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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do exmo. sr. Conde de Castro, vice-presidente

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Augusto Cesar Xavier da Silva

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exno. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario (visconde de Soares Franco) mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 80 exemplares da conta da despeza deste ministerio, comprehendendo a da gerencia do anno de 1869-1870, e a conta do exercicio de 1868-1869.

Mandaram-se distribuir.

(Pausa.)

(Entraram os srs. presidente do conselho, ministro da justiça e ministro da marinha.)

0 sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço a palavra por parte do governo.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): - Os meus collegas desejavam vir todos assistir á sessão de hoje, como já todos tinhamos tenção de assistir á sessão de sabbado nesta casa do parlamento; mas infelizmente nesse dia não foi possivel comparecermos aqui, por isso que nos vimos detidos na outra camara por alguns incidentes que exigiam ali a nossa presença; e agora mesmo aquelles dos meus collegas que não se acham nestas cadeiras estão respondendo a interpellações que lhes são feitas na outra camara.

Desejava pois cumprir este dever de cortezia para com os corpos colegislativos, annunciando-lhes que o ministerio, estava completo, e que o nosso programma era exactamente aquelle que apresentei quando o governo se organisou em outubro do anno passado.

(Entrou o sr. ministro da guerra.)

Esse programma é muito simples: consiste unicamente em empregar os meios para que a questão de fazenda tenha uma solução a mais proxima possivel, e se estabeleça o equilibrio entre a receita e a despeza do orçamento do estado.

Depois que findou a ultima sessão grandes passos tem já dado o governo, com o concurso que encontrou nas duas casas do parlamento, para chegar a este resultado. Os nossos titulos acham-se actualmente em situação mais vantajosa do que estavam então; as operações de thesouraria fazem-se agora com sacrificios inferiores aos d'aquella epocha, e a receita publica tem augmentado. E nós, continuando do mesmo modo que até aqui, havemos de fazer todas as economias nas despezas do estado, que forem compativeis com as necessidades do serviço publico, e apresentar ao parlamento as medidas que julgarmos indispensaveis para melhorar a situação do paiz. Algumas medidas já foram apresentadas na outra casa do parlamento, e espero que serão approvadas com as modificações e alterações que essa camara julgar convenientes, e hão de vir aqui, a fim de serem submettidas tambem ao exame desta camara.

(O sr. ministro não reviu este discurso.)

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Tenho de recommendar aos srs. presidentes das commissões d'esta casa que, logo que tenham alguns pareceres promptos, os mandem para a mesa a fim de serem dados para ordem do dia.

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Rego): - Vou mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

O sr. secretario leu um requerimento do sr. ministro da guerra pedindo para que os dignos pares, marquez de Sá da Bandeira, D. Antonio José de Mello e Saldanha, conde de Fonte Nova, possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões.

(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)

Posto á votação, foi approvado o requerimento.

O sr. Presidente: - Não julgo a proposito dar a sessão para ámanhã, porque não ha trabalhos sobre a mesa, e por isso talvez seja conveniente que a sessão seja quarta feira.

O sr. Marquez de Vallada: - Não ha ordem do dia?

O sr. Presidente: - Não, senhor.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu julgava que o novo ministerio, que eu não sei se é velho, se é novo, ou se é a continuação do antigo; eu julgava que o sr. presidente do conselho e ministro do reino nos dissesse alguma cousa sobre a politica do actual gabinete, e nos delineasse o caminho que pretende trilhar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu já disse.

O sr. Marquez de Vallada: - Pois não ouvi, e por isso não pedirei ao sr. presidente do conselho que repita o seu discurso, porque seria ousadia da minha parte; mas pediria a v. exa., sr. presidente, que me desse a palavra para fazer algumas observações e provocar explicações por parte do governo a respeito da politica que tenciona seguir.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: - Nascer n'uma certa epocha ou fóra d'ella não depende do homem. Nasceram porem em boa hora aquelles vultos gigantes da nossa terra que depois das lutas batalhadas no campo da honra, em que, se combatia pela independencia da patria e pela fundação e estabelecimento dos principios de justiça, triumphavam tendo vencido ingentes e mal feridos combates. Nasceram em boa hora aquelles que no tempo das conquistas viam o nome de Portugal respeitado em todo o orbe, e a espada triumphante de Portugal ao serviço da cruz n'essas longas plagas que foram o monumento da nossa gloria, e que são hoje o padrão vergonhoso do nosso desleixo e incuria. Nascemos nós em má hora, e vimos a luz do dia em más condições, por isso que chegámos n'uma epocha onde só temos para contemplar, catastrophes, presenciar escandalos, e para medir o abysmo a que nos arrastam os tantos males que estamos presenciando e sentindo. Mas a minha fé na Providencia Divina é grande, e eu espero que ainda os homens de boa vontade poderão agrupar-se em volta do estandarte dos interesses da patria, pelejando como os seus maiores, e tambem ficarem como elles vencedores, porque havendo energia, perseverança e boa fé, estou persuadido que se póde conseguir cerrar os abysmos, que os escandalos cessem, e que as catastrophes se suspendam.

Sr. presidente, depois destas poucas palavras, que servirão de prologo ou de introducção ao que tenho a dizer, permittam-me v. exa. e a camara que me desempenhe de duas missões, porque tenhordois deveres a cumprir e duas missões a desempenhar. É a primeira de gala e a segunda de luto. Começarei pela missão de gala, e passarei depois á missão de luto. A missão de gala é em relação á patria, é mais solemne e mais nobre; a missão de luto comtudo não é menos importante.

Sr. presidente, dou os meus sinceros parabens á patria por ver que á ultima hora, depois da longa e pittoresca pe-

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regrinação em volta ds todos os partidos, e em busca de todos os politicos feita pelo sr. marquez de Ávila e de Bolama; depois d'esta minuciosa pesquiza appareceram finalmente dois vultos que todos nós conhecemos, um dos quaes f i e é meu amigo, o sr. Sá Vargas, o outro tem-me quasi sempre combatido, e só poucas vezes tem succedido, não direi estar ao meu lado, mas sim eu ao lado de s. exa. Eu devo dar os meus parabens ao paiz, porque nas circumstancias difficeis, este facto prova uma alta abnegação da parte dos dois cavalheiros, um dos quaes pertence ás idéas antigas e o outro ao mundo novo, que aceitaram uma missão difficil depois de teren falhado todas as tentativas, que, era correria brilhante por todos os campos, fez o sr. marquez de Avila e de Bolama, para encontrar dois homens que quizessem ser ministros, e de todos se recusarem a entrar no gabinete.

O papel que desempenhou o nobre presidente do conselho faz-me lembrar uma parabola, que eu citarei, porque tem auctoridade e se acha n'um livro velho que persiste na historia e persistirá até á consummação dos seculos. Na peregrinação do sr. presidente do conselho encontrei certa analogia com a parabola que vem no capitulo 14.° de S. Lucas, em que o opulento dono de um palacio convidava para um festim alguns dos seus amigos. Recusava-se este, porque tinha comprado um campo e carecia de o ver; aquelle, porque tinha ido a uma feira onde fez compras que precisava de examinar; outros, emfim, apresentavam diversos pretextos; e todos n'uma palavra se recusavam. Então o dono da casa, aquelle que dava o festim e o banquete, disse aos seus servos: ide ás ruas, ás praças, aos templos, e trazei toda a gente que encontrardes sejam coxos ou aleijados.

Aqui não se dá a comparação, porque estão sãos e escorreitos os novos ministros; mas na verdade se o simile não é completo, ha todavia uns certos traços n'esta parabola, que me fizeram parecer que via nella o sr. marquez d'Avila e de Bolama quando ha poucos dias andava na sua peregrinação.

Isto não tem nada de offensivo, nem eu sou capaz de offender aquelles com a camaradagem dos quaes me honrei durante periodos, que eu chamarei saudosos da minha vida publica. Mas na verdade, é assim que se passou; e acrescentarei ainda mais alguma cousa. Já que fallei da Biblia permitta-se-me que eu complete o meu pensamento por meio de outra passagem. Diz ella: Multi sunt vocati, pauci vero electi. Com effeito, muitos foram os chamados!... E não érro, de certo, porque foi o sr. Fontes, a respeito de quem nunca fallo senão com elogio; foi o sr. Braamcamp, a quem igual mente respeito; e foram ainda outros chefes dos diversos partidos ou escolas, como melhor lhes queiram chamar, em que está dividida a nossa terra. Os escolhidos porem foram poucos: pauci electi.

Aqui o caso é parecido; porque sempre houve chamados, ainda que poucos são os que ficaram escolhidos; e desses tenho eu sido de um d'elles amigo constante, e do outro, se o tenho sido algumas vezes, outras tenho deixado de o ser, e este é o sr. visconde de Chancelleiros; no entanto ambos são bem conhecidos. Ao sr. conselheiro Sá Vargas, que já por duas vezes foi ministro, temo-lo todos como um integerrimo magistrado, como um homem cujas qualidades pessoaes, independencia de caracter, e muitos outros dotes reconhecemos e admirâmos; e d'entre os seus admiradores não serei eu de certo o ultimo, mas talvez o primeiro a prestar-lhe homenagem, que s. exa. sabe ser sincera e verdadeira, e por isso deoloro não o poder acompanhar com o meu voto.

