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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 27

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem, pare, mandar para a mesa uma representação do banco alliança ácerca de um projecto de lei que está na outra camara, e que tem por fim lançar um imposto sobre os dividendos das acções dos bancos.

Leu-se na mesa e foi distribuida á commissão de fazenda.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Eu não sei se o digno par, o sr. marquez de Vallada, quererá responder ao sr. presidente do conselho?...

O sr. Marquez de Vallada: - Tome v. exa. a palavra, que depois responderei ao sr. presidente do conselho.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Muito bem. N'esse caso aproveito a occasião.

Sr. presidente, quando o digno par, o sr. marquez de Vallada, interpellou o governo no principio d'esta semana, creio eu, provocando explicações que tornava de todo o ponto necessarias, eu, esperando que o nobre presidente do conselho respondesse a ellas, não tinha a mais leve intenção de usar da palavra; mas uma vez que s. exa. não satisfez, em quanto a mim. a essas perguntas do digno par, não posso deixar de, em desempenho do cargo que occupo, pedir, insistir e provocar explicações a que o paiz e o parlamento têem direito.

O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.

O Orador: - Quando em novembro do anno passado hostilisei o governo, creia v. exa. e a camara que não foi por um desejo pueril de me mostrar um catão, mas sim pelo vicio de origem que eu via no governo que então occupava aquellas cadeiras e que ainda hoje occupa. Esse vicio de origem, que eu já expliquei largamente n'esta casa, como o entendia, fazia com que eu julgasse que o governo era uma delegação do governo de 19 de maio. As rasões que tive para assim pensar eram claras e obvias, e uma parte d'ellas já eu referi aqui na camara; foram as respostas do sr. presidente do conselho e foi o desmandamento natural dos negocios publicos.

Aqui teem v. exa. e a camara as rasões, mais ou menos detalhadas, em que me fundava para julgar o governo uma delegação do ministerio anterior, e para tambem o hostilisar como hostilisei.

Sr. presidente, quer v. exa. saber como se resolveu um negocio de maxima importancia do systema constitucional? Eu o vou dizer. O governo abriu as côrtes no dia 2 de janeiro, e tanto receiou incommodar se com ellas abertas que as adiou para 3 de fevereiro. Pois, sr. presidente, quando chegou este dia tinha havido uma grande alteração no governo do estado; tinham saido dois cavalheiros, um dos quaes significava nada manos do que o apoio de um partido inteiro, o que já vale muito aonde ha tantos fraccionarios. Mas, saiu esse cavalheiro representante do tal partido, e o paiz e a imprensa fizeram mil reflexões; cada um disse o que quiz. Pois, sr. presidente, no fim de tudo isto o sr. presidente do conselho, em cinco dias que o parlamento esteve aberto, não achou uma só occasião, uma só, para dar explicações a este respeito nem ao parlamento nem ao paiz! Tal foi a desconsideração com que s. exa. nos tratou! Toda a gente imaginou tambem que, tendo assento n'esta casa do parlamento o illustre prelado o sr. bispo de Vizeu, s. exa. se levantasse para nos dar explicações sobre a sua saida do gabinete; parecia-me, pelo menos, que tinha o dever constitucional de o fazer; e s. exa. que foi sempre campeão d'esta idéa, e muitas vezes eu tive a honra de o acompanhar na outra casa do parlamento, não era capaz de fugir a esta responsabilidade se não houvesse motivo muito poderoso que lhe prendeu a voz. Ora, que a voz fosse presa no nobre presidente do conselho não me admirava, mas presa no illustre prelado, chefe de partido, homem passando por energico, oh! não sei o que deva suppor de tudo isto. O facto deu se, e até hoje o sr. bispo de Vizeu não explicou as rasões por que tinha abandonado o poder quando foi s. exa. quem deu força ao nobre presidente do conselho.

