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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 6

EM 17 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Ministro da Marinha, em seu nome e em nome do seu collega da Guerra, manda para a mesa duas propostas que tendem a permittir que alguns Dignos Pares possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as que desempenham nos mesmos Ministerios. São approvadas. - O Sr. Presidente do Conselho envia para a mesa uma proposta identica com relação ao Ministerio do Reino. E tambem approvada. - O Digno Par Sr. Campos Henriques chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para o facto de se não ter ainda posto a concurso o preenchimento da vaga de secretario da Camara Municipal de Oliveira de Azemeis. Responde ao Digno Par o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Sr. Luciano Monteiro requer que seja aggregado á commissão de agricultura o Digno Par Sr. Rebello da Silva. Este requerimento é approvado. - O Digno Par Sr. José de Azevedo manda para a mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros sobre os actos praticados ou a praticar, no intuito de investigar das machinações de descredito contra a nossa soberania na costa occidental de Africa por parte do Estado Livre do Congo. Em seguida dá conta á Camara de um bilhete postal que recebeu, e em que se allude ao que dissera, em uma das passadas sessões, sobre o facto de varios marinheiros da armada se terem encorporado no cortejo funebre de Heliodoro Sallgado. A nota de interpellação é expedida.- O Digno Par Sr. Francisco José Machado refere-se á necessidade de melhoramentos a introduzir no Hospital Real das Caldas da Rainha, e conclue mandando- para a mesa requerimentos pedindo esclarecimentos pelo Ministerio do Reino. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho.- O Digno Par Sr. Mendonça Cortez justifica as suas faltas ás sessões d'esta Camara. - O Digno Par Sr. Rebello da Silva apresenta diversas considerações tendentes a mostrar a conveniencia de se desenvolver a hydraulica agricola. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Visconde de Monte São manda para a mesa alguns requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Guerra e do Reino, e refere-se depois á adjudicação do Theatro de D. Maria II. - O Digno Par Teixeira de Sousa manda para a mesa um requerimento pedindo esclarecimenmentos pelo Ministerio do Reino. - Responde ao Digno Par Visconde de Monte São o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Sebastião Baracho insta pela remessa de varios documentos que pediu. Responde ao Digno Par o Sr. Presidente do Conselho.

Ordem do dia. - Continuação da discussão do incidente a proposito dos acontecimentos de 4 de maio. Usam da palavra o Digno Par José de Alpoim, o Sr. Presidente do Conselho, novamente os Dignos Pares José de Alpoim, Ernesto Hintze Ribeiro e João Arroyo. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão o Sr. Presidente do Conselho, Ministros da Marinha e dos Negocios Estrangeiros.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 35 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officios do Ministerio do Reino satisfazendo em parte a um requerimento do Digno Par Sr. Baracho.

Á secretaria.

Officio do Ministerio da Fazenda satisfazendo um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Sr. Presidente: mando para a mesa duas propostas de accumulação; uma do Ministerio da Marinha, outra do Ministerio da Guerra.

Leram-se na mesa e foram approvadas as propostas que são do teor seguinte:

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões dependentes d'este Ministerio os Dignos Pares:

José Adolpho Mello e Sousa.
Luciano Affonso da Silva Monteiro.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 17 de outubro de 1906. = Ayres de Ornellas de Vasconcellos.

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possa accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as da commissão que exerce dependente d'este Ministerio o Digno Par Francisco José de Medeiros.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 17 de outubro de 1906. = Ayres de Ornellas da Vasconcellos.

Identica com respeito ao Ministerio da Guerra.

Officiaes de differentes situações, membros da Camara dos Dignos Pares do Reino:

Sua Alteza o Serenissimo Infante D. Affonso, general de divisão honorario.

Conde de Bomfim, general de divisão.

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78 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Francisco Maria da Cunha, general de divisão do quadro de reserva.

Manoel Affonso de Espregueira, general de divisão do quadro de reserva.

Luiz de Mello Bandeira Coelho, general de divisão do quadro de reserva.

Visconde de Monte-São, general de divisão do quadro de reserva.

Carlos Augusto Palmeirim, general de divisão reformado.

Luiz Augusto Pimentel Pinto, general de divisão.

Manoel Raphael Gorjão, general de divisão.

Sebastião de Sousa Dantas Baracho, general de brigada.

José Estevam de Moraes Sarmento, general de brigada.

José Alves Pimenta de Avellar Machado, general de brigada.

Duque de Loulé, general de brigada reformado.

Marino João Franzini, general de brigada reformado.

Marquez de Avila e Bolama, general de brigada.

Sebastião Custodio de Sousa Telles, general de brigada.

Thomás de Sousa Rosa, coronel de cavallaria.

Henrique Baptista de Andrade, coronel de infantaria.

Conde de Arnoso, tenente-coronel de engenharia.

Antonio Eduardo Villaça, tenente-coronel de engenharia.

Francisco Felisberto Dias Costa, tenente-coronel de engenharia.

Francisco José Machado, coronel de artilharia.

Conde de Tarouca, major de cavallaria.

Ayres de Ornellas de Vasconcellos, capitão do serviço do estado maior.

Fernando Larcher, capitão de cavallaria.

Theotonio Octavio de Ornellas Bruges, capitão de infantaria. = Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto.

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: mando tambem para a mesa uma proposta de accumulação.

Leu-se na mesa, e foi approvada? a proposta, que é do teor seguinte:

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria autorização para que possa accumular, querendo, as funcções parlamentares com o serviço da Universidade de Coimbra o Digno Par do Reino Dr. José Joaquim Fernandes Vaz.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 17 de Outubro de 1906. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco

O Sr. Campos Henriques: - Sr. Presidente : pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho para um assumpto de administração, e pedir-lhe as providencias devidas.

Ha mezes falleceu o secretario da Camara Municipal de Oliveira de Azemeis, e desde logo se resolveu prover esse logar por concurso, para o que se pediu a devida auctorização. São volvidos mezes e ainda até hoje não foi concedida. Como d'este facto resulta inconveniente para o serviço publico, eu chamo a attenção do Sr. Ministro do Reino para o assumpto.

Estou convencido de que a demora não pode attribuir-se a S. Exa., nem tão pouco á repartição a que o as sumpto está affecto. Essa demora será talvez proveniente do governador civil não ter mandado a copia da acta da deliberação.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (João Franco Castello Branco): - Não me parece que o pedido a que se referiu o Digno Par esteja demorado por culpa da repartição a quem o negocio está affecto.

O chefe dos serviços de administração civil, Sr. Conselheiro Arthur Fevereiro, é um dos empregados mais zelosos do Estado e fiel cumpridor dos seus deveres. Entretanto, tratarei de dar cumprimento á lei.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para propor que seja aggregado á commissão de agricultura o Digno Par Sr. Rebello da Silva.

Foi approvado.

O Sr. José de Azevedo: - Sr. Presidente : pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte nota:

(Leu).

Desejo com urgencia tratar esse assumpto, aqui, e peço licença á Camara para justificar a urgencia, embora o não trate agora.

A administração internacional do nosso paiz, á parte alguns momentos de lucidez, tem estado desde bastante tempo apagada, ou melhor, tem sido por vezes antipatriotica e imbecil.

Ha 20 annos realizou-se a famosa conferencia de Berlim, na qual se versaram assumptos africanos, que determinaram para Portugal um golpe bem funesto aos seus direitos historicos e á soberania dos seus dominios coloniaes.

Para essa conferencia trabalharam largamente interesses importantes, intrigas, e a acção d'alguns soberanos estrangeiros.

Portugal foi para a Conferencia inteiramente desarmado de allianças e
apenas levava na bagagem de seus Ministros Plenipotenciarios os pergaminhos historicos em que estribava os seus direitos. Os resultados foram os que se deviam prever.

A conferencia determinada pelos calculos do Rei da Belgica foi nociva para Portugal, que n'essa hora de angustia se viu desacompanhado da sua velha e tradicional amiga, a Inglaterra, e apenas encontrou a seu lado a benévola attitude do Governo Francez.

Hoje os tempos mudaram; annuncia-se para breve uma nova conferencia em Berlim, ou em outra qualquer parte, para se voltar a tratar dos negocios africanos e dos direitos do Estado Livre do Congo que caiu em descredito, especialmente perante os patriotas inglezes.

Portugal está destinado, se porventura for imprevidente, a pagar as custas d'esta nova conferencia, d'este novo processo, e hoje, no actual momento, Portugal está correndo um grave perigo nos seus interesses, se por parte do Governo Portuguez se não oppuzer uma acção razoavel, forte, energica e tenaz.

Quando o Governo progressista, n'uma das gerencias passadas, foi convidado a tomar parte na conferencia de Bruxellas, para se tratar da prohibição do consumo de alcool na Africa Occidental, com uma imprevidencia notavel e censuravel, o Governo Portuguez adheriu ás resoluções d'essa conferencia, e não ha a estranhar essa imprevidencia do Governo Portuguez, quando ella foi sobretudo explicada ou pelo menos justificada pelo silencio dos interessados sobre o assumpto. O resultado foi que, tendo Portugal adherido ás resoluções da conferencia, teve occasião de ver na sua administração colonial que tinha morto uma das principaes receitas da provincia de Angola, e que tinha assassinado a industria agricola, que começava a prosperar.

Então lançou-se no caminho da sophisticação administrativa, o que de nada serviu para remediar o mal que teria remediado se não tivesse adherido a essa conferencia.

Hoje Portugal está representado n'uma nova conferencia para tratar d'este assumpto, e eu espero que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros dará conta ao Parlamento das instrucções que de" ao seu representante e que por forma alguma adherirá ás resoluções da conferencia, sem que primeiramente o Parlamento seja ouvido e discutidos os interesses do paiz. Por hoje nada mais digo sobre este ponto; mas o que disse parece-me ser o bastante para justificar a urgencia da minha nota de interpellação.

Consinta a Camara que eu trate agora de um segundo assumpto, para

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não abusar era outra occasião da sua paciencia. Este assumpto é pessoal.

Hoje, pelo correio, tive a honra de receber este bilhete que diz o seguinte:

(Leu).

Não note V. Exa. nem note a Camara que eu venha responder aqui a este amavel, quanto cruel bilhete. Não sendo jornalista de profissão, e não tendo outra tribuna onde me faça ouvir, não posso responder a este anonymo senão aqui, onde porventura elle me ouve.

Não, gentil anonymo, tu não sabes o que dizes. Eu não denunciei, eu não fui um delator, porque a delação importa inconfidencia; apenas citei um facto de importancia, não o contesto, talvez desagradavel, mas que era do dominio publico; e, se os jornalistas a elle não fizeram referencias, não foi o seu silencio até o ponto de não publicarem photographias onde se viam as fileiras marciaes dos marinheiros que iam n'aquella piedosa manifestação.

Não comprehendo a furia d'este gentil anonymo, e digo gentil, porque, como a Camara viu, o bilhete está escripto com uma cortezia que não é de desagradecer.

O acto praticado por aquelles marinheiros, porventura por aquelles que me condemnaram, ou é meritorio ou censuravel. Se é meritorio, eu não devo incorrer em penalidade perante estes sectarios, amigos do anonymo, pelo facto de ter vindo aqui narrar e dar testemunho d'esse acto meritorio; se o acto é censuravel, ainda a mim me devem agradecer por ter vindo ao Parlamento dar conta do facto, porque, sabendo que praticavam um acto censuravel, estavam decerto previamente dispostos a soffrer as consequencias d'elle, e nada ha mais grandioso, mais em harmonia com os ideaes de tantissima gente, do que o sacrificio para esses mesmos ideaes.

Mas, seja como for, eu acceito resignado a responsabilidade do meu procedimento, e, se porventura isso me é possivel dizer aqui, affirmo que quando chegar a hora da execução, estarei prompto a soffrel-a, exclamando como um personagem historico, em face do pelotão que o ia fuzilar: "Pointez juste, mes enfants". Mas, se não for esse o genero de liquidação que me preparam, só peço uma cousa: é que me previnam do sacrificio que me destinam.

Leu-se na mesa a nota de interpelação que é do teor seguinte:

Desejo interpellar o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros sobre os actos praticados ou que tenciona praticar o Governo Portuguez para inutilizar as machinações de descredito e as tendencias contra a nossa soberania na costa

Occidental de Africa, por parte dos agentes do Governo do Estado Livre do Congo.

Sala das sessões, 17 de outubro de 1906. = O Par do Reino, José de Azevedo Castello Branco.

O Sr. Presidente: - Será marcado opportunamente o dia para se realizar esta interpellação.

O Sr. Francisco José Machado: - No mez de agosto estive nas Caldas da Rainha, n'aquella formosa estancia, que não tem rival no nosso paiz, e chegaram ao meu conhecimento, como ao de toda a gente, uns factos com respeito á administração do Hospital Real que muito me preoccuparam.

Aquella formosa terra, com o seu clima incomparavel, com a sua pujante vegetação, com a formosura dos seus passeios, com as qualidades therapeuticas das suas aguas medicinaes, com o seu mercado abundante e barato e que rivaliza com os melhores do paiz, com o conforto e commodidades das suas asseadas habitações e finalmente com a lhaneza e fino trato dos seus habitantes, podia e devia ser a terra mais frequentada do paiz tanto pelos nacionaes como pelos estrangeiros, se tivesse havido uma zelosa, cuidada e intelligente administração no Hospital Real.

O futuro das Caldas da Rainha, o seu progresso e desenvolvimento dependem principalmente da boa administração do Hospital Real e dos progressos que se introduzirem, n aquelle importante estabelecimento do Estado.

Todos, filhos d'aquella formosa terra, e os estranhos que a frequentam, estão d'isso convencidos e portanto pode S. Exa. calcular o interesse, direi mesmo a anciedade, com que acompanham e commentam os actos da sua administração.

