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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 5

EM 15 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvaçÃo da acta. - Expediente. - Consultada a Camara resolve que seja publicada no Diario do Governo uma representação dos empregados da extincta Administração Geral dos Tabacos, em defesa dos seus direitos.- O Digno Par Sebastião Baracho insta pela remessa de documentos que pediu. Dão explicações ao Digno Par, quanto á remessa de documentos, o Sr. Presidente, o Sr. Presidente do Conselho, e Ministros da Fazenda, Marinha e Negocios Estrangeiros. - O Digno Par Mello e Sousa declara achar-se constituida a commissão de fazenda.- O Digno Par Luciano Monteiro communica á Camara a constituição da commissão de verificação de poderes e de administração publica. - O Digno Par Ferreira Freire participa que se acha constituida a commissão de agricultura. - O Digno Par Visconde de Monte-São refere-se á adjudicação do Theatro de D. Mana II. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par José de Azevedo pergunta se o Governo não tenciona submetter ao Parlamento o tratado com a China. Responde i" S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. - O Digno Par José de Azevedo, proseguindo no uso da palavra, chama a attenção do Sr. Ministro da Marinha para o facto de varios marinheiros se terem encorporado hontem no cortejo funebre que acompanhou á sua ultima jazida o jornalista republicano Heliodoro Salgado. Responde ao Digno Par o Sr. Ministro da Marinha. - O Digno Par Sr. Francisco Beirão manda para a mesa o parecer da resposta ao Discurso da Coroa. Foi a imprimir. - O Digno Par Ferreira do Amaral envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Sr. Ministro do Reino. É expedido. - O Digno Par Marquez de Pombal justifica as suas faltas ás sessões.

Ordem do dia, 1.ª parte. - Eleição de commissões: é eleita a commissão de instrucção publica. - O Digno Par Teixeira de Vasconcellos manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda, relativo ao contrato dos tabacos. Foi a imprimir.

2.ª parte da ordem do dia. - Continuação do incidente a proposito dos acontecimentos de 4 de maio. Usa da palavra o Digno Par Arroyo. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par José de Alpoim, a quem é dada a palavra, desiste d'ella no actual momento. - Referem-se ás occorrencias de 4 de maio o Digno Par Hintze Ribeiro e Presidente do Conselho. - Encerra se a sessão e apraza-se a seguinte, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho, Ministros da Marinha e dos Negocios Estrangeiros.

Feita a chamada verificou-se estarem presentes 32 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Officios da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados enviando:

A proposição de lei que tem por fim autorizar o Governo a converter em definitivo o contrato celebrado com a Companhia dos Tabacos.

Á commissão de fazenda.

E aviando a proposição de lei que tem por fim autorizar o Governo a proceder a um inquerito sobre as quantidades de vinho generoso existentes no paiz para commercio e exportação.

A commissão de agricultura.

Enviando 65 exemplares do annexo ao Manual Parlamentar.

Para distribuir.

Officios:

Um da Presidencia do Conselho sobre documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Baracho.

Dois do Ministerio da Justiça relativos a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Baracho.

Cinco do Ministerio do Reino, sobre documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado; quatro pedidos pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Oito do Ministerio da Fazenda: dois relativos a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa e seis pelo Digno Par Sr. Baracho.

Um do Ministerio dos Negocios Estrangeiro sobre documentos pedido pelo Digno Par Sr. Baracho.

Dois do Ministerio da Marinha sobre documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Baracho.

Foram expedidos.

Telegramma de Bento Queiroz, Amandio Silva e Antonio Sampaio, presidente e secretarios da mesa de um comicio de viticultores, camaras municipaes, syndicatos agricolas e commissões de defesa dos interesses do Douro, effectuado no Pinhão, pedindo a prompta discussão do projecto relativo a commercio de vinhos.

A Camara ficou inteirada.

Representação dos empregados da extincta Administração Geral dos Tabacos em defesa dos seus direitos.

O Sr. Presidente: - Os signatarios da representação que se acaba de ler pedem que ella seja publicada no Diario do Governo.

Os Dignos Pares que annuem a este pedido tenham a bondade de ficar sentados.

Foi approvado.

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O Sr. Sebastião Baracho: - Pedi a palavra para instar pela remessa de documentos de que preciso para a discussão do projecto relativo á questão dos tabacos. Rogo aos Srs. Ministros do Reino, da Fazenda, da Marinha e dos Negocios Estrangeiros que dêem as precisas ordens para que, quanto antes, me sejam enviados os documentos que pedi pelos seus Ministerios, sobre policia preventiva, Juizo de Instrucção Criminal, nacionalidade do Sr. Ministro da Fazenda e outros.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - Já ha dois dias que assignei o officio de remessa dos documentos referentes á nacionalidade do Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Sebastião Baracho: - Ainda os não recebi.

O Sr. Presidente: - Na mesa foram hoje lidos muitos officios remettendo esclarecimentos.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Schrõter): - Pedi a palavra unicamente para dizer ao Digno Par Sr. Baracho que, logo que tive conhecimento das requisições que S. Exa. fizera, de documentos pelo Ministerio da Fazenda, immediatamente passei as precisas instrucções para que elles fossem tirados, enviado-se as respectivas copias a esta Camara para S. Exa. as examinar. Um grande numero d'esses pedidos teem já sido satisfeitos e, se alguns ainda faltam, é porque não houve tempo de os copiar, visto que são muitos, mas fique S. Exa. certo de que n'uma das proximos sessões serão presentes a esta Camara.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Sr. Presidente: eu pedi a palavra para fazer ao Digno Par o Sr. Baracho uma analoga declaração á que fez o Sr. Ministro da Fazenda.

Ainda hoje assignei um officio remettendo a S. Exa. os documentos que pediu. S. Exa. pediu documentos em grande quantidade, e essa é a razão da demora. Na primeira occasião que for á secretaria darei as competentes ordens de S. Exa.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): - Sr. Presidente : pedi a palavra para declarar ao Digno Par o Sr. Baracho que já dei ordem na minha secretaria para que fossem remettidos a S. Exa. os documentos que pediu. Particularmente já informei S. Exa. a este respeito.

O Sr. Sebastião Baracho: - E eu agradeci em devido tempo a attenção de S. exa.

O Orador: - É verdade o que o Digno Par acaba de dizer. Creia S. Exa. que vou novamente instar para que os documentos que S. Exa. pediu sejam enviados á Camara com a maior brevidade.

O Sr. Mello e Sousa: - Sr. Presidente : pedi a palavra para communicar a V. Exa. e á Camara que já se constituiu a commissão de fazenda, tendo escolhido para presidente o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, e a mim para secretario.

Agora peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que a mesma commissão se reuna durante a sessão.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que approvam a proposta do Digno Par o Sr. Mello e Sousa tenham a bondade de ficar sentados.

Foi approvada.

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: pedia a palavra para communicar a V. Exa. e á Camara que se constituiram as commissões de verificação de poderes e de instrucção publica.

Mando para a mesa as respectivas communicações.

São do teor seguinte:

Tenho a honra de communicar a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão de verificação de poderes, tendo sido eleito presidente o Exmo. Sr. Conselheiro Sá Brandão e secretario o participante.

Sala das sessões, em 15 de outubro de 1906. = Luciano Monteiro.

Tenho a honra de communicar a V. Exa. que se acha-se constituida a commissão de administração publica, tendo sido eleito presidente o Digno Par Veiga Beirão e secretario o participante.

Sala das sessões, em 15 de outubro de 1906. = Luciano Monteiro.

O Sr. Ferreira Freire: - Sr. Presidente: pedi a palavra para participar a V. Exa. que já se constituiu a commissão de agricultura, tendo escolhido para presidente o Digno Par Sr. Wenceslau de Lima, e a mim para secretario.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Sr. Presidente: mando para a mesa um requerimento em que peço determinados documentos, mas condicionalmente.

(Leu).

Vou ler ainda um requerimento analogo feito na Camara dos Senhores Deputados pelo illustre Deputado regenerador o Sr. Mello Barreto, com referencia ao mesmo assumpto, com indole diversa da que tem o que acabo de apresentar.

(Leu).

Comparando os dois documentos vê-se que um é consequencia do outro. O meu requerimento refere-se á exploração ou administração economica do theatro de D. Maria II, actualmente constituida, e o do Sr. Mello Barreto, embora se refira ao mesmo assumpto, occupa-se tambem de factos que a imprensa tem noticiado, e de certos rumores acêrca das faltas em que essa administração incorreu.

Desde que o Sr. Ministro do Reino, em vista de todos estes documentos, me diga que vae pôr a concurso a administração do theatro de D. Maria II, ou vae mandai-o administrar por conta do Estado, os meus documentos não teem razão de ser pedidos. Eu venho discutir uma cousa que deve ser publica, não venho fazer accusações.

Ao passo que na administração do Estado se procura arrecadar nos cofres do Thesouro as maiores sommas, assim tambem é para desejar que os esforços mentaes feitos pelos nossos homens de letras, esforços que são tambem valores, embora d'outra especie, não se tornem estereis e inuteis para o bem do paiz, porque isso poderia ser causa da sua vergonha em frente d'outras nações que trabalham.

Peço, portanto, ao Sr. Ministro do Reino me diga se tenciona pôr a concurso a adjudicação do theatro de d. Maria II.

Ha proposta da propria empresa, mas S. Exa. julgará a que mais convier.

Em todo o caso retiro os meus pedidos porque não venho fazer questões politicas, nem desejo incommodar o Sr. Presidente do Conselho, em quem reconheço os melhores intuitos de bem administrar.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: começo por agradecer ao meu antigo amigo, e illustre Digno Par, o Sr. Visconde de Monte-São, as palavras de benevolencia com que S. Exa. terminou o seu discurso, e em resposta á sua pergunta tenho a dizer-lhe que effectivamente foram apresentadas varias propostas para adjudicação do theatro de D. Maria II e que, em virtude de taes propostas, mandei formular as bases para o programma d'um concurso. Essas bases ainda não estão definitivamente organizadas e d'isto depende simplesmente o Governo pôr a

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concurso a adjudicação do referido theatro.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho a resposta que S. Exa. se dignou dar-me pedindo-lhe que inste pelo trabalho do Conselho Dramatico, por isso que a epoca está acabada e o theatro não pode fechar.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. Presidente, na sessão anterior pedi que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros fosse avisado de que eu desejava fazer-lhe uma pergunta. Visto que S. Exa. veio hoje a esta casa vou realizar a minha pergunta, e como estou no uso da palavra aproveitarei a occasião para me dirigir ao Sr. Ministro da Marinha sobre outro assumpto.

Quando o actual Governo assumiu as responsabilidades dos negocios publicos, e S. Exa. a pasta dos Negocios Estrangeiros, devia ter encontrado no seu Ministerio um tratado de commercio realizado com a China.

Esse tratado, que foi, ha mais de anno e meio, assignado por parte do Governo Português, espera nos archivos do seu Ministerio que seja enviado a esta e á outra Camara para approvação das Côrtes e sancção de El-Rei.

Esse tratado foi feito quando era Ministro dos Negocios Estrangeiros o Sr. Wenceslau de Lima, foi assignado com sua autorização, por conseguinte a responsabilidade é do Governo de então.

Depois da saida do Ministerio presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro subiu ao poder o Ministerio progressista, e por mais de uma vez ouvi dizer ao titular da pasta dos Estrangeiros que o Governo fazia seu o tratado com a China.

No Discurso da Corôa vem referencias a varios tratados de commercio, uns realizados e outros não realizados, mas não se enumera nenhum tratado de commercio.

Todavia, eu sei que, por parte do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, foram apresentados á Camara dos Senhores Deputados alguns diplomas d'esta natureza e notei que houvera uma omissão com referencia ao tratado com a China.