Ao sr. visconde de Chancelleiros conhecemo-lo tambem nós todos ha muito mas lides parlamentares, e sabemos que s. exa. é distinguido muito particularmente pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, a quem me apraz ver agora tão intimamente ligado com s. exa.; e folgo, em nome das idéas christãs e em nome das idéas politicas, ver esta união, esta convivencia, esta concordia entre homens que, n'outras éras, foram adversarios tenazes, e são hoje amigos cordiaes, e não direi tambem que são soldados (o que me pnrece pouco para homens como s. exas.), mas generaes eximios, que se juntaram e ligaram no mesmo campo, que circumdaram o mesmo pendão com a intenção firme de se dirigirem ao mesmo fim. Se o conseguirão o tempo o mostrará.

Esta abnegação significa alguma cousa, e, quando menos, significa que ante o altar da patria todos e quaesquer melindres, ainda os mais justificaveis, se devem pôr de parte, porque o bem publico significa o triumpho da ordem publica, e é esse triumpho que devem procurar sempre os homens que se sentam nos bancos do ministerio.

Eis a minha missão de gala, sr. presidente. Façam pois os srs. ministros, como devem, todo o bem que podérem ao paiz, regenerando-nos e extirpando os males que nos affligem, applicando a esse fim reformas grandes e profundas; n'uma palavra, commettimentos generosos e de valor.

Exposta, repito, a minha missão de gala, passo a descrever a de luto, e começo por dar sinceros e sentidos pezames ao sr. conselheiro Sá Vargas, por o ver sentado n'esse logar. Receba-os s. exa. de um antigo collega, que sempre o acompanhou no partido conservador, até que esse partido expirou, e a cuja morte assistiu não podendo salva-lo com os seus esforços, e acompanhou-o na sua ultima agonia, e não recuando nem mesmo quando o podia ter feito, na occasião em que lhe presentiu o estertor. Receba tambem sentidos pezames o sr. visconde de Chancelleiros, a quem tenho como cavalheiro, e agradeçam os noveis ministros n'este gabinete ao sr. marquez d'Ávila e de Bolama a situação desairosa onde com sentimento os vejo estar, porque s. exa. o sr. presidente do conselho quando não tinha mais para onde appellar é que os foi buscar para o ajudarem a subir ao calvario, depois de uma tão longa e mal succedida peregrinação. O nobre marquez d'Avila e de Bolama foi injusto e muito injusto, desculpe-me s. exa. que assim lh'o diga, mas uma injustiça da ordem d'esta não a devia praticar o homem que tantas vezes se tem queixado das injustiças que lhe teem feito, e das desattenções que têem havido para com o seu caracter, que eu respeito muito, e já aqui mesmo tive occasião de o defender, sem que esteja disso arrependido, e n'essa occasião estava eu em cheiro de santidade para com o nobre marquez, hoje não. N'essa occasião disse s. exa. que era necessario registar o que se dignou chamar um brilhante e patriotico discurso, e que não foi mais do que um modesto arrasoado e uma defeza, não direi de amigo, porque aqui não se trata de amisades, mas uma defeza de politico.

Sinto portanto que s. exa. desconheça o que todos conhecem, e se não lembrasse dos srs. Sá Vargas e visconde de Chancelleiros senão á ultima hora, depois de ter procurado e de ter feito uma viagem não au tour de sa chambre, como fez o conde Xavier de Maistre, mas uma viagem longa; e quando achou fechadas todas as portas, teve a feliz lembrança de chamar estes dois cavalheiros, que não deviam por circumstancia alguma ter ficado tanto tempo no esquecimento.

Póde-se ser adversario (e eu tenho-o sido muitas vezes), e na oratoria pronunciarem-se phrases severas, fazerem-se apreciações que não agradem aos adversarios, e muitas vezes recorrer-se aos exemplos da historia para mostrar que do passado podemos aprender para o presente. Tudo isto, porém, se póde fazer sem offensa das pessoas.

Sr. presidente, antes de passar adiante recordarei de passagem uma phrase do sr. visconde de Chancelleiros, que me ha de servir, porque se ha um registo para a propriedade immobiliaria, ha tambem um registo para os actos parlamentares. O sr. visconde de Chancelleiros, citando a auctoridade de um digno par, de quem era amigo, disse que confirmava e adoptava as suas palavras, que este paiz vivia ha muito de fazer eleições e crear inscripções. Espero que esta phrase, verdadeira e justificada pela historia, deixará de ser d'aqui por diante verdade, e que passará a ser apenas

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uma recordação do passado. A entrada de s. exa. no ministerio faz crear e alimentar no meu espirito a esperança de que as eleições, se as houver, hão de ser como devem ser, e que as inscripções tambem não serão emittidas indistinctamente, sem circumspecção, conta, peso ou medida.

Mas, sr. presidente, que ousado que eu sou em vir, no meio de tamanho regosijo, perturbar, não direi a paz, mas a alegria universal de que os espiritos estão animados! Eu peço sinceramente que me perdoem o pôr em duvida esta alegria. Parece-me que ao murmurio do regosijo succedeu o silencio do espanto. E direi mais que, embora os partidos e os homens estivessem dominados de uma idéa que eu reputasse errada, e que essa preoccupação fosse quasi geral, e eu me achasse só desamparado em campo, nem por isso deixaria de exprimir as minhas idéas. Não quero ajudar a cantar sobre o sepulchro da verdade o funeral da rasão. A alegria é universal; os partidos estão todos á roda do sr. marquez d'Avila. Eu tenho combatido n'este tribunal muitos homens notaveis, sem me assustar; mas agora não sei se me deva assustar, porque não tenho diante de mim simples mortaes.

Eu tenho estado combatendo um santo, um santo canonisado pelos partidos; e esse santo é o sr. marquez d'Avila. E digo santo, porque os partidos disseram que s. exa. teve poder para fazer um milagre, e que esse milagre era a concordia universal de todos elles. Mas pergunto ao nobre ministro - o que são os partidos? Não são de certo uma simples congregação de homens que se reunem em certo e determinado local, com vistas interesseiras e aspirações ignobeis. Não, os partidos não podem ser isto. Um partido, como se entende na Europa culta e na sociedade civilisada, significa um grupo de homens, animados pelas mesmas idéas, professando uma doutrina commum, e dirigindo-se a faze-las prevalecer n'uma situação politica. Nos paizes onde vigora o systema liberal, os homens que conquistaram palmo a palmo essa situação sobem á cadeira de chefes d'estes grupos. Aqui porém não aconteceu assim, segundo a apreciação do sr. marquez d'Avila. Não é a minha; eu estou examinando quaes seriam as idéas de s. exa. para andar em volta dos partidos procurando reuni-los todos; porque, se os partidos têem diversos principios, não podem concordar uns com os outros; pois ha em cada um pontos dogmaticos, com os quaes não podem concordar os outros, posto haja tambem pontes de doutrina em que podem concordar. Isto posto, como queria o sr. marquez d'Avila reunir os chefes e os soldados dos differentes partidos debaixo de uma só bandeira? Era impossivel, e n'isto é que consiste o milagre que s. exa. fez.

Eu ouço os partidos todos dizerem "nós apoiamos o governo nas suas meddias financeiras e de administração". Se os partidos apoiam essas medidas, sem saber quaes ellas são, commettem um erro, porque os partidos não podem apoiar as medidas do governo saíndo fóra dos limites do seu campo; os partidos o que podem fazer, quando o paiz se acha n'uma crise violenta, como aconteceu na Saboya quando os partidos se reuniram em roda do rei para manter a ordem publica, e que o ccnde de Maistre disse a terra treme, é adiar as suas dissidencias de organisação, para acudirem juntos á defeza e á manutenção da vida nacional; mas agora não se tratava de defender a ordem social. Então congregam-se os partidos para que a anarchia não venha a dominar e destruir tudo; e tão nobre sentimento muitas vezes tem dado a tregua, por assim dizer, entre os partidos; mas isto não é apoiar medidas que se não sabe quaes sejam. Por iaso creio que toda esta harmonia por parte dos partidos significa meramente uma benevola espectativa. Nào póde ser outra cousa; e o sr. marquez d'Avila, que é um homem amestrado na carreira publica, não direi encanecido, mas distincto nas cadeiras de ministro, de certo não imagina que este apoio dos partidos seja possivel e duradouro.

