viabilidade, e eu vejo que a questão do Douro ameaça continuar sem resolução.

A exportação dos vinhos do Douro tem diminuido em quantidade e em valor. Emquanto os vinhos finos de primeira qualidade são offerecidos a 12$000, 1$$000 e l8$000 réis, para cada uma plantação é necessario gastar por vez 800$000, 900$000 e 1:000$000 réis. Os do sul são exportados pela barra do Douro e calcula-se em 50:000 pipas a exportação d'esta região.

Levanta-se o Douro e diz: eu não lucto contra os interesses de ninguem; não combato os interesses da viticultura do sul; mas, com o nome de vinho do Douro, exporta-se vinho que o não é. Isto representa aos olhos da justiça uma offensa aos nossos direitos e reclamamos providencias do Governo. E apresentada uma proposta que é fundamentalmente justa. O Governo providencia. O Governo tem a opinião que ao Douro se deve dar o que é do Douro e não figure como sendo do Douro o que de lá não é. Isto é muito justo, mas é preciso dar uma satisfação a todos os interesses. Foi, pois, para dar satisfação a todos os interesses prejudicados, que eu, estabelecendo processos muito simples para distinguir os vinhos generosos que podem ser exportados pela barra do Douro, tratei de harmonizar todos os interesses antagonicos.

Eu não comprehendia, como não comprehendo, que n'um paiz que lucta com abundancia de vinhos, que lucta com uma verdadeira plethora de vinhos, que excede muito as necessidades do consumo interno e externo, eu não comprehendo que, luctando a agricultura viticola com uma crise que deriva da superabundancia de vinhos e da difficuldade de aguardente extrahida do vinho, não comprehendo que esta crise possa existir com um regimen de alcool industrial, não comprehendo que a aguardente de vinho continue muitas vezes armazenada pelos productores, e se vendam oito a nove milhões de litros de alcool industrial. (Apoiados).

Sr. Presidente: por ser assim, eu no projecto de lei, que tive a honra de mandar para mesa, harmonizava como entendia os interesses do Douro, com os interesses da agricultura do sul, e com os dos fabricantes de alcool, que tambem eram legitimos.

Pode-se dizer que o vinho applicado no fabrico de aguardente tem um preço que não é remunerador; mas eu devo afirmar a V. Exa. que os commerciantes do Porto, que compram grande porção de pipas de vinho para misturar com os vinhos do Douro, não lhe dão um preço que remunere o productor.

O meu projecto estabelecia a prohibição do alcool industrial, dificultava a importação do alcool estrangeiro,, ficando a adubação a ser feita exclusivamente com aguardente de vinho. D'esta maneira não se podia o sul queixar de ser preterido nos seus interesses, por excepções feitas a favor do Douro, e tanto se não podia queixar que se não queixou.

O projecto teve uma larga distribuição, não digo que tivesse um coro unanime de applausos, mas a verdade é que foi recebido com completa approvação, e não houve ainda um unico signal de dissentimento contra elle.

Podia alguem manifestar o seu desacordo ás ideias do projecto, suppondo que elle me trazia a minha fortuna politica, mas o certo é que no sul não houve discrepancia, e a approvação foi, portanto, unanime.

O projecto foi tambem recebido com applauso na região do Douro e obteve applauso manifesto do commercio dos vinhos do Porto, o que prova que foi bem elaborado.

Mas tambem se comprehende que não se podia reduzir á miseria os capitães empregados nas fabricas de ai-

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cool industrial. Estão hoje reduzidos no seu valor; já não possuem o valor que tinham ha quatro ou cinco annos, sobretudo depois de uma lei em que se protege o alcool açoreano, e na qual eu, guiado pelo mesmo principio que hoje e sempre tenho sustentado - elaborando essa proposta de lei -, julguei conveniente entender-me com differentes elementos que representavam os interesses da ilha de S. Miguel, resolvendo de abordo com esse principio, pela forma que entendi mais conducente ao fim a quê todos visavam na resolução d'esta questão.

E este principio foi adoptado de maneira que tem havido annos em que as fabricas dos Açores te e m produzido 9.000:000 litros de alcool em determinadas circumstancias ; hoje as fabricas, principalmente depois da lei de 1903, não podem produzir mais de 4.000:000 a 5.000:000 litros de alcool. Então, reduzidas as fabricas, reduzido o seu valor, ficava tambem reduzido o encargo de indemnização para o Estado.

Vem agora a proposta da lei apresentada pelo actual Governo, e essa proposta de lei, no que diz respeito ao Douro, deve receber o applauso de todos os que se interessam sinceramente por aquella região e receber por isso, tambem, o meu applauso e approvação. Mas tenho receio de que exactamente porque não respeita outros interesses, a sua viabilidade não seja completa e segura.

Se fosse adoptado o principio estabelecido na minha proposta eu estou convencido de que facilmente se podiam harmonizar todos os interesses, e tornar viavel a proposta de lei que o Governo trouxe ao Parlamento. Mas começam aqui as suspeitas, porque juntamente com a proposta que o Governo trouxe á Camara dos Senhores Deputados para resolver definitivamente a questão do Douro, apresentou uma outra relativa á importação em Villa Nova de Gaia dos vinhos produzidos no sul.

A proposta de lei de que se trata é uma lei que vigora até que outra seja approvada: logo é nullo o seu effeito Mas estas propostas de lei, que não resolvem nenhum assumpto definitivamente, costumavam votar-se sem discussão. As commissões deliberam, submettem-se á apreciação das Camaras, ninguem discute e são approvadas. Mas, n'um dos primeiros dias d'este mês, o Sr. Ministro das Obras Publicas apresentou á Camara dos Senhores Deputados uma proposta de lei, que pela sua natureza é d'aquellas que indiquei, e até hoje não me consta, já não direi que ella tivesse sido votada, mas que tivesse entrado em discussão.

Por isso temo que o Governo comece a recuar, não resolvendo a questão do Douro, começando a reconhecer a inviabilidade do projecto que se discute. E não querendo abusar da attenção da Camara, termino mandando para a mesa as representações a que ha pouco me referi, e formulando duas perguntas ao Sr. Ministro das Obras Publicas.

A primeira: se a despeito de todo o movimento feito em volta d'este projecto o Governo mantem ou faz questão da restricção a respeito da exportação dos vinhos licorosos pela barra do Douro?

Segunda: se insiste em promover a discussão urgente da sua proposta de lei?

Manda para a mesa representações das Camaras Municipaes de Murça e de Vai paços e dois requerimentos pedindo documentos.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e do Ultramar, sejam enviadas a esta Camara, com a maior urgencia, notas acêrca das alterações, aclarações e interpretações do contrato de 30 de novembro de 1902 para construcção e exploração do caminho de ferro do Lobito á fronteira leste da provincia de Angola.