Venho, por isso, perguntar ao Sr. Ministro se essa omissão significa esquecimento, adiamento temporario ou decisão formal de não submetter á apreciação do Parlamento o tratado com a China.

Não me demorarei a discutir n'este momento esse diploma, que, no entanto, devo dizer á Camara, encerra dois artigos da mais capital importancia para Portugal: um no qual se resolve a debatida questão dos limites da nossa colonia n'aquellas paragens, outro que diz respeito aos vinhos portugueses, no sentido de pela primeira vez se estabelecer uma pauta de favor para os vinhos portugueses authenticos e genuinos.

Bastam estes dois artigos para o Governo dever ter em consideração aquelle tratado; não sei, porem, se haverá qualquer motivo para o não acceitar.

Sobre isso desejava ouvir o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e, se V. Exa., Sr. Presidente, me permitte, interrompo aqui as minhas considerações para ouvir a resposta do Sr. Ministro; depois farei ao Sr. Ministro da Marinha a pergunta a que me referi.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): - Sr. Presidente: em resposta ao Sr. José de Azevedo Castello Branco, devo dizer que o Governo tem tenção de trazer ao Parlamento o tratado de commercio por S. Exa. negociado. Esse tratado, porem, como V. Exa. sabe e a Camara, não o da iniciativa do actual Governo e constitue um diploma volumoso e complexo, abrangendo numerosas questões.

É um documento que precisa ser ponderado e estudado com muita reflexão.

Mais de uma vez o tenho compulsado e, affirmo a V. Exa., o Governo está de acordo com as suas linhas geraes, podendo ser que n'um ou n'outro ponto especial, entenda que lhe deve levar algumas modificações, no intuito de dar a esse diploma a maior somma de vantagens para o paiz, sem pensamento algum politico.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Agradeço ao Sr. Ministro a resposta e faço votos para que a actividade de S. Exa. se exerça sobre o tratado a que me referi, pois me parece ser digno da attenção dos poderes do Estado.

A minha outra pergunta é ao Sr. Ministro da Marinha e seria ao Sr. Presidente do Conselho na ausencia do titular da pasta.

Hontem, á hora em que o Sr. Presidente do Conselho, com a sua proficiencia habitual de publicista e homem de leis, dava uma lição de direito constitucional a Sua Alteza o Principe Real, lição que, valha a verdade, lhe deve ter deixado a arder as orelhas, em Lisboa dava-se um facto muito importante. Immensa mó de povo acompanhava á ultima jazida um jornalista, que militara nas fileiras do partido republicano.

Este jornalista, que eu nem de vista conheci, á parte as condições de caracter individual que poderia ter, embora não fosse uma das figuras preponderantes do partido republicano, foi, todavia, pretexto para uma immensa parada de forças democraticas em Lisboa.

Este acto piedoso do acompanhanhamento á ultima morada do jornalista republicano serviu ao mesmo tempo para documentar a ousadia com que hoje se ostentam ideias subversivas e contrarias ás nossas instituições.

Nada tenho com isto: monarcbico ou republicano, guardo para mim as minhas convicções, não tenho o direito de censurar as convicções alheias. Todavia, o que toda a gente póde presenciar foi um espectaculo caracteristicamente impressionante, não só pelas circunstancias de respeito com que essa grande mó de povo acompanhava o cadaver, mas ainda porque, no meio d'esse prestito, toda a gente póde ver, com uma ordem e aspecto de gravidade que nem sempre nas fileiras, sob a ordem dos seus commandantes, conservam as forças militares, um pelotão da nossa Armada Real acompanhado de uma praça graduada.

A principio imaginei que aquillo pudessem ser honras funebres prestadas a qualquer pessoa que tivesse militado na Armada Real e a quem a lei conservasse estas regalias depois da morte; mas tendo averiguado, soube que isso não se dava e que portanto era uma manifestação collectiva dos marinheiros, que assim d'aquelle modo davam um testemunho publico de solidariedade politica com o extincto e com os vivos que o acompanhavam.

Venho perguntar ao Sr. Ministro da Marinha se S. Exa. porventura autorizou essa manifestação da armada, e, no caso de não ter consentido, se os seus sentimentos catholicos não brigam com o dever de castigar e de reprehender, se houver motivo para isso, uma manifestação d'esta ordem.

Eu não quero criar embaraços ao Governo, quero simplesmente saber, dados os intuitos em que elle está de querer pôr toda a gente no seu logar, se está resolvido a dar o exemplo de estar tambem no seu.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - É com a maior surpresa que acabo de ouvir as informações do Digno Par o Sr. José de Azevedo.

E com isto respondo á primeira pergunta de S. Exa.: não autorizei nem podia autorizar semelhante manifestação. Desde, porem, que tenho conhecimento por esta forma do que se passou, o meu dever é informar-me, e do que houver, isto é, do resultado das informações que colher, e da minha maneira de proceder em face d'essa ma-

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nifestação, eu darei conhecimento a S. Exa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Foi a imprimir.

O Sr. Ferreira do Amaral: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos.

Foi mandado expedir e é do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada copia do parecer da ultima commissão nomeada para estudar a forma de regular a questão dos passaportes, e bem assim copia das actas das sessões da, mesma commissão.

Camara dos Pares, 15 de outubro de 1906. = Ferreira do Amaral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Marquez de Pombal: - Pedi a palavra para participar a V. Exa. e á Camara que, por justos motivos, faltei ás ultimas sessões.

O Sr. Mendonça Cortez: - Peço a V. Exa. que me inscreva para a sessão seguinte.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia: eleição da commissão de instrucção publica.

Feita a chamada, procedeu-se á votação. Corrido o escrutinio e servindo de escrutinadores os Dignos Pares Conde do Cartaxo e Sr. Francisco José Machado, verificou se terem ficado eleitos os Dignos Pares:

Francisco Antonio da Veiga Beirão.
José Estevam de Moraes Sarmento.
Luciano Affonso da Silva Monteiro.
Gonçalo Xavier de Almeida Garrett.
José Frederico Laranjo.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
D. Antonio Maria de Lencastre.
Henrique da Gama Barros.
Conde de Monsaraz.
Fernando Mattozo Santos.
Wenceslau de Sousa Pereira Lima.
João Marcelino Arroyo.

O Digno Par Almeida Garrett obteve 40 votos e os restantes Dignos Pares 41 cada.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda a respeito do contrato dos tabacos.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

SEGUNDA PARTE

Continuação do incidente a proposito dos acontecimentos de 4 de maio

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: mal imaginava eu, ao pensar que devia usar da palavra na sessão de hoje, que um Digno Par, meu illustre collega e amigo, relataria á Camara um facto na realidade grave e importante, como indicador seguro do estado da opinião. Refiro-me a pergunta que o meu illustre amigo o Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco dirigiu ao Sr. Ministro da Marinha.

Não é de admirar que comece a lavrar a indisciplina na praça, quando de ha muito ella lavra no poder.

É para lamentar sim, mas não para surprehender o facto a que alludiu o Sr. José de Azevedo, se repararmos e meditarmos em que, de ha muito tempo, as condições primarias de Governo, as garantias individuaes do cidadão, as liberdades publicas, a collocação de cada individualidade constitucional no legitimo terreno que lhe pertence em face da Constituição, tudo isso se perdeu, tudo se abastardou e envenenou, graças á campanha iniciada em Portugal por Oliveira Martins e continuada por alguns Ministros que se lhe seguiram, campanha inspirada na theoria do engrandecimento do poder real.

Como se comprehende sem magua que, vigorando entre nós as instituições que vigoram, forças da nossa armada vão fazer parte da manifestação que hontem Lisboa presenciou. Este acontecimento, Sr. Presidente, fica sendo um dos que melhor revelam a indisciplina e desorganização dos poderes publicos em Portugal n'esta epoca que atravessamos. Não é, porem, de admirar que tal succeda quando os mais graves crimes do Governo ficam impunes.

Ao arbitrio do poder corresponde a desordem na praça publica, ao abuso governamental corresponde o procedimento illegal nas ruas.

É facto que os acontecimentos de 4 de maio revestiram uma gravidade excepcional, e, de minha memoria de homem publico, não me recordo de se terem atropelado milhares e milhares de pessoas, como se fez na estação do Rocio, ferindo-se mais de uma centena de individuos, praticando-se as maiores violencias que uma força armada pode praticar sobre uma multidão desarmada, sem que, até hoje, a menor satisfação, mesmo nominal e fingida, tenha sido dada á cidade de Lisboa, á capital do reino offendida, que presenciou com olhos de pavor aquellas scenas de selvajaria!

Eu assisti, na sessão passada, á lucta que a este respeito se feriu entre o chefe do partido regenerador e o chefe do Governo; vi como das cadeiras do Governo se confundia a defesa do procedimento proprio com o ataque da personalidade alheia.

Assisti a esse debate com pasmo e pensei que para estabelecer a verdade inteira n'este pleito, que para fazer soar do alto d'esta tribuna a realidade implacavel dos factos, fixando por uma vez a significação d'esses terriveis acontecimentos, eu tinha de abandonar o florete das discussões parlamentares, tinha até de pôr de parte o sabre dos combates mais accesos e, recorrendo ao meu arsenal de guerra, me via forçado a desprender e trazer para fora o montante de batalha dos grandes momentos, em que é preciso deixar irrefragavelmente estabelecida na scena historica e parlamentar a responsabilidade de todos os que collaboraram em actos nefandos, e depois, tornando-o nas mãos para ferir onde tivesse de ferir, sem receio, embora com o respeito devido ás pessoas, dentro da lei mas com a plena liberdade que ella permitte, marchar impavido para essa campanha, collocar o assumpto em frente da luz nitida da verdade, isolando-me de considerações secundarias, e deixar bem patente e arraigado o grau de responsabilidades que pendem sobre os culpados.

Se no revolutiar de qualquer molinete, ao empunhar com ambas as mãos o meu gladio, eu tiver de proferir, não direi, phrases desagradaveis, mas menos amaveis para os meus collegas d'esta Camara, V. Exas. sabem como sou incapaz de faltar aos primores de cortezia que entre collegas são devidos, e por isso peço que as tomem como condição de lucta, sem intenções de aggravo.

Lembra-me agora o D. Polycarpo Lobo que, no Chiado, dizia: - rapazes, até á paz geral; - eu digo aqui tambem: - collegas o amigos, até á liquidação d'este incidente.

Pergunta o analysta imparcial dos dois contendentes da passada sessão parlamentar: quem tem a responsabilidade, o chefe regenerador ou o chefe do actual Governo?

Respondo: ambos, mercê de Deus.

Antes de passar a estudar o significado geral dos factos n'aquillo em que elles se reflectem nas instituições que nos regem, eu analysarei as responsabilidades de um, e passarei em seguida ás responsabilidades de outro.

O Sr. Hintze Ribeiro, com uma clareza, elevação e eloquencia que lhe são caracteristicas, expoz deante d'esta casa do Parlamento as instrucções que dera ao chefe da policia, na previsão da scena

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que se preparava na gare do Rocio á chegada do Sr. Bernardino Machado e referiu os actos que se praticaram em seguida aos tristes acontecimentos d'aquella noite.

Expoz S. Exa. que as suas instrucções se continham dentro de dois principios: respeito á liberdade e respeito á lei.

Eu não glosarei as instrucções do Digno Par, mas tudo que elle diz se comprehende dentro d'esta forma perfeitamente legitima e curial.

Em seguida, o Sr. Hintze Ribeiro pretendeu justificar o seu procedimento, lembrando que tinha mandado proceder a uma syndicancia pelas autoridades policiaes, e recommendado ao Juizo de Instrucção Criminal o respectivo procedimento.

