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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da sessão de 13 de janeiro de 1844.

(Presidiu o sr. Silva Carvalho.)

Foi aberta a sessão pela uma hora e um quarto da tarde; estando presentes 38 dignos pares, e os sr.s ministros (todos menos o da fazenda.)

O sr secretario Machado leu a acta da antecedente, e foi approvada.

O sr. secretario C. de Lumiares deu conta dos officios seguintes:

1.° Do digno par presidente da commissão mixta relativa aos officiaes amnistiados, remettendo um authographo da acta da sua sessão. — Para o archivo.

2.º De J. A. d'Azevedo, enviando mappas da receita e despeza dos hospitaes regimentaes do 1.º semestre de 1843. — Foram distribuidos.

O sr. V de Sá, lembrando um pedido que tinha feito em outra sessão, e a resposta a elle dada pelo sr. ministro dos estrangeiros, perguntou se s. ex.ª tencionava remetter a esta camara a correspondencia sobre as negociações que tinham tido logar para o ultimo tractado concluido com a Inglaterra!

O sr. ministro dos negocios estrangeiros respondeu que um igual pedido havia sido feito na outra casa; que estava agora escolhendo documentos que (por assim dizer) acabavam de chegar de Londres, mas que em breve poderia responder ao digno par.

ORDEM DO DIA.

Prosegue a discussão do projecto de resposta ao discurso do throno.

O sr. V. de Fonte Arcada (depois de declarar que pouco se demoraria por estar incommodado), disse que não podia deixar de responder a varias observações, feitas na sessão passada; e principalmente a algumas que se referiam á associação eleitoral, a que tinha a honra de pertencer, e que era composta de pessoas tão conspicuas, quaes as que faziam parte desta e da outra camara (tendo dado a Sua Magestade provas da sua dedicação), e que por isso aonde essas pessoas estavam tambem podia estar este orador). — Que esta associação era similhante a outras que existiam em diversos paizes, e das quaes elles tinham tirado, estavam tirando, e haviam de tirar muitas, vantagens.

Que esta associação era cousa diversa das sociedades secretas; que o nobre duque havia hontem stigmatisado; devendo comtudo notar-se que s. ex.ª désse o seu apoio a um ministerio que, ou nellas se fundava, ou dellas tirava um grande auxilio. — Que convinha com s. ex.ª que a mudança de costumes era o que podia fazer com que as reformas fossem efficazes; entretanto, para que houvesse, uma tal mudança, muito convinha que o exemplo fosse dado por quem podia fazer authoridade: mas quando se prescindia do que era nobre, generoso, e justo, não devia esperar-se que as nações, (onde ha tantas causas que as contaminem) fossem as proprias que apimentassem esse exemplo. Que as nações muitas vezes faziam com que se seguissem as boas doutrinas, mas isto era só depois de terem muita illustração.

Que admittindo o nobre duque que as municipalidades podiam representar sobre os seus interesses locaes, era o mesmo que admittir que ellas igualmente podessem, quando os vexames fossem tão geraes que a todos se fizessem sentir, representar contra esses mesmos vexames, o que se dava no caso actual, em que se queixavam do estado geral que tem affectado a todos, já por meio d'uma intensidade de tributos, que a esmo se tem lançado sobre o povo, já porque não tem havido a melhor arrecadação nos fundos publicos, e finalmente pela má politica que o governo tem seguido.

Que a respeito do receio que tinha mostrado o nobre duque dos effeitos da coallisão, por nella haver pessoas pertencentes ao partido vencido, dizia a s. ex.ª que, a elle (orador,) recear esse partido, mais recearia daquelles que d'entre elle trocaram suas convicções por diversos empregos publicos, ou posições politicas, ganhando por este modo força e poder; que não tendo influencia politica os primeiros unicamente se associaram com outros cidadãos para exercerem um direito inherente á qualidade de cidadão portuguez. Que se poderia porém dizer que pelo facto daquelles individuos terem acceitado empregos em um systema de governo opposto ao seu, se tinham por tal modo vinculado com elle, que nenhum perigo havia delles, porque o seu partido, depois deste facto, nada mais quereria com elles - mas que esta doutrina não era aquella que a historia, e a experiencia mostrava seguirem os partidos, pois que a estes pouco lhes importa que os homens tivessem mostrado differentes opiniões, ou sido constantes nellas, com tanto que se lhes ligassem na occasião necessaria; e isto exemplificaria elle orador com a conducta de s. ex.ª o sr. ministro do reino, que tendo em 1837 seguido as doutrinas, que todos sabiam, hoje era tido, pela maioria desta camara, pelo unico homem capaz de manter a ordem, e sustentar a Carta!

O orador terminou aqui, tornando a declarar o seu incommodo, que o não deixava proseguir no mais que ainda teria a dizer.