Comprehenderá tambem S. Exa. que não devo ficar estranho ao sentir dos seus habitantes.

Fui Deputado pelo circulo das Caldas da Rainha muitas vezes.

Representei aquelle circulo em Côrtes durante muitos annos, onde travei luctas ingentes e das mais notaveis que ha memoria nos annaes da nossa historia constitucional.

Fui ali guerreado pelos diversos Governos estranhos ao meu partido, como se fosse uma besta fera ou o maior dos malvados.

Tive amigos dedicadissimos, que com sacrificio da sua saude, com risco da sua vida e fortuna, com alteração da sua tranquilidade, me acompanharam com tal dedicação, com tal heroismo, com tal abnegação que será talvez possivel igualar-se, mas nunca exceder-se.

Alguns d'elles já lá estão na terra da verdade, mas deixaram descendentes que lhes são muito caros.

Voto áquella terra, a todo aquelle circulo, que tanto lutou para me dar ingresso na Camara dos Senhores Deputados, e elevar até esta importante assembleia, o mais entranhado affecto e a mais estremada dedicação.

Não me pode portanto ser indifferente a sua boa ou má fortuna e como o progresso e desenvolvimento d'aquelle concelho, e até de muitos dos concelhos limitrophes, está ligado á administração do Hospital Real, quero tratar com o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, por cuja pasta correm aquelles negocios, da maneira como tem sido administrado tão importante estabelecimento.

Para me poder habilitar com os documentos necessarios a, com toda a imparcialidade, versar o assumpto, vou mandar para a mesa uma serie de requerimentos, e quando me forem fornecidos estudal-os-hei devidamente, para saber se ha ou não exagero nas apreciações que ouvi fazer aos habitantes das Caldas, e até ás pessoas estranhas que ali estavam veraneando, sobre o modo como se estavam gastando os dinheiros destinados a despesas d'aquelle estabelecimento.

O Sr. Presidente do Conselho e todo o Ministerio, que tem iniciado uma severa e rigorosa administração, que lhe faz honra, e tem merecido o applauso dos que teem que perder e se interessam pela sorte do paiz, não deixará decerto de remediar os erros d'aquella administração, se porventura erros tiver havido.

No estabelecimento thermal das Caldas da Rainha e seus annexos tem-se gasto n'estes ultimos annos muito dinheiro, dezenas e até centenas de contos, muitos dos quaes em pura perda.

Não tem havido planos, nem projectos approvados, não se sabendo qual o destino a dar a muitos dos edificios construidos.

Tem-se dado aos directores as mais latas faculdades e attribuições, sem se tomarem contas detalhadas, consentindo-se lhes o dispendio de quantiosas verbas, só por seu mero capricho ou arbitrio.

Creio que isto é caso unico no paiz e é necessario acabar, porque é visivel a todos os que frequentam as Caldas da Rainha que os diversos directores não teem feito uso nada prudente das latas attribuições que lhes teem sido conferidas.

Isto é necessario acabar.

E necessario que o director tenha uma efficaz e permanente fiscalização & dê contas minuciosas da maneira como se gastam tão importantes verbas confiadas á sua administração.

A preoccupação constante, é explo-

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ANNAES BA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

rar o mais possivel o individuo que frequenta as Caldas, do modo que esta febre de arranjar dinheiro tem afastado muita gente, vendo-se diminuir de anno para anno a concorrencia.

Aquelle estabelecimento, a quem uma piedosa princesa legou os seus bens de fortuna para proporcionar toda a commodidade aos enfermos que necessitassem de utilizar as qualidades das suas miraculosas aguas, está hoje transformado n'um estabelecimento de exploração, como se pertencesse a uma empresa commercial que o seu fim fosse apurar grandes lucros aos seus accionistas.

Ali só se trata de descortinar os meios de apanhar mais dinheiro aos banhistas e frequentadores das Caldas, de modo que estes processos só fazem afastar a concorrencia.

Se isto assim continuar, as Caldas soffrerão um enorme prejuizo, porque muita gente ha de procurar outras thermas, porque as ha hoje bastantes, similares ás das Caldas.

É portanto necessario que o Sr. Ministro do Reino lance as suas vistas para a administração d'aquelle importante estabelecimento do Estado, que bem necessita que ali se exerça a sua energia.

Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviado:

1.° Nota da despesa total effectuada no Hospital Real das Caldas da Rainha e seus annexos durante a actual administração, especificada por annos.

2.° Nota da mesma despesa durante cada um dos annos da gerencia do Conselheiro José Filippe de Andrade Rebello.

3.° Nota de qual a despesa feita com a cultura dos terrenos da Taipa pertencentes ao Hospital Real.

4.° Nota da receita total produzida pela venda dos productos das respectivas propriedades.

5.° Nota do subsidio com que o Governo contribue, em cada anno, para as despesas do mesmo hospital.

6.° Nota da importancia que o Governo paga á Caixa Geral de Depositos para amortização e juros dos emprestimos contrahidos durante a gerencia do director Rodrigo Berquó.

7.° Nota da epoca em que o Governo tomou a seu cargo pagar os juros e annuidades d'este emprestimo.

8.° Nota das verbas concedidas pelo Governo da presidencia do Sr. Hintze Ribeiro á actual administração, alem do subsidio annual, e epoca em que foram concedidas essas verbas.

9.° Nota especificada da maneira como foi gasto este dinheiro e em que.

10.° Nota da despesa feita com a construcção do velodromo no Parque D. Carlos, e qual o seu rendimento por anno.

11.° Nota do ordenado pago ao jardineiro do Parque D. Carlos.

12.° Nota do producto das flores e plantas vendidas durante cada anno da actual gerencia.

13.° Nota da importancia que tem recebido em cada anno o jardineiro, proveniente dos 10 por cento que lhe foi arbitrado, alem do seu ordenado, pelo producto total das vendas das plantas e flores.

14.° Nota da quantia que foi arbitrada ao thesoureiro do hospital, pelo actual director, para renda de casa, e qual a applicacão que tem a casa pertencente ao hospital que o actual e os anteriores thesoureiros sempre habitaram.

L5.° Nota do dia em que foi aberto concurso, pelo qual foi nomeado director clinico do Hospital Real o Dr. Manoel Ferrari, conforme determina o artigo 1.° do regulamento de 17 de maio de 1906.

16.° Nota da data do decreto que nomeou director clinico o Dr. Manoel Ferrari.

17.° Nota do pessoal maior empregado no serviço do hospital e seus annexos, durante a gerencia do Conselheiro José Filippe especificando as attribuições de cada um.

18.° Nota do mesmo pessoal existente actualmente.

19.° Nota do pessoal da secretaria que existia durante a gerencia do Conselheiro José Filippe e do existente actualmente.

20.° Nota da despesa feita com a compra de plantas e vasos durante a actual gerencia especificada por annos.

21.° Nota da despesa feita com a 1.ª e 2.ª secções do Parque D. Carlos I e mata no anno economico de 1902-1903 e qual a das despesas feitas no actual anno economico.

22.° Nota da despesa feita com construcção da garagem para recolher os automóveis, e qual o rendimento que produziu no actual anno;

23.° Nota da despesa feita com a construcção da patinagem e qual o rendimento que produziu este anno.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 17 de outubro de 1906. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada nota de todas as corporações administrativas que foram dissolvidas durante a gerencia da penultima administração do Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 17 de outubro de 1906. = F. J. Machado.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : pedi a palavra para agradecer ao Digno Par, Sr. Francisco José Machado, as palavras agradaveis que S. Exa. proferiu, palavras sahidas da boca de um membro tão distincto d'esta Camara e por quem eu tenho a maxima consideração.

Com relação ao pedido que S. Exa. faz, creia o Digno Par que vou dar ordem na minha Secretaria para que quanto antes lhe sejam enviados os documentos que S. Exa. deseja.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par, 8r. Mendonça Cortez, mas peço a S. Exa. que resuma as suas considerações, porque temos de passar á ordem do dia e a hora vae muito adeantada.

O Sr. Mendonça Cortez: - Sr. Presidente: pedi simplesmente a palavra para declarar a V. Exa. e á Camara que não tenho comparecido ás sessões por doença.

Com respeito á observação que V. Exa. me fez, permitta-me V. Exa. que eu deplore as condições acusticas d'esta sala, que não permittiram que V. Exa. ouvisse ter eu já pedido a palavra na anterior sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par, o Sr. Rebello da Silva.

Eu faço a V. Exa. a mesma observação.

O Sr. Rebello da Silva: - Sr. Presidente : visto a hora estar muito adeantada, resumirei as minhas considerações, apesar do assumpto que desejo tratar ser da maxima importancia.

Eu, Sr. Presidente, por varias vezes tenho chamado a attenção dos Srs. Ministros das Obras Publicas pedindo-lhes providencias acêrca de um assumpto que é de verdadeiro interesse publico.

V. Exa. sabe perfeitamente, porque é muito illustrado e conhecedor dos interesses da nossa agricultura, que somos nós o unico paiz na Europa que não tem procurado resolver o systema das irrigações.

É o unico paiz onde se deixa um rio como o Tejo, um rio afamado em todo o mundo, um rio cantado pelos poetas, que se pode chamar o rio dos rios da Peninsula, correr á vontade, estragando os campos, em vez de os beneficiar.

Em sessenta e tantos annos de constitucionalismo teem-se gasto milhares e milhares de contos de réis em obras publicas, em caminhos de ferro, em estradas que infelizmente se deixam arruinar, mas para as obras hydraulicas

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apenas se vota no orçamento o que infelizmente não chega para pagar a um pessoal insufficiente.

No tempo do absolutismo, no tempo do Marquez de Pombal, abriu-se o canal de Asseca para transformar os pantanos constituidos por aquella extensão de terrenos, desde a Ponta de Asseca até a Azarabuja, em feracissimas lezirias.

Durante a guerra da restauração todas as receitas publicas eram insuficientes para a defesa nacional.

No tempo dos Filipes de Hespanha, os réis intrusos não descuidaram os interesses materiaes d'este paiz. A Filipe I se deve o sumptuoso templo de S. Vicente de Fora. A sua politica se devem importantes melhoramentos com o objectivo de tornar navegavel o rio Tejo desde Hespanha até Lisboa; mas depois, desde então até agora, desde os fins do seculo XVIII para cá, o Governo somente encarregou o engenheiro Cabral dos estudos para melhoramentos dos campos do Tejo e saneamento dos campos de Asseca.

Em 1846 uma companhia de navegação iniciou os trabalhos de limpeza, e desde então até hoje nunca mais se teem tratado os Governos de proceder ás obras indispensaveis para limpar aquelle canal.

Diga-me V. Exa. e a Camara, ou qualquer dos meus illustres collegas que sejam versados em trabalhos hydraulicos, que tenham visto um canal de irrigação ou de esgoto, como deve estar o canal de Asseca no fim de sessenta e tantos annos sem ser beneficiado com limpeza,

Em 1846 a companhia tinha uma draga para limpar o canal; essa draga estragou-se e não se fez nenhuma outra. Seria por espirito de economia? Protesto contra esta economia. Creio que o meu protesto será acompanhado por todos aquelles homens que entendem de boa administração; economizar não é só não gastar, é saber gastar.

Desde o momento que, para economizar uma dezena de contos de réis ou mesmo uma centena, se deixa perder uma riqueza que vale muito mais, que administração é esta?

D'este modo os nossos campos seriam incultos, porque ninguem queria gastar nas sementeiras, nem capital na compra de instrumentos agricolas, etc.

Por varias vezes eu tenho aqui chamado a attenção dos Srs. Ministros para este assumpto. Respondem sempre com uma delicadeza encantadora nem era de esporar outra cousa, por que os homens que se sentam n'aquellas cadeiras são homens educados.

As suas respostas fazem-me lembrar aquella candura do Santo Padre Pio IX que nunca dizia que não.

Já o Padre Antonio Vieira dizia que não ha nada mais duro do que ouvir dizer que não.

Pois eu antes quero ouvir um não que soe bem aos meus ouvidos, do que ouvir um sim, que equivalha a um non possumus.

Como hão de transitar os productos, como ha de circular o sangue do paiz para essas grandes arterias, se esses canaes não estão limpos? A consequencia d'este facto é o desperdicio de muitos hectares de excellente terreno.

Eu não comprehendo esta orientação economica, e portanto insisto em pedir ao Sr. Ministro das Obras Publicas, embora S. Exa. não esteja presente, mas por intervenção do Sr. Ministro do Reino, que é um proprietario importante e verdadeiramente dedicado a tudo quanto seja levantar a situação economica do paiz, que tome em conta as minhas considerações, que não são de hoje, mas de ha muito tempo, desde 1890, em que tive a honra de entrar n'esta casa.

Eu não sei se as estações officiaes estão de accordo, porque, geralmente, lias estio sempre de accordo com os Ministros.

Quando um Ministro quer que uma questão se resolva n'um certo sentido tem o apoio das estações officiaes; e, se pouco depois quer o contrario, tem tambem o mesmo apoio d'essas estações.

Isto lembra-me uma scena a que eu assisti no gabinete de um Ministro, emquanto não costume frequentar os gabinetes dos Ministros, porque não sou palaciano.

Tendo perdido meu pae aos quinze anno?, e tendo ido viver para a aldeia, sou portanto um pouco rustico.

Mas, dizia eu, o Ministro a que ha pouco me referi defendia uma these com a qual eu não concordava.

N'isto abre-se a porta do gabinete e entra uma entidade qualquer, e o Ministro pergunta-lhe:

"Pois não é verdade? Eu não tenho toda a razão"? E elle, que não tinha ouvido uma unica palavra do que se estava tratando, desfazendo-se em grandes salamaleques, respondeu-lhe:

"V. Exa. tem sempre muita razão".

