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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 4

EM 10 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta.- Expediente.

Ordem do dia. - Primeira parte. - Eleição de commissões. - São eleitas as commissões de fazenda, administração publica e agricultura. - Alguns Dignos Pares requerem varios documentos.- Segunda parte da ordem do dia: Os acontecimentos de 4 de maio na estação do Rocio. - Sobre este assumpto usam da palavra o Digno Par Hintze Ribeiro, o Sr. Presidente do Conselho e o Digno Par Sebastião Baracho, que manda para a mesa duas representações. - Antes de encerrada a sessão: O Digno Par José de Azevedo Castello Branco justifica a sua falta a algumas sessões, apresenta duas representações relativas á questão do Douro, requerendo que sejam publicadas no Diario do Governo e pede a comparencia do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para lhe dirigir algumas perguntas sobre um assumpto que reputa importante. - A Camara resolve que as representações sejam publicadas, bem como os que o Digno Par Sebastião Baracho apresentou, se a Mesa julgar conveniente a sua publicação. - O Digno Par Dias Ferreira insta pela remessa de documentos relativos á questão dos tabacos. - Entre os Dignos Pares João Arroyo, Hintze Ribeiro e o Sr. Presidente do Conselho trocam-se explicações sobre o andamento dos trabalhos parlamentares nesta Camara. - O Sr. Presidente marca a seguinte sessão para o dia 15, sendo a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje, e levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde, feita a chamada, e verificando-se a presença de 31 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Estavam presentes os Sr. Ministros da Justiça e da Marinha, e entrou durante a sessão o Sr. Presidente do Conselho.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Justiça, satisfazendo o pedido do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, relativo a esclarecimentos sobre os juizes da Relação dos Açores.

Mandou-se entregar ao Digno Par.

Officio do Sr. Carlos Affonso, membro da commissão promotora do comicio effectuado em 30 de setembro findo, remettendo um exemplar da representação do mesmo comicio, solicitando a abolição do imposto de consumo.

A commissão respectiva.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: -Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia

proceder-se á eleição de commissões, a começar pela de fazenda.

Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.

Fez-se a chamada e effectuou-se a votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Pedro de Araujo e Antonio da Costa a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na uma 36 listas, sendo 6 brancas.

O Sr. Presidente: - Ficaram eleitos para a commissão de fazenda os Dignos Pares: Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Frederico Ressano Garcia, Luciano Affonso da Silva Monteiro, José Adolpho Mello e Sousa, José Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Lobo Freire do Amaral, Henrique da Gama Barros, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Manoel Affonso de Espregueira, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, Conde de Bertiandos, com 30 votos cada um, e José Dias Ferreira, com 29 votos.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de administração publica.

Fez-se a chamada, e effectuou-se a votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Marquez de Penafiel e José da Silveira Vianna a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na uma 32 listas, sendo 6 brancas.

O Sr. Presidente: - Ficaram eleitos para a commissão de administração os Dignos Pares: Francisco Antonio da Veiga Beirão, Antonio Augusto Pereira de Miranda, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Lobo Freire do Amaral, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Henrique da Gama Barros, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Gonçalo Xavier de Almeida Garrett, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Dias Ferreira, com 26 votos cada um.

Vae proceder-se á eleição da commissão de agricultura.

Fez-se a chamada e effectuou-se a votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Alexandre Cabral e José Lobo a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na uma 28 listas, sendo 5 brancas.

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48 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Preidente: - Ficaram eleitos para a commissão de agricultura os Dignos Pares José Maria dos Santos, Conde do Cartaxo, Francisco Tavares de Almeida Proença, Gonçalo Xavier de Almeida Garrett, José Luiz Ferreira Freire, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Visconde de Tinalhas, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Conde de Bertiandos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Wenceslau de Sousa Pereira Lima, com 23 votos cada um.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa um requerimento do teor seguinte:

"Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas sejam enviados a esta Camara os nomes dos commissionados por portaria de 25 de janeiro ultimo para estudarem a crise do Douro e que subscreveram o relatorio e conclusões já enviados a esta Camara.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, 10 de outubro de 1906. = Teixeira de Sousa".

O Sr. Visconde de Monte-São: - Pedi a palavra para mandar para a mesa este requerimento:

"Constando-me que ainda não entraram na secretaria d'esta Camara os documentos que pedi pelo Ministerio da Marinha, na sessão de 3 de fevereiro proximo passado, renovo com urgencia o pedido, pois que taes documentos me são essencialmente necessarios. = O Par do Reino, Visconde de Monte-São."

O Sr. Campos Henriques: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro me sejam enviadas pelo Ministerio da Justiça e com a maior urgencia:

1.°

Copia de toda a correspondencia e de quaesquer documentos relativos ás providencias adoptadas pelo Governo para fazer valer o direito de insinuação por occasião da morte do ultimo prelado da diocese de Beja.

2.°

Copia dos officios do procurador regio do Porto acêrca do delegado do procurador regio de Paredes, a proposito do processo Djalme, instaurado n'aquella comarca.

Requeiro me sejam enviadas, pelo Ministerio da Fazenda, e com a maxima, urgencia, os papeis seguintes:

a) Copia da proposta do thesoureiro da Caixa Geral de Depositos, em 1888, propondo Manoel Rolão Martins para o logar de fiel provisorio da mesma caixa.

b) Copia do processo que está na Secretaria Geral do Ministerio da Fazenda, com respeito a Manoel Rolão Martins, funccionario da Caixa Gera de Depositos.

Para evitar duvidas, declaro que o processo a que me refiro tem o n.º 7:347.

c) Copia do requerimento de Manoel Rolão Martins, pedindo para fazer ser viço na thesouraria do pagamento de juros.

Este requerimento tem a data de 22 de setembro de 1890.

d} Copia do officio da thesouraria dizendo á Junta do Credito Publico que a thesouraria aguardava a consul ta da Junta, para depois informar o requerimento de Manoel Rolão Martins.

O orneio tem a data de 2 de outubro de 1890.

e) Copia da consulta da Junta do Credito Publico, favoravel ao empregado Manoel Rolão Martins, sobre o requerimento de 22 de setembro de 1890.

A consulta tem a data de 15 de novembro de 1890.

f) Copia da consulta da Junta do Credito Publico, de 5 de dezembro de 1905.

g) Copia da consulta de 5 de janeiro de 1901, dando conta do conflicto do fiel e thesoureiro, de nome Luiz Cesar Wasa de Andrade.

h) Copias" da informação da Direcção Geral de Contabilidade, de 13 de janeiro de 1891, a favor do fiel encartado Manoel Rolão Martins, e do despacho do Ministro, de 14 de janeiro de 1891.

i) Copia do officio da Direcção Geral de Contabilidade remettendo ao Gabinete o processo e informação supra.

Este officio tem a data de 13 de janeiro de 1891.

j) Copia da nota da Direcção Geral da Divida Publica á Direcção Geral de Contabilidade, datada de 18 de janeiro de 1893, sobre a classificação do fiel Manoel Rolão Martins. A nota tem o n.° 3:395.

k) Copia da consulta da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, ou do Procurador Geral da Coroa, ou de alguns dos seus ajudantes, relativa a Luiz da Cunha Menezes.

l) Relação minuciosa e circumstanciada de todos os papeis e documentos que foram enviadas pelo Ministerio da Fazenda á Procuradoria Geral da Corôa, acompanhando e instruindo o pedido da consulta supra.

m) Declaração de como consta dos registos competentes que Manoel Rolão Martins pagou o totalidade dos seus emolumentos, sêllo e direitos de mercê do logar de fiel da Caixa Geral de Depositos.

ri) Declaração sobre se Luiz da Cunha Menezes depositou caução ou pagou direitos de mercê, sêllo e emolumentos relativos ao logar de fiel provisorio da Caixa Geral de Depositos.

Desejo esta declaração bem peremptoria, para depois me habilitar tambem a discutir outros e varios assumptos relativos á thesouraria da dita caixa.

o) Caso o dito Luiz da Cunha Menezes haja depositado caução ou pago direitos de mercê, sêllo e emolumentos do logar de fiel provisorio da Caixa Gerai de Depositos, desejo saber as datas precisas em que depositou a caução e effectuou esses pagamentos.

p) Copia do requerimento de Manoel Rolão Martins, entregue no Ministerio da Fazenda em 18 de setembro de 1906, pedindo para regressar ao seu logar de fiel na Caixa Geral de Depositos (no qual está encartado), em cumprimento do decreto de 6 de setembro de 1906.

q) Copia da informação dada sobre o requerimento supra.

r) Copia do despacho ministerial, caso já o haja, que recaiu sobre o mesmo requerimento.

Lisboa, 9 de outubro de 1906. = O Par do Reino, Campos Henriques.

(Os requerimentos dos Dignos Pares foram expedidos).

O Sr. Presidente: - Tendo entrado na sala o Sr. Presidente do Conselho, e tendo ficado inscriptos da sessão anterior alguns Dignos Pares para tratarem dos acontecimentos de 4 de maio, vamos passar a este assumpto.

ORDEM DO DIA

SEGUNDA PARTE

Os acontecimentos de 4 de maio na estação do Rocio

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente, os acontecimentos de 4 de maio constituiram uma das mais graves accusações feitas ao Ministerio a que tive a honra de presidir.

Por isso mesmo quero, e é do meu dever, sobre esse assumpto dar expliações á Camara; mas tambem não declino o direito, o imprescindivel direito, de justificar-me com a verdade dos factos.

Pedi pois a palavra, e desde já entro na questão.

Annunciou-se para. a noite de 4 da maio a chegada a Lisboa do Sr. Con-

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selheiro Bernardino Machado, e constou-me que para essa noite se preparava uma manifestação na estação do Rocio.

N'esta questão ha duas cousas que distinguir. Uma são as instrucções que dei; outra é a execução que essas instrucções tiveram.

As instrucções que dei foram singelamente estas: dentro da estação do Rocio, palmas, vivas e saudações, absolutamente livres, absolutamente á vontade, tanto ao Sr. Bernardino Machado como aos seus amigos.

Manifestações de desrespeito ou contrarias ás instituições vigentes, não. N'esse caso, a policia interviria, cumprindo o seu dever, dispersando os manifestantes.

Fora da estação a policia impediria os ajuntamentos que pudessem perturbar a ordem e a tranquillidade publica.

Foram estas as instrucções que dei, instrucções perfeitamente correctas e legaes.

D'estas, sim, tenho eu inteira responsabilidade, são minhas.

E vou mostrar á Camara como são de todo o ponto conformes com as leis que nos regem.