Requeiro que, pelo Ministerio das

Obras Publicas, seja remettida a esta Camara uma nota por onde constem todos os actos praticados pelo Governo, em relação ao contrato provisorio, constituição da companhia, emissão de obrigações de contratos de qualquer ordem e que digam respeito ao caminho de ferro do Valle do Vouga.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 9 de outubro de 1906. = Teixeira de Sousa.

(S. Exa. não reviu).

(A Camara, previamente consultada, annniu a que as representações fossem publicadas no ".Diario do Governo").

O Sr. Ministro das Obras Publicas

(Malheiro Reymão): - Sr. Presidente: ouvi com toda a attenção o Digno Par que acabou de falar.

Abstenho-me por completo de responder á ultima parte das suas considerações, por isso mesmo que S. Exa. disse não ser seu proposito discutir a proposta relativa ao Douro.

E certo S. Exa. dizer não ser seu proposito ventilar a. questão que está sujeita á outra casa do Parlamento; mas é certo tambem que as palavras do Digno Par estão em absoluta, completa e inteira opposição a esse proposito.
_____
1 Estas representações são publicadas no fim d'esta sessão e os requerimentos foram expedidos.

Vou começar por responder ás duas perguntas de V. Exa. O Governo considera a sua proposta aberta e franca a todas as modificações que possam conduzir a uma boa situação a região do Douro.

O Governo considera indispensavel uma providencia, a evitar que pela barra do Porto, seja exportado vinho que não proceda da região vinicola.

O Governo deseja, tanto quanto lhe cabe pela sua acção e pelos seus esforços, que a Camara se occupe brevemente da discussão da sua proposta.

A commissão encarregada de examinar essa proposta deve reunir-se ámanhã, e ámanhã mesmo deve apresentar o seu parecer na Camara dos Senhores Deputados, e, pela minha parte, posso assegurar a V. Exa. empregarei toda a vontade para que a discussão se realize o mais depressa que seja possivel.

Devo, porem, tambem a meu pesar, responder á primeira parte das considerações do Digno Par, para lhe dizer muito peremptoria, muito clara, muito expressa, e muito positivamente, que a providencia dictatorial promulgada pelo Governo a respeito do Douro, não teve outra intenção que não fosse a que muito nitidamente se expressa no relatorio que o Governo apresentou.

O Governo, n'essa providencia, não fez mais do que attender a reclamações instantes que lhe haviam sido dirigidas, e tambem não fez mais do que procurar remedio e allivio ás tristes circumstancias d'aquella região.

Não houve outra qualquer intenção, posso dizel-o, não houve qualquer outro intuito, nem da minha parte, nem da parte do Governo, senão o de empregar as diligencias que nos eram impostas, pela dolorosa situação d'aquella provincia.

Foram ouvidas todas as reclamações que pediam que se attendesse ao estado em que essa região se encontrava, e deploro que, sendo intenção do Digno Par defender e zelar os interesses d'aquella região, se procure macular a intenção de um homem que, pelo seu passado, e pela forma como tem procedido n'este assumpto, lhe não merecia qualquer insinuação, porque só teve em vista dar satisfação ás exigencias dos agricultores.

O Governo, como já disse, tratou apenas de attender ás reclamações do Douro, e procurou, incluir n'essa providencia, pela forma mais justa, o que julgou mais consentaneo para resolver o assumpto.

O Governo providenciou como entendeu, tendo unicamente em vista a situação desgraçada em que se encontravam os pobres lavradores d'aquella região, que não tinham dinheiro; porque os outros, mal ou bem, podiam se-

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perar por uma providencia de maior alcance.

O que eu sei é que desde o momento que providenciei, e que a providencia se poz em execução, entraram no Porto cerca de 4 mil pipas de vinho a mais das que haviam entrado em igual periodo do anno anterior.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Tinham saído do Douro.

O Orador: - Esse vinho foi comprado depois da publicação do decreto.

O Sr. Teixeira de Sousa: - O decreto diz que o vinho seria isento de pagamento do real de agua quando seja exportado directamente pelos productores ou comprados pelos commerciantes depois da data do decreto.

O Orador: - Eu não sou administrador geral das alfandegas, e, portanto, não sei os differentes casos que se dão. Conheço o assumpto pelas communicações que tenho no meu Ministerio.

O facto é que depois da providencia entraram 1.800:000 litros de vinho. Estes são os factos, e, portanto, não foi uma providencia esteril e inutil, não foi uma providencia para satisfazer interesses mesquinhos; foi uma providencia para acudir áquelles pobres lavradores.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu não disse nada d'isso, nem podia dizer, nem mesmo era capaz de o dizer.

É a primeira vez que me defronto com V. Exa. no Parlamento, e não seria eu que viesse agora dizer a V. Exa. que a medida era para servir interesses mesquinhos. Não disse tal.

Agora se S. Exa. deseja fazer um discurso n'um tem irritante, eu não tenho duvida nenhuma em acceitar a discussão n'esse campo.

O Orador: - Ouvi com toda a attenção o discurso do Digno Par e admirei o seu talento e o vasto conhecimento que S. Exa. tem do assumpto, mas tambem devo dizer a S. Exa. que não estou habituado a perder o sangue frio quando discuto qualquer assumpto. O que me maguou, o que me fez tomar um pouco de calor, foi o dizer-se que a providencia promulgada foi unicamente para servir interesses mesquinhos.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Eu não disse absolutamente nada d'isso.

O Orador: - Eu não me refiro ao que V. Exa. disse; refiro-me ao que algumas pessoas disseram ou insinuaram.

O Sr. Teixeira de Sousa: - N'esse caso, V. Exa. responde a esses, mas não a mim.

O Orador: - Eu falo com sinceridade e com a franqueza que me é propria como sempre tenho feito, e como fiz sempre na outra casa do Parlamento, e com a verdade com que sempre falei quando me sentava nas cadeiras da opposição na outra casa do Parlamento. Por consequencia, eu digo, não inspirou esse decreto outro proposito que não fosse o de attender á angustiosa situação do Douro, e nem esse decreto foi tão inefficaz e inutil que em consequencia das suas providencias não entrassem no Porto cerca de quatro mil pipas de vinho, e assim reservo-me para quando for discutida a proposta relativa ao Douro.

Em resposta a algumas considerações do Digno Par, não quero sentar-me sem lhe dizer que li com toda a a attenção a proposta de S. Exa. e em verdade, muitos dos seus pontos me serviram de molde para algumas das disposições que. constituem a essencia principal da proposta que tive a honra de apresentar á Camara dos Srs. Deputados.

E claro que nós divergimos nos processos, mas, em absoluto, estamos de accordo, e S. Exa. o reconhece, dizendo que a proposta é agradavel ao Douro e satisfaz a muitas das suas exigencias e reclamações.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Villaça pede auctorização á Camara, dos Dignos Pares para se ausentar durante algum tempo.

Os Dignos Pares que concedem a auctorização pedida tenham a bondade de se levantar.

Está approvada.

