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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

feita por um Herodoto e por um Xenofonte, verdadeiros escravos da verdade, que conscios da sua missão a expunham ao povo; mas se a Grecia teve estes vultos explendidos na tribuna, na historia, nas bellas letras, e até nas artes, teve tambem o seu periodo de decadencia, e esse periodo veiu com o apparecimento dos sophistas, que com a sua contrafacção da verdade excitaram e lisongearam as paixões!

Os sophistas são de todos os tempos, e contra elles não póde deixar de levantar-se um homem, que como eu está acostumado sempre, e em todas as circumstancias, a dizer a verdade, quer ella agrade, quer desagrade, com a independencia que é propria do meu caracter.

Não serão os sophistas que desde muitos annos têem lançado o paiz no estado em que actualmente se acha? Não serão os sophistas da liberdade e do direito que, ora uns ora outros, tem creado tão difficeis situações? São de certo os sophistas da liberdade os despotas, do mesmo modo que o são os que lisongeiam os povos. Os despotas, appellando para o direito divino, querendo governar em nome d'elle, são sophistas da liberdade. Os que lisongeiam os povos, querendo só n'elles reconhecer a soberania, fallando-lhe ás paixões, são da mesma sorte sophistas da liberdade.

Para mim tão prejudiciaes são uns como outros; são ambos sophistas, faltam ambos á verdade; a nenhum presto culto, porque só sou sectario do direito, e esse não póde ter por base senão a justiça e a verdade.

São os sophistas, sr. presidente, que tem desvirtuado o governo constitucional; são elles que nos podem levar aos mais perigosos extremos. Quem acreditaria que esse famoso imperio dos nossos dias havia de cair antes da morte de Bonaparte? E comtudo se não morreu como homem, como politico desappareceu para sempre da scena.

E o que foi que concorreu para a sua quéda? Foram os sophistas, que são o que têem concorrido para a quéda de todos os imperios e de todas as republicas; os sophistas, que levam os povos a dizerem um dia: tendes ido até aqui, mas d'aqui por diante basta.

Quando se fecham as portas da legalidade, abrem-se as portas da insurreição.

Necessito fazer um prologo por ter de recorrer ao passado, porque hoje em dia todos nós e cada um de nós devemos fazer um prologo a cada allusão. Marmontel, quando escreveu o Belisario, arreceou-se logo que alguem se doesse com as suas allusões, e fez um prologo á sua obra para desvanecer toda a idéa de offensa, a fim de que ninguem se escandalisasse; ainda que elle bem sabia que quando alguem se doe é porque está ferido. Sr. presidente, se alguem se queixasse diante de Alexandre Herculano de um mau historiador, ou de um mau advogado diante de Jayme Moniz, nenhum d'elles se poderia offender; se alguem se referisse a um falso economista diante de Oliveira Marreca, com o qual muitas vezes tenho discordado, não podia este cavalheiro sentir-se offendido, nem nenhuma das pessoas que o conhecem poderia julgar que a allusão fosse a elle dirigida; assim como se alguem fallasse de um cobarde diante do duque de Saldanha, isto não podia offender o valente general, acostumado a levar denodadamente á victoria os seus soldados.

Eu vejo aqui em toda esta peregrinação do sr. marquez d'Avila, vejo s. exa. fazer uns poucos de papeis; umas vezes parece-me Cesar, outras vezes Pompeo; porque s. exa., a respeito do sr. bispo de Vizeu, se me afigura na situação em que se achavam estas duas personagens antes da batalha de Pharsalia. Permitta-me pois s. exa. que eu cite certos factos da historia antiga, a fim de fundamentar a minha comparação.