Isto leva-me a convencer de que eu não terei razão. Todavia, n'esta questão de melhorar os cara pôs e vala de Azambuja, eu estou hoje como o meu chorado amigo D. Luiz da Camara Leme com as suas incompatibilidades

Sr. Presidente: posto isto, vou ter minar, declarando que é meu proposito vir aqui muitas vezes pedir providencias ao Sr. Ministro das Obras Publica acêrca do assumpto a que me tenho ré ferido. Dirijo-me ao Sr. Ministro do Reino, porque S. Exa., proprietario como é, e das suas propriedades lhe vêem os principaes rendimentos, sabe o que são os interesses agricolas.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - É simplesmente para dizer ao Digno Par, o Sr. Rebello da Silva, que communicarei ao meu collega das Obras Publicas as considerações de S, Exa., com as quaes estou perfeitamente de acordo, porque, attenta a importancia do assumpto, é um dos ramos de serviço que mais devem chamar a attenção do Ministro das Obras Publicas.

Representa elle um elemento indispensavel para o desenvolvimento economico, nas circumstancias em que no paiz se encontram as questões da hydraulica agricola.

Transmittirei, pois, ao meu collega ias Obras Publicas as palavras que o Digno Par acaba de dizer, e elle procurará opportunidade de vir aqui conversar com S. Exa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Rebello da Silva: - Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho a promessa que me faz de transmittir ao seu collega as considerações que acabo de fazer, e aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação dos lavradores do districto de Santarem, que reclamam a favor dos interesses d'aquella localidade, que são os interesses de todo o paiz.

Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Visconde de Monte São: - Sr. Presidente: serei muito breve, e, para o ser, até me dispenso de ler um requerimento que vou mandar para a mesa, e em que peço esclarecimentos que me são muito precisos, para em vista d'elles annunciar depois uma interpellação ao Sr. Ministro da Guerra.

Aproveitando o uso da palavra, vou referir-me a uma pergunta que fiz na sessão anterior ao Sr. Presidente do Conselho, e á resposta que S. Exa. oppoz á minha pergunta.

Perguntei ao Sr. Ministro do Reino se tencionava mandar abrir concurso para a exploração do theatro de D. Maria II.

S. Exa. respondeu-me que tencionava mandar abrir esse concurso, logo que recebesse um documento, base ou o que quer que seja que mandou elaborar pelo conselho dramatico.

Hontem um jornal, referindo-se a esta minha pergunta e á resposta do-

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Sr. Ministro, diz que o conselho de arte dramatica já ha mais do dois mezes enviou para o Ministerio do Reino essas bases do concurso.

Fazendo justiça á sinceridade do Sr. Presidente do Conselho, estou perfeitamente convencido de que S. Exa., quando respondeu á minha pergunta, não sabia o que havia a tal respeito.

Portanto, pergunto novamente se está ou não está o jornal a que me referi enganado?

É necessario resolver este assumpto, porque está a findar o prazo da gerencia da Sociedade Artistica do Theatro.

Se effectivamente essas bases ainda não foram entregues a V. Exa. peço para que inste por ellas, e que resolva como julgar mais conveniente.

(S. Exa. não reviu).

Foram lidos e mandados expedir os requerimentos do Digno Par, que são do teor seguinte:

Os requerimentos são os seguintes:

PELO MINISTERIO DA GUERRA

1.° Copia do relatorio enviado este anno á Direcção Geral do Serviço de Infantaria, pelo director da escola regimental do referido regimento de infantaria n.° 23, nos termos do § 5.° do artigo 25.° do regulamento geral das escolas para praças de pret de 16 de julho de 1896. O relatorio é assignado pelo capitão José Joaquim Ferreira.

2.° O relatorio (ou copia) enviado em 13 de setembro de 1902 á mesma direcção geral de infantaria pelo ex-coronel de infantaria Salomão Augusto Cardoso do Amaral.

3.° Copia das referencias feitas á instrucção da 1.ª companhia do 2.° batalhão da infantaria 14, e a todos os trabalhos realizados pelo capitão Homem Christo em infantaria 14, pelo general commandante da 8.ª divisão militar, no relatorio da sua inspecção no anno de 1901 no mesmo regimento de infantaria.

4.° Copia das referencias feitas pelo commandante da 8.ª brigada de infantaria, com relação ao ensino escolar em infantaria 23, no seu relatorio de inspecção do anno de 1903.

5.° Copia da correspondencia trocada entre o general commandante da 2.ª divisão militar e o Ministro da Guerra, no anno de 1901, sobre o ensino escolar por companhias na 2.ª divisão militar.

6.° Os originaes das provas de escripta feitas pelos alumnos que frequentaram a escola de companhia do capitão Homem Christo em infantaria 23 no anno de 1905-1906; provas dadas pelos recrutas quando chegaram ao quartel, isto é, no momento de se alistarem, e provas dadas perante o jury no exame do primeiro curso.

Com estas provas deve vir a nota do numero de dias de instrucção gastos com cada um dos alumnos, para que taes provas produzissem a sua approvação.

Estes documentos devem ser pedi dos pelo Ministerio da Guerra ao regimento de infantaria 23, onde se encontram e o requerente os viu.

7.° Copia das referencias feitas nos relatorios de instrucção (annuaes) dos coroneis commandantes de infantaria 23, desde 1903 até hoje, ao ensino escolar por companhias no mesmo regimento.

PELO MINISTERIO DO REINO

Copia das referencias feitas pelo commissario de estudos no districto de Vizeu ao ensino escolar por companhias em infantaria 14, enviado em 1902 á Direcção Geral de Instrucção Publica.

Camara dos Pares, 17 de outubro de 1906. = Visconde de Monte-São.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - A declaração que hontem fiz ao Digno Par resume-se a mostrar a intenção em que eu estava, e em que estou, de pôr a exploração do Theatro Normal a concurso, de preferencia a ser essa exploração por conta do Estado.

O que eu não disse ao Digno Par é que, para qualquer decisão da minha parte, estivesse á espera de que me fossem fornecidas quaesquer bases pelo conselho da arte dramatica.

O conselho foi mandado ouvir a esse respeito.

Já deu effectivamente o seu parecer e agora a Direcção Geral de Instrucção Publica é que dá ao assumpto uma resolução definitiva.

É essencialmete d'essa que eu estou á espera.

Esse parecer do concelho da arte dramatica, como disse, foi entregue ao Sr. Director Geral de Instrucção Publica, o Sr. Conselheiro Agostinho de Campos, e depois é que se ha de tomar uma resolução definitiva.

Parece-me que não pode censurar-se a demora havida na resolução d'este negocio, e se alguma demora houver deve-se isso a qualquer circumstancia superior, porque a verdade é que todos os funccionarios da repartição competente procedem e trabalham com a maior boa vontade.

O Sr. Visconde de Monte São (Lendo o summario): - Mas o summario attribue a V. Exa. a seguinte declaração, que então é necessario ser rectificada.

(Leu).

Orador: - Perfeitamente 5 está conforme com o que acabo de responder
ao Digno Par, e por isso não preciso de rectificar nada do summario d'esta Camara.

Como V. Exa. vê, pelos meus affazeres, não posso ler o summario da sessão e por consequencia não posso rectificar o que quer que seja; as minhas palavras são ouvidas pelos membros d'esta Camara e nada altero no summario.

Em todo o caso estimei que V. Exa. lesse o summario, que diz realmente o que se passou.

Não estou á espera que me sejam presentes as bases do concurso, e o equivoco não parte de mim. Foi mandado ouvir o conselho de arte dramatica, que já deu o seu parecer; foi ouvida a repartição competente, que tambem já deu o seu parecer; e agora o assumpto está na mão do Sr. Director Geral de Instrucção Publica. Em conformidade com essa triplice informação é que eu hei-de resolver, porque, como V. Exa. comprehende, não posso dispensar todos os esclarecimentos, por isso que é um assumpto a que sou estranho. O que posso dizer a V. Exa. é que tenho visto da parte de todos a melhor boa vontade para que este assumpto seja resolvido.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja enviada a esta Camara copia do relatorio o conclusões da commissão que pelo mesmo Ministerio foi nomeada para dar parecer sobre as modificações na legislação relativa a passaportes.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 17 de outubro de l906. = Teixeira de Sousa.

Foi expedido.

O Sr. Sebastião Baracho: - Na sessão anterior instei com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, afim de me dar uma certa ordem de explicações sobre uns documentos respeitantes ao porto de Lisboa.

S. Exa. disse-me que era tal a ruma de reclamações que la estavam, que as não podia mandar, e convidou-me a ir ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros, e ainda usou para comigo da amabilidade de me convidar a ir a casa de S. Exa. para os examinar. Foi por isso que eu não instei em que me fossem mandados.

Posto isto, vou me dirigir ao Sr. Presidente do Conselho. S. Exa. tem satisfeito quasi todos os meus requerimentos. Ha, porem, um que ainda me não foi enviado, e vem a ser o que consta d'este requerimento que vou mandar para a mesa.

Desejo que estes esclarecimentos me

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sejam fornecidos até sabbado, que é quando julgo que entra em discussão o contrato dos tabacos. Careço d' esse documento para essa discussão.

Synthetisando, preciso saber quaes são as verbas despendidas de 1900 a 1906 com a policia preventiva.

Sei que essas despesas são inconfessaveis, mas necessito saber qual a verba a que montam e quem fez a sua distribuição.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Como o Digno Par reconhece, tem-se empregado todos os esforços para satisfazer os seus pedidos e requisições. Só tinha visto que o Digno Par tinha chamado a minha attenção para dois documentos, em primeiro logar a copia do processo de uma aprehensão, e em segundo a nota da contribuição industrial devida pela Companhia dos Tabacos.

Isso que agora o Digno Par pede não tem relação

O Sr. Sebastião Baracho (interrompendo): - Tem relação intima: V. Exa. verá.

O Orador: - V. Exa. está a fazer-me lembrar o que eu uma vez presenciei em Coimbra, na aula de direito ecclesiastico, do Dr. Mexia, que era um dos lentes mais estimados.

Tratava-se da infalibilidade do Papa.

É chamado um alumno á lição, o qual começa da seguinte maneira: "Eu vou dizer a V. Exa. como é que os gregos punham os exercitos em batalha, e depois lhe mostrarei como tudo se liga com a nossa lição". (Riso}.

Creia o Digno Par Sr. Baracho que eu empregarei todos os esforços para que até sabbado lhe sejam mandadas essas notas, e se não lhe forem remettidas officialmente, eu lh'as trarei particularmente.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara viram bem qual o lance da sessão em que eu pedi para ficar com a palavra reservada, Restavam então poucos minutos para a sessão se encerrar.

O Sr. Presidente do Conselho, em resposta ao maravilhoso discurso do Sr. João Arroyo, vibrara no coração do Sr. Hintze Ribeiro accusações perfurantes como a lamina de um punhal.

A Camara e a galeria estavam possuidas de extrema anciedade, febril curiosidade, por assistirem ao duelo que então se desenhava.

O Sr. Hintze Ribeiro solicitara que lhe cedesse os poucos minutos que restavam ainda, e eu entendi que era um dever de cortezia, e até um dever de amizade, o satisfazer o seu desejo ; tanto mais que durante o discurso do Sr. João Franco, por varios incidentes occorridos no debate, me germinou a ideia de apresentar á Camara uma proposta que eu desejava largamente fundamentar, a qual primeiro queria sujeitar á apreciação dos meus amigos, dos meus bons e queridos amigos, que n'estes tempos de humilhamento moral deram, em materia politica, o nobre exemplo de fidelidade aos principios e aos homens.

Alem d'isso, eu não sou chefe de partido, e nunca poderei sel-o á maneira dos chefes de partido da nossa terra portugueza, que não costumam ouvir aquelles que os seguem, e que, se algumas vezes os fingem escutar, somente lhes prestam uma orelha apparentemente attenta, porque a verdade é que o seu ouvido só escuta os rumores e as aragens que lhes vêem dos paços reaes.

Sr. Presidente: esta questão é e está cada vez mais escuramente clara, Permitta-me V. Exa. esta phrase, em que parece que ha uma contradicção.

Em torno d'ella ha sombras que ainda se não desteceram, e os negrumes escurentam cada vez mais o horizonte. Ao mesmo tempo ha uma claridade nitida e cruel, que incide sobre cousas e sobre pessoas, que não podem ficar na penumbra.

As sombras são as razões do conflicto de 4 de maio, as razões por que st; não descobrem as pessoas auctoras e cumplices que n'elle tomaram parte, e os motivos da estranha impotencia por que dois Governos não averiguam a verdade, nem inflingem a quem quer que seja a responsabilidade effectiva.

A claridade é a existencia do crime, a impotencia d'esses dois Governos e ainda a permanencia da ensanguentada affronta feita á opinião liberal do paiz e nomeadamente á cidade de Lisboa.

O Sr. Hintze Ribeiro e o Sr. João Franco estão aqui em foco, e no foco mais acceso d'essa claridade.

Distinguem-se n'ella duas figuras que são os principaes personagens, e, sem offensa para S. Exas., os dois grandes criminosos politicos: o Sr. Hintze Ribeiro e o Sr. João Franco.

O Sr. Hintze Ribeiro estava no poder quando este facto succedeu, era o Presidente do Conselho de Ministros, logo as suas responsabilidades são primaciaes e inconfundiveis.

O Sr. Hintze Ribeiro teve demora na averiguação da verdade e na punição dos criminosos, e essa demora, essa falta, só se pode explicar por aquelle espirito de conservador que o leva a um monarchismc, ou antes a um realismo tão exaggerado, - ainda que tão nobre,- que eu, Sr. Presidente, vendo a sua distincção e as veneras que lhe cobrem o peito e lhe dão honras de principe, tenho momentos em que me penetra o convencimento de que S. Exa. pertence á Familia Real Portugueza, combatendo todos os amigos das instituições, quer elles sejam realmente de carne e osso, ou sejam apenas como os moinhos lendarios do famoso heroe manchego.