Saudações de caracter particular ao Sr. Bernardino Machado e aos seus amigos, sim; manifestações que se não possam consentir em reuniões publicas celebradas consoante as formalidades legaes, evidentemente não podem ser permittidas em parte alguma.

Não pode haver mais liberdade de acção n'um ajuntamento de occasião do que n'uma reunião publica, celebrada nos devidos termos e com as formalidades da lei.

Ora a lei é clara. É a lei de 26 de julho de 1893, que regula o direito de reunião; lei que é absolutamente insuspeita para o Sr. Presidente do Conselho, pois que S. Exa. a firmou, estando commigo nos conselhos da Corôa.

Esta lei diz o seguinte no artigo 5. °

"Serão dissolvidas as reuniões publicas e observar-se ha o disposto no artigo 177.° e seus paragraphos do Codigo Penal, quando deixem de ser cumpridos os preceitos dos artigos 2.° e 3.° d'esta lei, quando n'ellas se transgredirem por qualquer outro modo as leis penaes, e bem assim quando se desviarem do fim legal para que tenham, sido convocados, ou por qualquer forma perturbarem a ordem publica".

Assim, pois, a lei determina que a autoridade policial intervenha e dissolva a reunião, quando haja qualquer manifestação que o poder judicial reprima Aquando a reunião se afastar do fim para que foi convocada, ou quando por qualquer forma perturbar a ordem publica.

É expresso o Codigo Penal.

O artigo 185.° diz o seguinte no §3.°:

"Aquelle que n'algum logar publico levantar gritos subversivos da ordem do Estado, da ordem ou da tranquillidade publica, será condemnado á pena estabelecida no paragrapho antecedente".

São casos que a lei penal reprime e pune.

Desde que em qualquer manifestação, feita n'uma reunião celebrada com as formalidades legaes, se dê um distes casos, determina a lei que a reunião seja dissolvida e dispersos os manifestantes.

Ora o que não é permittido n'esse caso, muito menos o pode ser quando o ajuntamento se não constitua segundo as formalidades legaes.

Evidentemente, Sr. Presidente, n'um regimen monarchico não pode ser legal que n'uma reunião publica se attente contra a monarchia, se desrespeitem as instituições vigentes, se pretenda perturbar a ordem ou tranquillidade publica.

As instrucções que eu dei para que, no caso de haver manifestações subversivas ou contrarias ás instituições vigentes, os agentes policiaes interviessem dispersando os manifestantes, eram perfeitamente correctas, perfeitamente adequadas á lei.

No tocante a qualquer manifestação feita fora do recinto da estação do Rocio, em praças ou ruas, não é menos expressa a lei de 1893, que no seu artigo 4.° diz:

"As reuniões não podem realisar-se nas praças e vias publicas, e serão presididas e dirigidas por cidadão que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e politicos, e seja domiciliado no concelho em que se realizar a reunião".

Eis as leis que regulam o assumpto, e o modo como eu procedi está absolutamente dentro da lei.

De resto, Sr. Presidente, não ha paiz nenhum do mundo que possa permittir o contrario: n'um paiz republicano que sejam dados vivas á monarchia ou imperio; n'um paiz monarchico que sejam dados vivas á republica.

Taes foram, Sr. Presidente, as instrucções que eu dei ao commandante da policia, o Sr. Moraes Sarmento, e assim o prova o relatorio do Sr. tenente coronel Dias da Silva, quando se refere:

"Depois de distribuir convenientemente as forças ás quaes transmitti as

instrucções de V. Exa. recebidas, dirigi-me aos Srs. Drs. Affonso Costa e Antonio José de Almeida, que n'essa occasião já se achavam no vestibulo exterior, e a esses senhores fiz sciente de que dentro da gare apenas lhe permittia que á chegada do Dr. Bernardino Machado lhe dessem palmas e vivas, com exclusão de quaesquer outras manifestações que podessem perturbar a ordem ou que tivessem caracter subversivo, e que fora do recinto da gare, e já na via publica, lhe não permittia quaesquer manifestações".

Aqui tem S. Exa., Sr. Presidente, não um documento de hoje, não um documento de agora, não uma informação dada á ultima hora; mas um relatorio da propria autoridade policial que fôra encarregada de fazer executar as instrucções que eu dera, e que repito, foram textualmente as mesmas que acabo de referir á Camara.

Esta, Sr. Presidente, é a minha responsabilidade e para mim a tomo, ou antes é a minha primeira responsabilidade, a das instrucções dadas.

Foram estas as instrucções, e qualquer Ministro da Coroa portugueza podia dal-as afoitamente, certo de que estava perfeitamente dentro da lei; sem intuito de commetter violencias, de ferir direitos individuaes, de desacatar opiniões que sejam respeitaveis, nem, sobretudo, de levar o seu instincto cruel até ao ponto de mandar acutilar o povo.

Houve excesso no cumprimento das instrucções que dei?

As primeiras informações que recebi, evidentemente de caracter policial, foram de que a policia tivera de usar de força porque se levantaram gritos de. Viva a republica, abaixo a monarchia, morra a policia; e de que ás intimações feitas pela policia se oppuzera uma resistencia aberta e absoluta.

Mas por outro lado, Sr. Presidente, informações que não podiam deixar de fazer peso no meu animo, informações que partiram de quem, embora commungue em principies politicos adversos aos meus, nem por isso deixa de se impor alminha consideração, affirmavam que os factos se não tinham passado assim, havendo simplesmente saudações ao Sr. Bernardino Machado e nada mais; e que a intervenção da policia fora, pois, excessiva, e até barbara e cruel.

Qual era o meu dever em presença d'estas informações antagónicas?

Mandar averiguar até que ponto havia excessos a punir, até que ponto havia responsabilidades que se devessem tornar effectivas.

Esta, Sr. Presidente, era a minha segunda responsabilidade.

Era a de, em presença de affirma-

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coes de todo o ponto contrarias ás que primeiro havia recebido, substancialmente differentes, tratar de averiguar-se os agentes policiaes se teriam excedido, e até que ponto.

Foi o que eu fiz.

Eu disse na penultima sessão d'esta Camara o que consta do respectivo summario.

(Leu).

"Em presença e em virtude d'esses acontecimentos, ordenou, por um lado, ao Sr. commandante geral da policia que procedesse a uma rigorosa investigação dos factos, para que se tornassem effectivas as responsabilidades de qualquer agente que tivesse exorbitado; e ordenou por outro lado ao Sr. juiz de instrucção criminal que instaurasse os processos competentes para punição das responsabilidades que se averiguassem. Esse processo ficou pendente no tempo em que elle, orador, saiu do Ministerio".

Só tenho uma rectificação a fazer.

Eu não ordenei, recommendei ao juiz de instrucção criminal que instaurasse os processos competentes.

E evidente que, tratando-se de um juiz, eu não tinha de ordenar.

O juiz applica a lei no cumprimento dos seus deveres.

E a lei é bem clara.

A minha recommendação traduzia, por conseguinte, apenas o meu sincero desejo de que se liquidasse, por completo, este assumpto; de que se apurassem quaesquer responsabilidades para se poderem tornar effectivas, e para que fossem castigados os delinquentes por quem, de direito, tinha competencia para isso.

É ainda a lei e só a lei que me servirá de argumento.

Pela reforma dos serviços policiaes de Lisboa, que não é nem da minha iniciativa nem do meu decretamento, o juiz de instrucção criminal tem, segundo o artigo 20.°, as seguintes attribuições:

"Compete á policia de investigação criminal: Proceder a todas as diligencias necessarias para descobrimento e verificação de todos os crimes, delictos e contravenções, de que por qualquer forma tiver conhecimento, interrogando os presumidos delinquentes e todas as mais pessoas que verosimilmente possam saber da verdade, procedendo a exames, fazendo apprehensões em conformidade da lei, e praticando todos os mais actos necessarios para a regular instrucção dos respectivos processos".

Já vê V. Exa., Sr. Presidente, que eu não carecia sequer de recommendar, e' muito menos de ordenar, ao juiz de instrucção criminal que instaurasse os processos competentes para averiguação dos factos e imposição das responsabilidades; essa é a sua attribuição fundamental, que deriva da lei, independente de qualquer ordem do Governo.

Se fiz essa recommendação ella representa o meu desejo de que se apurassem as responsabilidades e se castigassem os excessos.

Mas fiz mais.

No dizer do Sr. Presidente do Conselho, ainda hontem, eu não tinha mais nada a fazer; mas o certo é que fui mais longe.

Ordenei ao Sr. commandante geral da policia que procedesse a uma investigação, porque, alem das responsabilidades criminaes, quando se trata de agentes de policia ha ainda a attender ás responsabilidades disciplinares, as quaes não são da alçada dos tribunaes, mas dos superiores hierarchicos.

É ainda n'este ponto bem clara a lei e é, ainda uma vez;, com a lei e só com ella, que eu argumento.

O regulamento disciplinar do corpo de policia civil de Lisboa, que eu não fiz, que eu encontrei feito, diz no seu artigo 18.°:

"A imposição das penas disciplinares, autorizadas por este regulamento, não 'obsta ao competente procedimento criminal, a que as praças devem ser sujeitas, se os factos por que foram castigadas disciplinarmente constituirem crimes puniveis pela lei geral do paiz, devendo em taes casos ser as mesmas praças entregues ao poder judicial."

As penas disciplinares eventuaes vão, consoante a gravidade dos casos, desde a reprehensão até a expulsão.

Aqui tem V. Exa. as prescripções que regem o assumpto. Trata-se de qualquer particular que commetteu um crime? É com os tribunaes. Trata-se de agentes de policia, que teem attribuições e deveres especiaes e que são responsaveis pela forma como procedem, pelos excessos que praticam, pelos abusos em que podem incorrer? Não são só os tribunaes que teem de intervir, porque, no cumprimento da lei, é necessario impor-lhes as respectivas penas disciplinares.

Por isso, em face de informações diversas, absolutamente contradictorias no tocante ao modo por que os factos se deram, entendi, não só recommendar a quem competia, que era o juiz de instrucção criminal, que instaurasse os processos para investigação das responsabilidades que os tribunaes houvessem de julgar, mas tambem que devia mandar proceder a uma investigação policial, para os effeitos da imposição das penas disciplinares. Não sei que mais devesse fazer.

Pelas instrucções que dei, respondo por completo; são conformes e amoldadas á lei.

Quando depois dos factos occorridos se levantaram apreciações antagónicas e contradictorias, eu não tinha senão uma coisa a fazer relativamente aos agentes da policia: mandar averiguar o modo por que tinham procedido, ao mesmo passo que os tribunaes instauravam os processos competentes para a applicação das leis penaes.