Tem a palavra o Digno Par o Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: a deliberação que V. Exa. tomou, de enviar a minha proposta á commissão de legislação, equivale a tel-a canalizado para o limbo. Em 1904 não foram tão crueis com outra proposta do mesmo genero de que eu tambem era ô autor. Como leader da maioria, exprimiu-se acêrca d'ella, o Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, que propoz que ella fosse marcada para ordem do dia.

Excedeu, V. Exa., Sr. Presidente, o que se passou n'essa epoca. O enterro que lhe destina é mais pomposo do que o que teve então. E, segundo a technica parlamentar, positivamente de 1.ª classe.

Acato a deliberação de V. Exa.; mas

permitta-me que lhe diga que o contacto com a concentração o gafou no seu antigo liberalismo...

O Sr. Presidente: - Que destino deseja V. Exa. que lhe dê?

O Orador: - Que seja indicada para ordem do dia e discutida com a possivel brevidade.

O Sr. Presidente : - Pois satisfazendo os desejos de V. Exa. não a mandarei á commissão de legislação, e dal-a-hei opportuna e brevemente para ordem do dia.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a sua deliberação, que melhor se coaduna com as boas praxes parlamentares.

Posto isto, envio para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada, com urgencia, nota da importancia da restituição a fazer da contribuição industrial bancaria á Companhia dos Tabacos, - operação esta que, segundo a informação que officialmente me foi feita, está apenas dependente da abertura de um credito para aquelle fim. N'essa nota desejo que se attenda mais ao seguinte:

a) Importancia da contribuição industriai bancaria, arbitrada á companhia, por annos civis, desde a sua instituição até a sentença arbitral, que lhe foi favoravel, em 6 de julho de 1903;

b) Somma total das parcelas annuaes da mesma contribuição. = Sebastião Baracho".

Alem dos esclarecimentos que acabo de requerer, insto por que me sejam fornecidas urgentemente todas as peças do processo respeitante ao contrabando de guerra descoberto modernamente na Alfandega de Lisboa, pretendendo-se fazer passar por espelhos quinze caixas com 150 espingardas procedentes de Nantes, e consignadas á firma Henry Burnay & C.ª

É indispensavel que estes documentos me sejam fornecidos para patentear uma das feições do contrato dos tabacos, o qual deve entrar brevemente em debate n'esta Camara.

Poder-se-ha então apreciar das immunidades de que disfruta o banqueiro monopolista d'essa e de outras prebendas, e que considera este paiz como um feudo, propriamente seu.

Insisto egualmente por que me seja facultada copia do cadastro de estrangeiros, existente no governo civil, na parte concernente ao Sr. Conselheiro Driesel Schrõter; e, bem assim, copia do attestado do consulado da Austria

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que, em 1861, legalizou a situação do mesmo Sr. Schrõter como subdito d'aquella nação.

Aproveito a presença do Sr. Presidente do Conselho para instar mais com S. Exa., referentemente a serem-me fornecidas todas as informações relativas á execução da lei de 13 de fevereiro. Careço de me documentar, a fim de tornar publico, por forma a não admittir duvidas, que a lei acelerada ainda se avoluma na crueldade da Bua execução.

Sr. Presidente: na sessão anterior referi-me aos sanatorios da Madeira; e, comquanto as negociações acêrca d'elles, estejam ainda pendentes, não me eximo a perguntar ao Sr. Presidente do Conselho:

Estamos effectivamente sob o signo do fatal dillema - ou 500:000 libras esterlinas de indemnização, ou a permissão de jogos illicitos?

Nem quero pensar em que nos seja imposta uma tal alternativa, que, qualquer que fosse o prisma por que fosse encarada, nos deixaria na situação mais triste e deprimente.

Outro esclarecimento solicito do Governo, e este concernente ao Prelado de Lisboa.

E sabido que elle saiu do reino na terça-feira passada e dirigiu-se a Tuy, onde foi felicitar o Prelado d'aquella diocese pela sua attitude hostil para com o Governo da nação vizinha.

Em taes condições, desejo saber:

Pediu o Sr. Cardeal Patriarcha pelo Ministerio da Justiça autorização para sair do paiz?

Limitar-me-hei por agora a aguardar a resposta do Sr. Ministro da Justiça, reservando-me para n'uma sessão subsequente me dirigir a S. Exa. e ao Sr. Ministro do Reino, pedindo providencias acêrca do estado assaz tumultuario em que se encontra o ensino nos seminarios diocesanos, com prejuizo indiscutivel da educação dos alumnos que os frequentam.

Dito isto, vou-me referir aos attentados commettidos em 4 de maio, por occasião da chegada á estação da Avenida, do Sr. Conselheiro Bernardino Machado. Começarei por notar que o Noticias de Lisboa, orgão regenerador, attribuiu ao Sr. Conselheiro Pimentel Pinto, na reunião partidaria, ultimamente realizada em casa do Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, as seguintes palavras:

"Ouviu por ultimo dar como causa á queda do Governo os acontecimentos de 4 de maio. Não sabe se é verdade. O que se sabe é que até hoje ainda não se apurou com fundamento a quem cabe a responsabilidade d'esse acontecimento.

Ignora-o elle e ignora-o o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, que mandou proceder a uma syndicancia que está nas mãos do Sr. João Franco, sem que até hoje se saiba quem são os culpados".

D'estas palavras concluir-se-hia naturalmente que tanto o Sr. Pimentel Pinto como o Sr. Hintze Ribeiro desconheciam quem tinham sido os mandantes do feito criminoso da estacão da Avenida. As declarações, porem, d'estes dois Dignos Pares, na sessão antecedente, modificam, esse juizo. O Digno Par Sr. . Pimentel Pinto affirmou, pela sua parte, que não sabia se tinha havido ou não violencias desnecessarias, mas que se as houve, e não foram punidas, a culpa pertencia inteira ao actual Governo e não ao Governo transacto.

Nada tenho com as responsabilidades attribuidas no caso sujeito ao Sr. Presidente do Conselho. Limito-me, por isso, a objectar que não ha violencias necessarias nem desnecessarias. Por parte dos servidores publicos, quer sejam ou não policiaes, só ha a cumprir a lei.

Orientando-se por forma similar, o Sr. Hintze Ribeiro limitou-se a declarar que mandara proceder a investigações por parte do commandante geral da policia e do Juizo de Instrucção Criminal.

Relativamente a responsabilidades, acêrca das ordens dadas, manteve-se em absoluta reserva, que é indispensavel desappareça para esclarecimento completo dos desmandos occorridos.

Pela parte que me respeita, n'esse sentido operarei até que se chegue ao resultado de se conhecer quem são os responsaveis pelos crimes que por essa occasião vexaram e maltrataram a população pacifica de Lisboa.

Quanto a syndicancias, sabe-se já pelas declarações do Sr. Presidente do Conselho que a que fôra incumbida ao inquilino da Bastilha da Estrella não se realizara.

Tenho eu, porem, em meu poder um documento, que suppre na sua essencia o mallogrado inquerito, mencionando que foram enviados ao 2.° districto criminal 27 cidadãos. Querem V. Exas. e a Camara saber o motivo da remessa d'estes 27 populares a prestarem contas perante a justiça do reino?