Eu já estou ouvindo o que me ha de responder o sr. marquez d'Avila, porque o ccnheço ha muitos annos, e elle tambem me conhece. S. exa. ha de dizer: o paiz julgará entre mim e o digno par. Logo direi qual ha de ser o julgamento; por ora, sr. presidente, escrevo o libello, e o sr. marquez d'Avila apresentará depois a contrariedade, á qual eu lhe asseguro hei de apresentar a replica; e não hei de consentir que o nobre ministro venha com embargos por falsa causa e nullidade do processo; não, senhores; hei de apresentar o rol das testemunhas, e ajuntar documentos authenticos. Tudo isto são as minhas proposições, que hei de demonstrar e desenvolver aqui. O sr. marquez d'Avila e de Bolama tornará com replica, e o paiz ha de julgar. S. exa. sabe que depois do julgamento as instancias são diversas; perde-se a causa n'uma, appella-se para outra, e quando se perca n'essa, recorre-se para a suprema; e eu hei de interpor recurso de revista quando necessario for.

Alem d'isto, sr. presidente, hei de dar por suspeitos alguns dos julgadores, porque todos sabem que o juiz nio póde julgar quando está coacto, quando não está devidamente habilitado para julgar, quando esse juiz é inimigo do réu, ou quando tem algum interesse na decisão da causa. Por isso digo tambem que hei de propor o adiamento do julgamento da causa. Eu quero que s. exa. aprecie o julgamento do povo; mas quero tambem que o povo julgue quando não está coacto, quando não está dominado por falsas idéas. Creio que então ha de o sr. marquez d'Avila appellar d'esse julgamento, cuidando que hei de ficar completamente esmagado por elle. Pois creia que não ficarei esmagado, e que quem ha de ficar esmagado ha de ser s. exa., e não ha de tardar muito tempo. Os juizes já eu sei quem hão de ser. "Votem-me tudo o que eu quizer, votem-me todas as medidas de administração e finanças, quando não eu proponho a dissolução, e hei de obte-la". Eis o pensamento de s. exa.

Agora chego ao sr. visconde de Chancelleiros, tocou-lhe a sua vez. "Crear inscripções e fazer eleições" disse s. exa. que era o moio de vida d'este paiz. Quando será que este povo julgue bem? É uma cousa sobre a qual eu interrogo a consciencia publica. Quer v. exa. saber o que são eleições? Eu o digo. Já fui nomeado uma vez governador civil, e a primeira cousa que me succedeu foi ver-me rodeado de muita gente que queria ser administrador de concelho, e o que allegavam é que podiam vencer as eleições. Eu respondia-lhes que fizessem administração. Eu mesmo não sirvo para isso. Entendo que a eleição deve ser genuina, e portanto não me presto a esses negocios eleitoraes. Quando se trata de eleições, a primeira cousa que fazem os governos é nomear governadores civis e administradores de concelho, e a cousa não fica aqui, porque estes nomeiam cabos de policia que sejam homens seus. Depois d'isto, é necessario dinheiro. Isto é que faz o governo que vae ser julgado.

Sr. presidente, quando o poder se compra e o povo se vende, eu desanimo da salvação da patria. Mas eu estou persuadido que este mal tem remedio. Não é transtornando o recrutamento, não é preterindo um que deve ir pagar esse tributo de sangue, e lançando muitas vezes na miseria uma familia, arrancando do seu seio um filho que lhe é esteio e arrimo, unicamente para servir um influente, que o mal se cura.

Sr. presidente, eu appello para o povo, elle ha de ser o nosso juiz, mas ha de se-lo quando conhecer quem são os homens que lhe fallam verdade, quando elle conhecer a virtude do direito. É o povo quem escolhe os homens que devem decidir dos seus destinos, que hão de lançar as contribuições; mas quando elle se esquece dos seus direitos, esquecendo-se dos deveres que estes lhe impõem, auctorisa tacitamente a prevaricação dos poderes.

Sr. presidente, já é tempo que o povo conheça o que deve a si e o que vale, e que de uma vez se haja contra os abusos do poder; contra os abusos, não direi dos partidos, mas das facções. Bellos foram os tempos da antiga Grecia quando o sacerdocio da tribuna era exercido por um Demosthenes; bellos tempos eram aquelles em que a historia era

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feita por um Herodoto e por um Xenofonte, verdadeiros escravos da verdade, que conscios da sua missão a expunham ao povo; mas se a Grecia teve estes vultos explendidos na tribuna, na historia, nas bellas letras, e até nas artes, teve tambem o seu periodo de decadencia, e esse periodo veiu com o apparecimento dos sophistas, que com a sua contrafacção da verdade excitaram e lisongearam as paixões!

Os sophistas são de todos os tempos, e contra elles não póde deixar de levantar-se um homem, que como eu está acostumado sempre, e em todas as circumstancias, a dizer a verdade, quer ella agrade, quer desagrade, com a independencia que é propria do meu caracter.

Não serão os sophistas que desde muitos annos têem lançado o paiz no estado em que actualmente se acha? Não serão os sophistas da liberdade e do direito que, ora uns ora outros, tem creado tão difficeis situações? São de certo os sophistas da liberdade os despotas, do mesmo modo que o são os que lisongeiam os povos. Os despotas, appellando para o direito divino, querendo governar em nome d'elle, são sophistas da liberdade. Os que lisongeiam os povos, querendo só n'elles reconhecer a soberania, fallando-lhe ás paixões, são da mesma sorte sophistas da liberdade.

Para mim tão prejudiciaes são uns como outros; são ambos sophistas, faltam ambos á verdade; a nenhum presto culto, porque só sou sectario do direito, e esse não póde ter por base senão a justiça e a verdade.

São os sophistas, sr. presidente, que tem desvirtuado o governo constitucional; são elles que nos podem levar aos mais perigosos extremos. Quem acreditaria que esse famoso imperio dos nossos dias havia de cair antes da morte de Bonaparte? E comtudo se não morreu como homem, como politico desappareceu para sempre da scena.

E o que foi que concorreu para a sua quéda? Foram os sophistas, que são o que têem concorrido para a quéda de todos os imperios e de todas as republicas; os sophistas, que levam os povos a dizerem um dia: tendes ido até aqui, mas d'aqui por diante basta.

Quando se fecham as portas da legalidade, abrem-se as portas da insurreição.

Necessito fazer um prologo por ter de recorrer ao passado, porque hoje em dia todos nós e cada um de nós devemos fazer um prologo a cada allusão. Marmontel, quando escreveu o Belisario, arreceou-se logo que alguem se doesse com as suas allusões, e fez um prologo á sua obra para desvanecer toda a idéa de offensa, a fim de que ninguem se escandalisasse; ainda que elle bem sabia que quando alguem se doe é porque está ferido. Sr. presidente, se alguem se queixasse diante de Alexandre Herculano de um mau historiador, ou de um mau advogado diante de Jayme Moniz, nenhum d'elles se poderia offender; se alguem se referisse a um falso economista diante de Oliveira Marreca, com o qual muitas vezes tenho discordado, não podia este cavalheiro sentir-se offendido, nem nenhuma das pessoas que o conhecem poderia julgar que a allusão fosse a elle dirigida; assim como se alguem fallasse de um cobarde diante do duque de Saldanha, isto não podia offender o valente general, acostumado a levar denodadamente á victoria os seus soldados.

Eu vejo aqui em toda esta peregrinação do sr. marquez d'Avila, vejo s. exa. fazer uns poucos de papeis; umas vezes parece-me Cesar, outras vezes Pompeo; porque s. exa., a respeito do sr. bispo de Vizeu, se me afigura na situação em que se achavam estas duas personagens antes da batalha de Pharsalia. Permitta-me pois s. exa. que eu cite certos factos da historia antiga, a fim de fundamentar a minha comparação.

Todos nós conhecemos a historia dos tempos de Cesar e Pompeo; diversos são os escriptores distinctos e notaveis, que, como criticos, fazem a historia da sua vida, de suas proezas e dos seus revezes; entre esses ha mais e menos illustres, mas o que em todo o caso é certo é que ha certos factos, entre uns e outros, que provam que houvera injustiças entre elles, dirá o sr. marquez d'Avila, pelo que tambem lhe tem acontecido já. Assim como o caso que se deu n'aquella epocha entre Lucullo e Scylla, dois generaes contra Mithridates, que Lucullo em pleno senado negou as honras da victoria ao seu collega dizendo: eu é que venci, porque embora vós viesseis, apenas foi para completar a obra! Do mesmo modo se quiz que a nação portugueza procedesse para com o sr. marquez d'Avila e de Bolama; punha se em duvida o titulo de honra que lhe pertencia na questão que s. exa. sustentou habil e tenazmente a respeito da ilha de Bolama; bem fez pois s. exa. allegando com energia a sua justiça, podia com rasão dizer: gloriam meam non dabo alteri! Teve rasão, porque o serviço principal e mais notavel era o que s. exa. tinha prestado. A injustiça é velha; mas a verdade é eterna, e por isso esta cedo ou tarde vem sempre fazer justiça.

Sr. presidente, ia eu dizendo que aquelles dois vultos guerreavam-se, e Pompeo viu que não era conveniente continuar a guerra, e como não havia muitos partidos não teve que fazer viagens em roda d'elles. Catão aceitou, não a pasta, porque n'aquelle tempo não era assim que se chamava a investidura do poder; tinha maior significação e mais realidade.