Ahi, S. Exa. approximou as ordens que dera aos respectivos textos da lei, e mostrou que procedera legal e correctamente.

Eu não entro a analysar nem o § 5.° do artigo 4.°, nem § 5.° do artigo 6.°; vou pôr deante dos olhos do Digno Par onde é que fallece a sua defesa, e qual é o genero de responsabilidade que lhe pertence.

S. Exa. na ultima sessão, como na penultima, como quem solta um grito de alma irreprimivel, expressou por esta forma dolorosa e cruciante a sua innocencia.

S. Exa. voltava-se para a mesa, e n'um tem de quem queria falar alto para que o paiz o ouvisse, disse, repetiu e insistiu: "Eu não mandei acutilar o povo de Lisboa".

Na sessão de quarta feira, mostrando o seu procedimento legalista e a correcção das suas instrucções, quer em relação ás que deu ao commandante da policia, quer ás que ministrou ao Juizo de Instrucção Criminal, S. Exa. disse e repetiu que era falso, absolutamente falso, que tivesse "mandado acutilar o povo de Lisboa".

Foram estas as declarações do Digno Par, declaração que eu acredito.

Agora começa a responsabilidade do Digno Par.

Como S. Exa. não tinha mandado acutilar o povo de Lisboa, e como, apesar d'isso. o povo de Lisboa tinha sido acutilado, S. Exa. tinha, no dia seguinte aos acontecimentos de 4 de maio, de pôr de parte os artigos 4.° e 5.° e os §§ 6.° e 7.°, tinha de tomar em suas mãos as autoridades que commetteram áquelles abusos, e tinha de mostrar que esses acontecimentos não só não tinham sido preparados nem ordenados por S. Exa., mas haviam sido praticados contra sua vontade.

Esta era a responsabilidade de S. Exa., que, aliás, tem uma explicação; mas nem por isso deixa de ser o que é. (Apoiados).

Em segundo logar o Digno Par disse á Camara que a partir de uma certa data o chefe da policia desmerecia da sua confiança, e todavia, Sr. Presidente, esse chefe de policia, foi conservado no exercicio das suas funcções.

N'isto e só n'isto, repito, está a responsabilidade do Digno Par.

áquelles que conhecem a intelligencia de S. Exa., áquelles que sabem como o Digno Par procede sempre que se encontra á frente de uma situação ministerial, áquelles que sabem quanto S. Exa. é versado em assumptos de administração, a esses peço eu que me expliquem, se podem, este phenomeno extraordinario de um Ministro do Reino que, não tendo mandado acutilar o povo da capital, e verificando que esse povo foi acutilado, não recorreu ás providencias que as leis lhe facultam para castigar um crime de lesa-nação.

Ha, portanto, aqui um quid mysterioso.

O procedimento do Digno Par, não dando um passo para intervir logo em seguida, o facto de não se proceder a averiguações desde o dia 4 a 19 de maio, demonstra que havia qualquer cousa que, entenebrecendo o seu espirito, impedia S. Exa. de pôr em execução aquillo que a sua obrigação lhe ditava.

Esse quid, não direi maravilhoso, mas mysterioso, encontra-se em Lisboa, encontra-se dentro dos muros d'esta cidade, mas não estava no Terreiro do Paço, não estava no palacio do Ministerio do Reino, estava n'outros telhados, n'outro palacio, em que a campanha verdadeiramente habil e industriosa tecia a teia de aranha onde havia de ir deitar se o Gabinete presidido por S. Exa.. Já no. dia 4 de maio começavam os primeiros actos d'esse entrecho, mas n'essa data o Sr. Hintze Ribeiro não se conhecia ainda enredado; estava ainda perfeitamente cego. Só dias depois, quando o perigo lhe começou a bater á porta, quando as suas desconfianças encontraram alguma base, quando o terreno lhe começou a faltar debaixo dos pés, quando as abelhas começaram a zumbir com mais força, quando o seu mentor natural, doublé de um gommoso bemaventurado, começou a despertai o, é que o Sr. Hintze Ribeiro acabou de perceber a meada em que se achava enleado. E de ahi até á phase final, quando do falado se passou para o escripto, porque se é preciso um mentor para falar, se é preciso um secretario para escrever, se é preciso um chefe para dirigir, é necessario um scriba para escrever (estes factos porem devem ficar para averiguações posteriores), o Sr. Hintze Ribeiro já não pode manter-se. Durante esse periodo, em que o estado psychologico de S. Exa. se encontrou n'uma situação de desvario primeiro, depois suspeitoso da intriga que as abelhas tinham tecido, durante esse periodo, a intelligencia de S. Exa. obscurece-se, a sua actividade sente-se entorpecida e produz-se esta situação anomala e unica, em que, reconhecendo que não tinha mandado acutilar o povo de Lisboa, como S. Exa. diz, deixava de castigar áquelles que na verdade o tinham acutilado.

S. Exa. caindo, como caiu, teve um bello gesto de cortezão á Luiz XIV, mas comprometteu em demasia o seu partido, porque o despopularizou, não ficou com o paço nem com a praça, não ficou com o Rei contra o povo, nem com o povo contra o Rei.

Emfim, S. Exa. foi aquillo que não é permittido ser a nenhum homem politico; foi um inhabil.

Agora o Governo. Agora o Sr. João Franco, e V. Exa. comprehende que eu, falando em Governo, tenho que falar hoje e sempre, até que S. Exa.. desappareça d'aquellas cadeiras.

O Sr. João Franco, segundo annunciam as tubas sonoras da sua imprensa, segundo o pintam os seus commentadores parlamentares, segundo S. Exa. mesmo se descreve nas falas com que tem abrilhantado os Annaes da outra Camara, o Sr. João Franco está completamente mudado por dentro e por fora; o Sr. João Franco está liberal.

Confesso a S. Exa., e digo isto sem o mais pequeno desejo de ser-lhe desagradavel, a primeira vez que o vi disfarçado em liberal, não o conheci. (Riso). Mirei-o pela frente, por detrás, pelos lados, a ver se elle era ainda o mesmo João Franco, que eu tanto tempo tinha conhecido com um temperamento firmemente contrario ao de liberal; confesso que não o reconheci. Foi necessario que S. Exa. falasse para que, pelo timbre da sua voz, eu verificasse a identidade da sua personalidade politica. Aquellas tendencias verdadeiramente autoritarias do Sr. João Franco, manifestadas por S. Exa. em dezenas de diplomas, isso hoje... é, nos termos mais claros e precisos, o principio da liberdade individual estabelecido na Carta Magna e depois nos Estados Geraes em 1789.

Aquelle espirito de absorpção, graças ao qual os seus collegas existem n'aquelles logares, como distinctos cavalheiros que são, aquelle principio de absorpção, elle e mais nada. (Riso), é agora, no espirito de S. Exa. % o principio da igualdade perante a lei; e aquella maviosidade de trato, aquella doçura verdadeiramente affectuosa com que S. Exa. nos acolhe a todos, parecendo-se um pouco com o aspecto rugoso e verdadeiramente áspero que caracteriza muitas das especies vegetaes, é a

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sua transformação politica adoptando o principio da fraternidade humana.

S, Exa. é uma reminiscencia de Danton. Aquelle chapéu de cÔco, aquelle veston com que tem comparecido na Camara dos Pares é a transformação em pleno seculo XX da elegancia de Saint-Just ao sair da Convenção e ao endireitar com indifferença os justilhos e a sua camisa de bofes.

A coragem com que S. Exa. se expõe aos perigos faz lembrar a aisance do Desmoulms dizendo ao algoz: si vous voulez.

Não posso deixar de ver no seu tem alpestre uma forma verdadeiramente lusitana do typo de Cincinnato empunhando a charrua e do americano Washington voltando á vida agricola.

Ha vinte annos comecei a fazer esgrima, como S. Exa.

Ainda me recordo de que uma vez pude fazer um assalto de "abre com o Sr. Presidente do Conselho. Então o seu olhar luzia, faiscava, como o de um gato bravo.

Hoje o Sr. João Franco é apenas Maximiliano; não nasceu no Alcaide, nasceu em Arras; já não é João Franco o endireita, é Robespierre o incorruptivel. Elle, o grande liberal do dia, o homem que operou dentro de si uma substituição completa de principios politicos e parlamentares, o homem que se apresentou nos comicios, nos centros que fundou, no Parlamento, onde a sua palavra vibra com tanto calor, vem defender a igualdade social perante a lei, o respeito da existencia humana, a supremacia dos interesses nacionaes e a veneração d'esse principio que é fundamental, a liberdade humana.

É, pois, esse liberal, é esse defensor, esse advogado dos principios mais adeantados da evolução social, esse pé fresco da ultima hora, que vem apresentar n'aquellas cadeiras alguma cousa de novo e de melhor do que as administrações passadas: ordem, moralidade impolluta, onde havia fraquezas; legalidade, austeridade immaculada, onde havia o regimen da Regencia.

Vamos ver n'estes acontecimentos de 4 de maio como elle, o Messias do momento, aquelle que propagou nos centros liberaes uma politica nova e regimen novo, tendentes a acabar com o abastardamento do poder, vamos ver como elle procedeu em relação aos acontecimentos da noite de 4 de maio.

Então o Sr. Hintze Ribeiro era passivo de graves responsabilidades, porque durante quinze dias nada fez; porque, apesar de não ter mandado acutilar o povo de Lisboa, não caiu com toda a força da sua autoridade sobre os criminosos.

Se o Sr. Hintze Ribeiro é criminoso por esse facto, o que é S. Exa., que quasi cinco mezes volvidos, lendo as instrucções dadas á policia, não vendo n'ellas nada que autorizasse o commettimento de taes delictos, deixou passar todo esse decurso de tempo e não procede pela mais insignificante maneira?

Se aquelle Digno Par impende grave responsabilidade pela sua forma de proceder durante quinze dias, que responsabilidades não impendem sobre o Sr. Presidente do Conselho, que chegado ao poder, tendo feito antecipadamente uma campanha contra as responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro, deixa passar quasi cinco mezes sem que dê um unico passo para applicar o verdadeiro castigo da lei, para saber quem tinha mandado acutilar o povo de Lisboa e quem era que respondia por taes abusos.

Ainda mais, Sr. Presidente, quarta feira passada, o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro disse ao Sr. Presidente do Conselho que elle não mandara acutilar o povo de Lisboa e passa-se a quarta feira pela noite, quinta feira, sexta, sabbado, domingo, chegamos a segunda feira e eu pergunto: que fez o Sr. Presidente do Conselho desde a ultima sessão até hoje?

Saiba V. Exa. e saiba a Camara que essa syndicancia, cujo ultimo depoimento se reportava a 23 de maio, tem a assignatura de 7 de outubro. É que foi preciso que a minha voz levantasse esse incidente aqui para que pelo telephone se desse ordem de apressar a expedição d'esse documento policial. Foi então e só então que S. Exa. accordou para a consciencia das suas responsabilidades.

Então o Sr. Hintze Ribeiro era responsavel pelo artigo que o jornal No tidas de Lisboa publicou em 5 de maio e o Sr. Presidente Conselho não tinha tambem a responsabilidade de toda a campanha da sua imprensa?!

Onde esconde S. Exa. a sua responsabilidade?

O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro é increpado por ter incumbido o proprio commandante da policia de fazer a syndicancia.

Com toda a razão pede S. Exa. responsabilidade ao Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

Mas S. Exa. chega e encontra a syndicancia nas mãos do chefe da policia e não vê que se essa syndicancia continuava sujeita á mesma acção da policia, S. Exa. ficava sujeito á mesma accusação.