O terem dado morras á policia!... E textual.

E foram felizes, na verdade. Com o tempo que vae correndo, podiam tel-os obrigado a ouvir o hymno da Carta com a feição espectaculosa que lhe deu ultimamente o Sr. Ministro da Guerra, e foi acceita pelo Sr. Ministro da Marinha.

Não estiveram felizes estes dois Srs. Ministros com semelhante resolução. O hymno o muito que pode ser é um hymno official. Depois de oitenta annos de Carta outorgada, é bastante forte quererem arvorar o respectivo hymno em simbolo nacional. Este reside na bandeira, que todos acatam e cumprimentam, livre e espontaneamente.

Se por cada rasgão que a Carta tem levado, tivessem tirado ao aymno uma nota, nenhuma lhe restava para amostra sequer. Já não havia que tocar.

No regimen de Governo pessoal em que vivemos, de absolutismo bastardo affixado, arvorar o hymno da Carta em hymno nacional, quando ella tão esquecida está até nos dias da sua outorga e do seu juramento, não representa previdencia e conhecimento da atmosphera reinante, por parte dos inventores de tão original medida.

Sr. Presidente: não menos esdruxula se me afigura a ideia de proceder a syndicancias, cuja direcção foi confiada aos proprios que deviam ser syndicados.

O que poderia dizer o chefe da espionagem da Bastilha dos espiões com quem vive e medra?

O que seria licito apurar ao commandante da policia na syndicancia, cuja publicação no Diario do Governo eu ha pouco requeri?

Por esta auctoridade foram-me fornecidos oficialmente esclarecimentos, que denotam o que se pode esperar do inquerito por elle formulado.

Perguntara eu, n'um dos meus requerimentos, quaes os officiaes e praças da policia que tinham sido castigados em consequencia das brutaes espadeiradas distribuidas a esmo na estação da Avenida.

Pois tive como resposta, que tenho presente, que não houve officiaes ou pragas de policia punidos com qualquer pena disciplinar, derivada d'aquelles acontecimentos.

Estes e outros factos, infelizmente frequentes, patenteiam a necessidade de reformar radicalmente a policia. Quando ella se organizou com feição militar, não lhe foi negada, perante o seu acertado proceder, a sympathia do publico. Com o decorrer do tempo, por tal modo se degenerou que, devendo ella ser um instrumento de protecção dos cidadãos, é frequentemente o seu perseguidor.

Em logar de se fazer respeitar pelos seus actos, transformou-se n'um cabide de armamento, perigoso para a ordem publica, por abusar d'elle frequentemente.

O seu feitio aggressivo indica o papel que ella representa na liquidação a que se está procedendo, e cujo termo se aproxima para breve, se não houver um reviramento, completo e immediato, na orientação official dos dirigentes.

Não ha fugir ás lições da historia antiga e moderna. E sempre assim.

(S. Exa. não reviu).

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O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco): - Sr. Presidente: não vou agora acompanhar o Digno Par em to das as suas considerações, e creio que S. Exa. não me levará isto a mal, visto que ha outros Dignos Pares inscriptos.

Pedi a palavra simplesmente para dizer a S. Exa. que todos os documentos, sem prejuizo, nem inconveniente algum para qualquer ramo de administração, serão enviados immediatamente ao Digno Par, porque tenho muita vontade em satisfazer todos os seus pedidos.

Em relação áquelles que se referem ao Juizo de Instrucção Criminal, são numerosissimos, referentes a milhares de presos, tal foi a extensão do seu requerimento, certamente no uso dos seus direitos, o que muito respeito.

O Sr. Sebastião Baracho: - Esses, relativos aos milhares de presos, já os recebi. São perto de 9:000 os individuos que transitaram por aquelle paraiso.

O Orador: - O Governo mostra assim a boa vontade que tem em satisfazer os pedidos de documentos para V. Exa.

Com relação ao assumpto dos sanatorios eu não podia satisfazer o requerimento do Digno Par, mas disse a S. Exa. a razão porque. É o facto de se dizer que ha negociações pendentes...

O Sr. Sebastião Baracho: - E não ha o dilemma?

O Orador: - Não ha. Quando houver algum resultado será trazido ao conhecimento do Parlamento.

Referiu-se o Digno Par á organização da nossa policia por uma fórma dê pouco louvor, não só para os agentes, como para os seus commandantes. Não só porque é minha obrigação, mas porque estou já ha cinco meses no poder e ainda não castiguei nem manifestei qualquer desagrado aos agentes policiaes ou aos seus commandantes, relativamente á forma como o serviço respectivo tem sido feito, devo dizer que o Digno Par não é justo para com aquella corporação e não ha He ser simplesmente a minha affirmativa que ha de provar a injustiça do Digno Par. É pedindo-lhe, já que tanto tem acompanhado os nossos acontecimentos politicos, que compare o que succede desde que a policia tem organização militar. Não só o numero de castigos applicados pelas autoridades e tribunaes judiciaes aos agentes de policia é muito menor do que era anteriormente, mas ainda menor o numero de conflictos e encontros que todos os dias se davam nas das de Lisboa entre particulares e agentes policiaes, ou ainda entre massas de populares e forças reunidas de policia. Esses factos, hoje, quasi se não dão.

No que respeita aos acontecimentos de 4 de maio, creio não poder dar demonstração mais cabal de imparcialidade do que determinando no dia 20, quando eu tinha entrado nos Conselhos da Coroa a 19, que a syndicancia fosse entregue ao poder judicial, a fim de que elle apurasse as responsabilidades.

Espero a deliberação dos tribunaes, e, conforme for a resolução do poder judicial, então o Governo procederá em harmonia com essa resolução. Não havia por consequencia por forma nenhuma vontade de acobertar a responsabilidade de quem quer que fosse.

O que eu não pretendo de forma alguma é furtar-me a responsabilidades.

O poder judicial é quem está incumbido de averiguar a quem cabem as culpas dos excessos de 4 de maio. E creia o Digno Par que, no caso de se vir a apurar que houve abusos, saberei cumprir a lei e ser severo para com áquelles que a desrespeitaram.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Em primeiro logar, permitta-me V. Exa. que eu chame a attenção da mesa para o pequeno numero de sessões que n'esta casa se teem realizado.

Eu sou sufficientemente conhecedor dos bastidores politicos para não attribuir á mesa, e em especial á pessoa de V. Exa., a responsabilidade de tal facto, que lhe não pertence.

Sei perfeitamente que a ordem dos trabalhos parlamentares é sempre dirigida de pleno acordo entre o Presidente da Camara e o Presidente do Conselho, nem de outra forma podia haver sequencia e bom regimen nas sessões.

É a primeira das attenções que V. Exa. tem de ter para com o chefe da situação, seja qual for a igualdade ou desigualdade dos sentimentos politicos que os animem. É pois em vista d'essa razão que eu attribuo a culpa fundamental d'este acontecimento, não á pessoa de V. Exa., mas ao Governo.