O Sr. Hintze Ribeiro julga que o seu dever de conservador é combater os inimigos das instituições, seja como for. Julga que o seu dever de conservador é manter as auctoridades e defendel-as, pratiquem ou não o bem.

Isto é o que em linguagem conservadora se chama manter o prestigio do poder. Mas, Sr. Presidente, se este sentimento se transforma em raciocinio, avassala e domina o coração por forma que não ha resistencia possivel.

Se essa é a razão que explica a attitude do Sr. Hintze Ribeiro, ella não a justifica.

O Sr. Hintze Ribeiro, n'este conflicto, tem responsabilidades primaciaes e inconfundiveis.

O Sr. João Franco não era Presidente do Conselho de Ministros na occasião em que o crime se praticou, e isto diminue muito a sua responsabilidade; mas o Sr. Presidente do Conselho de Ministros soltou taes protestos, taes brados clamorosos, que os seus alaridos soaram de certo n'essa bem-dita região onde se occulta a eucharistia do poder.

O Sr. João Franco, na sua arena parlamentar, com as suas sobrevestes de paladino justiceiro e liberal, reduziu a sua acção governamental a uma esphera tão mesquinha, que a responsabilidade que lhe impende avulta e cresce. Por tal forma justiceiro e liberal, que o Digno Par Sr. João Arroyo, no seu maravilhoso discurso, o reprepresentou á Camara como um Robespierre e Saint-Just, dizendo até que nem sequer o conhecera.

Pois eu, Sr. Presidente, tambem nunca assim o encontrei, quer no Governo, quer na opposição, quer nos seus projectos de lei, quer nos seus multiplos discursos, desdobrados pelos varios centros eleitoraes.

Sr. Presidente: bastava estar aqui na ultima sessão para ver que o Sr. Presidente do Conselho não se parece realmente nem com Rosbespierre nem com Saint-Just...

Bastava estar aqui na ultima sessão para ver a sua moleza de coração e a sua ternura de alma, o seu gesto, a sua attitude, para ver que estava bem longe dos dois grandes vultos da revolução.

Robespierre era um austero, um inflexivel, o incorruptivel, como lhe chamavam.

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Dizem as memorias do tempo que no seu coração não existiu nunca esse sentimento, que é o mais bello da existencia: o amor de uma mulher.

O seu olhar parece que cavava no coração o terror e a morte. Era um espirito duro e seco.

O Sr. João Franco é por tal forma amoravel e enternecido, que declarou em plena Camara que não quizera falar mais nos acontecimentos de 4 de maio para não ferir nem maguar o Sr. Hintze Ribeiro. Grandes amigos! Não o queria molestar, nem o queria offender. Veja V. Exa. que ternura de animo, que em nada se compara com Rosbespierre!

O Sr. João Franco é inteiramente piedoso para com o Sr. Hintze Ribeiro. Grandes e bons amigos! Robespierre decerto não procedia assim.

Saint-Just era inflexivel, grave, aprumado, de uma bella cabeça e de um bello rosto; o seu andar era tão solemne, que até d'elle se dizia que levava a cabeça sobre a sua gravata, como se fosse o Santissimo Sacramento. Saint-Just dizia a Robespierre que fosse calmo, porque a força pertence aos fleugmaticos.

Mas o Sr. João Franco, ainda se viu na ultima sessão, quando respondeu ao discurso do Digno Par Sr. José de Azevedo, o azedume, a violencia extraordinaria com que o fez. O Sr. João Franco não é nenhuma d'essas figuras, e para o definir iria antes buscar a figura caricatural de Barnave, trajando meio-corpo á moda dos fidalgos de Versailles, e a outra parte da figura à laia, de democrata.

O Sr. João Franco é como Barnave, meio cortezão, meio liberal, meio democrata, meio conservador, e não tenho senão que felicitar S. Exa., porque é já um grande progresso. Se eu quizesse voltar a referir-me ao tempo em que S. Exa. dotou o paiz com as leis que ainda hoje vigoram, então a sua figura seria a de Pina Manique, de rigida cabelleira e casaca de seda.

Hoje S. Exa. é um semi-liberal, e eu faço votos para que S. Exa. se torne n'um liberal inteiro.

Eu não sou seu correligionario, não posso ser servidor incondicional de ninguem, mas affirmo a S. Exa. que não só me encontra a seu lado, mas prompto a defendel-o sempre que S. Exa. pense defender as reivindicações sociaes e politicas.

Disse S. Exa. n'uma das sessões passadas, na outra casa do Parlamento, "que se alliava fosse a quem fosse, monarchico ou republicano, que o ajudasse na sua obra liberal, que tinha por base o respeito religioso pelas regalias do Parlamento".

Se as palavras de V. Exa. são sinceras tem-me a seu lado; por ora S. Exa. é apenas um semi-liberal, tanto nas leis que tem apresentado ao Parlamento como perante os acontecimentos do dia 4 de maio.

Vamos ás responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro, porque a verdade deve vir aqui nua e crua, e hoje, nos tempos que vão correndo, quem não diz a verdade fica perdido no conceito de todos. O Sr. Hintze Ribeiro deu ordens á policia, que eram conformes com a lei; não mandou assassinar o povo de Lisboa, disse o S. Exa. era phrase de grande orador, que S. Exa. é, pois, segundo a phrase romana, para ser um grande orador é indispensavel ser um homem de bem.

Pelo que o Sr. Hintze Ribeiro affirmou não temos a menor duvida que a triste realidade é esta: S. Exa. não mandou espadeirar o povo, mas devia ter suspendido as auctoridades que não cumpriram os seus deveres. Não o fez; limitou-se apenas a mandar fazer uma syndicancia pelo commandante da policia, que se tornou logo suspeito de querer favorecer os seus subordinados. O Sr. Hintze Ribeiro não procedeu com a firmeza e com a energia que o caso reclamava.

S. Exa. disse aqui, para attenuar a sua responsabilidade, a que tinha havido gritos subversivos de viva a republica", mas esses gritos teem de ser considerados conforme o logar e as circumstancias em que foram soltados. Se esses gritos de viva a republica foram soltados depois do povo ser acutilado, deviam ser considerados um desforço natural e de somenos importancia politica.

Mas admittindo mesmo que estes gritos eram subversivos, com que direito se acutilava o povo por uma forma sem precedentes?

Admittindo mesmo que tivesse havido abusos, a obrigação da policia era admoestar, prender, e só quando a policia tivesse de defender a sua vida ameaçada e em perigo, só então, é que se devia empregar a força e a violencia para a repressão.

Mas, Sr. Presidente, proceder tão violentamente contra crianças e mulheres que estavam muito longe de tomar parte nos acontecimentos, isso é que é uma verdadeira barbaridade, e que se não dá em paiz nenhum civilizado.

Sr. Presidente, vou dizer a V. Exa. e á Camara o que acontece nas paizes liberaes, o que acontece na Republica Franceza.

Permitta-me V. Exa. e a Camara que eu faça aqui uma observação, e é que se não imagine que eu adopto processos absolutamente radicaes.

Eu sou monarchico, não realista, monarchico de tradicções e principios, porque estou plenamente convencido de que a Monarchia ainda pode realizar o sonho de um publicista, eminente, isto é, fazer-se em Portugal uma verdadeira democracia real.

A grande e poderosa Inglaterra, á testa da qual está um Rei eminentemente constitucional, e que tem o maximo respeito pela democracia, deixa entrar no seu gabinete operarios, e deixa que no Parlamento estejam os filhos do povo combatendo pela reivindicação politica e social.

Sr. Presidente: eu sou tambem monarchico, permitta V. Exa. que eu o diga, por uma especie de fraqueza de coração, e entendo, como entende um escriptor francez, que a revolução é uma desordem muito grande, que pode encerrar muitos males, muitos perigos, muitos crimes, e que pode levar o povo a praticar actos execraveis, que só se deve fazer quando absolutamente exigida pela força fatal das circumstancias.

Mas, Sr. Presidente, note V. Exa. ainda que eu entendo que uma revolução deixa prever a possibilidade de uma contra-revolução, e uma contra-revolução é sempre peor que uma revolução.

Sr. Presidente: o nobre Presidente do Conselho, que ainda ha dois dias foi assistir a uma festa escolar, pronunciou esta grande phrase: "Os povos não pertencem aos Reis; mas os Reis é que pertencem aos povos".

Para que a Monarchia Portugueza se conserve e prospere, e attenda a todos os interesses publicos, é preciso que se attenda á phrase pronunciada no Parlamento. Britannico por um grande parlamentar, dizendo que mais vale a perda de uma familia inteira do que a ruina de todo o paiz.

O nobre Presidente do Conselho deu ás crianças e ao Principe Real uma bella lição que eu applaudo, mas não pelo modo eloquente e irónico como o fez o meu amigo o Sr. José de Azevedo.

O Sr. Presidente do Conselho não deu a lição inteira ao Principe Real. S. Exa. podia lembrar a esse Principe, que eu sei ser intelligentissimo, o que um fidalgo disse a Luiz XV quando este ainda não se sentava no throno e imperava a Regencia:

"Senhor, todo este povo vos pertence".

Luiz XV convenceu-se d'isso e fez a desgraça da França.

O Sr. Presidente do Conselho devia-o dizer ao Principe Real, que é intelligentissimo, e julgo que não tem ainda a sua educação completa. Commigo o julgam todos os que me escutam, porque nunca os Governos d'este paiz tiveram o cuidado de dar conta ao Parlamento da educação intellectual, moral e politica d'aquelle que um dia ha de ser o primeiro magistrado da

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nação, - como se faz em todos os países constitucionaes, - nem o Parlamento tem tido o cuidado de o inquirir.

O Sr. Hintze Ribeiro tem n'esta questão graves responsabilidades, responsabilidades primaciaes e inconfundiveis.

Permitta-me V. Exa. que me reporte ao que ultimamente occorreu entre Clemenceau e Jaurés, dois dos vultos mais brilhantes da democracia franceza. Clemenceau é aquelle que mais se destaca como notavel orador, como possuindo o segredo da palavra. Jaurés é um fino e delicado espirito, cheio de senso pratico; no seu cerebro existem as mais fortes concepções do homem de Estado, e o seu coração sabe verter-lhe nos labios a doce harmonia que acalma as dores e a tristeza dos desherdados da fortuna, da justiça e os famintos da emancipação social.

Foi admiravel esse duello. N'um lance do seu discurso, Jaurés accusou o Governo da Franca de, nas greves de Courrières, ter feito morrer um filho do povo, um soldado da França e, a proposito, indicou todo o programma de moderação e cordura que deve ser missão da policia e da força armada. Clemenceau respondeu-lhe que os officiaes de policia que morrem com a espada ha bainha tambem são filhos do povo.

Esse soldado vi-o eu, n'uma photographia, debruçando-se para elle o Ministro da Guerra que lhe punha ao peito a cruz dos bravos, porque elle era mais valente que aquelles que morrem no campo da batalha: esses morrem matando, este morreu para não matar.

Sr. Presidente: a não ser nos paizes como a Russia, onde predomina o chicote infame da autocracia nas mãos dos cossacos, nos paizes onde ainda ha restos e vestigios da, antiga selvageria militarista, a missão hoje da força policial é de prudencia e de cordura.

Entre nós, não; toma se como desprestigio a cordura.

A missão da força armada e da policia não é fomentar a ordem. O sabre agudo e o revolver carregado não são instrumentos de paz nem de defesa, são armas de violencia e de aggressão.

Sr. Presidente: repito a V. Exa., eu não citei a Republica Franceza para lisonjear paixões radicaes ou para falsear os sentimentos e opiniões d'aquelles que me escutam; foi para aconselhar o exemplo dos Governos d'esse paiz, que nunca estabelecem um conflicto sangrento com o povo. O contrario só serve para prejudicar as instituições.

Deve lembrar-se aquella phrase que alguem disse a um Rei:

"Conquistae os nossos corações, se quereis ter a nossa força e a nossa lealdade".

O Sr. João Franco tem responsabilidades, assim como as tem o Sr. Hintze Ribeiro.

Vamos ao Sr. João Franco Castello Branco.

O Sr. João Franco subiu ao poder depois de ter protestado violentamente contra esses acontecimentos, que foram em grande parte motivo da sua ascensão aos Conselhos da Coroa.

O Sr. João Franco encontrou uma syndicancia que não lhe podia merecer a menor sombra de contemplação e respeito, porque foi elaborada por empregados policiaes, e estava imperfeita e incompleta.

Qual era a obrigação moral do Sr. João Franco?

Era ter immediatamente feito o que não fez o Sr. Hintze Ribeiro, e o que este tinha de fazer era suspender essas autoridades, nomear pessoas competentes e mandar então proceder a uma syndicancia.

O Sr. João Franco não fez assim, teve em seu poder largos mezes essa syndicancia, e agora esconde-se atraz do poder judicial.

O Sr. João Franco é chefe do Governo, não pode de maneira nenhuma subordinar a sua acção de membro do poder executivo ao poder judicial; são poderes distinctos S. Exa. bem sabe que não podem de modo algum confundir-se.

Eu não tenho senão de censurar um Ministro da Coroa e um homem liberal que, estando no logar em que esteve Fontes Pereira de Mello e Rodrigues Sampaio, não segue os exemplos dados por esses homens que elle serviu, amou e por quem foi amado.

O Sr. João Franco encontrou-se deante do crime de 4 de maio e procedeu assim.

Esse crime de 4 de maio o que foi?

Foi apenas um acto tumultuario e violento das multidões? Não foi, é necessario dizel-o aqui claramente na Camara.

Foi uma consequencia d'essa politica funesta, iniciada desde largos annos e que tanto se accentuou nos ultimos tempos. Essa politica é a do engrandecimento do poder real.