Mais ainda. O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro é accusado pelo que diz respeito á syndicancia, e o Sr. Conselheiro João Franco tem conhecimento d'essa investigação, sabe muito bem que ella foi mal ordenada e não podia continuar assim, e agora, depois de cinco mezes volvidos, é que S. Exa. quer lançar a outros a responsabilidade quando essa responsabilidade é unicamente sua.

O Sr. Presidente do Conselho admirou-se de eu ter dito que sobre S. Exa. pendiam graves responsabilidades pelos acontecimentos de 4 de maio e respondeu que não comprehendia como se lhe podia imputar responsabilidade por factos que se tinham passado em 4 de maio tendo elle subido ao poder a 19 de maio...

Data fatidica! A 19 tambem subiu ao poder outro homem. Ha apenas a differença de esse ter subido ao poder levado pelo esforço d'um punhado de soldados e S. Exa. ter subido levado pelo trabalho de um enxame de abelhas. S. Exa. perguntou: Que mais poderei eu fazer do que entregar a syndicancia com a discriminação das responsabilidades ao poder judicial?

Sr. Presidente: ha uma grande differença entre o julgamento de um homem e o julgamento de uma multidão.

N'este caso os tribunaes judiciaes são inefficazes; amoldados para os casos individuaes, quando se trata de multidões, a sua acção nem encontra o delinquente, nem discrimina as responsabilidades individuaes.

Os feridos chegavam e perguntava-se-lhes quem os tinha ferido. Elles respondiam invariavelmente: foi um policia de bigode! E o juiz encontrava-se na alternativa de sustar o processo ou ter de condemnar todos os policias que tivessem bigodes (Riso).

Encontrou-se um homem que foi arremessado ao fundo de uma escada e estava cheio de contusões. A syndicancia no que insiste é que esse homem estava embriagado. E quem o feriu? Não apparece uma unica testemunha.

O depoimento dos proprios guardas do corpo da policia foi o documento destinado a tranquillizar a cidade e elucidar a opinião.

Se S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho quer continuar a propaganda das suas doutrinas demagogicas, preciso é que se lembre de que as vidas postas em perigo n'aquella occasião eram vidas portuguezas; e se não quer ser considerado como um falso Messias, que apenas quiz especular com a opinião publica, preciso é que d'uma vez para sempre seja logico e coherente na adaptação dos principios apregoados ás suas proprias acções.

Examinadas as responsabilidades d'este e d'aquelle lado, vamos ao mais interessante, ao facto na sua nudez, o qual é este: "O povo de Lisboa foi cobardemente acutilado na noite de 4 de maio".

O poder constituido portuguez declarou que não mandara acutilar, e as au-

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toridades policiaes não foram castigadas.

Era 1867 com o Duque de Avila, que era bem conservador, facto identico não se deu Por conflictos infinitamente menos importantes, castigou todas as autoridades que estacam debaixo da sua alçada, e fez socegar o espirito dos habitantes da capital.

Hoje nada se fez. Desceu a noite mais completa sobre estes factos e sobre estes acontecimentos.

Se o Governo não mandou acutilar o povo de Lisboa, e as autoridades policiaes o acutilaram; se o poder executivo não mandou atacar por esta forma o povo, e os agentes policiaes praticaram taes delictos 5 se o Ministro do Reino não commetteu abuso, e o sabre da policia caiu sobre a população inerme de Lisboa: quem foi que deu estas ordens ? Entre estes dois factos, o poder que mandou acutilar e o poder que acutilou, não se descobre o traço de união, a relação que os devia unir, justificando o segundo ou compromettendo o primeiro.

Quem desvenda este mysterio?

Quem está disposto a vir dizer ao paiz inteiro onde ha um homem, uma autoridade, uma consciencia, um remorso que em Portugal toma a responsabilidade de tal delicto?

Sr. Presidente: eu vou contar a V. Exa. o que ha poucos dias me succedeu, e não sei se porventura isso estabelecerá alguma luz n'esta questão, mas em todo o caso será uma demonstração da preocupação constante do meu espirito a respeito d'este assumpto.

V. Exa. sabe que um dos filhos de Jacob, José se chamava elle, um dia expoz ao Pharaó d'aquelle tempo um sonho que tivera, um sonho que, apparentemente considerado, poderia ser o producto d'uma cabeça frouxa, mas não era senão a voz de um propheta que prevê acontecimentos futuros.

Tive tambem um sonho, Sr. Presidente. Sou muito atreito a sonhos. Referem se a esta casa do Parlamento os seus incidentes.

Pois em uma d'estas noites sonhei que por horas caladas eu entrava dentro d'este recinto parlamentar. Silencio sepulcral, tudo deserto. Apenas sairam a cumprimentar-me alguns d'esses vultos dos antigos Presidentes d'esta Camara, que se reanimavam na gelidez do marmore para me receber e dar conselhos: o Duque de Palmella, o Patriarcha D. Guilherme, o Duque de Ávila, Fontes Pereira de Mello, Saldanha e outros.

Veio o Duque de Palmella ao meu encontro e disse-me:

- Sei a que vem; vem ver se descobre o segredo; mas eu dou-lhe um conselho, faça como é uso em diplomacia; por principios de deducção, inquira, tome os factos; empregue palavras "voiléesv... V. Exa. sabe que eu já fui Ministro dos Negocios Estrangeiros e que se chega perfeitamente ao fim que se deseja, empregando esse processo...

- Deixe-se d'isso; não faça assim: interrompeu o Cardeal. Hoje a Camara dos Pares está absolutamente esquecida das grandes luctas parlamentares d'esse tempo. Sim, esqueceu-se completamente, porque se agora se levanta uma discussão mais accesa e acalorada já é tida como um caso estranho e nunca visto. No meu tempo as luctas eram outras; e os vultos tambem eram como Saldanha, Costa Cabral, Fontes, etc.

Interroguei n'esta occasião o. meu chefe Antonio Maria Fontes Pereira de Mello, que me disse:

- Inquira dos factos, mas sobretudo tome-lhes o seu significado politico. Inquira dos acontecimentos e responsabilidades, mas lembre-se de que elles podem ser um esplendido pretexto para imprimir uma reacção na politica portugueza, Lembre-se de que eu fui o seu abrigo, o seu chefe, e não se esqueça de que a ultima malquerença que eu constitui em vida foi por ter sabido pôr na devida linha um Principe de sangue.

N'este momento o Duque de Avila interveio:

- Por quem é, faça o que quizer, mas que não venha o céu abaixo de uma vez. Olhe que eu cumpri o meu dever. Sei que os politicos de hoje não o fazem, mas se tem verdadeiro amor a esta Camara, lembre-se de que as cousas que estão para vir vêem naturalmente.

A esta altura intervem o Duque de Saldanha com aquelle bello aspecto de guerreiro que o impunha nos campos da batalha e da politica:

- Por quem é; ande para a frente, apure as responsabilidades que tem de apurar. Eu não andei por esses campos de batalha, não empreguei toda a minha força para incutir coragem aos soldados portuguezes, não puz a minha espada, a minha força, o meu talento militar e o meu punho de guerra ao serviço do meu paiz, para ver hoje essa brilhante espada, que coruscou ao sol dos dias de combate, transformada n'um burguesissimo terçado de policia.

Como por magia, eu vi depois a V. Exas. todos n'esta sala; as caras conhecidas de physionomias affectivas; os amigos que aprecio, os adversarios que respeito. Vi-os a todos, cada uca evidentemente na sua attitude respectiva.

Os regeneradores estavam caidos, naturalmente pela certeza de perderem o rotativismo politico. Porque esta, perda devia influir n'aquelles animos apavorados.

V. Exa. sabe que, acabado o rotativismo, cada um alcança aquillo que está em relação com o seu trabalho, merecimentos e dedicação ao paiz. É o que não agrada.

É como em substituição de um carro de Apollo ter um simples logar n'um electrico.

Os marechaes estavam calmos. Apenas os progressistas e regeneradores-liberaes pode V. Exa. imaginar o que eram e como estavam em doce enleio; eram janellas de Julieta, ou gelosias de Margarida, e o Sr. João Franco Castello Branco da Beira Baixa... a Gretchen.

A meio da sala, o Sr. José Luciano de Castro, vestido de Mephistopheles, gargalhava satanicamente, tendo dentro da algibeira a conta que em breve havia de apresentar ao Sr. Presidente do Conselho - a moção politica com que o faria cair.

Os Principes da Igreja faziam uns aos outros largos discursos sobre a dotação do clero.

Mas o que é que vou fazer?

O Duque de Saldanha torna a mim e diz-me:

- Vá apalpar a todos, tome um thermometro, sonde-lhes a temperatura para lhes avaliar as responsabilidades.

Dirigi-me, em primeiro logar, ao chefe regenerador: estava morno, como não podia deixar de ser, attentas as suas responsabilidades. Os outros marechaes regeneradores estavam frios, mas friccionavam-se valentemente para se aquecerem.

O Sr. Pimentel Pinto, esse não tinha temperatura fixa, ia desde o O até 99. Palpei o Sr. Julio de Vilhena e o Sr. José Dias Ferreira e o thermometro marcou 0. Palpei o Sr. Dantas Baracho e solidificou-se o mercurio.

Voltei-me para os partidarios do Sr. João Franco, estavam espertinhos, 45 graus.

Dirigi-me ao Duque e disse-lhe:

- Não tenho mais nada a fazer. Elle replicou-me:

- Ha ainda outras entidades, ande para de ante suba.

Apontando-me para o corpo dos tachygraphos eu disse-lhe.

- Mas o que vou lá fazer? Elle respondeu-me:

- Ande e verá.

Tomei um tachygrapho, metti-lhe o termometro na axilla e marcou 50 graus. Passei ao chefe da redacção, que estava de pé, o Sr. Alberto Pi-

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mentel, e o thermometro marcou 55. Subi ao estrado da mesa e encontrei o Sr. Director Geral da Secretaria, que marcou 60.

O Duque disse-me:

- Ande, cumpra o seu dever, suba. O nosso sympathico secretario, o Sr. Seabra de Lacerda, marcava 70 e os seus collegas suavam abundantemente. O Sr. Luiz de Mello, que, ao ver-me, dirigiu-me o cumprimento habitual: Adeus menino! marcava 80. Pedi a V. Exa., com o respeito que é devido á sua alta posição, licença para lhe tomar a temperatura em varias partes do corpo: o baixo ventre marcava 85, o peito 86, a barba 87, a cabeça, os cabellos até ao ápice gradualmente, 88, 89, 90...

E o marechal em baixo clama-me:

- Suba, suba mais!

Ia subir, mas o Sr. Presidente, indicando-me o regimento, repelliu-me energicamente, e eu, precipitando-me pelos degraus da Presidencia, vim a cair num montão de papeis rasgados, que estavam sobre o pavimento da sala.

Soletrei esses papeis, li-os e decorei-os.

Sabem V. Exas. o que eram?

Farrapos da Carta Constitucional!

Termina aqui o meu discurso e termina aqui o meu sonho ; mas eu tenho obrigação de tirar as consequencias que d'elle resultam, e que são evidentes.

Essas consequencias, Sr. Presidente, são que n'esta atmosphera social e politica não ha nuvens que obscureçam a luz da verdade.

Essa verdade diz nos que se um homem esquece um delicto, um povo não o esquece tão facilmente, e que, sejam quaes forem os esforços que façam as instituições vigentes para obscurecerem esse facto, a luz da verdade, a luz da justiça e a luz da liberdade, ha de surgir e dissipar essas trevas em que pretendem envolvel-a.

Nos annos anteriores a 1789 imaginou a monarchia d'essa epoca assumir a responsabilidade suprema do poder em França.

Apesar de todos os esforços e entraves, nada arredou o caminhar da onda e a revolução de 1789 produziu se irremediavelmente.