O modo como se entabolaram as negociações, como se fizeram as pazes, qual foi o preço da concordia, póde verse em Lucano. Isto não trago eu para me referir aos srs. ministros, que não estavam antes em guerra com o sr. marquez d'Avila; mas refere-se á colligação dos partidos. Fez-se a paz, isso é um facto, mas dizia Catão que os males da republica tinham origem, e eram devidos muito mais á concordia dos dois chefes do que á sua inimisade.

Assim digo eu d'esta concordia dos partidos, em que todos respondem amen, amen, e nunca o non possumus.

Esta concordia não me parece tambem que seja proficua; não creio que possa ser duradoura, e por isso a considero antes^ prejudicial, como acontecia no caso de Cesar e Pompeo. É pelo menos o facto, pois antes de Cesar passar o Rubicon, queria tambem captar os partidos, mas depois de assentado nas cadeiras do poder já não era tão benevolente!

No principio concorda-se facilmente e fazem se as colligações, mas quem vence sempre é o mais forte; nas lutas da força está claro que vence o mais forte, nas lutas da intelligencia vence o mais intelligente, e nas lutas da politica vence o mais habil.

Pois, sr. presidente, não é certo que na carreira politica, na carreira administrativa e na carreira judicial podem ter-se adquirido muitas honras e dignidades, sem comtudo se possuir um grande tacto politico?

Eu interrogarei os srs. ministros, perguntando-lhes - vós sois ministros das vossas idéas ou dos vossos interesses? E eu mesmo responderei á interrogação, dizendo que não os considero ministros dos seus interesses, porque desejo fazer-lhes justiça, embora não possa acompanha-los, porque estou em uma posição similhante áquella que occupou um cavalheiro, chamado Bernardo Gorjão Henriques, nas côrtes de 1837.

N'aquellas côrtes havia unanimidade, e o unico homem que fazia opposição era Bernardo Gorjão Henriques! Agora acontece o mesmo; todos estão unanimes em dar apoio ao ministerio, só eu é que estou em opposiçãa ao paiz todo!

Sei que é grande ousadia ficar só em campo, lutando com todos, mas se o sr. marquez d'Avila, quando tiverem decorrido alguns annos, e quando a paixão politica tiver esfriado em s. exa. e no meu animo, se dignar attender-me ainda alguma vez, e fallarmos como criticos e historiadores sobre os factos passados, eu já estou ouvindo s. exa. a dizer-me - v. exa. tinha rasão, mas as circumstancias eram difficeis, e eu prestei um grande serviço ao paiz. E eu faço justiça ampla ao nobre presidente do conselho, dizendo ter a certeza de que esta é a convicção de s. exa.

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Agora emquanto ás idéas do sr. marquez d'Avila, cumpre-me dizer que não sei quaes ellas são, e é justamente sobre este ponto que eu vejo em volta de mim nuvens negras tão espessas e tão densas, que não me permittem chegar ao conhecimento da vardade; recuo, não sei andar. É preciso que uma brisa forte me esclareça os horisontes afastando essas nuvens, e que uma estrella brilhante e uma inteligencia ingente me illumine, para que possa chegar, eu homem publico pequenino e humilde, ao conhecimento da verdade.

Eu, sr. presidente, não me faço cargo de boatos, mas devo avaliar os factos.

Eu li que o sr. presidente do conselho dissera que este ministerio era o mesmo que o outro; mas eu vejo o nobre marquez em tres ministerios; o mesmo qual?

Aconteceu agora o que se verificou em 1842 quando se demittiu o ministerio presidido pelo sr. Joaquim Antonio de Aguiar, que se compunha dos srs. conde de Thomar, Ferreira Pestana, conde de Villa Real, e do sr. marquez d'Avila; formou se depois outro por occasião da restauração da carta, presidido pelo sr. duque de Palmella, e entrou tambem o sr. marquez d'Avila. A politica dos dois era diversa, mas s. exa. acou no ministerio. Agora o sr. marquez d'Avila succedeu ao sr. duque de Saldanha no ministerio, quer dizer, entrou no ministerio que lhe succedeu juntamente com o sr. bispo de Vizeu, que era o chefe, e creio que ainda o é, do partido reformista; e aqui é occasião de dizer que ha muita gente que quer reformas sem estar filiada no partido qae adoptou esta denominação. O sr. marquez d'Avila entrou para o ministerio com o sr. bispo de Vizeu, depois saíu, depois tornou a entrar, de accordo com o sr. bispo, e ficou presidente do conselho; depois saiu o sr. bispo de Vizeu, bem como o sr. Saraiva de Carvalho, o qual, apegar de eu não apoiar o ministerio de que s. exa. fazia parte, tive a felicidade de ver sentar n'aquellas cadeiras e sair depois d'ellas sem a menor quebra na nossa amisade. E s. exa. saiu por causa da nomeação do sr. patriarcha de Lisboa. Tambem antes da batalha de Pharsalia, emquanto Cesar tratava de reunir o seu exercito, disciplina-lo e procurava fornece-lo de munições, occupava-se Pompeo em egular a sorte dos vencedores e vencidos, e em nomear o patriarcha d'aquelles tempos, que era o soberano pontifice da gentilidade. Com essa nomeação comtudo não houve conflicto, porque o patriarcha não chegou a ser nomeado. Pompeo perdeu a batalha, e o patriarcha havia de ser quem o Cesar quizesse.

Ora, a nomeação do pttriarcha é, emquanto a mim, uma cousa importante, porque dou um grande peso ás nomeações dos altos funccionarios da igreja, pela grande e benefica influencia que devem exercer nos povoa; mas parece-me que esta nomeação não devia dar os resultados que vimos. Eu não sei o que houve, mas que houve alguma cousa isso é que não tem duvida. Os jornaes fallaram muito em deslealdade e falta de confiança, mas isso eram contos de jornaes. Não se julgue que neste momento pretendo condemnar a nomeação que foi feita pelo sr. Saraiva de Carvalho; eu respeito muito ambos os illustres candidatos, e approvava de bom grado a nomeação de qualquer d'elles, quer ella recaissa na pessoa do sr. arcebispo de Goa, quer na pessoa do sr. bispo do Algarve, D. Ignacio de Moraes Cardoso, que é um cavalheiro muito distincto, que eu conheço ha muitos annos, e ao qual ninguem de certo nega um subido talento e excellentes qualidades; o que eu pretendo é fazer sentir que, logo que foi feita a nomeação do sr. patriarcha. começou a crise a que talvez se possa chamar patriarchal. Esta nomeação podia porventura ser motivo para uma cries? Parece-me que não. Mas, diz-se - o sr. bispo de Vizeu e o sr. Saraiva de Carvalho, queriam ambos nomear patriarcha á sua vontade. O sr. bispo de Vizeu era unicamente ministro do reino, não era ministro dos negocios ecclesiasticos, podiar nomear só os governadores civis, e o sr. Saraiva de Carvalho, que era o ministro dos negocios ecclesiasticos, é que estava no direito de nomear o patriarcha que entendesse; comtudo isso o sr. Saraiva de Carvalho saiu do ministerio. Como isto foi é que eu não sei, porque não estava nos conselhos da corôa, mas o sr. presidente do conselho é que naturalmente nos ha de dizer como se passaram essas cousas, não com relação á questão politica da nomeação, mas pelas rasões que deram em resultado esta crise.

Ora, quando ha pouco fallei na politica que o sr. presidente do conselho pretende seguir, escapou-me um ponto que eu desejava tocar. Eu desejava perguntar a s. exa. se a politica que adoptou é de muito tempo, ou se é de epocha muito proxima; e se é a reformista. Parece-me que não deve ser esta, por isso que o sr. Saraiva de Carvalho, que pertencia a esse partido, deixou de fazer parte do governo a que presidia o sr. marquez d'Avila e de Bolama. No entanto é este um ponto nebuloso que eu desejava ver esclarecido.