Aqui, Sr. Presidente, cessa a minha responsabilidade e começa a do Sr. Presidente do Conselho. O Ministerio regenerador, a que tive a honra de presidir, deu a sua demissão em 19 de maio.

Estavam ainda em aberto não só os processos affectos á jurisdicção dos tribunaes mas a propria investigação policial que eu ordenara.

Pode o Sr. Presidente do Conselho justificar-se como melhor entender uma coisa que é clara, obvia aos olhos de todos, é que no momento em que cessa a minha responsabilidade começa a de S. Exa. (Apoiado do Sr. Presidente do Conselho). E portanto, se o assumpto não estava findo, se a averiguação ainda corria e se essa averiguação era indispensavel para o conhecimento da verdade e para imposição de quaesquer penas legaes, a responsabilidade de acompanhar essa investigação, e de a tornar effectiva, deixava de ser minha para ser de S. Exa.

O Sr. Presidente do Conselho entendia que, para dar uma satisfação á cidade de Lisboa, ou para melhor cumprimento do seu dever em assumpto que reputava grave, devia ordenar outros quaesquer meios de averiguação e informação ? Ordenasse-os. Desde então a responsabilidade era sua; não o. fez, logo entendeu que o que eu tinha ordenado era suificiente.

Não se comprehende que em assumpto por tal forma melindroso e grave, se S. Exa. entendesse que os meios adoptados não conduziam a um fim effectivo, apropriado e necessario, o seu dever, a sua obrigação, lhe não impuzesse o ordenar tantas quantas medidas julgasse opportunas e indispensaveis.

Não o fez, a responsabilidade é sua. O Sr. Presidente do Conselho fez menos do que eu, porque eu não só recommem lei, - nem precisava recommendar, como acabo de mostrar, porque eram attribuições directas e especiaes do Sr. juiz de instrucção criminal,- que se instaurassem os processos competentes, mas ordenei que se procedesse a uma averiguação para conhecer os excessos e abusos que os agentes de policia houvessem commettido, a fim de lhes serem tomadas as respectivas responsabilidades, caso as houvesse.

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O Sr. Presidente do Conselho declarou hontem assumir a responsabilidade do que se tinha feito depois do dia 20 de maio.

Pois então ainda não estava concluida a investigação policial e o Sr. Presidente do Conselho, sem sequer procurar inteirar-se do que essa investigação produzia, ordenou que fosse remettida para o poder judicial?

S. Exa. abdicou de uma attribuição sua, porque, desde que esse processo era necessario para a applicação de penas disciplinares, conhecesse dos resultados que dava a investigação e procedesse consoante os que se apurassem.

Isto absolutamente em nada prejudicava a acção dos tribunaes, o regular andamento dos processos que fossem instaurados.

Não o fez; não o quiz fazer?

A responsabilidade é sua.

Mas o que S Exa. não pode, o que não tem o direito de fazer é arguir-me de eu ser peco no cumprimento dos meus deveres em presença dos factos occorridos, quando S. Exa. mais não fez, antes menos, do que eu proprio fizera.

Demonstrado como fica que não dei ordem para se acutilar o povo de Lisboa, que não autorizei violencias nem crueldades, repugnantes ao meu caracter e ao meu sentir, mas apenas cumpri a lei, porque esse cumprimento era o meu dever, cabe-me o direito de perguntar como é que o Sr. Presidente do Conselho tem deixado correr, na imprensa que lhe é affecta, que fui eu que mandei acutilar o povo de Lisboa?

Prove-o.

Intimo-o a que o prove.

E com isto tenho dito. Vozes: - Muito bem.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Ao ouvir a primeira parte do discurso do Digno Par Hintze Ribeiro, eu nem sequer estava disposto a pedir a palavra.

S. Exa. fazia a explicação e justificação dos seus actos, e não seria eu, de forma alguma, quem procurasse apresentar-lhe qualquer contestação.

Mas desde que, na segunda parte, o Digno Par, deixando a sua propria defesa para fazer a minha arguição, terminou de uma forma tão intimativa, V. Exa. comprehende que é do meu dever, o mais imprescriptivel e rigoroso, responder a S. Exa. dando-lhe e a toda a Camara explicação plena dos meus actos.

Disse o Digno Par que na sessão de hontem eu o tinha arguido.

Ora eu não dirigi a S. Exa. arguição absolutamente nenhuma.

Nem fui eu quem trouxe á discussão o assumpto de que se trata, nem aqui vim de motu proprio.

Vim, porque o Digno Par João Arroyo se dirigira ao Governo desejando saber que destino tivera a syndicancia ordenada pelo Sr. Hintze Ribeiro só ore os acontecimento" de 4 de maio; e porque o Sr. Ministro da Justiça, que não tinha conhecimento proprio da materia, respondeu que me transmittiria o desejo manifestado por aquelle Digno Par.

Apressei-me a vir immediatamente ao Parlamento, por um dever de cortesia e consideração para com a Camara e para com o Digno Par que se me dirigira, a fim de dizer precisamente o que se passara.

E como na mesma sessão o Sr. Hintze. Ribeiro acrescentou que, alem da syndicancia que mandara fazer por intermedio do commandante da policia, recommendara ao juiz de instrucção criminal que instaurasse um processo acêrca dos factos occorridos, entendi que me corria o dever de explicar á Camara a razão por que, trazendo a copia da syndicancia, nenhuma informação podia dar sobre o segundo ponto a que o Sr. Hintze Ribeiro se referira.

Esta foi exactamente a minha exposição na sessão de hontem, em que absolutamente não argui ninguem, não accusei ninguem, nem trouxe á discussão quaesquer elementos ou factos que a pudessem alargar ou restringir.

E se digo isto, é, não pelo receio, que não tenho, de quaesquer consequencias que pudessem provir de ser-me attribuida uma arguição que não fizera; mas simplesmente pela comprehensão dos deveres do cargo que occupo, que me não permitte arguir ninguem, más tão somente justificar os meus actos.

Simplesmente para me defender da arguição que me fez o Digno Par Hintze Ribeiro na segunda parte do seu discurso, preciso referir os factos taes como foram do conhecimento official do Governo desde o dia 20 de maio em que assumi a Presidencia do Conselho, embora os decretos de nomeação dos Ministros tenham a data de 19 de maio.

No dia seguinte eu quiz saber pelo commandante da policia o que havia acêrca dos acontecimentos de 4 de maio, e assim a primeira pergunta que lhe fiz foi quaes eram as instrucções que o Sr. Presidente do Ministerio transacto tinha dado relativamente á manifestação que se sabia estar preparada para quando chegasse o Sr. Bernardino Machado.

O commandante da policia disse-me o teor das instrucções que tinha recebido; as quaes eu desejei que elle escrevesse, a fim de que, vindo eu aqui referil-as, não pudesse por qualquer palavra minha produzir na Camara uma impressão diversa d'aquella que poderiam produzir as suas palavras.

O que o commandante da policia disse textualmente, e está escripto e assignado por elle, foi o seguinte:

"Instrucções dadas pelo exmo. Presidente do Conselho ao commandante da policia relativas ao serviço policial na noite de 4 de maio do corrente anno, na estação do Rocio, á chegada do Sr. Conselheiro Bernardino Machado:

"Prevenir com antecedencia os maioraes do partido republicano que n'essa occasião ali se encontrassem, que se lhes não permittiam gritos subversivos, nem manifestações contra as instituições, permittindo-se-lhes unicamente vivas e palmas a qualquer individuo, á liberdade e á patria; fora da estação não consentir manifestação de qualidade alguma. No caso de não serem acatadas estas advertencias e haver manifestações hostis, a policia empregaria toda a energia para as acabar e restabelecer a ordem publica. = José A. de Moraes Sarmento".

N'este documento não ponho, não accrescento, nem omitto uma unica palavra; não faço senão referir ou ler perante a Camara aquillo que pelo commandante da policia me foi dito.

O Sr. Sebastião Baracho: - Essas instrucções foram dadas por escripto?

O Orador: - O que sei é que estão aqui reproduzidas por escripto e assignadas pelo commandante da policia.

Sr. Presidente: este foi o primeiro facto de que tive conhecimento.

E a mim não me competia averiguar senão uma cousa: quaes os factos, as occorrencias, que se haviam dado desde 4 de maio até ao dia 20, em que eu assumia as responsabilidades do Governo.

O que é que tinha havido entre o dia 4 e o dia 20?

Não se trata de uma queda Ministerial immediata a esses factos.

O Ministerio presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro, no qual tambem S. Exa. era Ministro do Reino, occupou ainda os Conselhos da Coroa durante quinze dias, e este tempo era sufficiente para eu por elle poder avaliar, não por palavras, mas por actos, qual era o sentir do chefe do Governo transacto acêrca do modo como haviam sido executadas as suas instrucções.

V. Exa. comprehende que eu não tinha obrigação nem direito de me dirigir ao Sr. Hintze Ribeiro a perguntar-lhe se as instrucções dadas ao commandante da policia eram aquellas que este funccionario me referia e escrevia,

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nem qual a forma como o Digno Par entendera proceder desde 4 até 19 de maio.

O que me cumpria era informar-me pelos funccionarios subordinados ao meu Ministerio, e procurar saber qual havia sido o animo do chefe do Governo em relação á maneira como foram executadas as suas instrucções.

Eu tinha de recorrer aos factos e circunstancias para poder formar a minha opinião acêrca das responsabilidades que os executores pudessem ter.

Quanto propriamente ás instrucções dadas, já eu, antes de ser Presidente do Conselho e antes de saber officialmente quaes tinham sido essas instrucções, havia procurado orientar-me.

Tenho aqui um artigo do Noticias de Lisboa, jornal que é orgão do par tido do Sr. Hintze Ribeiro.

Esse jornal, no dia seguinte ao dos acontecimentos, publicava com o titulo "Desmandos" o seguinte:

"Lamentamos, como todos, os factos occorridos hontem á noite. Porque são sempre para lamentar occorrencias e conflictos de que resultam prisões e ferimentos. Mas a responsabilidade pertence a quem provoca e faz a desordem, não a quem a reprime no cumprimento dos seus deveres.

"Os factos não vêem exactamente narrados em alguns jornaes da manhã. Annunciara-se para hontem á noite a chegada do Sr. Bernardino Machado. Isso levou muitos adeptos seus á estação do Rocio. Apparecendo ali o Sr. Affonso Costa, houve palmas e vivas; não foi por isso que a policia interveio. Houve vivas á republica; isso sim, é que determinou a intervenção da policia. Intervindo, Cumpriu as instrucções que tinha".