E eu devo dizer aqui, por amor da verdade, que nunca se deve falsear, que não sou levado pelo sentimento da lisonja. Eu e os meus amigos fizemos o pacto solemne de nunca occultarmos a verdade, de nunca dizermos qualquer lisonja que atravesse as paredes do Parlamento e vá, voando, cair sobre as alcatifas regias, ou como phrase de arrependimento, ou como palavras a solicitarem perdão e favor, porque Deus nos livre de conquistarmos o poder por semelhantes processos.

V. Exa. vê que eu estou falando a verdade. As palavras vêem-se, teem côr, quando saem do coração impregnadas de sangue.

A responsabilidade do occorrido não é da iniciativa do Rei, nem do seu cerebro, nem do seu coração; a responsabilidade cabe aos homens publicos que quizeram servir-se d'esse poder para satisfazerem as suas ambições, as suas vaidades, tomando a Coroa como antemural dos seus designios. A Coroa não se engrandeceu, amesquinhou-se.

Esses homens sabiam muito bem a situação em que a collocavam; mas, como os sinistros personagens que apparecem em todas as horas tragicas e dolorosas da Monarchia, e que se chamam os amigos do Rei, tratavam de salvar-se a si, deixando de lado a Coroa, que lhes emprestava e cedia toda a força que elles possuiam.

Tal politica tem logo nas suas raizes um fatal condão: é que os Reis não são deuses, ou, se são deuses, são, na phrase de Bossuet, deuses de sangue e nervos, deuses de sangue e lama, como todos nós: e, como homens, deixam-se empolgar pela vaidade e pela ambição excessiva do mando.

Se ha Reis como o Principe Perfeito, que dizia de D. João de Menezes que "muito lhe devia, porque sempre lhe falara contra a vontade", outros ha que procedem diversamente.

Veiu com essa politica nefasta o chamado despreso pelos immortaes principios, que se accentuava na imprensa e em todas as estações publicas, "aquecendo os homens de Estado, filhos do povo, que era a esses principios, que motejavam, que elles deviam a paz de que gozavam e, mais ainda, o seu prestigio social; aliás, como os seus avós, ficariam na plebe sordida, como lhe chamavam os privilegiados da fortuna.

Com essa politica veiu o humilhamento, a subordinação do poder legislativo ao poder moderador, ao throno

Contra a imprensa a politica foi nefasta. Fez-se o que nunca fora feito n'este paiz. O direito do povo foi desprezado.

Sr Presidente: essa politica nefasta que se inaugurou em Portugal tem dado este bom resultado.

Sobre tudo isto formou-se uma atmosphera abalada pelas desgraças nacionaes e pela ruina da nossa administração. O espirito publico esmoreceu, e d'ahi o crescimento da anciã da resistencia.

Sr. Presidente: esse funesto conflicto de 4 de maio, em que por um lado se vêem as violencias praticadas pela policia e por outro lado as indicações da multidão foi um acontecimento deveras para lamentar.

Os factos são estes.

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86 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Os acontecimentos de 4 de maio não podem ver-se com indifferença.

Perante esses acontecimentos extraordinarios e tão graves, o que é que fez o Sr. Hintze Ribeiro?

O que é que fez o Sr. João Franco?

Falliram. O poder executivo falliu.

Resta só appellar para o povo; mas o povo não pode directamente intervir no assumpto.

Eu entendo que é o Parlamento que representa a vontade do povo. Mas, Sr. Presidente, a representação do povo não é nesta Camara, porque soffre o vicio da sua origem, nem é na Camara dos Senhoras Deputados, porque foi eleita por uma lei impossivel, feita pelo Sr. Hintze Ribeiro. - Eu vejo, Sr. Presidente, que n'este caso se deve applicar a phrase pronunciada por Cavour, a que se referiu um dos membros mais illustres do parlamento, o Sr. Fratel, na Camara dos Senhores Deputados:

"A peor das Camaras é melhor que a melhor das ante-camaras".

Eu tinha hoje o proposito de, a respeito da questão que se discute, propor aqui um inquerito parlamentar 5 ao entrar, porem, n'esta Camara, um dos meus amigos fez-me notar, e muito bem, que esta na o é propriamente a Camara em que elle se deve propor, mas sim a Camara popular.

Da commissão encarregada do inquerito a que me retiro deverão fazer parte, se a Camara o approvar, representantes de todos os partidos ali existentes, incluindo o partido republicano, que foi o mais directamente visado e ferido nos sinistros acontecimentos de 4 de maio; se assim não fosse, a opinião publica não tomaria a serio esse trabalho.

Eu e os meus amigos politicos tomámos a resolução de chamar para esta proposta a attenção do Sr. Presidente do Conselho e perguntar-lhe se sim ou não concordará com ella.

Por meio d'esse inquerito se averiguará a verdade dos factos e se apurarão as responsabilidades. De outro modo, ficará sempre no espirito publico a convicção de que se pretende esconder a realidade dos acontecimentos; ficará sempre na alma nacional uma suspeita que urge desvanecer, porque é deshonrosa para os homens publicos e não favorece as instituições d'este paiz.

Peço portanto ao Sr. Presidente do Conselho que faça que os seus amigos politicos votem o inquerito, a fim de não ficar impune um dos attentados mais criminosos que se teem praticado nos ultimos tempos; peço-lh'o, como liberal que se diz ser, em nome dos interesses da Coroa, que tem tudo a lucrar com o inquerito, e em nome das reclamações do povo, que foi gravemente offendido e que terá direito a descrer de tudo, se porventura se lhe não faz justiça.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : devo desde já declarar a V. Exa. e á Camara que procurarei não occupar por muito tempo a sua attenção na resposta que, por dever de cortezia e de admiração pelo talento do Sr. José Maria de Alpoim, mais. que por necessidade de justificação ou esclarecimento, eu entendo dar-lhe.

Para quem, ha dois ou tres dias, assiste á discussão que sobre o assumpto tem havido n'esta Camara, eu supponho não dizer cousa alguma que se não ajuste á realidade dos factos, affirmando que o Digno Par não trouxe para o debate, para a apreciação dos casos occorridos na noite de 4 de maio, ou para o apuramento das respectivas responsabilidades, nem um facto novo, nem uma informação, nem um unico argumento.

O Digno Par percorrreu com muita intelligencia, com muito primor de forma litteraria, todos os assumptos de natureza historica, que é costume trazer para debates d'esta natureza e, principalmente, quando esses debates revestem um duplo aspecto: um, o que se apresenta; outro, o que se quer occultar.

Eu não posso acompanhar o Digno Par nas divagações que fez. Que eu seja parecido com Robespierre, que eu traga o busto sobre a gravata, como o Santissimo Sacramento, que eu seja como Barnave, liberal de todo, semi-liberal, absolutamente nada liberal, isto em nada ha de servir para o paiz saber quem foi que mandou acutilar o povo de Lisboa na noite pie 4 de maio.

Sr. Presidente: a Camara dos Pares, a Camara de revisão e ponderadora, não deve ter caracter politico.

Eu já disse na ultima sessão que a maior virtude que podem ter os homens é serem decididos e claros nas suas accusações.

As divagações historicas decerto encantam e deleitam os que as ouvem; mas n'este ponto permitta-se-me que eu aproveite o ensejo de dizer ao Sr. Alpoim que Le Vieux Conseillier não é um livro, é um jornal. Mas pondo de parte tudo o que se refere a divagações historicas feitas com um primor litterario, mas que mais delicia os ouvidos e a imaginação do que instrue a analyse fria dos factos, vou responder áquillo que directamente me diz respeito, caindo em repetições, porque não ha maneira de explicar os factos senão repetindo o que com elles se relaciona. Se eu precisasse de dizer cousa que se não ajustasse inteiramente á
verdade dos factos, natural seria que me embrenhasse em varias divagações; mas desde que eu não posso fazer outra cousa mais do que apresentar os factos com toda a exactidão, não ha maneira facil de evitar repetições, mais ou menos longas, e que eu farei por tornar breves, a fim de dar uma resposta áquillo a que eu, como Presidente do Conselho, sou obrigado a responder.

O Digno Par, o Sr. Alpoim, disse que eu era um criminoso pelas responsabilidades dos acontecimentos de 4 de maio.

Em 4 de maio, eu, que estava na opposição havia cinco annos - cousa que não succedeu ainda ao Sr. José Maria de Alpoim - pensava tanto em mandar acutilar o povo, quanto é certo que não tinha por quem; a policia não estava ás minhas ordens e o armamento de que ella dispõe estava ás ordens do Sr. Hintze Ribeiro, que até podia dispor d'elle contra mim.

E vem o Digno Par chamar-me criminoso, só porque eu tive a fortuna ou desfortuna de quinze dias depois ser chamado a realizar o meu programma politico, e vem S. Exa. accusar-me quando foi o chefe do Governo transacto que deu ao commandante da policia as instrucções que a Camara já conhece, quando foi o Sr. Hintze Ribeiro que pediu ao Chefe do Estado a adopção de medidas extraordinarias e o adiamento das Côrtes, que El-Rei não concedeu!

Sr. Presidente: V. Exa. ha de concordar que são licitas as duvidas acêrca dos motivos que levam os meus adversarios a taes accusações.

Quando o meu partido estava na opposição, não dispunha na sua imprensa de muitos jornaes, como disse o Digno Par, dispunha do Diario Illustrado, embora este valesse por dez ou doze.

O que diziamos n'esse jornal era que a policia obedecera ás instrucções que recebera do chefe do Governo de então.

É necessario dizer as cousas bem nitidamente, e que se peça a responsabilidade dos factos a quem a tem.

É possivel e em todo o ponto justo e liberal que as responsabilidades vão a quem ellas pertençam; mas o que se não pode é impor as responsabilidades a quem se limitou a obedecer ás instrucções que recebeu.

Pela exposição dos factos occorridos em 4 de maio, tenho para mim que, se houve excessos por parte dos agentes da auctoridade, não era ao poder executivo que competia aprecial-os; era ao poder judicial, a quem este processo já estava affecto.

Eu, digo o bem alto e bem claro, durante o periodo de quatro annos de 1897 a 1900, em que fui Ministro do

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SESSÃO N.° 6 DE 17 DE OUTUBRO DE 1906 87

Reino, n'uma epoca em que se deram bastantes incidentes, nunca deixei de recommendar aos governadores civis e á policia que procedessem sempre com a maior prudencia e urbanidade. N'essa epoca, em que se realizaram os comicios promovidos peta colligação liberal, em que houve a suppressão dos concelhos, que poderia trazer perturbações á ordem publica, em que foram dissolvidas as associações, eu nunca deixei de dar instrucções bem terminantes para que se procedesse, não só com a maxima prudencia, mas com a maxima cautela e que a policia só usasse do armamento em defesa da sua propria vida.

O meu criterio, como se vê, não é de agora, é já antigo.

Entendo que a policia tem obrigação de intervir, mas só quando ha excessos.

Manifestações houve-as, contra mim proprio, Presidente do Conselho, algumas em circumstancias, não digo graves, mas em todo o caso fora do razoavel e do ordinario, e no entretanto sempre os agentes da auctoridade procederam por forma que se não deram violencias.

Quando, em seguida, se produziram factos de todos nós conhecidos, eu entendi que não podia continuar a permittir nas das de Lisboa manifestações que podiam provocar conflictos, e procedi por forma e maneira a evitar que elles se dessem entre o povo e a policia.

Já disse, repito, que não é de hoje que assim procedo, é de sempre.

Já em 1897, mercê de Deus e dos cuidados meus, quando se tratava da vida dos cidadãos portugueses, apesar d'essa epoca ser bem agitada, como foi a da suppressão dos concelhos, a questão da colligação liberal e a dissolução das associações, nunca foi preciso para fazer respeitar a ordem que se empregasse a força, nem houve derramamento da mais pequena gotta de sangue.

As auctoridades cumpriram sempre as ordens do Governo. Mas desde o momento em que eu procedesse por forma a auctorizar o emprego da força, nenhuma responsabilidade caberia aos agentes da auctoridade; todas ellas deviam ser para mim; a responsabilidade cabe a quem dá as ordens e as instrucções, e não a quem as executa.

Os jornaes republicanos abriram subscripções para promover processos contra os culpados dos acontecimentos da noite de 4 de maio. Homens distinctos, que os teem esse partido, advogados e jornalistas, offereciam-se com a sua palavra ou com a penna para defender os presos, mas a verdade é que 5 mezes vão volvidos e nem uma unica diligencia fizeram nesse sentido.

Os tumultos deram-se na estação do Rocio, na rampa que vae da estação do Rocio, no proprio Rocio e na calçada do Duque.

Como se pode saber a quem cabem as responsabilidades, se á policia, se aos populares?

Tem-se dito erradamente que os acontecimentos de 4 de maio ficaram sem punição e sem ter consequencias politicas e historicas, quando afinal foram esses acontecimentos que occasionaram a queda do Ministerio do Sr. Hintze Ribeiro, dando-se depois uma revolução na politica d'este paiz, que ninguem era capaz de esperar, dois ou ou tres mezes antes.

A cidade de Lisboa foi dada a maior de todas as satisfações.

O Sr. Hintze Ribeiro tinha pedido a El-Rei um adiamento de Côrtes, mas não banal, mas por motivos especiaes.

El Rei entendeu que não devia conceder esse adiamento, e que era chegado o momento da politica portugueza se orientar em sentido inteiramente opposto ao conservantivismo com que até ahi se tinha governado, para dar logar a um programma liberal, um programma administrativo, um programma de reformas como o paiz vinha pedindo e de que vinham fazendo inteira propaganda o Sr. José Maria de Alpoim, os republicanos e tantos outros elementos politicos do paiz.

E, assim, Sr. Presidente, tenho muita honra em dizer que fui chamado para cumprir o programma do meu partido; nem eu teria acceitado o poder senão nessas circumstancias. E subi ao poder com o auxilio dos meus amigos e com cinco annos de proscripção, em que conseguimos a confiança da opinião publica, visto que esse era o primeiro dos lemmas do nosso programma politico.