O imperio caiu; não havia meio de erguer um dique ao avassalamento das ideias de liberdade, que ha tempos vinham preparando o derruir das instituições caducas.

As abelhas esquecem-se de que os interesses que lhe são caros podem desapparecer um dia.

É bom que o país e os homens publicos vejam que a sua honra, a sua dignidade, os seus merecimentos, os seus talentos, a sua dedicação á causa publica, não estão hoje, como não estarão nunca, dispostos a serem commandados pelos elementos de uma camarilha que trabalha escondida nas ante-camaras palacianas.

Sr. Presidente: n'estas luctas ingentes, n'estas luctas sem igual, em que homens de boa fé dedicadamente se empenham, uma cousa ha que se impõe, e com ella vou concluir.

Nós os que ainda estamos nos arraiaes da monarchia, nós os que ainda temos uma esperança de que o regimen que tanto temos defendido se pode regenerar, nós os que temos que perder, sentimos n'esta hora um cruel desespero.

Sobre os acontecimentos de 4 de maio, o Sr. Hintze Ribeiro não o dissimulou, quando tratava da responsabilidade d'esses acontecimentos, e o outro chefe de Gabinete não o desmentiu: O Governo da monarchia contrahiu uma divida para com a nação.

Pois, Sr. Presidente, a monarchia a pagará.

(O Digno Par não reviu este resumo do seu discurso}.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: de todo o discurso brilhante, cheio de invocações verdadeiramente extraordinarias pelo seu fulgor e variedade, que todos acabamos de ouvir ao Digno Par o Sr. João Arroyo, uma verdade resalta, absolutamente incontestavel e indiscutivel: é a sua affirmação, que aliás não é nova em boca de homens, de que não ha nuvens que sejam capazes de occultar a verdade de um facto e de um acontecimento. Com essa affirmação S. Exa. respondeu cabal, inteira e completamente a todo o seu longo discurso, porque todos os esforços da sua imaginação, todas as tentativas da sua dialectica parlamentar, todo o trabalho a que tão proficiente e demoradamente se deu, tudo isso desapparece deante dos esforços em que S. Exa. tem empenhado o seu talento, para lançar nuvens sobre uma verdade nua e crua, que é do conhecimento da capital, do reino inteiro.

O Sr. Arroyo, no seu discurso, procurou pôr a questão que se discute n'um terreno do qual é absolutamente indispensavel tiral-a, para que, não só os homens que teem assento n'esta casa, mas todos os que estão lá fora, saibam e acceitem as cousas como ellas são.

O Digno Par referiu-se a uma phrase do Sr. Hintze Ribeiro, que eu não lhe ouvi; e o Sr. Hintze Ribeiro, que pediu agora a palavra, decerto irá protestar e levantar essa phrase, que é mais que um ataque politico, é um verdadeiro esquecimento do seu caracter e das suas qualidades de homem de Estado.

Disse o Sr. Arroyo que o Sr. Hintze

Ribeiro affirmara que o Sr. commandante da policia desmerecera da sua confiança durante o tempo em que fora Presidente do Conselho. Eu não creio que se tivesse dado esse facto e, apesar d'elle, o Sr. Hintze Ribeiro continuasse a conservar aquelle official á frente da policia.

Se assim fosse, S. Exa. teria faltado ao cumprimento dos seus deveres e das suas obrigações mais rudimentares.

Com respeito ao assumpto em discussão, eu sou responsavel por tudo o que no meu tempo de Presidente do Conselho se tem feito.

Mas os facto são claros, precisos e de uma nitidez absoluta.

Em 4 de maio, de dia, o Sr. Hintze Ribeiro chamava a sua casa o commandante da policia e dava-lhe precisamente aquellas instrucções que eu aqui li á Camara e que pelo Sr. Hintze Ribeiro não foram contestadas.

N'essas instrucções marcava-se o que é que o commandante da policia podia tolerar nas manifestações que estavam preparadas para a chegada do Sr. Bernardino Machado, e o que era determinado que se não podia consentir.

No final do mesmo documento dizia-se aquelle funccionario que empregasse toda a energia para as fazer cumprir e acatar, se isso se tornasse indispensavel.

O que essas palavras significavam, evidentemente, sabem-no todos aquelles que já exerceram o cargo que exercia o Sr. Hintze Ribeiro e que eu hoje tambem exerço.

Mandar á policia que empregue toda a energia na execução de certas e determinadas instrucções, na manutenção de certo e determinado facto, quer dizer que use da força, se essa força for indispensavel para executar as instrucções que lhe são dadas.

Quando assim se não quer diz-se; o que eu, como Ministro do Reino, nunca deixei de accentuar é que não use da força senão na defesa da propria vida e da integridade dos differentes agentes policiaes. Mas se alguma duvida pudesse existir a esse respeito, os factos passavam-se pela forma por que são conhecidos e eu já referi; e desculpe-me a Camara de voltar a repetir uma parte d'aquillo que já tive a honra de expor no seu seio. A factos é preciso contrapor factos, e não simplesmente deducções.

No dia seguinte aos acontecimentos, o Governo do Sr. Hintze Ribeiro tinha conhecimento cabal do que se passara, pelas participações que decerto a policia lhe fizera, pelos jornaes e pela boca de tantissimas pessoas que n'aquelle momento de outro assumpto se não occupavam, podendo assim o mesmo Governo formar o seu juizo, assentar a sua opinião, sobre se as ins-

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tracções que dera tinham sido cumpridas conforme era sua intenção, ou se pelo contrario tinha havido qualquer erro, qualquer excesso na maneira como ellas tinham sido executadas. O facto era de bastante importancia. Não é facil encontrar precedentes na nossa historia politica dos ultimos tempos, para comprehender que ninguem, na situa cão em que se encontrava o Sr. Hintze Ribeiro, teria querido ficar com responsabilidades que não lhe pertencessem, e não procurasse apressadamente desembaraçar-se d'aquillo que muito legitimamente devia pertencer a outro.

Sr. Presidente: não foi um dia, nem dois, os que ainda o Sr. Hintze Ribeiro occupou as cadeiras do poder. Sabem todos que, por parte do Juizo de Instrucção Criminal, os presos de 4 de maio tinham sido enviados ao Tribunal da Boa Hora e que a justiça estava inquirindo testemunhas e organizando o respectivo processo.

Foi só passados seis ou sete dias que o Digno Par se lembrou de mandar proceder a uma syndicancia a este respeito. Mas quem é que S. Exa. foi escolher (este facto é importantissimo, tem todo o valor de um facto absolutamente incontroverso), quem é que o Digno Par foi buscar para inquirir?

O commandante da policia!

O Sr. Hintze Ribeiro entendeu que era occasião propria para demonstrar que o Sr. commandante da policia continuava merecendo a confiança do do Ministerio do Reino.

Era a elle que S. Exa. julgava dever chamar para inquirir acêrca dos acontecimentos de 4 de maio. Depois d'isto podia haver algumas duvidas sobre quem teve a responsabilidade official dos acontecimentos de 4 de maio?

Todos nós sabemos que agentes da policia podem exorbitar e exceder as ordens e instrucções que recebem; mas quando o Ministro não assume as responsabilidade d'isso, tem ao seu alcance meios de o dar a conhecer por uma forma bem manifesta e bem palpavel, tanto mais quando se trata de assumptos como este, que revestiram caracter criminoso. Com as circumstancias, porem, que se deram n'este caso, de forma alguma pode separar-se a responsabilidade de quem tinha mandado, da de quem tinha executado as ordens.

Disse aqui o Sr. Hintze Ribeiro que não fora o Sr. commandante da policia quem estivera na gare do Rocio; mas foi elle que recebeu de S. Exa. as ordens; foi elle que as transmittiu e, se se tinham praticado excessos, quem respondia por elles era exactamente a autoridade que tinha recebido as ordens da boca do Sr. Hintze Ribeiro, e as tinha transmittido.

Até ao dia 19 de maio, data em que o Sr. Presidente do Conselho, de então, deixou o poder não ha o menor acto, o mais leve indicio, em virtude do qual se possa reconhecer que o Sr. Hintze Ribeiro não queria assumir a responsabilidade dos acontecimentos que se tinham dado. Isto é o que importa.

Quando surgem duvidas acêrca da maneira por que correram determinados acontecimentos, deve se procurar quem imparcialmente possa proceder ás investigações.

O Sr. Hintze Ribeiro, só seis ou sete dias depois dos acontecimentos é que incumbira da syndicancia ao Sr. commandante da policia, justamente áquelle funccionario a quem dera as suas instrucções e que recebera as suas ordens.

Foi essa a entidade de que o Sr. Hintze Ribeiro se lembrou, para fazer o inquerito.

Quando S. Exa. abandonou o poder, esse inquerito estava terminado na sua parte essencial, não se podendo admittir que o Sr. Hintze Ribeiro não tivesse conhecimento d'elle, nem procurasse informar-se dos seus resultados. Estes são, na sua nudez, os factos que se referem á maneira como os acontecimentos se deram e como o Governo que presidia á administração publica, quando elles se praticaram, mandou inquirir d'elles.

Não mandou o Sr. Hintze Ribeiro acutilar o povo; decerto nenhum homem de Governo manda acutilar cidadãos inermes; mesmo quando, em occasiões muito excepcionaes, se dão ordens ás forças militares ou policiaes para que empreguem a força, quando ella se torne indispensavel, evidentemente não se lhes determina por uma forma tão expressa e positiva que lancem mão da espada e das armas de fogo, nem se deixa de lamentar e sentir que as circumstancias sejam de tal ordem que colloquem os Governos na necessidade de adoptar medidas d'esta natureza e mais ainda de reprovar no dia seguinte os excessos, se os houve. Evidentemente.

Mas do que não ha duvida absolutamente nenhuma - e para isso não me canso de chamar a attenção dos Dignos Pares e do paiz - é que no dia 4 de maio o Sr. Hintze Ribeiro deu ao commandante da policia as instrucções que li á Camara e ninguem contestou e que durante os quinze dias consecutivos a esses acontecimentos, nenhum acto houve da parte do Sr. Hintze Ribeiro que demonstrasse hesitação de S. Exa., ou indicasse que não havia inteira conformidade com o modo por que as mesmas instrucções tinham sido executadas; ao contrario, S. Exa. praticou actos demonstrativos de confiança nas autoridades policiaes.

Pode o Digno Par envidar o melhor da sua eloquencia e dos seus esforços para convencer alguem de que eu, chegando ao poder, não procedi perfeitamente em conformidade com a lei, perfeitamente em conformidade com os principios do programma do meu partido, e com o que é obrigação de um Governo verdadeiramente liberal. Pela minha parte, declaro a S. Exa. que tenho a minha consciencia tranquilla.

Chegado ao poder no dia 19, chamei logo no dia 20 o commandante da policia. Já aqui disse e vou repetir o que se passou, porque esta questão não se trata com figuras de rhetorica, não se trata com palavras brilhantes, nem com fulgores de eloquencia, que podem na realidade entreter o auditorio, mas vêem tambem transtornar a verdade, sobre a qual se pretende lançar um véu que S. Exa. diz mesmo que cae aos pedaços; esta questão trata-se com factos, que entrem pelos olhos e que permittam ao paiz formar juizo seguro sobre o assumpto.

Eu estou tão socegado, tão tranquillo a respeito da responsabilidade na falta de punição que porventura venha a haver em relação aos successos de 4 de maio, que eu só desejarei que a minha consciencia me diga sempre o mesmo a respeito de outras responsabilidades que sobre mim possam ser lançadas.