Dizia o meu chorado e extincto mestre e chefe, Fontes, que a maneira unica que um Governo tinha de governar com o Parlamento, era abrir as Camaras, dar o maior numero de sessões que pudesse, e alongar quanto possivel as sessões parlamentares. E costumava elle dizer aos d'esse tempo (e já lá vão bastantes annos) que o maior serviço publico que um membro das maiorias podia prestar ás situações ministeriaes era a sua assiduidade ás sessões.

Dizia mais o meu antigo e grande chefe que um Governo, para viver com o Parlamento, necessita de deixar inteiramente livre, desafogada, activa e permanente a acção e a fiscalização parlamentar.

Não é fugindo, furtando-se aos trabalhos parlamentares, evitando que os representantes da nação versem dia a dia as differentes questões politicas e de administração, que necessitam da sua iniciativa, não é assim, repito, que os Governos, já não direi melhormente defendem os interesses da nação, mas os proprios interesses do Gabinete.

O Governo actual tem á sua frente um dos mais distinctos oradores parlamentares: o Sr. Conselheiro João Franco Castello Branco.

Se é verdade que S. Exa. quer viver com o Parlamento, não nos impeça a nós. Pares do Reino e Deputados da Nação, de exercermos esse direito com toda a largueza e liberdade.

Ha quem diga, não sei se é verdade mas é possivel que seja, que esta relativa demora nas discussões parlamentares, provem de que alguma personagem, que occupa uma elevada posição politica, já não direi n'esta casa do Parlamento, mas na colligação, ainda não acabou as suas vindimas.

Ha quem attribua á ausencia do Sr. José Luciano de Castro a relativa relutancia em abrir esta casa do Parlamento aos debates politicos.

Sr. Presidente: muitos de nós somos vinhateiros.

Eu tambem sou vinhateiro, modestissimo, é certo; mas tratei de arranjar a minha vindima antes do dia 29 de setembro.

Fiz as minhas vindimas a tempo de estar aqui na abertura do Parlamento, porque entendo que os interesses do paiz não podem estar dependentes, ou das minhas vindimas, ou das vindimas da Anadia.

Dito isto, Sr. Presidente, vou agora referir-me a dois assumptos que na sessão de hoje chamaram mais particularmente a minha attenção.

Um d'esses assumptos foi hoje tratado aqui pelo meu amigo o Sr. Alpoim, e ao outro, aos acontecimentos de 4 de maio, referiram-se varios oradores.

Quanto ao primeiro, ouvi na ultima sessão da outra casa do Parlamento o Sr. Ministro da Justiça dar ao cavalheiro que o interrogou a mesma resposta que hoje deu ao Sr. Alpoim.

Refiro-me ao telegramma congratulatorio dirigido pelo episcopado portuguez ao Arcebispo de Paris, e á visita feita pelo Sr. Cardeal Patriarcha de Lisboa ao Bispo de Tuy.

O primeiro d'estes dois casos, a que

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me refiro, diz respeito á situação que está creada na egreja franceza por uma lei que regula as funcções da mesma egreja em face do Estado.

O segundo ponto refere-se á attitude do Sr. Cardeal Patriarcha, perante um dos Bispos do paiz visinho, relativa mente a uma ordenação real, saida da secretaria da justiça d'aquelle paiz referente ao registo civil.

Sr. Presidente: ouvi o que o Sr Ministro da Justiça disse na outra casa do Parlamento. S. Exa. ali, como aqui disse que não sabia se o facto era verdadeiro; mas que o Governo não deixaria de cumprir o seu dever.

Sr. Presidente: eu entendo que esta questão é extremamente grave.

Entendo que um homem da intelligencia do Sr. José Novaes não encontraria difficuldades para se orientar definitivamente sobre o assumpto.

Bastava-lhe pedir ao seu collega da Obras Publicas, o Sr. Reymão, que mandasse inquirir d'esses factos á estação telegraphica de Coimbra.

O Sr. Ministro das Obras Publica poderia, dentro de uma hora, ou pouco mais, servir o seu collega, e apresentar lhe, ou o documento justificativo d'aquillo que se propala e se diz, ou s annullação d'essa referencia.

Eu, Sr. Presidente, entendo que Portugal está, relativamente ao assumpto em questão, n'uma situação muito differente d'aquella em que se encontram a Allemanha e a Belgica.

É facto que dentro d'esses paizes não deixou de se olhar para o procedimento do episcopado francez; mas V. Exa. e a Camara devem ter em consideração o seguinte facto, e é que na Allemanha a religião catholica não é religião official do Estado. E muito differente o systema d'aquelle paiz em relação á situação do episcopado portuguez, visto que em Portugal a religião catholica é a religião do Estado.

Quanto á Belgica, é difficil fazer o cotejo, é difficil comparar, porque, como V. Exa. sabe, a Belgica na sua rotação constitucional acha-se quasi inteiramente parada.

Em 1889, visitando eu Bruxellas, já lá encontrei a actual situação conservadora, que é a representante do partido clerical.

Como a exhaustão do partido liberal belga se tinha já accusado anteriormente a essa epoca, os clericaes teem fornecido áquelle paiz successivos Ministerios, que representam as suas opiniões.

Portanto, não é de admirar que n'uma nação que se encontra subordinada a este regimen governativo, o episcopado goze de liberdades abusivas a tal respeito.

Em Portuga a situação parece-me ser a que vou indicar, e considero-a tão grave que não duvido chamar a attenção do Governo, não direi somente sobre os factos occorridos, mas sobre aquillo que, na minha modesta opinião, urge fazer desde já.

Parece-me ser verdade a transmissão do telegramma a que se referiu o Sr. Alpoim, e tambem me parece verdadeiro o facto da peregrinação effectuada pelo Sr. Patriarcha de Lisboa N'este momento não me alargarei sobre os inconvenientes de semelhante iniciativa. (Áparte).

Observa o meu collega Sr. Dantas Baracho que o Sr. Ministro da Justiça não declarou se o Sr. Patriarcha lhe solicitara a respectiva licença.

Se não a solicitou, semelhante falta aggrava ainda o procedimento do Prelado.

Ora a verdade parece-me ser esta effectuou-se a mensagem congratulatoria, effectuou-se a peregrinação a e, ao que vejo, sem licença ministerial.

Por aquillo que é do meu conheci mento, sou levado a suppor que até momento actual o Governo Francez nenhuma reclamação apresentou sobre o assumpto e, conseguintemente, estamos ainda a tempo de procurar, já não direi remediar a falta passada, mas evitar faltas futuras.

E absolutamente indispensavel que o Governo Portuguez, pelo Ministerio respectivo, que é o Ministerio da Justiça, faça, em officio, em circular, em fim pela forma que entender mais usual e que seja aquella que tradicionalmente está adoptada na respectiva Secreta ria, faça constar aos bispos portuguezes quaes os melindres e escrupulos da situação e qual o cuidado a ter em vista relativamente á situação criada em França a proposito da luta entre o Governo Francez e o Vaticano.