Por isso, tenho bem o direito de dizer que procedi em relação aos acontecimentos de 4 de maio, como deve proceder um homem para quem a justiça e a liberdade são dois principios a que resolveu sacrificar-se.

Ainda que o processo criminal aguarde quaesquer esclarecimentos, eu não tenho nenhuns a fornecer-lhe desde o momento em que a propria syndicancia mandada organizar pelo Sr. Hintze Ribeiro os não forneceu.

Eu o que tinha a fazer, e faço, é aguardar os resultados que podem ter os processos judiciaes, para proceder contra os agentes da policia pela forma que a lei impõe.

Diz o Digno Par que é preciso fazer mais luz sobre a questão e eu digo-lhe que a luz, sob o ponto de vista politico, que havia a fazer, está feita, se, sob o ponto de vista criminal, é aos tribunaes que compete.

Se ha quem não esteja satisfeito com a instauração do processo criminal, tem-no ainda aberto : requeira perante os tribunaes e faça julgar e condemnar quem o deva ser; se for agente da força policial, a sua situação na policia ha de soffrer a natural consequencia da sentença que o tribunal proferir.

Com respeito á proposta de inquerito parlamentar que o Digno Par annunciou, eu podia dizer que me reservava para, na outra Camara, onde a proposta será apresentada, emittir a minha opinião; mas, como o Digno Par largamente a fundamentou, por um acto de deferencia e attenção para com S. Exa., dir-lhe-hei que não precisava perguntar a esse respeito o meu juizo, porque, desde que eu não julgo preciso intervir ou inquirir do assumpto, não poderei julgar necessario um inquerito parlamentar. Pela Constituição é até absolutamente contestada, e muito legitimamente, a interferencia que o Parlamento ou o Governo podem ter em inqueritos ou questões d'esta natureza. (Apoiados}.

Pergunto se é ao poder legislativo que compete apurar da responsabilidade administrativa dos agentes policiaes ou averiguar as responsabilidades criminaes de quem quer que seja.

Sr. Presidente: isto é a confusão de todos os poderes.

É o poder legislativo invadindo as attribuições do poder judicial.

Ora, Sr. Presidente, por emquanto não estamos na Convenção.

Será muito bom fazer bellas tiradas rethoricas sobre o que se passou n'essa Convenção; mas, Sr. Presidente, a lei que nos rege, e que eu desejo que nos reja sempre, é a Carta Constitucional, e essa define quaes são os diversos poderes do Estado, e diz que a responsabilidade criminal está sujeita ao tribunal competente.

Para terminar, direi ao Digno Par que ha um ponto do seu discurso a que não poderei referir-me longamente, mas que tocarei de passagem.

O Digno Par disse que a luz, toda a luz era necessaria a este assumpto, para se fazer justiça e ser applicado o castigo a quem delinquiu; mas, Sr. Presidente, eu devo dizer que nada tem a Coroa com os acontecimentos de 4 de maio.

Se S. Exa. tem de dizer alguma cousa a este respeito, formule a sua accusação por uma forma concreta, positiva e decidida.

Se tem factos, apresente-os, porque outros factos hão de ser apresentados em contestação.

Do que se trata é das responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro e das minhas.

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É esse o unico assumpto que se pode discutir.

Perfeitamente descabido, e nem isso interessa o paiz, é imputar-se a responsabilidade dos acontecimentos de é de maio a quem ella não pertence.

Ainda um outro ponto.

O Digno Par o Sr. João Arroyo connua a pedir que seja publicada uma carta que El-Rei dirigiu ao Sr. Hintze Ribeiro, acêrca da crise occorrida em 16 de maio.

Sr. Presidente: com respeito ás instancias do Digno Par, eu já disse, e repito, que estou prompto a pedir a El-Rei a devida autorização para que se publique es

Termino as minhas considerações dizendo: - ratifico inteiramente a declaração que então fiz, e estou prompto a dar cumprimento a esse offerecimento o mais rapida e o mais brevemente possivel.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Requeiro a V. Exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu fale em resposta ao Sr. João Franco Castello Branco.

No caso de não me ser concedida agora a palavra, peço-a a V. Exa. para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Francisco Beirão: - É preciso consultar os oradores inscriptos.

O Sr. José de Alpoim: - Não é necessario o consentimento dos oradores que se inscreveram, desde que me dirijo á Camara.

O Sr. Luciano Monteiro: - Pela minha parte desisto do logar da inscripção.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que consentem que seja dada a palavra ao Digno Par o Sr. Alpoim, queiram levantar-se.

(A Camara annuiu).

Tem a palavra o Sr. José de Alpoim.

O Sr. José Maria de Alpoim: - Sr. Presidente: o nobre Presidente do Conselho foi hoje de uma grande cordura e moderação. O seu discurso foi mais uma resposta, ou mais uma aggressão, ao Sr. Hintze Ribeiro, que lhe responderá se quizer e entender conveniente.

O Sr. Presidente do Conselho começou por estranhar que fosse nesta casa do Parlamento, na camara Alta, que se levantasse uma questão d'esta ordem.

O Sr. Presidente do Conselho, que tanto desdenha as divagações historicas,
não se lembra de que foi n'esta casa do Parlamento que se levantaram questões graves, e algumas que envolveram a pessoa do Monarcha.

Não pode esta camara abdicar das suas prerogativas, nem da Carta Constitucional de que S. Exa. agora parece tão grande defensor.

Como membro d'esta Camara protesto contra tal affirmação, protesto como membro monarchico, porque o Sr. João Franco já na ultima sessão estranhou que fossem Pares do Reino monarchicos que levantassem esta questão.

Parece que o Sr. Presidente do Conselho vê atraz d'ella alguma cousa que nós não trazemos á tela da discussão e a que nos não referimos. S. Exa., com esse criterio, e com as suas palavras imprudentes, compromette aquelle que quer defender.

O Sr. Presidente do Conselho não to de de maneira nenhuma censurar, tanto mais que nem sequer é membro d'esta Camara, e censurou um direito que está nas attribuições dos membros que a ella pertencem, ou um direito reconhecido por todos.

O Sr. Presidente do Conselho disse que eu não tinha trazido nenhum elemento novo para a discussão. Que mais queria S. Exa., que eu trouxesse, para que toda a camara e o paiz possam fazer o seu juizo de que se commetteu um crime, um attentado, na noite de 4 de maio ultimo ? Esse crime não foi punido, as autoridades d'elle responsavel estão de pé, e o Sr. Hintze Ribeiro, perante ellas fica silencioso, não levanta a mão para as castigar, e o Sr. Presidente do Conselho esconde-se atraz do subterfugio da justiça dos tribunaes. E sempre assim que eu vejo proceder os Governos que não querem dar conta ao paiz dos seus actos. N'esse ponto o Sr. João Franco faz exactamente o mesmo que fizeram os seus antecessores. Nem mais nem menos.

O Sr. João Franco censura-me por eu ter pedido um inquerito parlamentar e diz que não está na Constituição.

Pois, Sr. João Franco, já muitas vezes se teem feito inqueritos parlamentares, que são de direito fazer-se todas as vezes que na administração publica se dá a desordem ou qualquer facto grave. O direito de inquerito deriva dos direitos geraes attribuidos aos representantes da nação e é assim que teem sido feitos pela Camara dos Srs. Deputados diversos inqueritos e que se fazem em todos os paizes liberaes. E não venha S. Exa. dizer que elle se não pode fazer, porque isso seria coartar a independencia do poder judicial.

S. Exa., que ainda hontem terminou o seu discurso por appellar para a soberania popular, não pode defender uma doutrina d'esse teor, sem que seja chamado um semi-liberal e um falso democrata, como eu já aqui disse.

A commissão do inquerito exercerá a sua acção parallelamente á acção judiciaria.

Não se ingeriria nas funcções dos tribunaes, e, ao contrario, fornecer-lhe-hia elementos.

Traria luz, muita luz, á questão e traria para o conhecimento do publico e do paiz os vicios e abusos da administração, e assim aproveitaria o futuro.

As Camaras não são só para traduzir os votos e necessidades da nação, formando as leis e criando os impostos, mas, ao contrario, teem que acudir sempre que se mostre existir um vicio de administração ou haver uma organização má como a dos serviços policiaes, que hoje se estende por todo o reino.

A representação nacional tem o direito de chamar para isso a attenção publica, e mostrar esse vicio ao paiz, sejam quaes forem as consequencias.

Referiu-se S. Exa. ás invocações historicas, parecendo ter para ellas iro mas e sarcasmos.

Acha S. Exa. estranho que aqui se fale na Coroa, e que se diga que sobre ella podem cair as suspeitas ou sombras d'estes acontecimentos.

O Sr. João Franco está por tal forma esquecido de si proprio, que se não recorda do que ainda ha bem poucos mezes fez e pronunciou.

Pois o Sr. João Franco, a proposito de actos que não eram da responsabilidade legal do Chefe do Estado, não pronunciou a famosa phrase: "o Rei é a pessoa mais discutida d'este paiz"?! (Apoiados).

Que differença ha em dizer, para bem da Coroa e da sua honra, que é necessario que não fique no convencimento politico qualquer suspeita ou qualquer simples ideia de que o Governo do Rei mandou acutilar o povo?

Que mal ha em que eu diga estas palavras, que são congeneres d'aquellas que S. Exa. pronunciou?

Não disse S. Exa., face a face, rosto a rosto, a El-Rei, na sessão do Conselho de Estado, que bem sabia que elle não tinha responsabilidades na questão dos tabacos, mas que todo o paiz lh'as attribuia, por culpa dos homens publicos que então o rodeavam?

Por que razão ha de ser um crime e uma acção censuravel o que eu digo, em que não ha uma, offensa á Coroa, mas sim um desejo de que ella paire acima de todas as suspeitas, e não foi crime o que V. Exa. disse nos seus centros, rosto a rosto, face a face, ao Chefe do Estado?

Sr. Presidente: foi somente para isto que eu pedi a palavra, isto é, para fazer um protesto, como Par do Reino,

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como membro da Camara Alta contra as accusações que S. Exa. me dirigiu. As palavras com que eu me referi á Coroa são bem fracas e anodynas ao pé das do Sr. Presidente do Conselho, a quem eu não tenho proposito nenhum de aggravar, desejando unicamente pôr a questão no pé. em que ella deve ser posta.

Com respeito ao inquerito parlamentar, eu vinha no proposito de o fazer, e não o fiz, porque um amigo meu me ponderou, e muito bem, que esse inquerito devia fazer-se na Camara dos Senhores Deputados, onde estão todos os partidos representados e não n'esta, onde, creio, não ha ninguem filiado no partido republicano.

N'estas condições, manda a minha honra pessoal que se desvie para aquella casa, não por um prurido de discussão que seria odioso, mas por amor da verdade, a proposta que tencionava apresentar aqui.

O Sr. Presidente do Conselho deve fazer me a justiça de que eu falo com toda a verdade e sinceridade. Não ha proposito nenhum occulto, atravez das minhas palavras. Não ha designios secretos. O tempo d'essa politica passou, e os homens que não procedem assim deshonram se na opinião publica, não merecem o respeito do Rei, que os despreza, e que apenas pode amar aquelles que lhe dizem a verdade. O espirito do povo ha de repellil-os quando vir que se esqueceram das suas affirmações liberaes, e que se tornam numa mentira as suas affirmações passadas. Sr. Presidente: os inqueritos parlamentares d'esta natureza não estão escriptos em nenhuma legislação, não estio na Constituição Francesa e, comtudo, fazem-se.

Ainda ha dias li o resultado do inquerito parlamentar feito pelo Parlamento Francez e por motivo de tumultos.

E é para lamentar que o Sr. Presidente do Conselho, que se diz liberal, e que assim se apresenta, venha discutir no Parlamento Portuguez o direito que elle tem de organizar inqueritos para examinar tudo aquillo que se refere aos grandes interesses nacionaes e á grande causa da administração publica. Tenho dito, (S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : não vale a pena discutir o direito de inquerito com respeito á Belgica e á França; nós temos a nossa Constituição e é necessario cumpril-a.

(Interrupção do Sr. Alpoim que se não ouviu).

O Sr. Presidente: - Eu peço ao Digno Par que não interrompa o orador.

O Sr. José de Alpoim: - Perdão.

O Orador: - Está perdoadissimo. Simplesmente o que eu estava dizendo é que nós temos leis e não precisamos recorrer ás da Belgica, nem ás da França. Temos o artigo 14.° do Acto Addicional.

Todos os legisladores de 1851 e 1852 eram homens que tinham combatido pelas luctas da liberdade e que sabiam o que tinha custado essa liberdade.

O artigo 14.° diz o seguinte:

(Leu).

Como V. Exa. vê, dá mais prerogativas aos Pares e Deputados, e, a respeito da sua competencia, V. Exa. comprehende qual ella é e com isto termino.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A hora está muito adeantada, falta um quarto de hora para a sessão terminar e o Sr. Hintze Ribeiro tem a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Tem tambem, a palavra o Digno Par, o Sr. Machado, mas, talvez, S. Exa. queira que lhe reserve a palavra para a sessão de ámanhã.

O Sr. Francisco José Machado: - Não senhor. Se quizer, peço-a outra vez.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Digno Par José de Alpoim.

O Sr. José de Alpoim: - Eu pergunto ao Sr. Presidente do Conselho se, depois do Acto Addicional, não se teem celebrado neste paiz muitos inqueritos parlamentares.

Por que razão é que se ha de restringir a uns certos e determinados assumptos, e por que razão se não ha de estender a assumptos de outra especie?

Por que razão é que não é da sua competencia um assumpto que como este se prende com a organização policial de Lisboa e do país inteiro, de onde deriva a vida, a segurança, a honra e a propriedade do cidadão?