O sr. ministro da justiça disse que, na qualidade de ministro da corôa, e fazendo parte d'uma administração solidaria, não podia deixar de tomar a palavra para responder ás muitas increpações, que talvez menos justamente se tinham dirigido ao ministerio, e que faria a diligencia para mostrar quanto ellas eram infundadas e immerecidas

Que era costume muito usado nos governos representativos, e principalmente no de Portugal, aproveitar-se a occasião de discutir-se nas camaras a resposta ao discurso da corôa para se fazerem acres censuras ao ministerio, e por isso nada era para estranhar que os dignos pares da opposição lançassem mão desta opportunidade para combater a actual administração; porém que lhe pareciam fracos os argumentos que para esse fim empregaram. — Que a substancia de tudo quanto se adduzira, contra os ministros da corôa, podia commodamente reduzir-se a duas especies de argumentos, a saber: 1.ª expressões e termos improprios no discurso da corôa, que além disso era deficiente e laconico; e 2.ª incapacidade dos ministros, e sua errada politica, tanto por omissões, como por commissões.

Que o primeiro argumento do digno par, o sr. C. de Lavradio, fôra fundado na impropriedade dos termos do discurso da corôa legitimos interpretes dos votos e opinião nacional pois (o digno par entendera que) não só os membros das duas camaras, mas todo e qualquer cidadão podia ser legitimo interprete da opinião nacional. Que s. ex.ª por certo não usaria, empregando este argumento, dos meios e capacidade que tem, e prestara mais attenção ao desejo de guerrear o ministerio do que aos principios do direito constitucional, segundo os quaes não poderia deixar de convir em que um, ou mais cidadãos, reunidos sem missão, não podem ser orgão dos votos geraes da nação, e que apenas podem enunciar a sua, porém nunca a opinião commum, cujos interesses e direitos geraes não representam; mas que s. ex.ª accrescentára — que o governo tinha muito de proposito empregado aquelles termos no discurso da corôa para estigmatisar o procedimento das camaras municipaes, que haviam representado ao chefe do poder executivo, pedindo-lhe a demissão do ministerio, o que involvia uma blasfemia politica contra o direito de petição. Disse que elle (orador) pedia licença a s. ex.ª para discrepar completamente de sua opinião quanto á blasfemia politica de impugnar o direito da representação das camaras municipaes com a latitude que se lhes queria attribuir, e que, visto ter sido chamado pelo digno par, e por alguns outros a este campo, (hoje do dia, ou da moda) era forçado a entrar na materia com mais alguma extensão do que desejava, mas que esperava que a camara lhe concedesse para isso a costumada benevolencia.

Que entendia ser um axioma da vida politica dos homens de Estado — a necessidade de considerar os factos pela applicação dos verdadeiros principios, para com reflexão poder tirar a consequencia conforme aos mesmos principios, e segundo elles classificar os factos, e proceder competentemente a respeito destes: — Que, quando tivera conhecimento das representações das camaras municipaes, observára esta regra, tirára em resultado que a sua pertendida ingerencia nos negocios politicos e geraes do Estado era uma exorbitancia de suas attribuições legaes, em que o governo não podia consentir sem incorrer na maior responsabilidade, pela obrigação que tem de fazer executar as leis pelas corporações que lhe são subordinadas.

Que em toda a fórma de governo, e especialmente no representativo, era necessario guardar-se o equilibrio dos poderes superiores e subalternos do Estado, sem o que a machina politica não podia ter o seu regular andamento: que a nação tem negocios politicos geraes, e tem nas suas differentes partes interesses locaes; para tractar os primeiros nomêa seus representantes geraes deputados ás côrtes, e para administrar os segundos elege procuradores especiaes; que a missão de uns é, quanto á politica geral, differente da dos outros, e sómente commum em promover os interesses locaes, mas por meios diversos, pois que aos primeiros cumpre, mesmo para este fim particular fazer leis, em quanto aos segundos só compete executa-las no exercicio dessas funcções municipaes, representando ao poder executivo tudo quanto entenderem que carece de providencias fóra do alcance de suas funcções, mas em objectos subordinados á sua administração. Que da exposição destes principios evidentemente se concluia quanto exorbitaram as camaras municipaes, que esquecidas de seus deveres, quizeram attribuir-se o que pertence exclusivamente a outros procuradores da nação, e que o governo dissolvendo aquellas camaras, que assim se excederam, obrára legalmente, e só merecia ser censurado se o contrario praticasse. Que era um erro em politica pertender sustentar que as corporações municipaes são representantes dos povos, no sentido generico desta expressão; e tambem não era exacto o que se allegara para convencer que, assim como as diversas camaras da antiga monarchia representavam livremente aos réis, assim o podiam fazer as actuaes camaras municipaes; argumento que ficára completamente destruido pelo digno par o sr. duque de Palmella, demonstrando que, a differença do systema politico da antiga monarchia ao actual representativo, tornava inapplicavel este argumento de similhança. Que quem pugnava por este prejudicial direito das camaras municipaes, abandonava os principios, e o conhecimento da historia ácerca deste objecto, sendo digno de referir-se que um escriptor contemporaneo, que tractou esta materia com summa habilidade, demonstrara na evidencia quão fatal tinha sido ás municipalidades a falta de regular centralisação de poder, condição essencial dos governos livres. — Que bem sabida era a historia, e que as municipalidades romanas foram umas pequenas republicas, que tive-