E indispensavel que os bispos portuguezes, animados pela falta de intervenção governativa, não nos tirem da situação relativamente benigna em que nos encontramos, não tendo ainda recaido sobre nós reclamação nenhuma do Governo d'aquella Republica, e que os bispos portuguezas, sabedores dos deveres que lhes assistem, não nos criem dificuldades de hoje para o futuro.

Os bispos portuguezes devem saber que se os Governos até hoje lhes teem dado todas as demonstrações de uma politica sensata, moderada e intelligente, deixando que a sua acção se exerça dentro da fiscalização e supremacia do poder civil, não se lhes poderá permitir a menor manifestação desordeira e Ilegal que, a proposito de qualquer acto do Sr. Patriarcha, nos vá criar difficuldades serias entre o Governo de Portugal e da Republica Franceza. Eu peço ao Governo que faça, por meio de uma circular ou officio, o necessario para evitar que uma intervenção diplomatica, que até ao momento se não produziu, se não venha a produzir.

Dito isto, referir-me-hei aos acontecimentos de 4 de maio e referir-me-hei, procurando tiral-os dos subterfugios em que até agora teem sido collocados pelo Sr. Presidente do Conselho, indo de vez ao fundo da questão.

Sr. Presidente: quando eu me referi a estes ancontecimentos e pedia ao Sr. Ministro da Justiça a fineza de informar o Sr. João Franco, perguntei quaes os resultados da syndicancia e quaes as providencias que o Governo tinha tomado.

O meu fim ao fazer esta pergunta era simples. Era não querer que a responsabilidade ministerial ficasse agachada e escondida através de uma syndicancia feita pelo proprio chefe da policia. Era não consentir tão pouco que o poder administrativo se escondesse atrás do poder judicial e considerasse até de importancia secundaria o saber quem tinha dado as ordens á policia (Apoiados), por isso que a syndicancia não começou por desvendar esse ponto mysterioso; era levar a minha generosidade de discussão até o ponto de não confundir as noticias dos jornaes e respeitar as declarações dos meus collegas n'esta casa, evitando que da apreciação dos factos pudesse resultar diminuição de auctoridade e deixar a questão politica tal como se apresenta, seja qual for a habilidade do Sr. João Franco.

O que fica amesquinhada é a propaganda de V. Exa., que ainda ha poucos dias declarou no Parlamento que queria vida nova, legalidade estricta e moralidade em todos os actos do Governo.

Sr. Presidente: não é appellando para o poder judicial, não com uma syndicancia feita pelos proprios interessados, que se dá a devida satisfação á cidade de Lisboa.

De duas uma: ou S. Exa. fica acorrentado ás responsabilidades dos actos praticados, ou tem de cumprir o seu dever, e se o não cumprir, S. Exa., fica como cumplice dos factos que se deram na noite de 4 de maio.

Que figura faz S. Exa. falto de auctoridade, sem força para corrigir os desmandos que se deram n'aquella noite?

Se S. Exa. syndicar por uma forma rança, digna, honesta e imparcial, averiguando como os factos se deram, e depois, em vista d'esses factos, proceder com toda a justiça, creia S. Exa. dá assim a devida satisfação á cidade de Lisboa; mas esconder-se S. Exa. atrás do poder judicial e ap-

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pellar para esse poder, não é nem pode ser um acto de verdadeira moralidade.

E preciso castigar e punir seja quem for, suba até onde subir.

Se S. Exa. não fizer isto, se proseguir no caminho encetado, pode continuar a gozar a fama de parlamentar habilissimo, de campeador, verdadeiramente intelligente, nas pugnas parlamentares, mas, entenda-se bem, eu, seu antigo companheiro de armas, homem que melhor do que ninguem conhece a sua maneira de ser parlamentar, porque com S. Exa. convivi sempre, desde o dia em que juntos entrámos no Parlamento, e tive a maior satisfação em ver expandir se e desenvolver-se o seu bello talento, digo-lhe que se não engane S. Exa. Por mais que o chefe do Governo pretenda esquivar-se e fugir á responsabilidade da situação, a verdade ficará de pé, e se justiça não for feita, justiça de que deriva o apaziguamento social, os aggravados não deixarão de pedir-lhe satisfação por não ter procedido correcta mente, por se tornar cumplice d'esses factos.

Pode S. Exa. ter a certeza de que a questão de 4 de maio, é a primeira das ameaças parlamentares á maneira por que se blasona de honesto e moral o Governo a que preside.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Faltam apenas dez minutos para a hora do encerramento da sessão e estão inscriptos varios Dignos Pares.

Vou dar a palavra ao Sr. Alpoim, mas peço a S. Exa. que resuma as suas considerações.

Igual pedido faço aos outros Dignos Pares que estão inscriptos.

O Sr. José de Alpoim: - Não preciso usar da palavra, porque o Sr. João Arroyo já fez o pedido que eu tencionava apresentar.

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Pedi a palavra para dizer ao Sr. Dantas Baracho que ainda hoje renovei no meu Ministerio as ordens para serem satisfeitos os requerimentos do Digno Par.

O Sr. Sebastião Baracho: - Oxalá que sejam cumpridas.

O Orador: - Hei de insistir para que o sejam.

Aproveito a occasião para dizer aos Dignos Pares Sr. Baracho e Sr. Arroyo, que indagarei dos factos por S. Exas. apontados, podendo garantir-lhes que hei de cumprir as leis do reino.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pedro de Araujo: - Estava longe de suppor que me seria necessario pedir a palavra hoje, mas pedi-a para me referir a uma declaração terminante que fez o Sr. Ministro das Obras Publicas e que, a meu ver, permitta-me S. Exa. que lh'o diga, está em manifesta contradição com o que S. Exa. diz no relatorio da proposta apresentado á outra casa do Parlamento.

N'esse relatorio diz o nobre Ministre que a proposta é como que uma base de discussão, e não uma resolução definitiva. Hoje declara, por uma forma categorica, que tem opinião assente sobre a base. fundamental da proposta, a qual é a da restricção da saida de vinhos pela barra do Douro que não sejam d'essa região. Nós lemos uma grande facilidade em legislar a proposito de tudo; mas quando se trata de um artigo de exportação para o estrangeiro; quando se trata principalmente de interesses oppostos e variados, devemos ser cautelosos e prudentes e reconhecer a inconveniencia de certas restricções.

V. Exa. e a Camara sabem que o vinho do Douro tem facil collocação; mas é preciso que nos colloquemos em condições de competencia. Este é o lado economico da questão em relação ao paiz. Ha casas que negoceiam em vinhos do Douro, ha outras que podem negociar em vinhos licorosos, e outras ainda que negoceiam em vinhos licorosos e vinhos do sul.