Como se sabe o Noticias de Lisboa sae á tarde. Isto era publicado na tarde do dia seguinte. Mas continuemos a leitura:

"Estamos num paiz monarchico; a monarchia ha de ser respeitada. O Governo saberá manter a ordem e assegurar o respeito devido ás instituições que são proprias do nosso regimen politico. Com prudencia, decerto; mas com absoluta firmeza, sem duvida. Ninguem quer coarctar os direitos individuaes e politicos de cada um, quando exercidos dentro do que as leis autorizam e garantem. Mas o Governo tem responsabilidades, deveres que lhe são indeclinaveis; ha de cumpri-los. Sem animo de aggravo para ninguem, mas sem tibiezas nem hesitações, que o regimen de um paiz não comporta.

"Isto fica dito muito serena e firmemente, como é do interesse de todos, e dito fica com respeito a manifestações de qualquer ordem, que, por qualquer forma, pretendam sair dos limites que a lei preceitua e que a necessidade de manter a ordem publica aconselha e prescreve."

Não foi nenhum jornal meu, nenhum jornal da opposição que assim o declarou, foi o orgão officioso do Governo do Sr. Hintze Ribeiro, e no dia seguinte.

Isto decerto não se publicava senão para dar informação a toda a gente.

Está escripto por uma forma que quasi se revela a penna que o escreveu.

Até esta ultima referencia ao futuro, esta informação antecipada, vinha ainda fazer com que não ficassem, no espirito de ninguem, quaesquer duvidas de que os actos que se tinham praticado não desagradavam ao Governo que, com a sofreguidão de assumir todas as responsabilidades, até as assumia de factos que se não tinham dado ainda.

O que é que se determinou? Que se deixasse dar palmas e vivas, mas, em havendo manifestações hostis, fossem reprimidas com toda a energia.

Todos nós sabemos o que significa dar ordem á policia para reprimir "com toda a energia".

Eu não podia ter duvidas sobre o que dizia o Sr. commandante da policia que, como o Sr. Hintze Ribeiro, é incapaz absolutamente de fugir ás suas responsabilidades ou procurar desviá-las, tenha isso as consequencias que tiver.

Conheço de longa data este funccionario, cujos serviços teem sido sempre prestados com firmeza, lealdade e dedicação.

Podia eu duvidar das affirmações feitas por um homem com estes precedentes quando, no proprio orgão oficioso do Governo do Sr. Hintze Ribeiro, se publicava o que acabo de ler?

Para mim, declaro-o francamente á Camara, os factos estão ainda sem outra explicação senão aquella que se mette pelos olhos.

O Noticias de Lisboa publicou aquella nota officiosa, e quatro ou cinco dias depois o Sr. Hintze Ribeiro encarregou de fazer uma syndicandia, acêrca do modo como a policia procedeu, o mesmo commandante a quem tinha dado as instrucções.

Portanto, esta era a prova de que o Sr. Hintze Ribeiro não tinha duvida alguma acêrca da competencia e da imparcialidade com que este funccionario havia procedido, pois se da execução da ordem dada pelo Sr. Hintze Ribeiro derivasse qualquer duvida, ou se tivesse havido exagero por parte da policia, não podia ser o proprio executor, o proprio responsavel na execução d'essas ordens, o mais competente para syndicar.

Por este lado evidenciava-se a confiança que o Sr. Hintze Ribeiro tinha no commandante da policia; por outro lado, a nota officiosa do Noticias de Lisboa, longe de repellir o procedimento da policia, dava-lhe a sua approvação.

Mas ha mais.

De 4 de maio até o dia em que o Sr. Hintze Ribeiro mandou fazer a syndicancia, outros factos intercorrentes se deram; quero referir-me ao officio assignado pelo Sr. tenente-coronel Dias da Silva, que commandava a força policial n'aquella noite. Esse officio, com a data dê 7 de maio, narrava como os factos se haviam passado.

Depois d'isto ainda o Sr. Hintze Ribeiro mandou o Sr. commandante da policia inquirir, o que manifestava que nenhuma duvida existia de que os actos praticados eram em harmonia com as suas instrucções.

O Sr. Hintze Ribeiro recommendara ao Sr. juiz Veiga que instruisse um processo de investigação.

Se isso era das attribuições d'aquelle magistrado, como o Digno Par disse, não precisava S. Exa. recommendal-o.

Como já hontem tive a honra de dizer n'esta casa do Parlamento, chamei no cumprimento dos meus deveres o Sr. juiz Veiga, e perguntei-lhe qual o resultado que tinham tido os autos por elle levantados.

S. Exa. respondeu-me que cinco dias depois dos acontecimentos de 4 de maio o Sr. Hintze Ribeiro o chamara para lhe recommendar que investigasse acêrca do modo como os factos se haviam dado. O Sr. juiz Veiga respondera então ao Sr. Hintze Ribeiro que tinha enviado para a Boa Hora o processo acompanhando os presos, no dia seguinte ao dos acontecimentos; e desde que o poder judicial avocava a si o processo, elle juiz de instrucção criminal não tinha poderes para fazer essa investigação, quando o poder judicial se estava já occupando d'ella.

Com isto concordara o Sr. Hintze Ribeiro, o qual pensou depois, para substituição d'essa inquirição, em mandar proceder á syndicancia que foi feita pelo Sr. commandante da policia.

Estes, Sr. Presidente, são os factos que, taes como m'os indicaram, vieram ao meu conhecimento quando assumi a administração dos negocios publicos.

E nenhuma duvida resultou para o meu espirito acêrca das instrucções, porque sendo o executor d'ellas o Sr. Moraes Sarmento e tendo o jornal officioso do Governo transacto publicado aquella noticia, era o proprio Sr. Hintze Ribeiro quem dias depois incumbia o mesmo Sr. commandante da policia de investigar sobre os factos.

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A syndicancia mandada fazer pelo Sr. Hintze Ribeiro incidia sobre tres pontos concretos e positivos: Primeiro, se tinha havido vivas á republica e outros gritos subversivos. Segundo, se tinha havido mortes. Terceiro, se tinha havido senhoras e crianças acutiladas. Ora, como V. Exa. vê, era á propria policia que o Sr. Hintze Ribeiro mandava inquirir sobre estes factos, quando exactamente elles são da competencia do poder judicial!

Então havia de ser a policia quem havia de investigar se tinha havido gritos subversivos, se tinha havido mortes, se tinham sido acutiladas senhoras e crianças?

Eu não tinha a fazer senão o que fiz, isto é, mandar a syndicancia para o tribunal da Boa Hora.

Desejava eu que fosse exercida a acção de um poder independente, de um tribunal estranho á acção do Governo.

Não se tratava de um d'estes simples accidentes em que a pena disciplinar não tem absolutamente nada que ver com o Codigo Penal, por não haver factos que possam constituir delictos, quer publicos, quer particulares.

Estavamos em face de violencias corporaes praticadas contra muitos individuos e de muitas prisões realizadas.

Um e outro facto tinham já sido levados ao conhecimento do poder judicial havia quinze dias, e o tribunal estava investigando a esse respeito.

O que é que eu podia e devia fazer? Esperar a decisão do tribunal, para depois, em conformidade d'ella, proceder disciplinarmente como Ministro do Reino.

Sr. Presidente : V. Exa. desculpe-me certo calor que tomei. E que nunca imaginei que havia de ser accusado por causa dos acontecimentos de 4 de maio. (Apoiados).

V. Exa. sabe muito bem como então o espirito publico estava agitado e interessado por essa questão.

Mas V. Exa. comprehende que eu não tinha nada mais a fazer do que es perar a decisão do poder judicial.

Assim procedi, como era meu dever.

Disse o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro que eu consentia que nos jornaes do meu partido lhe fosse attribuida a responsabilidade dos acontecimentos de 4 de maio.

Sr. Presidente: os jornaes do meu partido desde 20 de maio para cá pouco se teem occupado da responsabilidade do Digno. Par Sr. Hintze Ribeiro e do seu Ministerio; mas no periodo de 4 até 20 attribuiu-se essa responsabilidade a S. Exa., e não era porque de alguma forma eu tivesse o proposito de querer accusar, mas pela. força dos motivos que acabo de expor e das circumstancias que acabo de relatar á Camara.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que eu responda desde já ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro requer para ser preferido na ordem da inscripção a fim de responder immediatamente ao Sr. Presidenta do Conselho.

Os Dignos Pares que assim o permittem, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Agradeço a deferencia da Camara, aliás perfeitamente justificada, desde que este torneio parlamentar está sendo travado entre o Sr. Presidente do Conselho e eu, os dois implicados nas responsabilidades dos acontecimentos de 4 de maio; porque não sou eu só, é S. Exa. tambem, queira ou não.

O Sr. Presidente do Conselho não acceita a responsabilidade do que os jornaes do seu partido hajam dito, attribuindo me o ter mandado acutilar o povo de Lisboa.

Mas com que direito então me impõe S. Exa. a responsabilidade do que escrevem os jornaes que me são affectos?

Eu julguei, Sr. Presidente, como velho parlamentar, que a imprensa, que não se acha aqui representada directamente, estava absolutamente fora da nossa alçada.

Mas se o Sr. Presidente do Conselho se defende com o que dizem os jornaes do meu partido, eu confesso a S. Exa. que estranho o facto, porque não estou habituado a estes processos de pugnas partidarias.

Do que eu me posso queixar é de me ser feita uma accusação completamente infundada, accusação que nem os factos, nem as palavras, nem os argumentos do Sr. Presidente do Conselho confirmam.

Queixei-me, como é do meu direito de homem publico, que, aliás, se não arreceia das responsabilidades que lhe incumbem; mas que sacode as que lhe não pertencem.

O homem publico, seja elle qual for, deve ter a hombridade de declarar que não declina as responsabilidades que lhe competem; mas quando é falsa e injustamente accusado, tem de erguer altivamente a cabeça e dizer: Não.

O Sr. Presidente do Conselho conhece-me ha muito tempo.

Não é a primeira occasião que nos encontramos terçando armas, e sabe muito bem que, em nenhuma pugna parlamentar, eu deixei de me levantar para responder por qualquer acto que fosse da minha iniciativa.

Tenho a consciencia dos meus actos e da lealdade do meu procedimento; e tenho a hombridade de responder pelo que faço, simplesmente pelo que faço, não pelo que não faço.

O Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso, apegou-se a varios argumentos, não direi para insinuar, porque isso seria improprio do seu caracter; mas para levar ao espirito dos nossos collegas, e de quantos nos ouvem, uma impressão que me pudesse ser desagradavel.