Se não é da competencia da Camara cuidar d'estes assumptos; se a soberania nacional desce tão baixo desde que este assumpto fique sob a sua alçada, então, Sr. Presidente, vivemos cada vez mais n'um regimen de absolutismo.

Nós já tinhamos o absolutismo exercido até agora pelo systema presidencial, pelos pedidos politicos transformados em castas, mantendo-se artificialmente, não pela força das ideias, nem pelo convencimento das vontades individuaes, mas sim pelas dictaduras. pelos partidos de autorização, pelos abusos- das candidaturas officiaes que é um cancro que vae dilacerendo todo o constitucionalismo. Já tinhamos esse absolutismo que temos supportado pela brandura do nosso caracter e pela doçura do nosso temperamento peninsular; mas agora, desde o momento em que o Sr. Presidente do Conselho, um homem que se diz liberal, quer sequestrar ás Camaras o direito de intervir n'um assumpto de administração publica, como é o da organização policial, aonde ha factos que se prendem com a boa organização e segurança do país; agora que se quer evitar o que nunca até hoje se tentou prohibir; já não estamos n'um paiz livre; isto é um Egypto ou verdadeiramente uma Turquia.

Disse.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não era intenção minha voltar a este debate.

Em sessões anteriores dei sobre os acontecimentos de 4 de maio quantas explicações eram do meu dever para com a Camara e para com o paiz.

Ouvi ainda hoje o Sr. Presidente do Conselho repetir, mais uma vez, que está cansado d'este debate. S. Exa. faz sempre a sua defesa á minha custa, arguindo-me a mim, mas sem se defender a si proprio.

Muito poucas palavras direi n'este momento. Pode alguem contestar que as instrucções que eu dei á policia - e essas é que são da minha responsabilidade- não eram em todo o ponto ajustadas e conformes á lei, e que por isso eu não me posso isentar d'essa responsabilidade?

Porventura, quanto ao modo do execução d'essas instrucções, eu recommendei a violencia e a barbaridade? Pelo contrario, recommendei a prevenção, e quem previne procura evitar, e quem procura evitar não quer acutilar o povo. (Apoiados).

Procedi sinceramente. Disso, com a lei na mão, o que se podia consentir em materia de manifestações, e quanto, em presença da lei, se não póde permittir que os agentes da autoridade vejam impassiveis, sem intervirem de qualquer forma.

Com energia, com muita energia, quando seja absolutamente indispensavel empregal-a.

Comprehende o Sr. Presidente que, desde o momento em que, feitas todas as prevenções, se trate de evitar o que pela lei é reputado abusivo e contrario ás instituições do paiz, o Governo tem o direito absoluto de proceder tão firme como prudentemente, e com tanta ener.

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gia quanta for a solicitada pela gravidade dos acontecimentos.

A acção do Governo tem que ser branda, moderada e conciliadora; mas, desde o momento em que as instituições do paiz sejam atacadas, ella tem de ser firme e energica, nem podia ser de outra maneira.

Ha uma cousa que eu não comprehendo, digo-o muito claramente ao Sr. Presidente do Conselho: é a responsabilidade que S. Exa. assume.

Perante a lei ha o que se consente e o que se não permitte.

A imprensa é um sacerdocio augusto? Sem duvida. É um dos direitos sagrados da sociedade? Evidentemente. Mas tem os seus correctivos. Liberdades todos nós as queremos: liberdade, toda; mas liberdade absoluta, nenhuma. Na lei de imprensa estão prevenidos os casos puniveis, e ao lado decretam-se as punições.

Na lei de imprensa - o Sr. Presidente do Conselho ergueu como pendão supremo do seu program ma o cumprimento da lei - está que se não permittam affrontas ás instituições monarchicas. Interrogo a consciencia de S. Exa. e pergunto-lhe se tem cumprido a lei n'essa parte; pergunto-lhe aonde estão os agentes do Ministerio Publico que deixam que na imprensa se não use só da liberdade, essa é sagrada, mas se abuse d'ella e se vá ferir não já politicamente, mas pessoalmente quem, como todo o cidadão portuguez, tem direito a ser respeitado e ás mesmas garantias de que gozam todos aquelles que commungam n'uma sociedade livre, numa sociedade civilizada? (Apoiados).

O que eu posso asseverar á Camara, cuja attenção não quero demorar, é que tenho a consciencia dos meus actos e das minhas responsabilidades; sei bem o que fiz, na sinceridade do meu sentir.

Quando aqui affirmei, n'um brado convencido, intimo, da minha alma, que não mandara acutilar o povo de Lisboa, disse o que saia do meu sentimento mais puro, mais estrénuo, mais verdadeiro. (Apoiados). O que posso asseverar ao Sr. Presidente do Conselho é que, quando dei as instrucções á policia e depois mandei investigar dos factos, não tinha na minha mente que o partido republicano estava precisado de uma data de sabre como de pão para a boca.

Mas não foi precisamente para isto que eu pedi a palavra; foi para tratar de um assumpto mais grave, mais melindroso, sem duvida de maior responsabilidade para mim.

É a segunda vez que o Sr. Presidente do Conselho se levanta da sua cadeira presidencial para se offerecer, n'um impulso officioso que ninguem lhe provocava, a servir de intermediario entre mim e o Chefe do Estado, para a publicação de uma carta que d'Elle recebi.

Ainda na sessão de ante-hontem houvera uma referencia directa; é verdade; hoje, absolutamente nenhuma.

E o Sr. Presidente do Conselho que, sem que ninguem lh'o peca, nem lh'o provoque, se levanta para. insistir no seu offerecimento de servir de intermediario entre mim e o Chefe do Estado, no tocante á publicação de uma carta que Sua Majestade me dirigiu.

Não é intuito meu, nunca é, molestar o Sr. Presidente do Conselho.

Por maguado que me veja, por sentido que me encontre, ha sempre em mim a tradição de uma antiga camaradagem, e ainda a de uma affeição pessoal; mas permitta me o Sr. Presidente do Conselho observar-lhe: se eu entendesse conveniente, por quaesquer motivos de ordem publica, que outros não poderiam actuar no meu animo, a publicação de uma carta que recebi do Augusto Chefe do Estado, não requeria a intervenção do Sr. Presidente do Conselho. Desde que se trata de uma carta que o Chefe do Estado me escreveu quando eu era Presidente do Conselho, o meu dever de cortesia era dirigir-me eu proprio ao Chefe do Estado e expor-lhe as razões que havia para a publicação d'essa carta, e pedir-lhe que me auctorizasse a publical-a sem ser preciso nenhum intermediario.

O Sr. Presidente do Conselho decerto se recorda que em 1898, juntamente commigo, tratando-se de um assumpto importante e de interesse publico, nos dirigimos ao Chefe do Estado, que nos recebeu benevolamente, sem que o Presidente do Conselho houvesse para isso dado um unico passo. Ainda ha bem pouco tempo, dias antes da demissão do Governo a que tive a honra de presidir, o Sr. Conselheiro João Franco, porque então ainda não era Presidente do Conselho, julgou conveniente conferenciar com o Chefe do Estado em assumptos de caracter politico, e S. Exa. não pediu nenhuma intervenção minha; directamente solicitou essa conferencia e não precisou da minha intervenção.

Se julgasse conveniente e de vantagem para a Coroa e para o paiz, sem molestar o Sr. Presidente do Conselho, eu tinha auctoridade bastante para me dirigir ao Chefe do Estado e dizer-lhe que julgava conveniente a publicação d'essa carta; mas não o fiz.

Eu, Sr. Presidente, não correspondi ao offerecimento captivante do Sr. Presidente do Conselho, e se hoje tomei a palavra foi porque, evidentemente, depois da repetição d'esse offerecimento, não podia guardar silencio, porque isso não affectaria só a mim; porventura o meu silencio affectaria pessoa mais altamente collocada, que eu devo respeitar.

Devo dizer, Sr. Presidente, com a maxima lealdade, como é o meu costume, e com inteira verdade e completa comprehensão do meu dever como homem de Estado, a razão por que não me servi do generoso offerecimento do Sr. Presidente do Conselho.

Eu, Sr. Presidente, sempre entendi que as cartas trocadas entre o Augusto Chefe do Estado e os Presidentes do Conselho deviam ficar entre ambos, e mesmo não tenho nenhuma ideia de se haver já publicado uma carta do Chefe do Estado, que para isso não houvesse sido previamente concertado.

Quantas vezes, Sr. Presidente, o Chefe do Estado escreve aos seus Ministros e mormente aos Presidentes de Conselho, na mais intima confiança pessoal e politica!

Publicar essas cartas seria faltar a um dever serio, praticar um acto de negra ingratidão. Aberto o caminho, estabelecido o precedente, não se sabe até onde se irá. Hoje, porque se julga que não ha inconveniente, requer-se a publicação de uma carta e publica-se; ámanhã, atraz d'essa exigencia, virá outra e outra, e nunca se saberá onde se ha de parar. Isto é muito perigoso porque, desde que se estabeleça o principio e o precedente de serem publicadas as cartas do Rei ao chefe do Governo, nunca mais se poderá recusar a publicação de nenhuma, sem trazer graves embaraços, sem levantar suspeitas no espirito publico.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. dá-me licença?

Para evitar erradas interpretações, peço a V. Exa. que diga se essas considerações com respeito á publicação da carta se referem a si proprio ou a mim. Só desejo provocar da parte de V. Exa. esta declaração.

O Orador: - A mim, evidentemente.

Porque o entendo assim, tomo sobre mim a responsabilidade absoluta e inteira de não promover a publicação de qualquer carta, porque, como V. Exa. bem pode comprehender e porventura o Sr. Presidente do Conselho o saberá, não foi uma só carta que eu recebi de El-Rei desde o dia em que lhe apresentei a questão de que resultou a demissão do Governo, até que d'elle tomou conta o Sr. João Franco. Peço, pois, licença para responder ao Sr. Presidente do Conselho que não acceito o seu offerecimento.

Mais. Se S. Exa. entender, independente He qualquer pedido meu, solicitar de El-Rei a publicação de qualquer carta, e se lhe for dada auctorização, eu terei de perguntar o que ella significa, porque, se significar ape-

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SESSÃO N.° 6 DE 17 DE OUTUBRO DE 1906 91

nas que o Rei põe nas minhas mãos e entrega ao meu criterio a publicação de qualquer carta que eu tenha d'elle, essa carta não se publicará; se, pelo contrario, essa auctorização implicar o desejo de El- Rei de que eu entregue uma qualquer d'essas cartas para que se publique, eu comprehenderei que esse desejo é uma ordem e cumpril-a-hei immediatamente.

O Sr. Francisco Machado: - V. Exa. pode- dizer-me se tem guardado reserva do conteudo da carta e não a tem mostrado a pessoa alguma?

O Orador: - Dei conhecimento d'ella aos meus collegas, em Conselho de Ministros, porque a isso fui auctorisado pelo Chefe do Estado 5 garanto que a mais ninguem, sem receio de desmentido.

Se V. Exa. encontrar alguem que lhe diga o contrario, esse alguem que se defronte commigo, homem a homem, e m'o diga, que eu lhe responderei.

Assim o entendo e cumpro. Posso entender mal.

Se o Chefe de Estado vir qualquer conveniencia na publicação d'uma carta sua que seja dirigida a mina, basta que directa ou indirectamente signifique o desejo, que eu immediatamente a entrego. Sem isso, não.

Não tomo a responsabilidade pelos inconvenientes, pelos perigos que vejo na pratica de dar publicidade a cartas que eu tenha do Chefe do Estado.

Sem ordem d'elle, nunca.

(S. Exa. não reviu).

O sr. Presidente do Conselho (João Franco): - Sr. Presidente: a Camara está cansada, mas V. Exa. comprehende que hei de responder alguma cousa a tres pontos a que o Digno Par se referiu no discurso que acaba de pronunciar.

O primeiro é manifestamente a arguição que fez com referencia á perseguição da imprensa.

Posso affirmar que essas perseguições deixaram de existir.

O Sr. Alpoim: - Faz V. Exa. muito bem.

O Orador: - Em primeiro logar os agentes do Ministerio Publico são por lei obrigados a proceder contra os jornaes, quando n'elles haja materia que constitua delicto publico.

É ao poder judicial que cumpre dar qualquer ordem e não ha de ser o Governo que deve dar as instrucções sobre se deve ser este ou aquelle jornal processado. (Apoiados).

Nós, no nosso programma, apresentamos uma lei de liberdade de imprensa, em que se modifica tudo o que está estabelecido. Esta medida ha do ser apresentada ainda n'esta sessão legislativa, e então os Dignos Pares terão occasião para fazer a critica.

Quanto á carta de Sua Majestade, offereci-me para ser intermediario entre o Digno Par e El-Rei acêrca da sua publicação.

Repito, não tenho duvida em. apresentar essa solicitação, se o Digno Par a deseja.

Eu bem sei que S. Exa. não precisa que eu interfira, para que realize qualquer conferencia que deseja ter com El-Rei.

Sei bem que os Conselheiros de Estado podem dirigir-se ao Rei sempre que julguem conveniente apresentar-lhe quaesquer confidencias de ordem politica ou administrativa, e sei bem o que succedeu em 1898, sei o que se deu em 8 de maio d'este anno.

Mas eu, repito, não fiz espontaneamente o meu offerecimento. Fil-o depois de umas interrupções do Digno Par o Sr. Arrojo, em que insistentemente pedia que se publicasse a carta.

Fiz esse offerecimento quando se fizeram referencias á maneira por que tinha caido a situação transacta, e á maneira por que tinha sido organizado o Gabinete actual.

Não fui eu, pois, que vim trazer este assumpto para debate. Não fui eu que espontaneamente me offereci para solicitar de El Rei permissão para que se publicasse esse documento.