Aconteceu-me n'outro dia ler por acaso um livro escripto em francez, e que é a historia das ordens militares e equestres, no qual vi a historia da fundação da ordem do Elephante, pela qual se vê que é uma ordem tão antiga que não se póde determinar a epocha da sua fundação. Ha muitas cousas antigas, ás quaes se conhece a origem; a esta ordem porém não se conhece: attribue-se todavia a sua fundação a Canuto V da Dinamarca; o que me pareceu tão util, tão consistente e tão importante como a crise a proposito da nomeação do patriarcha. O que se sabe é que aquella ordem foi estatuida, que é nobre, nobilissima, e que só se dá a pessoas distinctissimas. Assim acontece ao ministerio. Não se sabe bem qual a politica do sr. marquez d'Avila e de Bolama, e onde ella se prende, se á politica do sr. bispo de Vizeu ou a outra. Eu não posso perguntar nada ao sr. bispo de Vizeu, porque não é ministro, e mesmo não o incommodei quando s. exa. estava nos conselhos da corôa; mas posso dirigir perguntas ao sr. marquez d'Avila e de Bolama, apesar de estar em opposição a todo o paiz. Póde ser erro da minha intelligencia, que é pequena diante da grande intelligencia do sr. marquez d'Avila e de Bolama, mas como é erro de intelligencia e não de vontade, espero encontrar benevolencia no animo de s. exa. O nobre marquez d'Avila e de Bolama explicar-me-ha qual a politica do ministerio, porque póde ser que eu me converta, sobretudo vendo tanta gente, um exercito tão numeroso, acompanhando o carro triumphal em que o governo ha de percorrer a estrada do progresso n'esta terra. O governo é apoiado pelo sr. bispo de Vizeu, pelo sr. Fontes, pelo sr. Braamcamp, e parece-me que pelo sr. duque de Loulé, apesar de estar doente (riso). Isto é realmente um acontecimento maravilhoso na historia dos povos e nos annaes do governo constitucional. Mas esta paz será duradoura? Estas treguas não se quebrarão? Provavelmente quebram-se; mas lá está o remedio, que é a machina eleitoral, que remedeia tudo. O paiz aceita todas as politicas. É como uma caprichosa dama que no seu amor varia de dia para dia. Hoje o paiz vota no sr. marquez d'Avila e de Bolama, ámanhã no sr. Fontes, no dia immediato no sr. Braamcamp, e depois torna a votar no sr. Fontes porque desgostou se do sr. Braamcamp. Mais tarde apparece o sr. Braamcamp e o paiz vota de novo n'elle; e assim se anda n'esta roda aceitando o paiz todas as politicas, e votando em todos os politicos. Por acaso lá entra um ou outro novel na politica; mas os directores da scena são sempre os mesmos ha muitos annos; e é por isso que eu appello para quando o povo não estiver coacto, quando as auctoridades forem honestas, e finalmente para quando se não procurar sophismar o voto popular. Quando isto se der, então espero que o julgamento se de, e por isso peço o adiamento da causa para ser julgado o sr. marquez d'Avila e de Bolama, e tambem eu, porque nesta causa entra por um lado o nobre presidente do conselho e por outro entro eu como um espirito pequeno, isolado, mas amigo da jus-

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tiça e que deseja um julgamento recto e justo. Confio muito dos juizes independentes. A sentença ha de ser passada em julgado pela chancellaria da opinião publica, e ha de ser contraria ao sr. marquaz d'Avila e de Bolama, e passada a meu favor. Eu faço votos e esforços para que chegue esse dia, e não desanimo, tenho paciencia para presenciar todos estes attentados contra as liberdades populares, todos estes sophismas em prejuizo do povo e em menoscabo da constituição do estado, mas empo virá em que as trevas se dissiparão e a luz brilhar! fulgurante no horisonte da patria. Mas, sr. presidente, eu já estou ouvindo o sr. presidente do conselho fazer-me uma pergunta, á qual vou já responder, e não é só s. exa. a faze-la, é tambem o sr. conselheiro Sá Vargas, visto não estar eu hoje de accordo com s. exa., e melhor é assim. Dir me-hão s. exas. - então qual é a sua politica? Eu vou dizer qual ella é e tem sido sempre S. exas. conhecem-me perfeitamente: entrei na vida publica tomando logar n'esta camara, e sentando-me á ilharga de muitos homens notaveis, taes como visconde de Algés, marquez de Fronteira, conde ds Castro, de Thomar e outros, o meu logar era na extrema direita da camara, e defendia o partido conservador. Tanto o sr. marquez d'Avila, como o sr. Sá Vargas, estavam então commigo, sendo este ultimo senhor o general debaixo de cujas ordens eu militava como soldado; promoveu-me e epois s. exa. a seu ajudante de ordens, cargo que por algum tempo exerci, não sei se bem, se mal; mas as apreciações que por algumas vezes ouvi fazerem se-me, justificavam a minha promoção; defendi pois o partido conservador, que tinha bases e principios definidos; quando se tratou da questão dos vinculos, não desamparei o meu logar, e defendi-os quanto pude; defendi-os sim, e defende-los-ia ainda hoje, se elles existissem, porque não os considerava, nem considero, incompativeis das liberdades publicas, disse-o aqui n'esta casa bem alto, tenho-o dito na imprensa, e já o ditse tambem n'algumas assembléas populares; e nunca reneguei, não escondo o meu passado, do qual não tenho que envergonhar-me; digo-o sem temer um desmentido. Fiquei vencido naquella questão; tive a honra de combater, alem de muitos homens distinctos, o sr. Ferrão, cavalheiro a quem n'aquella epocha, apesar do respeito que lhe devia, não me era possivel acompanhar; mas apesar de tudo não fiquei convencido. Veiu depois a desamortisação, e n'essa occasião tambem tive de combater diversos oradores, e entre elles o mesmo digno par Ferrão. Fiz esforços para não esmorecer na luta; e se não venci, tambem me não convenceram os meus illustres e esforçados adversarios. Vdu depois o codigo civil, tambem entendi que a discussão devia ser ampla, e já que não podia ser por artigos, que o fosse por doutrinas; mas não o consegui, e eu, que tinha apoiado o sr. Fontes, se bem me recordo, durante tres annos, não o pude acompanhar n'aquella occasião. Propugnei por alguns dos principios que faziam parte do credo con servador, que ali eram lacerados; eu desejava conservar es prazos em vidas, que tambem não considero incompativeis com as liberdades publicas, e para prova ahi está a Inglaterra, onde os ha, e é um paiz altamente liberal. Nada consegui, fiquei vencido, sendo acompanhado na minha derrota pelos srs. marquezes de Fronteira e de Ficalho, condes da Ponte e de Cavalleiros; fomos apenas 5!

Entendi pois que o partido conservador tinha morrido, e assim foi. Vi-o espirar, tratei da mortalha, assisti ao seu enterro, chorei lagrimas sobre a sua campa, deplorei o seu passamento, emfim cheguei onde podia e devia chegar um homem leal aos seus compromissos. Havia-me unido a homens que tinham grandes desejos de acertar; e, para que eu não possa dizer senão a verdade, estão-me ouvindo os srs. conselheiros Sá Vargas e general Rego, que tambem se achavam commigo, e, se bem me recordo, tambem estava o sr. visconde de Chancelleiros, que defendeu brilhantemente a questão dos morgados, e com bastante proficiencia.

Aqui se me depara outra testemunhea, e é o sr. marquez de Niza, que se achava no no campo adverso, e...

O sr. Marquez de Niza: - É verdade.

O Orador: - E s. exa. é exactamente uma das testemunhas que eu hei de apresentar no meu rol, que provará em como eu estive sempre no meu posto, que u"nunca desamparei o meu logar. E de s. exa. direi eu, que dou testemunho que no seu campo sustentou valentemente as suas posições. E o sr. marquez de Niza, que me combateu, é testemunha de que eu defendi com ardor esses principios. Hoje porém o partido conservador é uma aspiração.

Como querem sustentar o templo se lhe abateram as columnas? Este partido desappareceu a aprazimento da muita gente que não devia ter com isso regosijo; mas desappareceu. É um facto consummado. Algumas pessoas dizem que está no poder o partido conservador. Mas conservador de que? Se hoje não ha que conservar senão alguna privilegiosinhos, que eu desejaria que acabassem, e que não servem de nada! Eu tambem sou conservador, mas não pertenço ao partido conservador, a que pertencem os srs. ministros; sou conservador porque desejo conservar a ordem social, a religião, que é immutavel, e a que devemos prestar culto, a inviolabilidade da familia e a propriedade. Para isso ha dois meios: um, as instituições fundadas na justiça; e o outro, o exercito, que é necessario para quando se manifestam desordens, porque elle não serve só para a guerra externa, serve tambem para manter a paz interna.

Esse partido conservador em que fallei é hoje apenas uma aspiração, uma recordação saudosa para mim. Não vejo como possam restabelecer-se agora as instituições, ás quaes eu fiz o necrologio. Perguntarei eu: quererá o sr. marquez d'Avila restabelecer os morgados? Quererá restabelecer os prazos? Quererá voltar ao statu quo anterior á lei da desamortisação? Quererá restabelecer uma certa ordem de privilegios que eram necessarios como diques protectores, e condiziam logicamente com essas instituições derrocadas? De certo me responderá que não.

Então o que quer conservar? Eu entendo que a camara dos pares não tem hoje rasão de ser. Isto é uma opinião minha. Hoje a hereditariedade, que só póde ser sustentada com certas condições que já não existem, é illogica e prejudicial.