Apesar de toda a sua habilidade oratoria, apesar de todos os argumentos de que se soccorreu, não vi um que provasse a affirmação de que eu tivesse mandado acutilar o povo de Lisboa.

Nem um sequer.

S. Exa. leu-nos uma informação do commandante da policia dizendo quaes as instrucções que lhe dei.

No que toca substancialmente ás instrucções por mim dadas á policia para aquella noite, o officio do commandante da policia não podia deixar de estar em conformidade com ellas; se não estivesse, eu sabia bem, não aqui, onde S. Exa. não tem logar, mas em outra parte, pedir-lhe a devida satisfação por ter faltado á verdade.

Mas ha uma phrase com que o Sr. Presidente do Conselho argumentou, e é aquella em que eu recommendei que no caso de haver manifestações hostis ás instituições á ordem, tranquilidade publica, a policia procedesse com energia, com toda a energia.

Mas esta é a propria expressão de que se serve a lei, o regulamento geral do corpo de policia civil, no seu artigo 61.°:

"Quando tenham de intervir, para fazer observar as leis e regulamentos, devem sempre proceder com toda a prudencia e moderação, usando da maxima firmeza e energia, quando aquelles meios sejam insuficientes, e para se fazerem respeitar e obedecer".

Agora pergunto : Proceder com energia é acutilar e povo?

Proceder com energia, no uso de attribuições policiaes, é não deixar desacatar a autoridade; mas proceder com energia não é proceder com excesso, nem com violencia, nem com barbaridade.

E já que S. Exa. citou os jornaes do meu partido, tenho o direito de a elles tambem me referir.

Está aqui o texto que S. Exa. invo-

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cou e em que julga acharem-se condensados os principios que constituem a norma do meu proceder administrativo, pois aqui mesmo vem bem claro, bem explicito, qual era, a este respeito, o pensamento do Governo:

"Estamos n'um paiz monarchico; a monarchia ha de ser respeitada. O Governo saberá manter a ordem e assegurar o respeito devido ás instituições que são proprias do nosso regimen politico. Com prudencia, decerto; mas com absoluta firmeza, sem duvida".

E a doutrina orthodoxa, por que todo o Governo tem de regular-se no cumprimento de um dever augusto, qual é o de sustentar as instituições que regem o paiz.

Fraquezas da parte de um Governo monarchico para com os republicanos seriam tão condemnaveis e tio absolutamente pusillamines, quanto seria deploravel n'um regimen republicano a fraqueza do Governo d'esse regimen em relação aos monarchicos.

Uns e outros atraiçoariam os interesses e deveres que lhes estivessem confiados. (Apoiados).

Comprehendo que cada um no seu posto e no seu logar respeite convicções e sustente principios contrarios; comprehendo que haja quem tenha credo e ideal politico diversos dos que eu tenho; comprehendo ainda que haja quem seja monarchico como tu sou, e quem seja republicano como eu não sou; mas o que eu não comprehendo, e decerto ninguem comprehenderá, é que haja monarchicos a fraternizarem com republicanos e republicanos a fraternizarem com monarchicos, no mesmo terreno politico.

Cada um no seu posto, cada um no seu logar, com as suas ideias e convicções, de cabeça levantada, tanto mais levantada quanto mais sinceras forem as suas convicções e mais austeros os seus principios.

De resto, com energia é o que está na lei, é o que está nas attribuições que impendem á policia quando tenha de intervir; é o que está no artigo 61.°, que eu já li, referente ao procedimento dos agentes policiaes, quando lhes seja preciso fazerem-se respeitar e obedecer.

Lá vem bem explicito: usando da maxima firmeza e energia.

Estas são as attribuições policiaes, ás quaes todos os agentes teem de sujeitar-se; e fracos são os que não se sujeitem, pusillamines os que não as cumpram, e puniveis são as responsabilidades d'aquelles que delinquirem.

Aqui tem V. Exa. como a energia, por mim recommendada á policia, não era o mesmo que dizer-lhe que acutilasse o povo de Lisboa; sim que cumprisse o seu dever com prudencia, mas firmeza.

Fiz o Sr. Presidente do Conselho que eu deixei passar quinze dias sem nada fazer.

Permitta-me S. Exa. que lhe diga ser isso absolutamente inexacto.

Os acontecimentos deram-se na noite de 4 de maio, as primeiras informações que eu tive foram as da policia; e porque foram essas, póde S. Exa. querer tirar effeitos da narração dos factos vinda nos jornaes.

Mas outras informações chegaram ao roeu conhecimento, outras informações foram dadas por pessoas cujos caracteres me merecem respeito e consideração, embora essas pessoas não militem no meu partido politico.

Então, não me contentei com as primeiras informações, e exigi o relatorio do tenente-coronel Sr. Dias da Silva, que fôra encarregado de fazer executar as instrucções por mim dadas.

Esse relatorio está publicado.

Ainda não me contentei com o relatorio, e ordenei que se procedesse a uma syndicancia rigorosa acêrca dos factos e respectivas responsabilidades.

Foi esta syndicancia ordenada no dia 7. Já S. Exa. vê que eu não tive tempo para mais preceder, pois que quando S. Exa. foi chamado aos Conselhos da Coroa ainda a, syndicancia estava correndo.

Disse o Sr. Presidente do Conselho: "O que queriam que eu fizesse? Que indagasse se tinha havido vivas á republica, morras á monarchia, ou á policia? Isso competia ao tribunal".

Perdão. Era necessario saber até que ponto tinha sido justificada a intervenção da policia; era necessario saber quaes os factos que deram logar a essa intervenção.

Se motivos não houve que reclamassem o procedimento da policia, então foi elle abusivo, o que tambem importava penas disciplinares impostas pelos meios administrativos.

Cumpria inquirir se tinha havido vivas á republica; se tinham ficado mulheres e crianças feridas, porque era essa uma das accusações que a imprensa fazia á policia.

Tambem nos jornaes se dizia que a policia tinha lançado um popular pelas escadas abaixo.

N'uma palavra, era necessario inquirir sobre a forma como a policia procedera e os motivos por que procedera; era necessario apurar as responsabilidades e punir os delinquentes, se os houvesse.

O Sr. Presidente do Conselho entendeu que satisfez completamente o seu dever remettendo tudo para o poder judicial. Eu entendi que não; que, sem coarctar ao poder judicial o uso livre das suas attribuições, devia, pela minha parte, administrativamente, inquirir dos factos e responsabilidades

no que era minha faculdade legal, e proceder da forma mais adequada aos interesses do paiz e á satisfação dos interesses offendidos.

Esta é a differença que entre nós existe.

Mas desde que S. Exa., apesar de vir com a sua aljava recheada das setas que mais me pudessem ferir, não póde descobrir um unico argumento, que me tocasse, uma só prova que eu commettera a barbaridade de mandar acutilar o povo de Lisboa, cabe-me o direito de dizer ao Sr. Presidente do Conselho que se as suas susceptilidades o levaram a querer ser estranho ao caso, a minha hombridade como homem publico e particular leva-me a dizer bem alto que essas accusações são falsas, que não ha um facto que contra mim se levante n'esta questão e que eu estou prompto a responder, agora e sempre, pelos meus actos com inteira e nitida comprehensão dos meus deveres.

Mandar acutilar o povo de Lisboa seria uma barbaridade que me repugna e que eu repillo.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Peço desculpa á Camara de occupar a sua attenção por mais alguns momentos, porque, segundo o meu entender, seria escusado continuarmos a discutir.

Dissemos o que entendemos, quer por parte do Sr. Hintze Ribeiro, quer por minha parte, com inteira liberdade, mas com aquella cortezia a que não faltam homens que se prezam.

O Digno Par tratou de defender as responsabilidades que lhe pertencem nos acontecimentos de 4 de maio; e eu procurei demonstrar que me não cabe a minima responsabilidade n'um facto occorrido quinze dias antes de eu subir aos conselhos da Corôa.

Pois então, estando eu na opposição, é a mim que me querem lançar a responsabilidade dos acontecimentos? (Apoiados).

Não se comprehende!

Tenho a certeza de que cumpri a lei, como era minha obrigação, respeitando as attribuições do poder judicial para depois proceder com integridade.

Vou explicar o motivo por que pedi novamente a palavra.

Esse motivo é muito simples.

Começo agora a minha carreira parlamentar como Presidente do Conselho, embora a minha carreira parlamentar como membro da outra Camara seja longa e aturada, e o que eu desejo é que o Parlamento funccione largamente, tanto quanto seja necessario, para que se façam as leis e para

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que se fiscalizem minuciosamente os negocios publicos.

Não quero de forma alguma abreviar as discussões ou merecer a accusação de ser menos explicito ou parecer menos correcto para com o Parlamento.

Foi especialmente esta ultima consideração que me levou a pedir pela segunda vez a palavra, para dar á Camara a razão de um facto que aqui occorreu.

O Sr. Hintze Ribeiro queixou-se de que eu recorresse á leitura de um jornal publicado no dia seguinte áquelle em que se tinham dado os acontecitos.

Porque o fiz eu?

Porque antes o fizera o Sr. Hintze Ribeiro quando, ao terminar o seu discurso, se referiu á imprensa periodica.

Fui então eu que trouxe para aqui os jornaes?

Se o fiz foi porque o Digno Par se antecipou a fazel-o.

Mas desde o momento em que eu era attrahido a esse campo, tambem n'esse mesmo campo me defendi.

Já na outra casa do Parlamento isso me succedeu. Eu já lá falei em jornaes, porque antes de mim outros falaram, para me accusarem, referindo se aos artigos publicados pela imprensa do meu partido.

Não procuro trazer para esta casa, nem para a outra, assumptos estranhos ás discussões que se debatem dia a dia em cada sessão, nem pratico factos que não sejam do maior respeito e acatamento para com o regimento e as praxes parlamentares; mas desde o momento em que alguem se me dirige, servindo-se de certos elementos de combate? eu tambem tenho o direito de empregar elementos e informações da mesma ordem e natureza para rebater as accusações que me são feitas.

Foi isto, repito, o que me obrigou a pedir a palavra.

Quero que fique bem assente que, n'esta discussão, quem primeiro se referiu á imprensa dos partidos foi o Sr. Hintze Ribeiro.

Quanto ao mais, não desejo aggravar a situação de ninguem, nem insistir n'um assumpto que está entregue ao poder judicial.

Mas é claro que não posso deixar de me referir aos poucos e fracos argumentos que o Digno Par apresentou.