Quanto a Villa Nova de Gaia seria inconveniente todo esse commercio. D'ahi resultariam enormes prejuizos para os proprietarios de Villa Nova de Gaia e para os dê milhares de operarios.

Se for approvada uma medida no sentido d'aquella que o Sr. Ministro das Obras Publicas apresentou, a consequencia fatal e unica seria a do encontro em Inglaterra, por exemplo, de vinhos do Douro com os de outros pontos.

Espero que o Sr. Ministro das Obras Publicas não dê ás suas declarações um caracter definitivo.

Creia S. Exa. que o facto de se não levantarem protestos contra a sua proposta se deve á declaração de que ella é apenas uma base de discussão, e nunca um modo de ver definitivo.

É a primeira vez que falo nesta Camara, e peço que me relevem a maneira incorrecta do meu dizer.

Sei bem que sou um desconhecido nesta casa. Trouxe-me a. esta Camara o illustre chefe do partido progressista, e tanto basta para que me seja dispensada a declaração do partido a que pertenço.

Na situação especial em que me encontro diligenciarei proceder sempre por forma a que nunca sejam postas em duvida, nem a sinceridade das minhas palavras, nem a lealdade dos meus actos.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Como V. Exa. sabe, logo no primeiro dia em que se constituiu a Camara na presente sessão legislativa, declarei que me reservava para, na discussão da resposta ao Discurso da Corôa, dar explicação dos factos que se produziram durante a gerencia do ultimo Ministerio, a que tive a honra de presidir.

Nestes factos estavam os acontecimentos do dia 4 de maio.

E costume nesta Camara apressar a discussão da resposta ao Discurso da Coroa. Todavia, a presente sessão constituiu-se na segunda-feira da semana passada; na sexta-feira elegeu se a commissão de resposta ao Discurso da Corôa.

Agradeço á Camara o ter-me eleito para essa commissão, mas tenho a declarar que ainda até hoje essa commissão se não reuniu para dar o seu parecer, quando a resposta ao Discurso da Corôa costuma ser o primeiro debate que se trava nesta casa, salvo circumstancias extraordinarias.

Isto, Sr. Presidente, para mostrar que não é minha a culpa de não ter ainda dado conta do que fiz e das responsabilidades que assumi, mas em vista das referencias aos acontecimentos de 4 de maio, e, sobretudo depois do que o Sr. Presidente do Conselho aqui nos veio dizer, V. Exa. e a Camara comprehendem que, acima de tudo, está o meu dever de me justificar, e de assumir as minhas responsabilidades; mas nenhumas outras.

A verdade é que tenho sido accusado injustamente de responsabilidades, que não tenho, nos acontecimentos de 4 de maio.

Eu não mandei acutilar o povo de Lisboa.

V. Exa. se dignará indicar o primeiro dia de sessão, e eu então direi de minha justiça.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Vêem V. Exas. como tudo se vae sabendo? Ha de chegar-se ao fim.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Para não tomar tempo á Camara, abstive-me de responder a cada um dos oradores. Não pedi a palavra para responder ao Sr. Arroyo, porque aguardava que falasse o Sr. Hintze Ribeiro, por isso que S. Exa. tinha pedido a minha presença n'esta casa. Aqui estou para responder aos Dignos Pares como é da minha

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obrigação e do respeito que devo a S. Exas.

O Sr. Hintze Ribeiro declarou que reservava o que tem a dizer para a seguinte sessão. Isto impõe-me absoluta reserva.

Pelo que diz respeito ao Digno Par o Sr. João Arrojo, direi o seguinte. Os acontecimentos de 4 de maio deram causa a ferimentos, a crimes publicos. Desde que cheguei ao Ministerio, dezaseis dias depois d'essas occorrencias, e depois de ter encontrado entregue ao poder judicial a averiguação de quaesquer responsabilidades, já levantado o corpo de delicto, entendi que qualquer intervenção da minha parte implicaria o risco de se chegar a um resultado diverso d'aquelle que procuravamos.

Se tivesse havido qualquer facto de ordem e natureza que não constituisse crime, se não tivesse havido necessidade de recorrer ao poder judicial, ainda podia ser lógica e opportuna a minha intervenção, mas, como disse, tratava-se de crimes que estavam affectos ao poder judicial.

O corpo de delicio estava feito, e o poder judicial tinha que chegar a um resultado.

O meu procedimento mostrou o desejo que tenho de que a questão seja apurada pela intervenção do poder judicial, que a ninguem pode ser suspeito. (Apoiados).

Por esta forma, colloquei o assumpto no terreno em que o devia collocar para que a resolução fosse acceita por todos e ninguem pudesse dizer que a minha acção tinha sido inopportuna, antecipada ou contradictoria com as leis do paiz, que dão ao poder judicial, não só o direito, mas a obrigação de averiguar dos crimes, promover os processos e realizar os julgamentos respectivos. Nunca se procedeu de outra forma - que me conste - em casos identicos.

É verdade que o poder judicial não chegou ainda a nenhum resultado; mas tem o Governo alguma culpa d'isso? Não houve até declarações publicas, de advogados distinctos que pertencem ao mesmo partido das pessoas que saíram feridos d'aquella refrega, que se punham ao lado d'aquelles seus amigos politicos para, perante a justiça ordinaria, arguirem quem tivesse responsabilidade nos factos e defenderem esses seus correligionarios?

Não fui eu quem mandou fazer a syndicancia, foi o meu antecessor. Chegando eu ao Ministerio no dia 19, logo no dia 20 mandei que ella fosse enviada ao poder judical. E diz o Sr. Arroyo que eu hei de ser tido na conta de cumplice de taes acontecimentos! Oxalá que em todos os casos da minha vida politica eu pudesse dizer que tinha mandado entregar a questão ao poder judicial para a julgar e fazer-se a justiça devida. Pois não é ao poder judicial que as leis encarregam de pronunciar-se em factos d'esta ordem? Não é elle o competente?

Já vejo que o debate ha de ser largo, e eu muito estimarei que o seja, porque sobre este assumpto dá-se um caso extraordinario. Ao que parece, os responsaveis pelos acontecimentos de 4 de maio não são os que estavam no poder quando esses factos se passaram, mas os que vieram depois! (Apoiados). Isto, não se comprehende!

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Peço a palavra.

O Orador: - Refiro-me ao Sr. João Arroyo e não ao Sr. Hintze Ribeiro, porque V. Exa. já affirmou que reservava para ámanhã as suas considerações.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. não quer hoje conversar com o Sr. Hintze Ribeiro; quer conversar commigo.

O Orador: - Tinha pedido que me permittissem retirar-me para a camara dos Senhores Deputados, e o Sr. Hintze Ribeiro amavelmente concordou. V. Exa. tambem concordou, mas mostrou mais desejo de que eu ficasse.

Eu que vim ao poder ha poucos dias é que hei de ser cumplice dos acontecimentos de 4 de maio?

Isto é a logica tirada do discurso do Digno Par, ou então não ha lógica.