Falla-se actualmente na reforma da camara dos pares, e eu, que já sustentei a sua conservação como primitivamente fôra instituida, entendo hoje, depois da abolição dos vinculos, que não póde mais ser hereditaria. Abateram as columnas do edificio, não é mais possivel snstenta-lo. Nós hoje devemos ser o partido conservador das liberdades, das isenções, dos fóros populares, fundados na justiça, tendo em vista a historia dos seculos passados, os principios da civilisação moderna e a manutenção da ordem social e da harmonia entre as diversas classes da sociedade. Este partido conservador póde tambem ser partido reformista, pois que para conservar é necessario amputar o que estiver secco ou podre. Quando ha gangrena é necessario cortar a parte affectada, e é preciso muita camphora politica para obstar á gangrena social.

O partido reformista compõe se de muita gente, porque nós que desejâmos o bem publico, queremos reformas largas na administração, que realisem um pensamento liberal; queremos um municipio ricamente dotado, um municipio com poderes, e não uma mystificação de municipio. Eu quero muitas cousas antigas, que eram verdadeiramente liberaes, e que existiam no nosso paiz antes que a lisonja e as ambições viessem tomar o logar da justiça. Eu quero uma reforma vasta na administração, que tire ao poder central o meio de falsear as leis constitutivas do nosso paiz. Quero um poder que fiscalise e não que absorva. Não quero a descentralisação que conduza á anarchia, mas sim a que conduz a radicar n'este paiz a liberdade, filha da justiça. São portanto necessarias reformas muito mais largas do que aquellas que se tem feito até agora. Se eu viesse a esta

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camara quando se apresentasse a reforma administrativa do meu amigo o sr. duque de Saldanha, eu, com a franqueza com que costumo fallar diante de todos os meus amigos e adversarios politicos, diria que não me satisfazia com ella e reprovava muitas de suas disposições. É necessaria a reforma administrativa; é necessario levantar esse estandarte, que é o brado da justiça; é necessario que se reforme a lei do imposto, para que elle seja lançado equitativamente, porque hoje era dia para ser ministro da fazenda não se carece de grandes habilitações. N'isto não me refiro a todos os ministros da fazenda que o têem sido por mais de uma vez, como o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que é muito habilitado e conhecedor das differentes leis dos paizes estrangeiros, nem ao sr. Carlos Bento da Silva a quem faço toda a justiça; mas, repito, que para ser hoje ministro da fazenda basta lançar impostos todos os annos, e dizer - o povo póde e deve pagar mais. O povo póde e deve pagar mais, quando a sua cultura for melhorada e os seus haveres tiverem augmentado; por emquanto porem digo que o povo não póde nem deve pagar mais.

Já eu disse, e foi no ministerio do sr. duque de Saldanha que apoiei, que o povo não deve pagar mais, porque as contribuições não podem ser legalmente cobradas, e então não estranhem os amigos da ordem que eu actualmente repita que o povo não póde nem deve pagar mais, porque, em vista da justiça, elle tem rasão para se negar a pagar mais. Mas o povo indefezo, o povo laborioso, o povo artista, que está na sua modesta casa e modestissima officina, assim como o trabalhador e cultivador do campo, que vive na sua pequena cabana, não tem voz no parlamento nem protecção; o povo trabalha e geme, e só quando chegam as eleições é que o povo é povo; chamam-lhe soberano, e clama-se em todos os tons que é necessario tratar dos interesses do povo, até que passe o dia da eleição, depois d'elle já ninguem se lembra mais do povo. Por isso tambem é que tenho muita repugnancia de entrar em eleições, porque amo sinceramente a verdade, e vejo que n'aquellas occasiões se promettem muitas cousas que não se podem cumprir de maneira alguma, e outras que se não querem cumprir.

Esta minha linguagem é talvez severa, mas parece-me que não tenho offendido ninguem, porque tenho discursado sobre a archeologia dos partidos, e tenho tratado das leis que sustentam a sociedade, seguindo as regras da dinamica e da estatica que aprendi ha muitos annos quando estudava, com pouco aproveitamento, as sciencias naturaes. É pelo exame que tenho feito e faço da historia e dos principios, que, apoderando-me dos factos, e mostrando o meu respeito pelos principios, em vista d'elles tenho apresentado ao governo as rasões e motivos por que não posso acompanha-lo na sua marcha. Não costumo acompanhar ninguem sem saber para onde me querem levar, e sem examinar quem são as pessoas a quem hei de acompanhar. É necessario que eu saiba qual é o logar seguro onde ha de parar o nosso trajecto, e como o não vejo, não sigo os srs. ministros, nem elles podem querer que eu passe mais alem.

Sr. presidente, ve s. exa. o sr. marquez d'Avila e de Bolama, que eu não acredito que os partidos possam permanecer n'este estado de atonia, porque é da condição e da essencia dos mesmos moverem-se; é isso uma lei do progresso a que todos estão obrigados, como é da sua dignidade defenderem os seus principios.

Julgará o sr. presidente do conselho que os partidos são agglomerações de homens unicamente em busca do seu interesse? Não posso acreditar similhante cousa, e devo crer apenas que s. exa. errou, assim como creio que se ha de arrepender do seu erro; mas já tarde infelizmente para o paiz, porque a crise tem sido violenta, a doença é profunda, e o remedio deve ser prompto para ser proficuo.

Sr. presidente, não sei se mereço o nome de reaccionario ou o de revolucionario apresentando estas idéas. Tenho recebido como partilha em diversos inventarios o epitheto de reaccionario por defender a liberdade de associação ampla e completa como eu a defendi n'esta camara ha muitos annos. Como depois defendi o principio da manutenção dos fóros do povo, aqui d'el-rei! que é revolucionario. Pois não sou nem uma nem outra cousa. O que desejo é radicar certos principios, e que se estabeleça um governo firmado n'elles, que proceda com energia, força e decisão para os manter. Essa utopia, em que ninguem póde crer, do estabelecimento do reinado completo da virtude, é uma cousa impossivel, assim como acabar com os exercitos e com a marinha. Ha de haver sempre exercitos. Dizia o conde de Fiquelmont, e dizia bem: um paiz que descura do seu exercito tem em si o germen da discordia e da dissolução. É necessario reformar o exercito, colloca-lo de modo que corresponda ao seu mister; mas destrui-lo, mas desorganisa-lo, não. Temos muito boa gente no nosso exercito, gente que sabe manter os deveres da disciplina e ao mesmo tempo conhecer os seus deveres de liberaes; devemos aproveitar estes bons elementos. Não direi mais nada sobre este ponto, nem farei perguntas ao sr. ministro da guerra, porque sei que s. exa. já prometteu n'este sentido alguma cousa; e confio na sua illustração e na sua intelligencia. S. exa. sabe que eu sempre prestei culto ao seu caracter e á sua honradez; portanto não insistirei n'este ponto, nem mesmo se trata agora d'estas reformas especiaes, mas do principio geral das reformas e da politica do ministerio; e é sobre ella que eu desejo que o sr. presidente do conselho me de explicações.

Sr. presidente, este ministerio não é conservador antigo, é outra cousa. Quaes são as suas idéas ninguem o póde dizer melhor que o sr. marquez d'Avila e de Bolama. Estou persuadido que s. exa. ha de responder ás minhas perguntas. Depois, como já disse, terei de replicar, e talvez s. exa. de novo falle, e terei emfim de me calar, porque os advogados teem um limite para a discussão. Depois seguem-se os tramites do estylo até ao final julgamento. Não acredito que esta causa possa ser julgada hoje. Provavelmente alguns outros membros da camara, mais dignos e mais conspicuos, hão de tomar a palavra, illustrar a materia e fallar a favor do povo, que somos todos nós.

Sr. presidente, não sei o que hei de pedir ao governo antes da sua resposta; o que posso dizer pela minha parte é que eu espero trabalhar com todos os meus amigos para que se possa apresentar ao publico, por parte dos homens que estão na opposição, trabalhos que signifiquem uma larga reforma que, tanto quanto ser possa e caiba nas forças humanas, procure prevenir o sophisma das leis, promover, como nos paizes mais cultos, a realisação da liberdade do ensino e da associação, o que é, quanto a mim, de instante necessidade. Mas, poderá objectar-se, quereis dar ao mal os mesmos fóros que ao bem? Não.

Eu tenho dito, não só n'esta casa, mas diante de alguem que me está ouvindo, e que trabalhou commigo na imprensa, que confio tanto na verdade e na justiça, que a hei de ver sempre triumphar do erro; mas para que isto se realise é necessario que haja liberdade, mas a liberdade que importa responsabilidade, porque justiça e liberdade sem responsabilidade não as comprehendo.