Toda a questão, faca S. Exa. o que fizer - e muito pode fazer, porque como parlamentar a sua habilidade, eloquencia, proficiencia e resistencia são verdadeiramente admiraveis, dignas não só de consideração, mas de inveja- toda a questão, repito, gira em volta d'estes factos simples, a respeito dos quaes não ha argumentos que possam vencer nem sequer resistir.

No dia 4 de maio foram acutiladas no Rocio dezenas de pessoas.

No dia 5 o orgão do partido regenerador publicava um artigo, que não foi desmentido, nem sequer modificado, em que se dizia que a policia tinha procedido em harmonia com as instrucções do Governo.

Finalmente, era o commandante d'essa corpo a pessoa encarregada de investigar se houvera excessos, e até que ponto, commettidos pela policia.

N'essa parte, permitta-me o Digno Par, os factos estão em contradicção com as suas intenções.

Então S. Exa., sem aguardar a resolução do poder judicial, mandava fazer uma syndicancia para averiguar os excessos que tivesse havido, e mandava fazel-a por quem teria praticado esses excessos!

Foi pela propria policia que o Sr. Hintze Ribeiro mandou averiguar se tinha havido vivas á republica, se tinha havido mortes, se mulheres e crianças tinham sido acutiladas.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro (interrompendo): - O Sr. commandante da policia é que mandou investigar determinados factos, que V. Exa. citou, sob a sua responsabilidade. Eu não lhe determinei, nem designei esses factos. O que eu lhe disse foi que inquirisse da responsabilidade dos agentes da policia nos acontecimentos que se tinham dado.

O Orador: - E a primeira vez que V. Exa. o diz.

Eu não tinha conhecimento senão da informação official.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - A minha declaração tambem é official.

O Orador: - E eu immediatamente a acceito.

Vae n'isso não só o respeito que devo a V. Exa., mas ainda uma cousa que vale muito mais do que tudo, é à intimidade individual e politica em que convivemos durante quinze annos.

Os acontecimentos podem ser muito fortes, mas não mais do que eram as nossas ligações.

A verdade é que a escolha do funccionario syndicante estava naturalmente indicada.

Se o Digno Par tinha duvidas acêrca da maneira como os agentes da autoridade haviam procedido, o que estava indicado era que encarregasse da investigação pessoa estranha aos factos, que nenhumas responsabilidades pudesse ter n'elles e que constituisse para o publico e para os attingidos maior garantia de confiança.

E assim ficariam bem em evidencia quaes os intuitos do Governo e o grau das suas responsabilidades nos actos praticados.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu encarreguei o commandante da policia por duas razões: Primeira, porque elle não foi o executor das instrucções que eu dei; foi o Sr. tenente-coronel Dias. Se o commandante da policia tivesse sido o executor, eu não o podia ter encarregado da investigação. Segunda razão : sendo elle o commandante da policia, era a elle que competia qualquer averiguação para applicação de penas disciplinares. De resto, n'essa occasião em que encarreguei o commandante da policia de proceder á investigação, a minha confiança n'elle era completa.

O Orador: - Mas se o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro a esse tempo tinha a informação do commandante da policia e do Sr. tenente-coronel Dias sobre a maneira como os factos se tinham passado, parece que o natural era que recorresse a quem nem sequer de longe pudesse, no espirito publico ou pelo menos no espirito dos attingidos, fazer despertar a suspeita de não ter procedido com aquella isenção que era para desejar.

Desde que S. Exa. diz que as informações eram primeiro umas e depois outras, parece que o que estava indicado era aguardar a decisão do poder judicial ou então, repito, nomear qualquer outro funccionario competente, como por exemplo, o secretario geral do Governo Civil, funccionario competentissimo.

Então sim, então é que o Sr. Hintze Ribeiro teria procedido, para o espirito publico, fora de toda a suspeição.

O que o Sr. Presidente do Conselho devia ter feito. ..

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Mas eu não sou o Presidente do Conselho.

O Orador: - Comtudo, nós estamos tão habituados a que o Sr. Hintze Ribeiro seja o Presidente do Conselho...

O Digno Par Sr. Julio de Vilhena costuma dizer, mostrando quanto o Sr. Hintze Ribeiro gosta de governar, que para S. Exa. este encargo é um emprego publico.

O que S. Exa. devia ter feito era não só o que eu já disse, mas ainda mais.

O Digno Par declarou aqui que as instrucções que dera ao commandante da policia eram inteiramente em harmonia com o regulamento policial.

Mas se essas eram as attribuições da policia, para que dar sobre ellas instrucções?

Era uma cousa desnecessaria e que

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podia produzir a impressão de ter havido maior rigor do que aquelle de que se podia usar segundo o regulamento.

E depois aquella disposição diz: procederá com toda a prudencia, mas com a maxima energia.

Ora o Digno Par, nas suas instrucções, diz: "toda a energia" e é pena que não falasse em toda a prudencia.

Se o tivesse feito, já uma cousa equilibrava a outra e já as suas instrucções dariam uma impressão mais perfeita do que aquella que os factos lhe vieram dar.

Com isto termino as minhas considerações

Pode o Digno Par attribuir-me graves responsabilidades nos acontecimentos de 4 de maio.

Simplesmente, tenha S. Exa. a certeza de que essas responsabilidades só os meus adversarios politicos m'as poderão lançar.

As do Sr. Hintze Ribeiro todos lh'as lançarão, menos os seus amigos e eu proprio.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Antes de intervir no torneio em que estão engajados os Srs. Presidente do Conselho e Digno Par Hintze Ribeiro, vou mandar para a mesa duas representações: - uma approvada no comicio de 7 do corrente contra a lei barbara de 13 de fevereiro; e a outra, dos operarios manipuladores de tabaco, respeitante ao contrato em discussão na Camara Electiva. Os reclamantes contra a lei de 13 de fevereiro pedem, em conclusão:

1.° Que ella seja em todo o ponto expurgada da legislação patria.

2.° Que sejam repatriados, á custa do Estado, todos os deportados que á sombra d'ella foram enviados para Timor e para a Africa.

Largamente me tenho referido á lei cruel, formulando pedidos identicos aos que contem a actual representação.

Chamo para elles de novo a attenção da Camara e do Sr. Presidente do Conselho, e que este se digne dar provimento, e quanto antes, na parte que lhe incumbe, a tão justas solicitações. Com respeito aos operarios manipuladores de tabaco, representam elles, e com toda a justiça, rogando que lhe sejam attendidas as suas reivindicações cujo articulado consta de 15 numeros D'este assumpto me tenho igualmente occupado, com frequencia, e espero brevemente a elle voltar. Por isso limito aqui as minhas considerações, pedindo a V. Exa. que se digne consultar a Camara para que as duas representações cujos termos são os mais correctos, tenham publicação no Diario do Governo Dito isto, notarei que o caminho trilhado, tanto pelo Sr. Hintze Ribeiro como pelo Sr. João Franco, não dá garantias algumas de que se chegue ao apuramento das responsabilidades derivantes do acto selvagem commettido na estação da Avenida, por occasião da chegada a Lisboa do Sr. Conselheiro Bernardino Machado. O Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro mandou proceder a syndicancias pelo commandante da policia civil e pelo chefe da policia preventiva, quando um e outro deveriam ter sido syndicados. O commandante do corpo de segurança a ninguem castigou pelos crimes commettidos na estação do Rocio.

A par d'isso, na syndicancia por elle, laborada, e cuja publicação ainda não appareceu na Folha Official, faz-se referencia, segundo o testemunho do Sr. Presidente do Conselho, a gritos subversivos que ali se deram. Outro tanto deixa transparecer no seu relatorio o Sr. tenente-coronel Dias, que superintendia no serviço policial, na estação da Avenida. Em contradicção com estas affirmações, o juiz de instrucção cri minai não procede á syndicancia de que foi incumbido, e envia 24 horas, depois de presos, para as justiças ordinarias, 27 cidadãos, accusados apenas de terem dado morras á policia.

Este desencontro incontroverso de opiniões, dá margem a leituras nas entrelinhas. Nem o juiz de instrucção criminal tem por habito proceder com tanta rapidez, para com os presos que lhe caem nas garras, nem tão pouco costuma ser tão moderado, como foi para com elles, no delicto que lhes arbitrou.

Que o digam os supostos implicados na pavorosa de Alcantara, urdida por occasião de se inaugurar n'aquelle bairro um centro regenerador-liberal. A alguns d'elles, retidos na Bastilha, ou disseminados pelos calabouços das esquadras policiaes, até agua foi negada. Uma protervia!...

Sr. Presidente: a despeito d'esta confusão de pareceres, o chefe do Governo foi audacioso até ao ponto de me arguir, por eu ter hontem atacado a policia, que merece actualmente a S. Exa. todas as attenções.

Mas, se o meu testemunho lhe não merece conceito, vou apoiar-me no de um censor austero, que deve dar as melhores garantias ao Sr. Presidente do Conselho. Ora esse critico, da maxima autoridade, exprimia-se em 6 de maio n'estes termos:

"Uma simples salva de palmas em saudação de um candidato, legitimamente eleito e affrontosamente roubado, é delicto bastante para que os sabre, caiam a torto e a direito sobre uma multidão inoffensiva; uns simples vivas em homenagem ao homem que o Governo pretendeu deshonrar, mettendo-lhe sarcasticamente nas mãos a cana verde de uma eleição fraudulenta, determina um acutilamento geral ás cegas, em correrias doidas, entre cordões dê policia, bem instruidos e bem dispostos para o feliz successo da façanha. Na surpresa da aggressão a multidão não reage entre uns setenta feridos de mais ou menos gravidade, "penas houve, uns tres policias atrapalhados pela onda dos fugitivos, o que mostra bem a impunidade gloriosa com que se bateu no povo como em centeio verde-".

No dia 8, o mesmo critico implacavel proclamava:

"Que é que fez a policia, sob inspiração e ordem do Governo, não só expressamente confessada, mas reivindicada com mal empregado orgulho pelo orgão mais officioso?

Caiu em cima de toda aquella multidão, ferindo a torto e a direito, e sem o menor aviso previo, para mais accentuar o fito feito e a premeditarão".

E chega a vez da analyse do relatorio policial, com a data de 7, firmado pelo Sr. tenente coronel Dias da Silva, e cuja leitura não faço, por o julgar, improprio de um official do exercito, mesmo no serviço da policia. Mas fala o austero censor a que nos vimos referindo, e que no dia 9 assim se expressava:

"Este relatorio, devemos dizel-o desde já, dá a impressão bem nitida de que a policia tinha instrucções para violentamente atacar a multidão, para dar a matar, em vez de usar processos brandos, como era o seu dever. De outro modo, se taes instrucções não tivesse, o Sr. tenente-coronel Dias não teria exorbitado dos seus deveres e não viria confessal-o assim tão claramente, quasi que não procurando se quer explicar aos seus superiores o motivo da violencia dos meios empregados.