Eu, sempre no intuito de tornar bem nitidas as minhas affirmações, direi que, tendo conhecimento do que n'essa carta se dizia, porque natural era que eu fosse inteirado do seu conteudo desde que era chamado a formar gabinete; eu, repito, teria conhecimento do que n'essa carta se escrevia, nenhuma duvida tenho em pedir auctorização para que ella se publicasse, porque de sobra sabia que de tal publicação não importaria ou não adviria o menor mal á Coroa.

Tambem já disse que a recusa do adiamento foi um facto da maior importancia, da maior transcendencia, e das mais importantes consequencias.

Trata-se de um facto politico de summa gravidade, e não de desconfiança pessoal com relação ao chefe do Governo de então e aos cavalheiros que o acompanhavam.

O Sr. Hintze Ribeiro entendeu que devia pedir o adiamento das Côrtes para pôr em pratica um certo numero de medidas que julgava necessarias. Sua Majestade, depois de meditar, não accedeu á solicitação transacta.

É até um facto politico, que eu considero de muita importancia.

Offereci-me para pedir auctorização no que respeita a publicação da carta, porque não queria que no espirito dos que ouviram o Digno Par ficasse a minima duvida acêrca das affirmações que eu fazia.

O Sr. Hintze Ribeiro dirá se entende que a carta deve ser publicada e eu, n'esse caso, nada mais tenho que seguir e acompanhar o incidente até final.

Foi isto o que eu disse, e que repito.

Não me compete senão atacar a resolução de S. Exa., que sabe melhor do que ninguem, o que deve fazer na defesa de superiores interesses que a mim e a S. Exa. nos cabe defender.

O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro voltou a referir-se aos acontecimentos de 4 de maio, apesar de ter eu já mostrado que n'elles não me cabe responsabilidade alguma. S. Exa. não o entende assim. No entanto, sobre isso, já se tem dito o bastante para não ser necessario empregar mais esforços. A Camara e o paiz julgarão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A hora já deu ha vinte minutos e eu não posso dar a palavra a mais ninguem sem consultar a Camara.

Vozes: - Falem, falem.

O Sr. Sebastião Baracho: - V. Exa. marca a proximo sessão para ámanhã?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor, se hoje não terminar o incidente.

O Sr. Luciano Monteiro: - Eu desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que são de opinião que deva ser concedida a palavra ao Sr. Hintze Ribeiro, e depois ao Sr. Arrojo, tenham a bondade de se levantar.

(Foi approvado).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu não abusarei da attenção da Camara, mas preciso que o Sr. Presidente do Conselho me attenda.

Cada um de nós tem as suas responsabilidades. Eu, para dar publicidade a qualquer carta que tenha recebido do Chefe do Estado, preciso da sua auctorização. El-Rei se entender que ha qualquer carta sua que deve ser publicada, não precisa da minha permissão, tanto mais que o Sr. Presidente do Conselho diz que tem conhecimento da carta que me foi dirigida, o que quer dizer que ficou copia. Pela minha parte, tomo a responsabilidade de a não publicar, a não ser que d'isso haja desejo expresso por parte do Chefe de Estado. Se o Sr. Presidente do Conselho entender que é conveniente a publicação de uma carta de

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92 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

El-Rei para mim, e se essa carta se publicar, é elle o unico responsavel.

Não se acoberte commigo, como nos acontecimentos de 4 de maio; d'esta vez, não, porque a responsabilidade ficarem claramente definida.

Eu por mim não publico carta alguma; entendo que não devo, a não ser por ordem de quem m'a escreveu; mas o Sr. Presidente do Conselho fica já habilitado, pela minha declaração a mais formal e positiva, de que, se entender conveniente, e se o Chefe de Estado concordar na publicação d'esta ou de qualquer outra carta, todas estão á sua disposição. As nossas responsabilidades completamente libertas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Pouco mais tenho a dizer e em pouco se resume.

O Sr. Presidente do Conselho pela segunda vez hoje se dirige a mim em linguagem provocadora. E se outro fosse o intento de S. Exa., como supponho que não é, se porventura existisse no animo de S. Exa. qualquer intenção de que a discussão por mim levantada na ultima sessão enveredasse para incidentes de outra ordem que não fossem exclusivamente parlamentares, outras não podiam ser as palavras do Sr. Presidente do Conselho. Se tivesse tal intenção, eu tinha a declarar que, assumindo como homem plena responsabilidade das palavras que proferi, aqui ou em qualquer outro terreno as sustentaria como homem de brio e de honra que sou.

Relativamente á carta, cuja publicação eu pedi, de duas uma: pelo que respeita á materia d'essa carta, ou ninguem se reporta a ella, ou todos a discutem.

Esta situação comoda para o Sr. João Franco, falando em nome proprio, ou por procuração, a situação commoda de se referir á materia da carta e simultaneamente para mim a prohibição de me poder referir a ella, porque ainda não a vi publicada, não! Esta situação parlamentar não a acceito e não permitto que ella seja desenvolvida sem o meu protesto mais categorico e mais terminante.

Ou a prohibição para todos, ou a liberdade para todos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro ao Reino (João Franco): - Sr. Presidente: vou responder aos dois oradores que acabaram de falar.

Eu não sou juiz, offereci-me ao Sr. Hintze Ribeiro, porque aqui foi pedida a publicação d'essa carta.

Não fui eu, foi o Sr. João Arroyo quem trouxe este assumpto ao Parlamento, foi o Digno Par quem a elle se referiu e não o fez por uma forma indifferente aos acontecimentos que aqui estavam sendo discutidos.

O Digno Par fizera a affirmação de que eu viera a este logar trazido por um enxame de abelhas, dando a entender que eu não tinha vindo por indicação constitucional, mas por atalhos travessos e escuros.

O Digno Par comprehende perfeitamente que eu não podia nem devia...

O Sr. João Arroyo: - Peço a palavra.

O Orador: - E d'esta maneira nunca terminamos.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. não me pode tirar o direito de me defender.

O Orador: - Perdão, estou respondendo ao Digno Par que acabou de falar.

O Digno Par trouxe para a tela da discussão um assumpto sobre o qual eu sou principal interessado e sobre o qual não pode ser coarctado um legitimo direito de defesa, que é reconhecido de a toda a gente.

O Sr. João Arroyo: - A defesa agora é minha.

O Orador: - Foi V. Exa. quem se referiu primeiro a este assumpto, collocando n'um certo campa o chefe do Governo.

Ora V. Exa. a comprehende que eu tenho o direito e a obrigação de me defender.

O Sr. João Arroyo: - Na ordem do dia. Não é aggredindo no final da sessão.

O Orador: - Não estou aggredindo ninguem; o aggredido fui eu. Não fui eu que levantei este incidente.

O Sr. Presidente: - Não consinto que interrompam o orador.

O Orador: - Foi o Digno Par que trouxe esta discussão no momento em que eu me justificava e defendia, de uma arguição que me tinha sido feita, e que a Camara conhece muito bem, pelo que aqui se tem passado.

O Digno Par, não só fez allusões a essa carta e insistiu nella, como significou que ella continha a demonstração das suas affirmações;' e portanto, nestas circumstancias, o Digno Par comprehende que não só por mim e sobretudo por alguem que está mais alto do que todos nós, entendi dizer á Camara que me offerecia para que o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro tivesse auctorização para ser publicada essa carta.

Estou convencido de que, desde o momento em que esta referencia, foi aqui trazida á Camara, eu não tinha outra forma de proceder, nem podia um assumpto d'esta ordem ficar sujeito a todas as duvidas, ás allusões de qualquer ordem e de qualquer natureza.

Sr. Presidente: é esta a situação que eu tenho occupado neste incidente referindo-me sempre a todos que a mim se referiram e defendendo-me de todas as arguições que me foram feitas, principalmente quando essas arguições me feriram.

Defender-me-hei sempre para me justificar de um aggravo politico que não tem razão de me ser feito; e, com relação aos mais, V. Exa., Sr. Presidente, sabe perfeitamente a maneira como tenho usado da palavra nesta casa.

Eu tenho-me dirigido a todos os membros, mantendo, alem da deferencia que devo aos Pares do Reino, a deferencia que devo á minha posição.

Não tenho procurado de forma nenhuma, nem irritar a questão nem trazer para ella materias estranhas; mas o que não posso é deixar de acompanhar o Digno Par nas suas referencias de qualquer ordem e de responder-lhe, sempre que S. Exa. me queira collocar mal, como Chefe do Governo ou como homem.

Isso tenho feito, isso hei de fazer impenitentemente.

(S. Exa. não reviu).

Vozes: - Muito bem.

Consultada a Camara, permittiu que fosse dada a palavra ao Digno Par Sr. Arroyo.

O Sr. João Arroyo: - Quando outro motivo me não forçasse a usar da palavra, n'este instante, as ultimas expressões do Sr. Presidente do Conselho a isso me forçariam.

Refiro me ás palavras em que S. Exa. declarou que tinha visto um aggravo politico nas considerações com que eu, no discurso que proferi n'esta casa do Parlamento, na ultima sessão, procurei definir a forma como S. Exa. subira ás cadeiras do poder. A discussão não pode enveredar por esse lado.

Nos termos mais simples vou dizer a V. Exa. o que é essa questão, da qual não fiz senão apresentar os prolegomenos e mostrar aos meus illustres collegas se esse não é um thema verdadeiramente alto, verdadeiramente patriotico, em que podem entrar todos os parlamentares portuguezes, empenhando o melhor da sua cabeça e da sua palavra; vou mostrar a V. Exa. se ha porventura n'essa these alguma cousa que possa significar ataque a homens,

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vontade de aggredir o Sr. Presidente do Conselho, ou se porventura a minha palavra não foi, quando a proferi, senão o reflexo de um combate identico que se repetiu na Inglaterra e d'aquelle de que ha poucos annos foi testemunha a vizinha Hespanha.

Pois o Sr. João Franco não sabe que essa these tem sido versada por homens cujo brio pessoal politico e parlamentar está acima de toda a discussão e não pode ser posta em duvida? Pois não conhece a questão levantada no Parlamento de Inglaterra, e a que foi discutida ha poucos annos no Parlamento Hespanhol, sobre a influencia contraria dos homens politicos e dos amigos do Rei?

Quando foi que na livre Inglaterra, na aristocratica Hespanha, houve algum membro do Governo que se levantasse para tomar como signal de affronta, como signal de aggravo, de ataque ás pessoas, aquillo que representava simplesmente discussão de uma these, para se chegar a saber a que entidade pertencia a supremacia politica?

Quando foi que os cortezãos dos paços de Madrid se suppuzeram feridos na sua dignidade pessoal, porque os mais distinctos parlamentares do reino vizinho chegaram ás Côrtes e, com toda a força da sua convicção e palavra de patriotas hespanhoes, defenderam aquillo que suppunham ser de uma verdade evidente, acima de todas as theses?

Quando foi que na Gran-Bretanha houve um chefe de Governo que se levantasse com linguagem provocadora e que visse um aggravo politico n'aquillo que é uma das mais bellas theses que se podem discutir numa assembleia parlamentar?

O que eu disse na ultima sessão é o começo da defesa da these que tem de ser tratada n'esta tribuna.

Eu não merecia que S. Exa. % que me conhece desde o inicio da vida parlamentar, suppuzesse que os meus meritos de parlamentar eram tão fracos, tão secundarios, de tal ordem, que necessitasse vir lançar em rosto qualquer aggravo politico. Então eu desceria e S. Exa. subiria á minha custa.

Não o ha de fazer, não ha de conseguir por esse preço.

Hei de mostrar o que penso, e, pondo n'este assumpto o melhor da minha palavra, ha de ficar como uma das mais fortes revindicações dos verdadeiros principios que devem dirigir o mundo constitucional portuguez.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - Se o Digno Par no seu discurso de hontem falasse como hoje, se tivesse apresentado uma these, uma doutrina constitucional, eu não só não teria respondido, mas tel-o hia apoiado.

Eu referi-me a um facto concreto, a S. Exa. ter dito que eu chegara a este logar trazido por um enxame de abelhas.

Eu, Sr. Presidente: que sei quanto me custou a chegar aqui! Não foi pelos meus meritos, que não os tenho, mas pelos que me attribuiam.

Eu o que disse foi que nunca Governo nenhum caiu mais constitucionalmente do que o Governo passado.

Sr. Presidente: eu fui chamado ao poder unicamente por causa do programma que apresentei, das ideias que sustentava. Eis, Sr. Presidente, as razões por que me m aguaram as palavras do Digno Par o Sr. Arrojo. Só folgo, e muito, com as ultimas palavras de S. Exa. a7 porque ellas esclarecem completamente a questão; trata-se de uma these e a hypothese desappareceu.

O Sr. Arroyo: - Lembre-se S. Exa. da minha promessa de apoiar a these.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu não podia deixar de usar da palavra, desde que o Sr. Presidente do Conselho em todos os seus discursos parece não ter outros intuitos senão os de provocar-nos. Eu não receio dos factos nem das palavras. Como homem e como politico, tem me sempre aqui.

N'esta altura da sessão, quando eu correctamente me referia a um assumpto de alta importancia, sempre com respeito ás instituições, S. Exa. vem reptar-me, dizendo que nunca um Governo tinha caido mais constitucionalmente do que aquelle a que tive a honra de presidir. Este é o motivo do nosso debate, que se liquidará aqui para o apuramento das nossas responsabilidades.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Eu não provoquei ninguem. Disse apenas que nunca um Governo tinha caido mais constitucionalmente do que o presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Quando for dada para ordem do dia a discussão da resposta ao Discurso da Coroa, teremos largo ensejo de discutir essa questão

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão e a ordem do dia é a mesma. Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 17 de outubro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Gouveia, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal, do Soveral; Condes: do Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças, de Villar Seco, de Tarouca; Viscondes: de Asseca, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Tavares Proença, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão,, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira, Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO

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