Ora, sr. presidente, assim como se eliminou a censura previa para os trabalhos intellectuaes, tambem não quero censura previa para a associação, nem tão pouco quero de modo nenhum censura previa para a instrucção, mas sim a responsabilidade a par da liberdade de reunião, assim como a responsabilidade a par do direito do ensino livre. Sobre este assumpto hei de mais largamente dissertar, e por essa occasião apresentarei aqui documentos, relatorios e extractos de discussões em que tomaram parte homens distinctissimos, que partilham completamente estas minhas idéas; homens que não podem ser taxados de reaccionarios no sentido que vulgarmente se dá á palavra, mas que são de facto reaccionarios a favor da liberdade, desejando alargar a esphera da intellectualidade, radicando nas gerações fu-

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turas o amor da sua ierra e a verdadeira fraternidade que deve ligar e estreitar intimamente os povos. Não aquella fraternidade que existe de individuo para individuo em uma nação, mas aquella de que falla o grande pensador, que disse: "Eu não possuo essa fraternidade que tem por limites uma fronteira? mas a que se estende á humanidade". Estes sentimentos é que nós devemos incutir aos povos, para que certos erros se não repitam, erros que ensanguentam e enlutam as sociedades, e que muitas vezes tem por causa um capricho ephemero ou uma mentira.

Sr. presidente, são estas as considerações que se me offerece fazer com respeito á politica interna; com relação á externa, tenho tambem de passagem de fazer uma observação sobre um acto do sr. marquez d'Avila como ministro dos negocios estrangeiros.

Nomeou-se uma embaixada extraordinaria para ir cumprimentar o principe, que ora se senta no throno de S. Fernando pelo voto da ultima camara de Hespanha. Sobre este facto eu desejo fazer algumas considerações.

Nós temos em Madrid um ministro, que é o sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, mas dizem me que pediu uma licença...

Uma voz: - Não pediu, não senhor.

O Orador: - Mis quer pedisse, quer não, já tinhamos por sua intervenção reconhecido o actual monarcha que preside aos destinoe da Hespanha, e isso bastava, parecia-me a mim. Mas, não; o sr. marquez d'Avila não podia passar sem mostrar o seu regosijo pela elevação d'aquelle principe ao throno de Hespanha. In hoc non laudo.

Admira-me como s. exa. não mandou tambem uma embaixada a Roma para cumprimentar o principe Humberto, que n'essa cidade é presentemente logar tenente de seu pae o rei de Italia; e assa embaixada tambem ali encontraria o sr. conde de Thomar, igualmente nosso embaixador, mas só acreditado junto do Santo Padre. O principe Humberto tambem é irmão da Rainha a Senhora D. Maria Pia, e isto seria congratularmo-nos com todas as victorias da casa de Saboya.

Isto seria tambem reconhecer o facto; mas alem de reconhecer o facto era mostrar um grande regosijo: é o que acontece com a embaixada de Hespanha. Pois eu, seja qual for o facto, não reconheço a necessidade de se mostrar esse regosijo.

Excellentes pessoas estão nomeadas para essa embaixada; nem eu tenho nada com os individuos, fallo só do acto praticado pelo sr. ninistro dos negocios estrangeiros. S. exa. dirá que estava no seu direito; e eu direi que se o uso do direito tem sido sempre respeitado pelos povos, o abuso do direito nunca o foi; pois succede que os povos depois por uma qualquer aberração pedem contas até aos monarchas.

Porém eu já estou ouvindo o sr. marquez d'Avila dizendo-me: ninguem devia extranhar este acto do governo, e muito menos o digno par, por pertencer a uma familia das mais antigas da nobreza do reino. E eu responderei que d'antes não havir, esse uso. Não era necessario festejar por este modo a conquista do throno de uma Rainha que nós já aqui festejamos. E demais, eu não sei de nenhuma nação que tivesse mandado uma embaixada extraordinaria para festejar um facto d'esta ordem. Somos nós os primeiros, e não creio çue isso esteja muito de accordo nem com as idéas monarchicas de s. exa., nem com as tradições de uma nação monarchica como é a nossa. Bastava reconhecer o facto.

Ora, supponhamos que não está muito tempo de pé aquelle throno, que se está vendo vacilante, e cáe este rei. O sr. marquez d'Avila e de Bolama, se lhe sobrevivem no ministerio, manda comprimentar o soberano que succeder ao actual? Quer o faça, quer não, pergunto eu quaes poderão ser as consequencias para a dignidade e os interesses legitimos de Portugal?

O sr. marquez d'Avila e de Bolama acha agora ao novo rei de Hespanha todas as qualidades de valente, intrepido, desinteressado; se ámanhã um capricho da multidão fizesse ali apparecer um outro rei, como por exemplo o principe Leopoldo de Hohenzollern, que já foi indigitado para chefe d'aquella nação, s. exa. mandava logo outra embaixada, e depois, provavelmente, responderia dizendo: Pois então não se sabe que é um parente da Senhora D. Estephania? Isto faz-se assim, porque, sendo parentes dos nossos réis, entendemos que estes comprimentos se devem effectuar.

Eu declaro, porém, sr. presidente, que não me parece que seja boa politica a seguir-se pela nossa parte. Acho que devemos manter as melhores relações com a nação vizinha, que devemos por todos os meios procurar equiparar os dois paizes, manter as boas relações, não só politicas, mas tambem commerciaes, nunca porém me póde parecer que seja conveniente e necessario fazer-se uma embaixada extraordinaria apenas para ir fazer comprimentos! Eu ao menos pediria o adiamento d'ella até ver se os negocios ali estavam mais bem afigurados.

Como quer que seja, uma embaixada n'estes termos em que se destina, não me póde parecer em caso algum cousa muito sensata. O que eu sei é que por bastante tempo se andou ali procurando por toda a parte um rei, até que foi encontrado este, e desde logo se julga necessario enviar uma embaixada para o ir comprimentar! Se fosse republica, naturalmente não se faria o mesmo; quer-se a democracia, mas não a official.

Do que eu faço votos n'estas incertezas e n'esta ordem de cousas é, que os réis e os povos, uns e outros se compenetrem bem da necessidade de manter a ordem e estabelecer principios que a todos dêem as garantias precisas para o bom regimen da sociedade, para a paz da Europa e o socego de todos, que tanto é preciso que succeda a uma epocha de luto e de tantas desgraças, que o mundo está cheio de terror e espanto.

Eu preciso, sr. presidente, de explicações sobre todos estes pontos que tenho tocado, embora este meu longo e largo arrasoado não tenha agradado, embora s. exa. ache que eu em relação ao homem publico e homem politico fui severo nas minhas apreciações; que o fui em relação á politica não ha duvida, não porque deixe de respeitar o homem em particular, e de respeitar mesmo a s. exa. como politico em tudo que são negocios de honra; mas o que é tambem verdade é que eu não desejava presenciar certos epilogos n'uma administração do sr. marquez d'Avila e de Bolama; faço os meus mais sinceros votos para que s. exa. não feche a sua carreira politica dando passos como os que tem dado ultimamente.

Disse s. exa. um dia aqui, estando assentado num dos logares dos bancos superiores ao meu, que não estava resolvido a ser mais ministro! Ora isto realmente é o que todos nós temos ouvido muitas vezes aos que têem servido nos ministerios, e depois de sairem do gabinete dizem sempre que não hão de entrar outra vez, até que occorrem circumstancias que os fazem aceitar de novo; e tudo em sacrificio da propria pessoa, e em beneficio do povo, votando este por isso a camara que ha de apoiar o governo, pois para o fazer se lhe indicam quaes são os juizes que ha de eleger para julgarem o mesmo governo, e depois das eleições, quando suppõem que trouxeram á camara uma grande maioria, vêem-se derribados do poder dentro de muito pouco tempo.

Foi isto que succedeu ao sr. marquez d'Avila quando em janeiro de 1868 surgiu á frente de um ministerio que devia representar uma certa ordem de principios e de reformas. S. exa., que não tinha entrado na chamada revolução janeirinha, achou-se de repente no ministerio com o sr. José Dias Ferreira, que é um talento, e que, se o sr. marquez d'Avila se demorar no ministerio, ainda o ha de ter por collega, porque estando s. exa. sempre prompto para compartilhar do poder com os seus inimigos politicos, não admira nada que deseje ter ao pé de si o sr. José Dias Fer-

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reira, que é seu amigo e que de certo hade ter vontade de ajuda-lo. E, se para isto acontecer, for preciso consultar o paiz, elle naturalmente ha de manifestar-se a favor da politica do sr. marquez d'Avila, que conversa sempre com os collegas depois de entrar para o governo em logar de ter as conversas antes, para evitar o que ha pouco aconteceu, que foi a saida dos srs. bispo de Vizeu e Saraiva de Carvalho.

Eu estimei muito que saisse do ministerio o sr. Saraiva de Carvalho, porque sou seu amigo, e faço justiça ao seu talento e intenções; e estou convencido que de s. exa. póde dizer-se o que o maior capitão deste seculo dizia dos seus officiaes em quem reconhecia merito: c'est un commandant qui commandera. O sr. Saraiva de Carvalho pelas suas idéas e pela grande intelligencia que possue, ainda ha de prestar muito bons serviços ao paiz.

Mas, como havia grandes divergencias no ministerio, a que s. exa. ultimamente pertenceu, como eu já tinha prophetisado n'esta camara, pois me parecia extraordinaria a alliança do sr. bispo de Vizeu com o sr. marquez d'Avila, declarou-se a luta e venceu o sr. presidente do conselho, saindo dos conselhos da corôa o sr. Saraiva de Carvalho.