Porque a verdade é que do relatorio do Sr. Dias o que se conclue é que não houve motivo algum que explicasse sequer de longe a violencia da aggressão policial.

Do relatorio se vê, pois, que o primeiro conflicto, em que a policia violentamente se atirou logo ao povo, dando forte e feio e atirando á cabeça, foi motivado por gritos subversivos, que ninguem ouviu, a não ser o tal mysterioso informador.

Mas acrescenta o Sr. Dias que ouviu distinctamente - Morra a policia ! Fora a autoridade!...

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Com certeza que o Sr. Dias não esperava que, depois de a policia tão brutal e tão injustificadamente se ter atirado ao povo, dando a matar, por causa de vivas subversivos que só foram ouvidos pelo tal mysterioso informador, o recebessem na gare com salvas de palmas e com vivas".

E por hoje não são precisas mais transcripções da critica, tão acerba quanto justa, feita ao exautorante relatorio.

Mas continuamos a dar a palavra ao commentador illustre, que no dia 10, sempre de maio, recordava os tumultos do Passeio Publico, em 1877, cujas consequencias e feição são por esta forma synthetisadas:

"Os factos que na sexta feira se deram no Rocio não teem em Lisboa precedente nenhum á sua altura, desde o periodo agitado das luctas revolucionarias. Mas em 1877 succedeu ali perto cousa parecida, se bem que muito menos importante, tanto pelo caracter, como pelas circumstancias, e sobretudo pelas consequencias.

Pois o governador civil foi demittido, a Camara Municipal dissolvida, o commissario geral de policia suspenso, e um dos commissarios de policia, mais culpado, mettido em processo e demittido".

E quer a Camara saber quem é o autor de tão preciosas apreciações, que por assim dizer, constituem verdadeiros logares selectos?

O Diario lllustrado, o orgão genuino do Sr. Presidente do Conselho, por elle inspirado, - do Sr. Presidente do Conselho, que, na sessão anterior, ousou entoar dithyrambos á mesma policia, nos seus dois ramos putrefactos, no que se abriga na Parreirinha e no que está installado na Bastilha da Estrella.

Pelo que fica exposto, reconhece-se que o Sr. Presidente do Conselho muda facilmente de opinião. Antes de subir ao poder trovejava, por intermedio do seu mais genuino orgão da imprensa, contra os criminosos feitos policiaes. Elevado ao poder, faz completo reviramento e arvora-se em campeão do que estigmatizou com justos motivos. Eu é que ha muito tenho opinião segura sobre a materia.

Assim, na sessão realizada n'esta Camara em 5 de setembro de 1905, discutia-se a resposta ao Discurso da Coroa, e eu apresentei uma proposta de que destaco estes trechos:

"A policia, que devia ser instrumento de ordem e de educação social, exorbita, repetidamente, como o seu congenere - o Juizo de Instrucção Criminal - tornando-se violenta e perigosa, quando devia ser prudente e paternal. Ao invés do que acontece na Gran-Bretanha, onde o agente policial desempenha, desarmado, as suas funcções, acobertado apenas pelo prestigio derivante da correcção com que procede, entre nós exhibe-se elle com terçado e revolver, procurando impor-se pelos processos aggressivos de que usa e abusa, sob a complacencia, se não com a instigação dos superiores.

As guardas pretorianas, os janizaros e os mamelucos tiveram a sua epoca de celebridade na antiga Roma, na Turquia e no Egypto. Constituiam, por assim dizer, armas de dois gumes, que tanto promoviam a desordem, como mantinham a ordem; que depunham os chefes do Estado, com a mesma facilidade com que os improvisavam.

Nos paizes sob o influxo da civilização moderna, não se admittem agremiações d'estas, qualquer que seja a denominação que se lhes dê, e muito menos que ellas tenham para dirigentes os officiaes do exercito, cuja missão é muito outra, sempre amoldada pelo brio, pela dignidade e pela compostura".

Ainda até hoje não mudei de opinião, e a razão é muito simples. Porque a policia, longe de se ter regenerado, mais e mais se tem tornado justamente odiosa e odiada, pelos seus desmandos. É um producto apropriado da podridão dominante.

Sr. Presidente: No caso lastimoso da Avenida, o Sr. Hintze Ribeiro tem as responsabilidades immediatas do acontecimento. O Sr. João Franco tem as da successão, que derivam de não ter procedido, apurando devidamente dos mandantes e dos mandados que exorbitaram nas occorrencias que se deram.

Conforme é notorio, Henrique IV affirmava que Paris valia bem uma missa. O Sr. João Franco devia tambem ter considerado que Lisboa valia bem uma syndicancia, feita em termos severos e graves, por quem não tivesse tido a minima interferencia nas selvajarias alludidas. Se S. Exa. quizesse proceder como os factos lhe indicavam, teria escolhido para syndicante o secretario geral do Governo Civil de Lisboa, cujo nome o proprio Sr. Presidente do Conselho ha pouco lembrou, não se recordando sequer que foram os tumultos de 4 de maio que o ascenderam aos Conselhos da Coroa, o que lhe impunha norma de proceder muito differente d'aquella que adoptou.

Sr. Presidente: tudo deixa prever que se S. Exa. vivesse ha dois mil annos e residisse na Judea, no dia da condemnação de Christo teria jantado em casa de Pilatos.

É commodo, mas, permitta-me S. Exa. que lhe diga: - não é proprio de um homem de Estado. O papel de Caiphás acommoda-se muito melhor com as condições de mando; e ainda o de Herodes.

Mas S. Exa., desde que escalou o poder, suppõe-se no melhor dos mundos possiveis. O Dr. Pangloss não o excederia em sonhos roseos.

A realidade, porem, a imperiosa realidade, impõe-lhe a obrigação do apuramento das responsabilidades a que ternos alludido, e ainda das que correspondem a quem chamou ao Governo Civil o Sr. Dr. Affonso Costa, com cuja amizade me honro, e ao Juizo de Instrucção Criminal o Sr. Dr. Antonio José de Almeida. Ao acto nefando da Avenida seguiu-se, pouco depois, uma tourada no Campo Pequeno. Ali foi freneticamente acclamado o Sr. Dr. Affonso Costa. Foi depois d'esta manifestação que o Sr. governador civil de Lisboa, da epoca, o quiz tornar responsavel pelo que de futuro, similarmente, pudesse succeder.

Quem é que deu semelhante ordem áquella autoridade?

Em que local? Foi na praça publica?

Foi n'alguma repartição do Estado?

Foi em algum theatro, depois de jantar?

A quanto descemos, Sr. Presidente. Nem na Hottentotia se chegaria, porventura, a tal extremo.

as, infelizmente, esta é a fructa do tempo.

Da Bastilha da Estrella, onde se alberga um pseudo magistrado que trocou a toga de juiz pela encadernação de esbirro, saem infamias d'este e ainda de mais avultado jaez.

Eu fui alvo de um d'esses ataques indignos, que repelli energica e ruidosamente, como me cumpria, e que repellirei sempre que novas tentativas se produzam. As cartas que a tal respeito publiquei na imprensa, e que me deram completa reparação, ainda talvez aqui as traga para serem inscriptas nos Annaes.

Ao autor do repugnante feito não pedi contas pessoaes, porque para isso não tem imputação essa infecta entidade, que procurou ferir-me, espionando-me: - nem elle nem o seu mandante ou inspirador, que se equivalem em todo o ponto. Sobre elle, e seu mandante, limito-me a cuspir d'aqui o meu mais profundo desprezo. Nada mais merecem. E é uma ascorosa entidade d'estas que o Sr. Presidente do Conselho conserva á testa do Juizo de Instrucção Criminal, em contravenção com o decreto de 20 de janeiro de 1898, cujas

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disposições, no caso sujeito, constam dos seguintes artigos;

"Art. 14.° Os serviços pertencentes ao Juizo de Instrucção Criminal ficam a cargo de um magistrado.

Art. 15.° A direcção dos serviços de que trata o artigo antecedente será exercida em commissão por um juiz de direito de instrucção criminal, que o Governo nomeará de entre os juizes de 1.ª classe, sem prejuizo de antiguidade nem de promoção.

Art. 42.° O actual juiz de instrucção criminal continuará a exercer as suas funcções nos termos d'este decreto".

Nos termos d'este decreto, isto é, emquanto for juiz de 1.ª instancia. Alem de que, tenha-se presente esta circunstancia, o cargo é exercido em commissão, e não vitaliciamente. Não é de carreira.

E apresenta-se o Sr. Presidente do Conselho a affectar de arrependido!... Lembre-se, porem, S. Exa. que, para Magdalena, nem sequer possue o sexo.

Quem conserva em vigor o decreto de 19 de setembro de 1902, que mais obnoxio não ha, e só pode equiparar-se á lei scelerada de 13 de fevereiro; quem na execução d'esse decreto mantem o abjecto desqualificado que se abriga na Bastilha da Estrella, prepara um mau futuro, próximo, para o seu paiz.

Na opposição, esfalfou-se o Sr. Presidente do Conselho para passar por liberal. Pela parte que me respeita, nunca o acreditei. Supponho, sim, que S. Exa. leu Talleyrand e que lhe conhece o dito:

- Não são os ventos que mudam, são as ventoinhas.

Ora, eu não quero attribuir-lhe o papel de aquilão. Não desejo que se constipe. Em ventoinha está e em ventoinha continuará, não admirando que em breve torne a usar da dictadura. Em tal caso, abram todos os seus guarda-chuvas, que a tormenta será desencadeada. Emigre quem puder. Eu, por desventura, não o posso fazer na mina qualidade de indigente.

O Sr. Presidente: - Faltando apenas 5 minutos para dar a hora e havendo dois Dignos Pares pedido a palavra para antes de encerrada a sessão, aviso d'isso a V. Exa. Se quizer, reservo-lhe a palavra para a sessão immediata.

O Orador: - Agradeço muito a V. Exa., mas vou concluirás minhas considerações. Lamento, na verdade, que o Sr. Presidente do Conselho não tenha tornado habitavel, o que lhe seria facil, por medidas de caracter liberal, o

nosso bello paiz, que melhor sorte merecia. Sinto profundamente que continuem vigorando as leis de excepção que rebaixam e humilham. É-me essencialmente doloroso reconhecer que, com putridos elementos d'estes, de que é symbolo expressivo o Falstaff avariado da Bastilha, não se pode fazer politica sã e administração adequada.