Eu não me admirei da saida do nobre prelado, porque aqui n'esta casa a tantos de novembro, não me lembra quantos, disse eu á camara que havia de acontecer isto, e o governo havia de se completar com amigos particulares do sr. presidente do conselho, porque o ministerio assim recomposto não havia de durar, em presença da camara, tres semanas. Ainda não passaram estas, e não me desobrigo da palavra. Isto disse eu n'esta casa convencido de que dizia a verdade. Sairam dois cavalheiros do gabinete, o governo recompoz-se e não foi buscar elementos ao partido militante mais forte, mais energico, áquelle que estava perfeitamente organisado, ao partido do sr. bispo de Vizeu! Mas escolheu dois cavalheiros na verdade distinctos, que eu estimo e prezo, e de quem sou amigo, mas que não estavam no exercicio dos partidos. A verdade é esta. Póde dizer-se hoje que no governo não está ninguem que represente partido algum d'esta terra! Ora, se nas formulas do systema constitucional o governo governa fora dos partidos, então acabe se a eleição, acabe-se tudo, porque não é preciso que o paiz intervenha em nada. O facto deu-se, e nós aqui estamos, e até hoje não houve explicações. O nobre marquez de Vallada provocou-as e não as obteve! Foi então que eu pedi a palavra, e não a pediria, dou a minha palavra de honra, se não visse o silencio do sr. presidente do conselho, e a camara sujeitar-se diante d'esse silencio! Não merecemos as explicações do sr. presidente do conselho nem do sr. bispo de Vizeu, mas espero que o illustre prelado n'esta parte as ha de dar.

Sr. presidente, hostilisei o governo de então, e não se creia que houve em mim sentimentos de animosidade. Eu respeito os cavalheiros que ali se sentavam, considero-os todos; mas superior a tudo para mim está o interesse publico, e quando não poder tratar d'elle não venho a esta casa. E aqui por incidente direi, que sou d'aquelles que querem uma reforma tal d'esta casa, que, feita segundo a minha indicação, era muito provavel que eu fosse um dos que saisse e não entrasse mais. Eu tive treze annos a carta de par, sem ter a honra de vir aqui tomar assento.

Sr. presidente, se então censurei os partidos que se annullavam completamente, dando força a quem a não tinha, a rasao era clara; é porque eu entendi e entendo que o melhor serviço que se podia fazer a esta terra era não dar importancia a nomes, a individuos, a isso que se chamava governo pessoal, o mais detestavel de todos os governos entre as diversas formas de governo estabelecidas na sociedade pela vontade do povo. Tão mau é o governo pessoal das camarilhas dos réis, como o governo pessoal das camarilhas de individuos. Para as enfreiar é que os povos têem escolhido estas formas de governo, que não se podem desprezar sem offensa do seu principio vital.

Pois o que quer dizer, sr. presidente, os chefes dos partidos disporem dos homens, como se dispõe de um baralho de cartas? Pois ha algum chefe que tenha direito a annullar completamente o seu partido, a sacrificar lhe os seus principios, a apoiar o que este ou aquelle individuo fizer, seja o que for? Isto não póde ser.

Sr. presidente, tenho-me lembrado de um homem que todos nós conhecemos, mas que já não existe, que bastantes vezes na tribuna estygmatisou estas aberrações, ou antes este desprezo pelos direitos publicos e constitucionaes a que nos temos deixado arrastar, e em virtude do que temos sido sacrificados. Aqui tem v. exa. a rasão por que eu censuro os partidos, e não só censuro os chefes como aquelles que abdicam dos seus direitos, especialmente do direito de liberdade de acção constitucional para deixar depois a sua sorte ao arbitrio, sabe Deus, muitas vezes, de quem!

Não é assim que se deve comprehender o systema representativo. E por estas cousas que eu levanto aqui uma bandeira de corso, quer dizer, isolada exclusiva, por ser um dos unicos que não estou disposto a sacrificar a minha rasão e os meus direitos até a este ponto; não me resolvo a sustentar um governo de unanimidade, que não indica senão o governo pessoal.