Vi as instrucções. Nenhuma duvida me ficou de que o Presidente do Conselho, que então era o Sr. Hintze Ribeiro, não tinha, na phrase de S. Exa., mandado acutilar o povo mas dera ordens ao commandante da policia para fazer respeitar um certo numero de prescripções na chegada do Sr. Dr. Bernardino Machado, dizendo-lhe que empregasse a força, se fosse necessario. De mais, eu sabia que nenhum facto em contradição com o modo por que se executaram as instrucções dadas tinha sido praticado pelo Governo meu antecessor. A conclusão que tirei foi esta: politica e legalmente as responsabilidades n'esta questão pertencem todas ao Governo passado.

Pode ter havido excessos ou abusos por parte de qualquer agente na execução das ordens recebidas. Não era ao poder executivo que cumpria n'aquella occasião apurar nem esses excessos, nem esses abusos; era ao poder judicial, onde eu já encontrei a questão tão adeantada que, a breves dias, depois de lançado o despacho do juiz de instrucção, era entregue ao tribunal criminal, onde hoje se encontra.

Que fiz eu? Mandar para a Boa Hora a syndicancia que estava feita.

Não procedi, como disse o Digno Par Sr. João Arroyo, em virtude de S. Exa. ter levantado a questão n'esta Camara, nem da demora resultou inconveniente algum, porque o despacho

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está hoje publicado e se para alguma cousa elle podia valer era não só pare defender, mas até para divinizar os policias que tinham tomado parte nos acontecimentos na noite de 4 de maio.

Ha um facto que não tem sido trazido á discussão e que tem grande valor, importancia e significação, é que, ao passo que, no dia seguinte áquelle em que os acontecimentos se deram, os jornaes democraticos traziam longas listas de subscriptores para occorrer ás despesas com os que haviam de ser defendidos nos tribunaes, ao passo que os jornaes republicanos annunciavam que não faltavam advogados para a defesa dos que tinham sido victimas dos acontecimentos de 4 de maio e accusação dos seus algozes, ao passo que se procuravam apurar as responsabilidades d'aquelles abusos, os varios elementos do partido republicano até hoje nada fizeram, para castigar quem delinquiu e para receberem uma compensação aquelles que foram victimas do procedimento da policia. (Apoiados).

É agita-se a Camara, constituida toda de elementos monarchicos, e agita-se a opinião, quando por parte dos que tão pressurosamente acudiam a proteger os seus concidadãos, nada mais se fez.

Sr. Presidente: estou socegado e tranquillo pela forma como procedi e, se ainda sobre alguma cousa tivessem podido surgir duvidas no meu espirito, declaro a V. Exa. que, depois do que n'esta casa se tem passado, mais me confirmo em que procedi como era dever meu.

Se eu, Ministro com a confiança da Corôa, tivesse procedido por uma maneira que se me pudesse imputar como apaixonada, deviam censurar-me, e em tal caso onde ficava a competencia do poder judicial? Foi porque este poder não é regenerador, nem republicano, nem liberal, que eu entendi, em minha consciencia, dever aguardar as suas decisões para proceder em conformidade com ellas, porque nenhum outro caminho havia mais leal e mais democratico.

Sr. Presidente: não se castiga quem não deve ser castigado.

O Digno Par, no seu discurso, fez grande espanto, grande cavallo de batalha, de que, tendo eu achado demasiado que o Sr. Hintze Ribeiro estivesse no poder durante quinze dias sem nada fazer, esteja no poder ha quasi cinco mezes, sem nada tambem ter feito. Em primeiro logar, eu não dei as ordens, nem tinha razões, nem fundamento, para saber se ellas foram cumpridas, se houve abusos ou excessos. Em segundo logar, encontrando o facto entregue ao conhecimento do poder competente, onde elle fora levado não só pela iniciativa da policia, como
dos proprios offendidos, ha quatro mezes que estou no poder, mas poderei estar quatro annos, sem que me julgue no dever de intervir por outra forma n'esta questão. Emquanto estiver, hei de cumprir o meu dever, como até agora.

Portanto, meus Senhores, não é preciso sairmos d'esta sala, para que cada um de nós possa julgar do que foram os acontecimentos de 4 de maio, da maneira por que foram cumpridas as ordens do Governo de então e sobre quem pesam as responsabilidades das instrucções e dos factos.

A questão, Sr. Presidente, está entregue a um tribunal independente e ainda não foi mandado archivar o respectivo processo.

Eu, Sr. Presidente, estou n'este logar para expor as minhas ideias e responder pelos meus actos, que estão demais justificados.

Vim para aqui pelo resultado da minha acção e pela força das minhas convicções e nada mais.

Quero fazer um pedido ao Digno Par o Sr. João Arroyo; vae n'isso a minha dignidade pessoal e, mais ainda, a minha dignidade de homem.

Não tenho um vislumbre de vaidade pelo logar que actualmente occupo e não é uma sinecura.

Durante toda a minha vida publica tenho trabalhado e trabalhado muito (Apoiados) e tenho assumido muitas e pesadas responsabilidades, e ainda hoje, Sr. Presidente, pelo meu paiz e pelos meus principios, arriscarei a minha fortuna e se preciso for a propria vida.

Por isso, Sr. Presidente, não é licito a ninguem, nem eu o posso permittir, que se fale aqui de forma que se deixem no espirito publico quaesquer duvidas acêrca das circumstancias que determinaram a minha subida ao poder, ou se tente persuadir a opinião do paiz de que, para esse acontecimento, intervieram motivos diversos d'aquelles que na verdade houve.

O Digno Par o Sr. João Arroyo veio falar hoje pela segunda vez n'um enxame de abelhas que me levou ao poder, e, n'uma phrase mais ou menos vaga, disse S. Exa. que na mesma data de 19 de maio tinha tambem subido ao poder um Governo levado por um punhado de soldados.

Eu desejava que S. Exa. explicasse as suas palavras, para que no espirito publico nenhuma duvida fique acêrca dos motivos que me trouxeram aos Conselhos da Corôa.

O Sr. Arroyo: - V. Exa. sabe que as minhas palavras são sempre claras.

O que eu disse significa que a forma por que o Sr. Hintze Ribeiro caiu,
depois de 58 dias de Governo, unico exemplo da nossa historia constitucional, demonstra que, não tendo havido um factor de ordem politica ou administrativa que pudesse determinar a sua saida dos Conselhos da Corôa, só um elemento venenoso e absolutamente anti patriotico é que poderia ter intervindo na realização d'este acontecimento. E quanto á chamada de V. Exa. ás cadeiras do Governo nenhum movimento da opinião em tão curto prazo de tempo se accentuara para o lado de V. Exa.; não foram pois os elementos legitimos da politica ou do Parlamento, mas outros, de caracter particular, que criaram a atmosphera favoravel que levou V. Exa. ao poder.

Se V. Exa. quizer mais explicações, aqui estou para lh'as dar.

O Orador: - Protesto, Sr. Presidente, contra as palavras do Digno Par (Apoiados).

É necessario, de uma vez para sempre, que no Parlamento Portuguez todos nós falemos claro. Se ha alguma cousa a accrescentar por parte do Sr. João Arroyo, diga S. Exa.

É necessario que se ponham os nomes e se digam as cousas como ellas

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Pois não, eu dou absolutamente toda a licença, para que V. Exa. me interrompa.

O Sr. João Arroyo: - Visto V. Exa. me dar licença e se o Sr. Presidente me permitte, eu direi que é preciso que se saiba uma cousa, que não ha intimação nem outro motivo de qualquer ordem que me possa impedir a livre expansão da minha palavra.

Eu já no primeiro dia em que fiz uso da palavra declarei, e pondo de parte o caracter das pessoas, sejam ellas quaes forem, que era necessario expungir da scena politica portugueza esses elementos, que eu classifiquei de abelhas zumbidoras, que actuam perniciosamente nas resoluções constitucionaes.

O Orador: - Terá V. Exa. razão, mas diga quaes são esses elementos : não bastam affirmações vagas.

O Sr. João Arroyo: - Digo simplesmente a S. Exa., e repito agora o que tinha dito na primeira vez em que falei sobre este assumpto e que todos aquelles que andam na politica sabem, e os que andam fora das funcções partidarias, como eu, sentem e pensam; se V. Exa. entende que, por falta de re-

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ferencia pessoal, fiz recair sobre mim qualquer responsabilidade, fique S. Exa. certo que me encontra aqui e em qualquer parte como homem e como politico.

O Sr. Francisco José Machado: - Diga S. Exa. quem são esses elementos perniciosos.

O Orador: - Eu contesto a absoluta verdade no que S. Exa. disse a meu respeito! não ha senão uma unica forma de nos entendermos, é a de pôr os pontos nos i i.

O Sr. Francisco José Machado: - Diga tudo, diga tudo, diga nomes!

Vozes: - Diga os nomes, diga os nomes!

(Sussurro}.

O Sr. João Arroyo: - Peço uma unica cousa para se conhecer da verdade da allegação que fiz, e para se saber qual a forma constitucional por que este Governo subiu ao poder.

Requeiro que seja presente a esta Camara um documento politico da mais alta importancia - a carta enviada pelo Chefe do Estado ao chefe da situação demissionaria.

O Sr. Presidente: - Eu tenho a lembrar ao Digno Par que S. Exa. não está no uso da palavra.

O Sr. João Arroyo: - Eu fui atacado; hei de me defender, hão de me ouvir.

(Agitação).

O Sr. Presidente: - Agora falo eu e mais ninguem. Tenho sido transigente com V. Exa. V. Exa. fez allusões que eu deveria levantar.

O Sr. João Arroyo: - Eu não fiz allusões, fiz accusações; o documento que requeri é politico, não é pessoal; ha de vir a esta Camara.

O Orador: - Como V. Exa. viu, não fui eu quem atacou o Sr. João Arroyo; foi o Sr. Arroyo quem me disse a mim, visando a minha dignidade de politico e de homem, que eu tinha sido elevado ao poder por um enxame de abelhas. E contra isto que eu protesto, porque se isso se tivesse dado, eu me envergonharia de estar n'este logar.

Foi por isso que convidei o Digno Par a que dissesse os nomes, de modo que essas, pessoas fossem todas conhecidas do paiz. (Apoiados}. Não posso desistir emquanto S. Exa. o não fizer. {Apoiados).

Eu não sei distinguir o caracter pessoal, do caracter politico de quem quer que seja.

O Sr. João Arroyo: - Sei eu.

O Orador: - Se ha alguem que, não tendo direito a isso, se envolveu na marcha politica do paiz, esse alguem faltou aos seus deveres e então é necessario conhecel-o, para, ao menos, d'elle nos desviarmos. (Apoiados).

O Sr. João Arroyo: - Venha a carta. Ha de vir a carta.

O Orador: - Hão de vir os nomes primeiro que tudo. (Apoiados).

Já o disse e torno a dizer. Cheguei ao poder sem o esperar. Não estou aqui sem fazer um grande sacrificio, tanto mais que, quando tomei conta do Governo, um acontecimento lamentavel obrigava a afastar-se um homem da maior confiança e valor, com que eu contava, se tivesse de ser chamado a formar Ministerio, como aconteceu.

Acceitei este logar sem soffreguidão, nem cobiça; pelo contrario, acceitei-o depois de saber que o Sr. Hintze Ribeiro fechara a porta a toda a possibilidade de organização de qualquer Ministerio dentro do seu partido.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Peço a palavra.

O Orador: - Digo-o bem claramente, porque estas cousas precisam ser sabidas, de forma que não fiquem duvidas no espirito de ninguem.

Ainda mesmo depois d'isso não me apressei a acceitar o poder.

V. Exa. comprehende que um homem da minha altivez não se prestaria a permanecer n'este logar, fazendo as affirmações que a Camara me tem ouvido, se alguem pudesse dizer, voltando-se para mim, "que tinha deante de si um mentiroso".