E é por isto tudo que eu, mais uma vez, prevejo para breve a liquidação, com a fallencia do existente, que será completa e, quiçá, fraudulenta.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: - V. Exa., Sr. Presidente, tem a bondade de me dizer se a inscripção se mantem para a sessão seguinte?

O Sr. Presidente: - Sim, Senhor, mantenho a inscripção pela mesma ordem em que se encontra, ordem que é a seguinte: os Dignos Pares João Arroyo, Pimentel Pinto, Alpoim, e Francisco José Machado.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. inscreve-me tambem no fim da lista?

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. tambem inscripto, e tem a palavra o Sr. José de Azevedo Castello Branco, que a pediu para antes de encerrada a sessão.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pedi a palavra para fazer a declaração de que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado, e de que, a não se haver dado esse motivo, ter-me-ia desobrigado de um encargo de que me incumbiram as Camaras de Meda, Lamego e Régua, que fizeram umas representações sobre a questão duriense, e m'as entregaram para que eu lhes desse o destino mais conveniente.

Entendo que outro destino melhor não posso dar a essas representações do que mandal-as para a mesa d'esta Camara e pedir a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se entende que ellas sejam publicadas no Diario do Governo, visto que estão escriptas em termos correctos e tratam da questão do Douro, que tanto tem merecido a attenção e o interesse d'aquellas regiões, como do paiz inteiro.

Mas não foi só para isto que eu pedi a palavra.

Foi tambem para rogar a V. Exa. o favor de communicar ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que preciso dirigir-lhe uma pergunta sobre assumpto importante; e que S. Exa. muito me obsequiaria vindo a esta Camara elucidar me sobre esse assumpto logo que isso lhe seja possivel.

O Sr. Presidente: - Para que a Camara dê autorização para serem publicadas na Folha Official as representações que V. Exa. acaba de mandar para a mesa, é necessario fazer a leitura d'ellas, a não ser que a Camara confie no criterio da mesa. (Apoiados).

Com relação ás representações mandadas para a mesa pelo Sr. Baracho, se a Camara confia no criterio da mesa, escusa de se fazer a leitura. (Apoiados).

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - V. Exa. tomou nota do meu pedido ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros?

O Sr. Presidente: - Sim, Senhor, tomei nota.

O Sr. Dias Ferreira: - Sr. Presidente : pedi a palavra para perguntar a V. Exa. se já foi satisfeito o meu requerimento pedindo os documentos que me são indispensaveis para discutir o monopolio dos tabacos.

O Sr. Presidente: - Ainda não chegaram.

O Orador: - Eu já esperava essa resposta.

O projecto relativo ao monopolio dos tabacos está em breve a chegar a esta Camara e eu ainda não tenho os documentos que me são precisos para entrar na sua discussão.

O Sr. Presidente: - Tomo em attenção as considerações do Digno Par.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. antes de começar a sessão teve a delicadeza de dizer me que a seguinte sessão seria na segunda feira, mas a verdade é que o incidente politico de que hoje se occupou esta Camara não está ainda findo e, portanto, parecia-me conveniente haver sessão na sexta feira, ou mesmo ámanhã, para a questão se liquidar, caso o chefe do Governo não veja n'isso inconveniente.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - Sr Presidente: eu não tenho o direito de me intrometter nos trabalhos da Camara. Apenas direi que o Governo tem ámanhã assignatura real e na sexta feira tem de comparecer na Camara dos Senhores Deputados, onde se ha de discutir a resposta ao Discurso da Corôa.

Dada esta explicação, devo dizer a V. Exa. e á Camara que o Governo apresentar-se-ha aqui, ou todo ou re-

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presentado por algum dos seus membros, sempre que a isso não obste qualquer circunstancia estranha á nossa vontade.

O Sr. Presidente: - Segundo as declarações do Sr. Presidente do Conselho parece-me mais conveniente dar sessão na proximo segunda feira.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: todos nós confiamos na autoridade com que V. Exa. exerce as funcções a seu cargo e temos por V. Exa. a maior consideração e acatamento.

Mas pediria a V. Exa. que instasse perante o Governo para que não houvesse sessões tão intervalladas e que se não collocasse esta Camara n'uma especie de situação subalterna, que não condiz com a sua dignidade, nem com a seriedade dos debates.

Eu faço inteira justiça ao Sr. Presidente do Conselho, e creio que S. Exa. nem se esquivará ás discussões, nem deixará de activar o andamento dos trabalhos, em uma e outra Camara.

Mas o certo é que a Camara dos Pares não pode estar sujeita a demoras que prejudiquem certos assumptos.

Foi eleita a commissão de resposta ao Discurso da Coroa, mas ainda se não reuniu, e V. Exa. sabe perfeitamente que é um acto de deferencia que o parecer d'essa commissão seja apresentado quanto antes.

Peço, pois, a V. Exa. que faça reunir a commissão, e que o parecer seja apresentado e discutido o mais breve que ser possa.

Claro está que eu mantenho a declaração que fiz de que se vierem a esta Camara, ou a questão dos tabacos, ou as providencias destinadas a acudir á crise do Douro, não terei a minima du vida em consentir, e, ao contrario, procurarei quanto em mim caiba, que a discussão d'essas medidas prevaleça sobre qualquer outra, prevaleça ainda sobre o projecto de resposta ao Discurso da Corôa; mas em todo o caso parece-me que não é bem que esta Camara continue a ver que esse projecto nem é apresentado, nem a commissão se reune para o elaborar.

Se um dos membros da commissão não está presente, certamente que não terá duvida em ser substituido, porque esta Camara não pode ficar á espera de um parecer que já devia ter sido apresentado.

Com a maxima serenidade, pois, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que interponha a sua autoridade para que as cousas, no tocante á resposta ao Discurso da Corôa, não continuem como até aqui, e para que eu me não veja forçado a falar de outra maneira.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Creio que nunca em duas semanas foi possivel adeantar tanto os trabalhos parlamentares como agora. (Apoiados}.

Não era costume constituir-se a outra Camara tão depressa, e o tempo que decorreu desde que se abriu a actual sessão legislativa até hoje era quasi exclusivamente consagrado á eleição de commissões.

Este anno, a Camara dos Senhores Deputados constituiu-se rapidamente; já discutiu um assumpto muito importante, como foi o da nacionalidade do Sr. Ministro da Fazenda, e está em via de liquidar a momentosa questão dos tabacos.

Parece-me ter o direito de afirmar que o Governo e os seus amigos teem empregado es maiores esforços no sentido de se accelerar os trabalhos parlamentares, e que o andamento dos mesmos trabalhos, este anno, diverge do que tem sido em outras epocas.

Disse o Digno Par Hintze Ribeiro que esta Camara, deixando de discutir já a resposta ao Discurso da Corôa, ficava como que subalternizada á outra casa do Parlamento.

Não é assim. É na Camara dos Senhores Deputados que se inicia a discussão das propostas que o Governo apresenta e submette á consideração e analyse do Parlamento, e é por isso que no começo da sessão legislativa as sessões ali são mais ameudadas e repetidas.

O Sr. João Arroyo: - Mas a resposta ao Discurso da Coroa?

O Orador: - Como V. Exa. sabe, foi eleito para a commissão de resposta ao Discurso da Coroa o Sr. Beirão. Este Digno Par tem estado fora, do paiz, e assim é natural que a Camara, tendo em attenção os seus altos* merecimentos, a sua respeitabilidade e as suas elevadas qualidades, pratique a deferencia de esperar que S. Exa. chegue.

O Sr. João Arroyo: - Sobretudo por ser correligionario de V. Exa.

O Orador: - Não é de hoje que eu faço ao Sr. Veiga Beirão a justiça que S. Exa. merece. (Apoiados). Em todas as circumstancia, em todas as occasiões, sempre aquelle distincto homem publico me mereceu a consideração, respeito e estima que deve tributar-se a quem tanto se tem evidenciado n'uma carreira publica já longa.

Ia eu dizendo que o Sr. Beirão tem estado fora de paiz, mas é esperado hoje em Lisboa.

Logo que chegue, a commissão reunir-se-ha e apresentará o seu parecer, que entrará logo em discussão.

Creio que isto demonstrará ao Sr. Hintze Ribeiro que, não só por parte do Governo, como dos seus amigos politicos, se envidam todos os esforços e boa vontade para que se adeantem os trabalhos parlamentares e assim se dê prova ao paiz de quem é que sinceramente se dispõe a trabalhar a favor da causa do mesmo paiz, ou quem é que se propõe demorar, por qualquer forma, os trabalhos do Parlamento, a que todos somos obrigados.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Merece-me o melhor conceito o Sr. Beirão, assim como todos os nossos collegas; mas, desde que S. Exa. foi eleito para fazer parte de uma commissão, ou podia vir tomar parte nos trabalhos d'ella e vinha, ou, por qualquer motivo, communicava que não podia vir e a commissão não deixava, por isso, de trabalhar. Era isto que eu desejava.

O Sr. Presidente do Conselho sabe bem, pelas declarações já feitas, que a resposta ao Discurso da Corôa vae ser assumpto de um largo debate n'esta casa do Parlamento; por isso, nós, opposição, desejamos que o mais breve possivel se discuta para não embaraçar outros assumptos.

Peço, portanto, a V. Exa., Sr. Presidente, que faça quanto antes reunir a commissão de resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Presidente: - V. Exa. pode ficar descansado, que logo que chegue o Sr. Beirão - e consta-me que está a chegar - eu farei reunir a commissão de resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): -Não é por minha causa nem por causa do Governo que insisto em falar; é na defesa e justificação do Sr. Beirão.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu não o ataquei.

- V. Exa. admirou-se de que, tendo elle sido eleito para fazer parte da commissão de resposta ao Discurso da Corôa, ainda não tivesse vindo tomar o seu logar n'essa commissão;

É por isso que desejo dizer que, se o Sr. Beirão não veio mais cedo, foi por não ter tido logar no Sud-express.

Logo, porém, que o obteve, partiu e chegou hoje.

O Sr. João Arroyo: - Porque é que V. Exa. não falou n'isso ha mais tempo? Eu arranjava-lhe logar.

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60 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Orador: - Não sabia que V. Exa. estava n'essas circumstancias,

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é na segunda feira, e a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 40 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 10 de outubro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Soveral; Condes: do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Sabugosa; Viscondes: de Asseca, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornei-las, Palmeirim, Vellez Caldeira, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor:

ALBEETO PIMEXTEL.

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