O Sr. João Arrojo: - Hoje sobretudo, S. Exa. não quer conversar para ali, quer conversar commigo.

O Orador:-Vejo que este assumpto ha de ser tratado com largueza. Estimo que assim seja, porque ha no meu espirito uma grande curiosidade de ver como se apura a minha responsabilidade em actos a que fui absolutamente estranho.

Perguntei ao Sr. commandante da policia quaes as instrucções que tinha recebido do meu antecessor; pedi lhe até que m'as desse por escripto, porque sobre estes assumptos desejo apreciar com consciencia e segurança.

Entreguei o caso ao poder judicial, visto que havia accusados e ferimentos, e aguardo as informações d'esta instancia.

Não sei que haja outra cousa a fazer. Fiz o que a minha consciencia entendeu por melhor.

Aqui estarei na primeira sessão para poder ouvir o Digno Par e tomar parte na discussão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Hintze Ribeiro: - A hora vae muito adeantada, Sr. Presidente, e eu desejo apenas, em poucas palavras, accentuar quaes as responsabilidades que tomo n'este assumpto.

Eu tomo a responsabilidade do que fiz.

Com relação aos acontecimentos de 4 de maio, ha duas ordens de responsabilidades. A das instrucções dadas á policia; essa é minha, e eu na proximo sessão a definirei; mas ha outra, em presença dos acontecimentos que se deram, que cumpre aos tribunaes averiguar como elles se produziram, se houve ou não excessos, se ha ou não responsabilidades a tornar effectivas. Essa seria minha, se eu estivesse no Ministerio como então.

O resultado das investigações mostrará se essas responsabilidades serão ou não do actual Sr. Presidente do Conselho, conforme se apurar d'essas averiguações a que S. Exa. entendeu dever mandar fazer.

Está V. Exa. vendo que, no tocante a responsabilidades, umas tomo-as eu desde já para mim, as outras precisam de discussão, e essa discussão brevemente se realizará.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é ámanhã e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 40 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 9 de outubro de 1906

Exmos., Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Soveral; Condes: do Bomfim, do Cartaxo, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças; Viscondes: de Monte São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lancastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amo rim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor:

ALBERTO BRAMÃO.

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46 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Representações apresentadas pelo Digno Par Antonio Teixeira de Sousa

A Camara Municipal do concelho de Murça, em cumprimento do dever que lhe impõe o seu mandato, vem perante a Camara dos Dignos Pares do Reino protestar contra a gravo injustiça de ser este concelho excluido da demarcação da região do Douro, pelo decreto de 30 de julho do anno corrente.

Foi essa injustiça tão manifesta: porque sendo este concelho essencialmente vinicola, produzindo quantidade superior a 20:000 hectolitros de vinhos brancos licorosos que, devidamente adubados, servem para compor os mais finos do Douro, com que rivalizam em aroma e força alcoolica; e porque a crise vinicola que o opprime, em breve será a causa da completa ruina d'elle, e ainda porque a situação topographica d'este concelho, encravado entre os de Alijo e de Mirandella o collocam, pelo menos, em igualdade de circumstancias, eram e são estes os motivos, mais que sobejamente ponderosos, para o concelho de Murça nunca deixar de ser incluido, pelo citado decreto, na região duriense, como o foram outros em inferiores condições, se justiça lhe fosse feita e não fossem desattendidas as justas reclamações que esta camara, pelos mesmos motivos, fez ao Governo de Sua Majestade em tres representações que teve a honra de dirigir-lhe em termos respeitosos.

Por isso, e como a resolução de tão medonha crise tenha de ser affecta ao Parlamento pelas novas medidas que o Governo promette apresentar lhe, a Camara Municipal do concelho de Murça, confiando no esclarecido espirito e recta justiça dos illustres membros de que se compõe a Camara dos Dignos Pares do Reino, espera que, não approvação nenhuma d'essas medidas sem que d'ellas conste ficar este concelho incluido dentro da demarcação da região do Douro.

Sala das sessões nos paços do concelho de Murça, 26 de setembro de 1906. = Servindo de Presidente, o Vice-Presidente da Camara, Augusto Alves Medeiros. = Os Vereadores, Francisco da Nobrega = Mello.

Dignos Pares do Reino. - A Camara Municipal do concelho de Alijo, como representante de um dos mais importantes e centraes concelhos viticolas da região duriense, vem representar-vos sobre a urgente necessidade de se remediar essa crise que desde ha bastante tempo esphacela o viver economico e social d'esta região do Douro, e que, agora, chegou ao seu maximo de intensidade.

Em maio de 1901 já esta corporação teve a honra de chamar a attenção dos poderes publicos para se prevenir o desenrolar da actual crise que, então, esta camara previu. Em 1903 voltou esta municipalidade a tratar d'esse assumpto, d'onde resultou a formação de uma grande commissão de lavradores que, em março de 1904, entregou a El-Rei e ao Parlamento uma representação em que se pediu a garantia do direito que assiste ao Douro de só os seus vinhos poderem ser vendidos com o nome de Porto ou Port-wines.

Providencia legal alguma ha n'esse sentido, e apenas o Digno Par do Reino Sr. Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa, apresentou na Camara Alta um projecto de lei n'esse sentido, que não chegou a ser discutido por falta de sessões.

Escusado é encarecermos a necessidade rapida da solução d'este assumpto com o qual se prende o futuro de uma

das maiores riquezas de exportação nacional. A imprensa do paiz, sobretudo a do norte, vem de ha muito, expondo sem exageros, mas com grande nitidez, a situação de miseria a que chegou o Douro, onde agora n'esta vindima, não se vendeu a decima parte da sua pequena colheita, e essa fracção fui vendida pela quarta parte dos preços normaes dos annos anteriores!

D'esta situação resulta uma anormalidade, ou melhor dizendo, a desorganização dos serviços municipaes onde já não são pagos os seus empregados pela falta da receita ordinaria, que em geral é constituida pelo imposto directo incidente sobre a propriedade, mas que não e paga porque essa propriedade se encontra sem rendimento. O Governo está tão convencido da impossibilidade d'esse pagamento que suspendeu desde ha muito a execução por dividas de contribuições a dentro do Douro.

Este - de ha muito é sabido - só pode viver do cultivo da vinha; mas sem a garantia dos direitos que lhe assistem não a pode cultivar, e, n'esse caso, só lhe resta abandonar as suas propriedades.

Para o paiz será uma vergonha que uma região importante e que tanto ouro tem importado com a venda de seus productos viva n'uma longa angustia, pela falta de providencias legislativas que lhe dêem o que lhe pertence.

A vós, Dignos Pares do Reino, pertence, na vossa superior missão de legisladores, prover de remedio a este mal, que não só affecta uma provincia como a economia nacional.

E isso que esta Camara, a que tenho a honra de presidir, respeitosamente vos pede e confiadamente espera.

Paços do concelho de Alijó, 29 de setembro de 1906. = O Presidente da Camara, Torquato Luis de Magalhães.

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