Isso envergonhar-me-hia de tal maneira que me faria recuar.

Acceitei o poder para prestar um serviço ao paiz e ás instituições. Se as minhas forças são apoucadas para empresa de tal monta, quando outra virtude não tenha, ao menos possuo boa vontade.

É indispensavel que na politica portugueza não haja equivocos, que enfraquecem quem manda e quem governa, porque estes precisam ter a força que dimane da maneira correcta como procedem e como administram.

É contra essas referencias equivocas que eu me revolto. Disse no Discurso da Corôa que o meu programma era o que correspondia ás indicações da opinião. Por isso fui chamado ao poder e acceitei-o.

As minhas ideias de Governo em opposição ás administrações passadas, e principalmente ao systema como se estava governando o paiz, poz em evidencia o meu nome e o do meu partido.

Alem d'isto, uma ligação com o partido progressista proporcionou-me elementos de Governo com maiorias parlamentares. Esta é a verdade dos factos, que eu contraponho da maneira mais terminante ás affirmações do Sr. Arroyo. (Apoiados).

Estou prompto a discutir todos os assumptos com tanta nitidez e verdade como aquella de que estou usando, mas fique V. Exa. sabendo, a Camara e o paiz, que eu opponho o mais formal desmentido á affirmação de que vim ao poder trazido por qualquer enxame de abelhas (Apoiados) que, nada tendo com a politica, n'ella se envolveu, procurando enfraquecer o Governo transacto.

Mas não se tragam para aqui allusões nem retaliações, e sim factos concretos e positivos, capazes de se collocarem em confronto com os que tenho apresentado. (Apoiados).

O Sr. João Arroyo: - Eu já pedi a carta.

O Orador: - Essa carta foi dirigida ao Digno Par Hintze Ribeiro. E a S. Exa. e não a mim que pertence o direito de fazer d'esse documento o uso que julgar mais conveniente.

Mas digo a V. Exa., Sr. Presidente, e digo ao paiz inteiro, que, se o Digno Par não põe a minima duvida na publicação d'essa carta, eu, pela minha parte, não teria duvida e, antes pelo contrario, teria muita honra em solicitar para isso do Augusto Chefe do Estado a precisa autorização, porque nós estamos n'uma epoca em que é indispensavel, em que é preciso dizer as cousas clara e nitidamente, e por forma que não subsistam duvidas ou hesita coes no espirito de quem quer que seja. É preciso dizer tudo sem rodeios nem subterfugios. Não fiquemos em meias palavras. (Apoiados).

Não permitto que se diga que me acommetteu a soffreguidão do poder.

O Sr. João Arroyo: - Mas venha a carta.

O Orador: - Mas venham os nomes, mas venham os pontos precisos..

As razões que determinaram a minha ascensão aos Conselhos da Coroa, por mais de uma vez as tenho patenteado.

O Digno Par Hintze Ribeiro já disse que tenciona explicar á Camara as razões, os motivos que levaram S. Exa. a pedir a exoneração do Governo a

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que presidiu, quando se discutir a resposta ao Discurso da Coroa.

Aguardemos pois esse debate, que não virá longe, visto que já foi para a mesa o respectivo projecto; todavia seja-me permittido dizer aquillo que toda a gente sabe, e que os jornaes largamente relataram.

O Digno Par Hintze Ribeiro mandou publicar em differentes jornaes uma nota officiosa das razões que determinaram a queda do Gabinete a que S. Exa. presidiu. N'essa nota officiosa dizia-se que, tendo S. Exa. julgado conveniente a adopção de certas providencias extraordinarias, pedira á Coroa um adiamento das Côrtes, e, como o Augusto Chefe do Estado se não tivesse dignado acceder a esse pedido, S. Exa. pedira immediatamente a demissão do Ministerio.

Pergunto. Ha nada mais constitucional, ha nada mais vulgar, mais banal na historia de qualquer systema representativo?

Vou terminar, mas antes quero dizer ao Digno Par o Sr. João Arroyo que, se S. Exa. tivesse acabado o seu discurso como começou, eu não me veria na necessidade de occupar tanto tempo a attenção da Camara.

N'uma larga e insistente propaganda, eu fiz sempre ver a necessidade indispensavel de adoptar novos processos de administração, e sustentei que o poder pessoal é incompativel com as boas normas do systema representativo, e que á influencia d'esse poder nefasto devia o paiz os grandes males que o flagellavam.

Já vê o Digno Par, n'esta parte a nossa concordancia é completa, é absoluta.

Inscrevi no meu programma o respeito sagrado ás garantias individuaes, e a esta orientação me tenho subordinado, julgando-me no direito de dizer que a opinião publica me não tem poupado a sua adhesão, e até me tem proporcionado eloquentes demonstrações de quanto lhe agradam os novos processos, e a maneira por que nos apressamos a dar as explicações que nos são pedidas, tanto n'uma como n'outra casa do Parlamento.

N'este proposito o Governo tem vindo, n'este proposito se mantem e manterá.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - É tão ardente a ancia de ouvir o Digno Par Hintze Ribeiro, illustre chefe do partido regenerador, e tão importantes as declarações feitas n'esta casa a proposito dos acontecimentos de 4 de maio, que entendo que o Sr. Presidente deve dar a palavra a S. Exa., conservando-me a mim na lista da inscripção.

Em meu nome, e no dos meus amigos, prometto apresentar opportunamente uma proposta a tal respeito, proposta de summa gravidade, e que hei de largamente justificar.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: é larga a minha vida publica. Durante muitos annos tenho servido a Corôa e o paiz e tenho batalhado no Parlamento e no Governo.

Sou absolutamente incapaz de faltar aos meus deveres para com o paiz, que tenho sempre servido intemerata e lealmente, e para com o Chefe do Estado, de cuja confiança tenho a consciencia que nunca desmereci.

E ao falto a esses deveres nem preciso que o Sr. Presidente do Conselho m'os recorde, porque S. Exa. não serve a Monarchia com mais devoção nem com mais lealdade e firmeza do que eu. Sei muito bem os deveres que me assistem, como quem tem a consciencia de si proprio, como quem conhece a responsabilidade de que se acha investido.

Ha, porem, um dever que, para mim, prevalece a todos os outros, o de falar a verdade; e não preciso, mercê de Deus, mais do que da verdade para defender os meus actos, sem que, por qualquer forma, deixe mal collocado quem tenho obrigação, não direi já de cobrir, mas de honrar.

Desde o primeiro dia em que larga mente expliquei á Camara as razões por que o Ministerio a que tive a honra de presidir se demittira, eu disse que reconhecia que ha circumstancias absolutamente impreteriveis no meu dever constitucional e de homem de Estado, e, porque são, impreteriveis, nem o proprio espaço de tempo de que agora posso dispor, nem o meu estado de saude, que hoje não é bom, me impedirão de as attender.

Conjunturas houve, que eu detidamente discutirei com a Camara quando a Camara quizer, que me levaram, ouvidos em Conselho os meus collegas, a expor ao Chefe de Estado, clara, aberta e lealmente os factos de momento, como nós os apreciavamos.

Em presença d'esses factos e d'essas circumstancias, mostrei á Corôa a necessidade de se adoptarem medidas de alcance e importancia manifesta; no entanto, uma unica cousa o Governo pediu, n'essa occasião : o adiamento das Côrtes, sob sua responsabilidade directa e immediata.

Não commento, cito os factos como elles se passaram.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. faz-me a fineza de repetir essa ultima phrase ?

O Orador: - Em Conselho de Ministros, vistas as circumstancias que se davam, o Governo a que eu tive a honra de presidir entendeu dever, pela minha boca, clara, aberta e francamente, expor ao Chefe do Estado o nosso modo de ver, pedindo, n'essa occasião, tão só o adiamento das Côrtes, sob a responsabilidade directa e immediata do Governo.

Creio que assim repito o que havia dito ha pouco.

A esta exposição que fiz ao Chefe do Estado, El-Rei não respondeu, não a discutiu, nem a apreciou commigo; quiz primeiro pensar e depois responder.

Isto passou se no dia 15 á tarde, creio eu. E claro que a altitude do Chefe do Estado, perante o que eu, como chefe do Governo, lhe expunha, era perfeitamente justificada. O Chefe do Estado queria pensar para responder; nada mais correcto e nada mais natural.

O Sr. Luciano Monteiro: - V. Exa. dá-me licença.

V Exa. pediu ao Chefe do Estado unicamente o adiamento das Côrtes, ou frisou e precisou bem todas as medidas que em Conselho de Ministros o Governo deliberara tomar, como sendo indispensaveis?

O Orador: - Expuz muito largamente a situação. Mas não precisei pontos determinados e concretos; expuz a orientação que o Governo entendia dever seguir.

Decorreu essa noite, todo o dia seguinte, até ás onze horas, em que eu recebi uma carta de El-Rei.

Essa carta, em vista das declarações que eu fizera na vespera, importava a demissão immediata do Governo; e immediatamente o Governo se demittiu.

Entre a minha exposição da véspera e a resposta dada por El-Rei no dia seguinte á noite, em todo este intervallo de tempo, não houve uma palavra mais sobre o assumpto, verbal ou escripta, trocada entre mim e o Chefe do Estado.

N'esta parte, pois, devo dizer ao Sr. Presidente do Conselho, relativamente ao ponto a que elle se referiu, de que a sua estada no poder era devida a eu ter fechado a porta a qualquer possibilidade de situação ainda dentro do partido regenerador, devo dizer a S. Exa. que isso não é exacto.

Absolutamente, nem uma palavra entre mim e o Chefe do Estado se trocou a esse respeito. Nenhuma porta se me abriu, nenhuma porta eu fechei.

Na vespera limitei-me a expor pura e simplesmente, mas leal e precisamente, a orientação do Governo.

Fiz o meu pedido á Corôa, o Rei quiz pensar e pensou durante o tempo

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que decorreu até ao dia seguinte á noite. Respondeu no dia seguinte, e a sua resposta discordava por completo da orientação do Governo, pois recusava o pedido que eu lhe fazia, e desde este momento o Governo pediu a sua demissão, que foi acceita pelo Chefe do Estado; mas no espaço decorrido entre a exposição feita por mim a El-Rei, da orientação do Governo, e a sua demissão, repito, nem uma circumstancia, nem uma ponderação houve entre mim e o Chefe do Estado

Não venho dizer como é que o Sr. Presidente do Conselho foi chamado aos Conselhos da Corôa. Tenho com S. Exa. uma absolutissima discordancia de principios e de ideias politicas, hoje; porque durante muito tempo caminhamos juntos, e d'essa camaradagem ficou a consideração - mais do que isso - a, estima e o affecto bastante, para o felicitar n'este momento, vendo que S. Exa. encontra satisfeita uma ambição muito justa da parte de quem tem os merecimentos e o valor de S. Exa. Mas a verdade eu devo ao meu paiz e a verdade eu digo. Houve entre o Governo a que eu tive a honra de presidir e o Chefe do Estado, n'um determinado momento, um dissentimento completo e absoluto, a respeito da orientação a seguir por parte do Governo, a respeito mesmo do unico pedido que dependia do Chefe do Estado. Isso determinou a queda do Governo.

Desde que o Rei deixou de commungar com o seu Governo na mesma ordem de principios e de ideias, eu e os meus collegas no Ministerio saimos do poder.

Não ha nada mais simples, mais claro, e parece-me tambem que não ha nada mais digno da minha parte, nem mais leal e mais nobre do que a maneira como procedi. (Apoiados},

Agora, Sr. Presidente, duas palavras apenas, porque o tempo foge, nem eu mais poderei fazer hoje; duas palavras apenas sobre as occorrencias de 4 de maio.