Todos nós conhecemos a historia dos tempos de Cesar e Pompeo; diversos são os escriptores distinctos e notaveis, que, como criticos, fazem a historia da sua vida, de suas proezas e dos seus revezes; entre esses ha mais e menos illustres, mas o que em todo o caso é certo é que ha certos factos, entre uns e outros, que provam que houvera injustiças entre elles, dirá o sr. marquez d'Avila, pelo que tambem lhe tem acontecido já. Assim como o caso que se deu n'aquella epocha entre Lucullo e Scylla, dois generaes contra Mithridates, que Lucullo em pleno senado negou as honras da victoria ao seu collega dizendo: eu é que venci, porque embora vós viesseis, apenas foi para completar a obra! Do mesmo modo se quiz que a nação portugueza procedesse para com o sr. marquez d'Avila e de Bolama; punha se em duvida o titulo de honra que lhe pertencia na questão que s. exa. sustentou habil e tenazmente a respeito da ilha de Bolama; bem fez pois s. exa. allegando com energia a sua justiça, podia com rasão dizer: gloriam meam non dabo alteri! Teve rasão, porque o serviço principal e mais notavel era o que s. exa. tinha prestado. A injustiça é velha; mas a verdade é eterna, e por isso esta cedo ou tarde vem sempre fazer justiça.

Sr. presidente, ia eu dizendo que aquelles dois vultos guerreavam-se, e Pompeo viu que não era conveniente continuar a guerra, e como não havia muitos partidos não teve que fazer viagens em roda d'elles. Catão aceitou, não a pasta, porque n'aquelle tempo não era assim que se chamava a investidura do poder; tinha maior significação e mais realidade.

O modo como se entabolaram as negociações, como se fizeram as pazes, qual foi o preço da concordia, póde verse em Lucano. Isto não trago eu para me referir aos srs. ministros, que não estavam antes em guerra com o sr. marquez d'Avila; mas refere-se á colligação dos partidos. Fez-se a paz, isso é um facto, mas dizia Catão que os males da republica tinham origem, e eram devidos muito mais á concordia dos dois chefes do que á sua inimisade.

Assim digo eu d'esta concordia dos partidos, em que todos respondem amen, amen, e nunca o non possumus.

Esta concordia não me parece tambem que seja proficua; não creio que possa ser duradoura, e por isso a considero antes^ prejudicial, como acontecia no caso de Cesar e Pompeo. É pelo menos o facto, pois antes de Cesar passar o Rubicon, queria tambem captar os partidos, mas depois de assentado nas cadeiras do poder já não era tão benevolente!

No principio concorda-se facilmente e fazem se as colligações, mas quem vence sempre é o mais forte; nas lutas da força está claro que vence o mais forte, nas lutas da intelligencia vence o mais intelligente, e nas lutas da politica vence o mais habil.

Pois, sr. presidente, não é certo que na carreira politica, na carreira administrativa e na carreira judicial podem ter-se adquirido muitas honras e dignidades, sem comtudo se possuir um grande tacto politico?

Eu interrogarei os srs. ministros, perguntando-lhes - vós sois ministros das vossas idéas ou dos vossos interesses? E eu mesmo responderei á interrogação, dizendo que não os considero ministros dos seus interesses, porque desejo fazer-lhes justiça, embora não possa acompanha-los, porque estou em uma posição similhante áquella que occupou um cavalheiro, chamado Bernardo Gorjão Henriques, nas côrtes de 1837.

N'aquellas côrtes havia unanimidade, e o unico homem que fazia opposição era Bernardo Gorjão Henriques! Agora acontece o mesmo; todos estão unanimes em dar apoio ao ministerio, só eu é que estou em opposiçãa ao paiz todo!

Sei que é grande ousadia ficar só em campo, lutando com todos, mas se o sr. marquez d'Avila, quando tiverem decorrido alguns annos, e quando a paixão politica tiver esfriado em s. exa. e no meu animo, se dignar attender-me ainda alguma vez, e fallarmos como criticos e historiadores sobre os factos passados, eu já estou ouvindo s. exa. a dizer-me - v. exa. tinha rasão, mas as circumstancias eram difficeis, e eu prestei um grande serviço ao paiz. E eu faço justiça ampla ao nobre presidente do conselho, dizendo ter a certeza de que esta é a convicção de s. exa.