Eu estimei muito isto, como já disse, porque sou amigo de s. exa., e como confie muito na sua intelligencia, agradou me muito a sua saida, porque não queria que elle saisse do ministerio podendo se dizer que não tinha feito nada. Assim saiu a horas, e não só conservou o seu bom nome, mas deixou-nos ainda com esperanças de que poderá ser util ao paiz.

Portanto, vejo qne a politica do sr. marquez d'Avila tem sido condemnada e approvada tantas vezes, e em tão pouco tempo pelo povo, que não sei como me hei de decidir.

Temos o partido reformista, o partido regenerador e o partido historico, e outros que se mencionam só pelos nomes dos individuos que os dirigem; isto é, temos tambem o partido do sr. duque de Saldanha, o do sr. marquez de Angeja, o do sr. José Dias Ferseira, e o do sr. marquez d'Avila, apesar de s. exa. dizer que não tem partido. Pois um homem sem partido póde porventura dirigir os destinos e a politica de uma situação? É necessario que a sua importancia seja muito grande, e que seja grandissima a vastidão dos seus conhecimentos, para que um cavalheiro que não tem partido possa entrar para todos os ministerios e com todos os partidos! É uma cousa extraordinaria! Isto não é censura ao caracter de s. exa., longe de mim pensar em tal; mas é censura ao erro politico, em que se acha, de querer estar quas sempre no ministerio, seja com que partido for. Eu preferiria que o sr. marquez d'Avila fundasse um partido seu. Muitas vezes tenho eu tido occasião de dizer a s. exa., que sendo um cavalheiro cujas excellentes qualidades e rigidez de caracter são incontestaveis, sendo mesmo um dos homens mais respeitaveis que eu conheço, e digo isto com toda a franqueza, sinceridade e independencia, porque nada tenho a esperar de s. exa., nem agora nem nunca; não posso explicar como o nobre presidente do conselho não tem procurado criar um partido inteiramente seu. Se o fizesse, então prestava um verdadeiro serviço ao seu paiz. S. exa. podia reunir os seus amigos politicos e particulares, que os tem bons, alguns dos quaes eu conheço e d'elles sou amigo, e formar um par tido, hastear uma bandeira, mas uma bandeira em que inscreva um mote que seja aceito pelo paiz e realisado pelos homens que o inscreverem. Era isto que eu desejava ver fazer a s. exa., porque o nobre presidente do conselho tem todas as condições para ser um bom chefe de partido. A rigidez do seu caracter, vastidão dos seus conhecimentos, respeitabilidade da sua pessoa, tanto n'este paiz como fora d'elle, davam-nos o direito de acreditarmos que poderia, se não commettesse alguma leviandade ou algum erro, prestar bons serviços a este paiz. E era então que eu desejava ver com o nobre presidente do conselho, fazendo parte do gabinete, o meu amigo o sr. Sá Vargas, cuja entrada para o ministerio eu lamento que se realisasse nas actuaes circumstancias. S. exa., a cuja, amisade e benevolencia estou costumado, é um cavalheiro distincto que já por duas vezes se sentou nos conselhos da corôa, e é para lamentar que n'esta occasião entrasse novamente para elles, por isso que não póde prestar na presente conjunctura os serviços que d'elle o paiz tem direito a esperar.

Peço pois, em resumo e como epilogo do meu discurso, desculpa á camara de a ter fatigado com as minhas palavras, mas creia que não tenho de lhe pedir desculpa por offensas contra ninguem. Avaliei a situação politica do paiz, apreciei os principios, mas saimos todos da luta sem que gotejasse sangue. Pedia tambem ao sr. presidente do conselho que me dissesse em curto summario qual a politica que s. exa. pretende seguir; que me dissesse se adopta o principio da liberdade de ensino, especialmente do ensino primario, se adopta o principio de liberdade de associação e se quer estabelecer a ampla descentralisação, dando todo o poder e lustre ao municipio, transferindo do poder central muitas cousas que devem, em vista dos principios da civilisação moderna, pertencer aos municipios. Desejo saber se nós devemos continuar a esperar que todo o systema financeiro se resuma em crear inscripções, e para sustentar este systema fazer eleições viciando a uma e praticando todos os actos que dão em resultado a desconfiança de todos nós. Desejo saber unicamente se o systema financeiro se limita a augmentar todos os annos os tributos sem ter primeiro procedido a um estudo das forças do paiz, e continuando ao mesmo tempo a divida fluctuante com pequena differença e alteração.

Esta divida é o cancro d'este paiz; e d'elle se resentem as classes operarias, porque se deixa de edificar e de applicar os capitaes ás industrias. Qual é o homem que vae edificar uma propriedade que rende 3 por cento, tendo dinheiro na gaveta com o qual póde obter 8 e 10 por cento nas transacções do governo? É uma verdadeira calamidade a divida fluctuante! Sei que s. exa. ha de dizer que não se póde repentinamente destruir o deficit. Seguramente que não, mas ao menos n'esta parte explique s. exa. se tenciona continuar n'este systema, ou se tenciona caminhar verdadeiramente na estrada do progresso sendo um protector do povo, como devem ser sempre os ministros, e não algozes d'elle; pois é ser algoz do povo cercear-lhe todas as fontes de riqueza que o alimentam, e subjuga-lo debaixo do peso da auctoridade, que não é fundada na justiça, sobretudo quando os que estão subjugados não têem meios de resistir.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama, alem de outros pontos, reserva-se tratar da questão da educação e instrucção publicas, quando vier a lume o projecto de que eu tenho ouvido fallar. De muitos se tem fallado, mas ha certas bases em que deve assentar qualquer reforma a este respeito, que seja feita com animo de acertar. S. exa. conhece a historia da instrucção publica desde os tempos mais remotos, e espero que me de algumas explicações. Eu desejo que o nobre ministro me explique a sua politica em geral; tambem que s. exa. me explique a significação da embaixada que vae compriraentar o actual chefe d'estado da Hespanha. Com estes pedidos, que espero que s. exa. me satisfará, com estes principios que enuncio, com estas reservas que faço, fica a minha consciencia tranquilla, embora só desacompanhado completamente e agourado talvez n'este momento, ceio virá a hora em que se dissipem as trevas, triumphe a verdade, e se agrupem todos em volta do estandarte que representa essa mesma verdade; e espero-o confiado na Providencia, porque o desengano vae-se apoderando dos espiritos e a luz espargindo-se e diffundindo se por tal modo, que não ha de tardar muito que os homens, desenganados dos ruinosos systemas, caminharão seguindo a bussola da verdade, e acompanhando o estandarte da justiça, e arrancando dos pulsos os grilhões que fazem gemer, entrem na posse da verdadeira liberdade. Então o sophisma ha de ser destruido, e depois de feito o funeral de todo

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esse systema, sobre as ruinas dos preconceitos levantar-se-ha o estandarte da esperança, da justiça, que é o estandarte da patria.

Tenho dito.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, eu desejo unicamente pedir á camara, que convenha em que esta discussão continue na proxima sessão. O digno par, o sr. marquez de Vallada, já prometteu que me daria a replica, e no adiantado da hora em que estamos é impossivel que a sessão possa continuar hoje. E outrosim pedia a v. exa. que mantivesse a sua resolução de dar sessão para quarta feira, porque ámanhã não póde o ministerio comparecer, se porventura houver sessão.

O sr. Marquez de Vallada: - Tenho a observar a v. exa. que não me é possivel comparecer á sessão na quarta feira, porque fui intimado para ir n'esse dia á Boa Hora como testemunha n'uma causa; e eu portanto pediria a v. exa. que desse sessão para outro dia posterior á quarta feira. Aproveito a occasião de me achar com a palavra para pedir tambem a v. exa. que consulte a camara sobre se me concede licença para ir servir de testemunha como disse, e sirva este meu pedido vocal, se porventura não tiver ainda chegado o pedido nas formulas do costume feito pelo respectivo juiz de direito.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Tenho a dizer ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que o pedido a que s. exa. acaba de referir-se? ainda não se acha sobre a mesa.

Consultada a camara sobre o pedido do digno par, o sr. marquez de Vallada, foi-lhe concedida a licença.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será então na proxima sexta feira, sendo a ordem do dia a continuação do incidente levantado hoje pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, e a apresentação de pareceres de commissões.

Está fechada a sessão.

Eram quatro horas e cincoenta minutos da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de março de 1871 .

Os exmos. srs. - Conde de Castro; Marquezes, de Vallada, d'Avila e de Bolama, de Niza, de Fronteira; Condes, das Alcaçovas, de Rio Maior, da Ponte, de Cabral, de Cavalleiros, de Linhares, de Podentes, de Sobral; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Cancelleiros, de Fonte Arcada, de Monforte, de Soares Franco; Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Barreiros, Margiochi, Braamcamp, Pinto Bastos, Pestana, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Mello e Carvalho, Franzini, Fernandes Thomás.

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