Deixou-me uma triste impressão o Sr. Presidente do Conselho ha poucos dias. Pois com que sinceridade quer S. Exa. que eu acredite nas palavras de estima que me tributa, quando S. Exa. ao terminar o seu discurso, na quarta feira, me disse: "Creia o Digno Par que a responsabilidade dos acontecimentos de 4 de maio todos lh'a imputarão, menos os seus amigos politicos ... e eu".

O eu, era o Sr. Presidente do Conselho.

A Camara, viu hoje como o Sr. Presidente do Conselho foi sincero na sua arremettida contra mim desde que se viu acossado pela palavra brilhante do Digno Par o Sr. Arroyo; como se não encontrasse defesa dos seus actos, como se a propria consciencia o pungisse, como que se a verdade das circumstancias dos factos que se deram o apertasse, o Sr. Presidente do Conselho, na sua palavra sempre facil, sempre impetuosa, só teve uma saida, a saida foi contra mim, foi negando aquillo com que S. Exa. rematara o seu ultimo discurso. Mas com que extrema infelicidade!

Dizia S. Exa., n'uma d'aquellas rajadas de oratoria, que são caracteristicas da sua eloquencia parlamentar: "Fiz bem, muito bem em não proceder e intervir, porque se procedesse e interviesse, de duas uma, ou punia ou não punia; se punisse haviam de dizer que eu punia para lançar um labéu sobre os Ministros que me antecederam; se eu não punisse haviam de me assacar responsabilidades de cumplicidade nos acontecimentos que se tinham dado".

Oh! que triste defesa.

Parece até impossivel que um orador consagrado, um politico experiente, um Presidente do Conselho - e não se chega áquelle alto logar sem um exercicio largo de funcções parlamentares - caisse neste dilemma.

Então S. Exa. succedeu a um Ministerio que combateu em nome das suas ideias e dos seus principios, e sobre o qual lançou, não suspeitas, mas accusações graves, violentas, contra os actos praticados; procedeu energicamente, desapiedadamente, sem contemplação contra amigos politicos meus...; e quando se trata de homens que se tivessem excedido no exercicio das suas attribuições policiaes, não os pune, só para não parecer que vinha accusar o Ministerio passado?

Quem o acredita?

Se não punisse era elle o cumplice.

Se não punisse? De duas uma, ou S. Exa., investigando, tinha contra quem proceder, tinha a quem applicar a punição, punia, e cumpria o seu dever; ou não punia, e nesse caso não cumpria o seu dever, mas não era contra mim, era contra si proprio.

Outra defesa.

Vejam V. Exas. como o Sr. Presidente do Conselho estava hoje com a cabeça perdida com o discurso do Digno Par o Sr. Arroyo, elle tão fino, tão sagaz na arte do florete parlamentar.

Eu, Sr. Presidente, - disse S. Exa. a- não podia proceder nem investigar, porque entrei depois nos Conselhos da Corôa, e não dera as instrucções que antecederam os factos.

Ora no dia immediato ao da entrada d'este Governo reclamou o Sr. Presidente do Conselho do commandante da policia essas instrucções, e ficou sabedor d'ellas.

E se S. Exa. não tinha, para isso, completa confiança no commandante da policia, podia S. Exa. ter-me perguntado e appellado para o meu testemunho e para a lealdade do meu caracter.

Sabedor d'essas instrucções, porque não investigou e procedeu?

O commandante da policia não desmereceu da minha confiança emquanto estive nos Conselhos da Coroa, é certo; se tivesse desmerecido, é evidente que teria deixado de commandar a policia.

Eu podia, porem, estranhar, tinha o direito de o fazer, que, tendo dado as minhas instrucções verbalmente ao commandante da policia e sendo esse empregado chamado a reduzir essas instrucções a escripto, não tivesse a cortezia de me procurar, ao menos para me consultar acêrca da redacção d'essas instrucções.

O Presidente do Conselho, na sua anciã de se livrar de responsabilidades, soccorreu-se ás palavras com toda a energia e dizia impavido e contente: - "não é como está no regulamento; o o regulamento manda effectivamente proceder com a maxima energia, mas ao mesmo tempo recommenda prudencia ; foi d'isso de que o Sr. Hintze Ribeiro se esqueceu, foi de recommendar prudencia".

Pois não foi, porque, no proprio officio do commandante da policia, a primeira cousa que o Sr. Presidente do Conselho encontra é a recommendação de prevenir, com toda a antecedencia possivel, os homens mais graduados do partido republicano, dizendo o que lhes era consentido e o que lhes era prohibido, porque a lei não o permittia.

Ora quem quer acutilar o povo de Lisboa, quem quer usar de violencia para com o povo n'uma manifestação qualquer, não manda prevenir os dirigentes d'essa manifestação de até que ponto podem ir, de até que ponto a lei lhes dá faculdades para isso.

Procedeu-se mais do que com prudencia, com prevenção.

Já vê a Camara que, se depois se deram acontecimentos lamentaveis, elles não derivaram nem da minha intervenção, nem das minhas instrucções. (Apoiados}.

Houve algum quid que imperasse mais alto do que eu, para as occorrencias que se deram?

Absolutamente nenhum.

Dei eu á policia as instrucções que julguei conformes á lei. Quando, pelas informações encontradas, da policia por um lado e dos manifestantes por outro, entendi que era necessario apurar a verdade, mandei-a apurar pelos meios que tinha ao meu alcance.

Estou convencido de que quaesquer excessos ou violencias resultaram da acção policial; por isso eu investigava

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74 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

para poder applicar as penas convenientes e adequadas, Acima da policia, eu, acima de mim, na responsabilidade, ninguem.

Mas a minha responsabilidade não é isolada; e n'essa parte tenho de chamar a terreno o Sr. Presidente do Conselho.

Provado que as minhas instrucções foram correctas e legaes, provado que, tendo havido quaesquer excessos, mandei proceder a averiguações, porque é evidente que eu não podia ordenar prisões, nem infligir castigos sem ao menos averiguar primeiro (Apoiados); sem conhecer os factos e a culpabilidade de cada um dos que n'elles tomaram parte, eu não podia applicar as penas do Codigo Penal, que pertencem aos tribunaes, nem sequer as penas disciplinares, que estavam no regulamento de policia; - provado que fosse que essas investigações, ao tempo em que deixei o Governo, não eram sufficientes para o esclarecimento da verdade, - ahi começa a responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho.

Fiz mal em ordenar uma syndicancia pelo commandante da policia?

Ordenasse S. Exa. outra que lhe parecesse mais conveniente.

Andou-se precipitadamente no Juizo de Instrucção Criminal em remetter logo para juizo os autos, a fim de que o poder judicial investigasse e punisse?

Lá estava o Sr. Presidente do Conselho para colher novas informações e para as ministrar a esse poder, com tanto maior responsabilidade quanto, em materia judicial, ha um unico despacho que vou ler.

É o despacho do juiz do 2.° districto criminal, do digno magistrado Horta e Costa, assim redigido:

"Os autos mostram que em a noite de 4 de maio ultimo e na Praça de D. Pedro foram levantados vivas subversivos de - morra a policia e viva a republica - e a mesma policia foi apedrejada. Não fornecem, porem, os autos elementos suficientes para se concluir se foram ou não os arguidos os autores d'aquelles delictos.

Tambem os autos mostram que os arguidos foram feridos na noite em questão, sem, porem, se poder chegar ao conhecimento certo de quem os feriu.

Mando, pois, que o processo aguarde até que posteriores esclarecimentos permittam o seu proseguimento.

Lisboa, 6 de julho de 1906. = Horta e Costa".

Este foi o despacho do juiz. Qual foi a responsabilidade de quem estava no poder, do actual Sr. Presidente do Conselho?

Em face d'este despacho a responsabilidade é clara e patente. Pois se as investigações feitas, os autos levantados, os processos instaurados, os esclarecimentos pedidos, não eram bastantes para apurar a verdade e tanto que o juiz mandava sobrestar no processo até ter todos os esclarecimentos, a quem competia fornecer-lh'os? O Sr. Presidente do Conselho, conhecendo este despacho e não querendo ficar com responsabilidades, não tinha outro caminho senão prestar todos os esclarecimentos, para com elles habilitar os tribunaes a proceder com competencia.

Se o tivesse feito, então podia dizer: eu não tenho responsabilidades, por isso que facultei ao juizo todos os esclarecimentos. Mas desde que o juiz não tinha os esclarecimentos necessarios e o Sr. Presidente do Conselho lh'os não forneceu, a responsabilidade é sua e não minha; é toda do Sr. Presidente do Conselho.

Tenho dito.

(O Digno Par foi muito cumprimentado).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco): - V. Exa. e a Camara comprehendem que eu não vou agora responder ao discurso do Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, a proposito dos acontecimentos de 4 de maio, não só porque não quero tomar tempo á Camara, o que hoje seria um abuso da minha parte, mas porque, como este assumpto ha de ser tratado ainda aqui, eu então terei ensejo de melhor dizer aquillo que entendo. Quero apenas repetir o que disse no meu primeiro discurso e que o Sr. Hintze Ribeiro contestou.

Trata-se de uma questão de facto e por isso não desejo que a Camara fique sob a acção da palavra do Digno Par.

Eu era incapaz de fazer uma affirmação destituida de fundamento.

Disse eu que, quando se organizou o Ministerio, procurei saber se seria possivel a organização de uma outra situação dentro do partido regenerador e que a convicção com que fiquei era de que o Sr. Hintze Ribeiro fechara a porta á possibilidade de se realizar tal facto.

O Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro constestou o que eu disse.

O Sr. Hintze Ribeiro, ao expor ao Chefe do Estado a situação politica, fel-o detalhadamente, mostrando não só os elementos de que carecia, mas que n'essa parte era absolutamente unanime todo o Conselho, isto é, que não só o que o chefe do Governo ia pedir á Corôa era julgado por todos os Ministros como indispensavel para governar, mas o seu pedido de demissão era compartilhado por todos os membros do Governo.

V. Exa., Sr. Presidente, comprehende que este facto dava a perceber a impossibilidade de qualquer recomposição dentro do partido regenerador, desde que se não tratava de divergencia entre os Ministros, mas sim da marcha do Governo.

Desde que todos os Ministros pensavam da mesma maneira, era logico tirar a conclusão que eu tirei.

Não quiz que a sessão se fechasse sob a impressão de uma affirmativa contraria, sem que a Camara ficasse sabendo as razões que me levaram a formar o meu conceito.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - O Sr. Hintze Ribeiro pediu a palavra, mas já passou um quarto depois da hora a que devia ser encerrada a sessão.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara.

Os Dignos Pares que approvam que seja dada a palavra ao Sr. Hintze Ribeiro tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu sou incapaz de negar uma cousa que se passou entre o Sr. Presidente do Conselho e o Chefe do Estado, assim como Sr. Presidente do Conselho, apesar de ser meu adversario politico, é incapaz de duvidar d'aquillo que eu, sob. minha palavra, affirmo ter sido o que se passou entre mim e El-Rei até o momento em que dei a minha demissão. Ora como os factos se passaram já eu disse á Camara, e agora nada mais tenho a acrescentar.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão é na quarta feira e a ordem do dia a mesma.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 3 quartos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 15 de outubro de 1906

Exmos. Srs: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Gouveia, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal e do Soveral; Condes: do Bomfim, do Cartaxo, de de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças, de Villar Secco; Viscondes : de Asseca, de Monte-São e de Tinalhas; Moraes Carvalho, Braamcamp

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SESSÃO N.° 5 DE 15 DE OUTUBRO DE 1906 75

Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Tavares Proença, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pessoa de Amorim, Pocas Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho, Venancio Deslandes Caldeira, Wenceslau de Lima e Vellez Caldeira.

O Redactor,

ALVES PEREIRA.

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