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SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do exmo. sr. Conde de Castro, vice-presidente

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assistia o sr. presidente do conselho de ministros e ministro do reino).

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presente numero legal de dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedante, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da justiça, remettendo 80 exemplares das contas da gerencia do anno economico de 1867-1868 e do exercicio de 1866-1867.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo para o archivo o autographo do decreto das côrtes geraes datado de 3 de fevereiro ultimo, sanccionado por Sua Magestade El-Rei e já convertido na lei de 8 do mesmo mez, que proroga até 1 de janeiro de 1872 o praso para uso obrigatorio das novas medidas de volume e de capacidade em todos os concelhos do remo, exceptuando os bairros de Lisboa e Porto.

Um officio do digno par Gamboa e Liz, participando que por incommodo de saude não tem podido comparecer ás sessões.

Tiveram o competente distino.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): - Sr. presidente, eu procurava ver se estava presente e digno par o sr. marquez de Vallada. Como s. exa. me dirigiu algumas perguntas na ultima sessão, e eu desejava responder a s. exa., não queria começar na ausencia do digno par, para não ter depois de repetir o que tivesse dito quando s. exa. entrasse. Mas s. exa. não está presente, e por isso cedo por emquanto da palavra.

(Pausa.)

(Entrou o sr. marques de Vallada.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, visto achar-sa já na sala o digno par, o sr. marquez de Vallada, peço agora a v. exa. que me de a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu desejava responder unicamente a algumas perguntas que o digno par, o sr. marquea de Vallada, dirigiu ao governo na ultima sessão, e ás quaes eu não pude responder, porque a hora se achava bastante adiantada quando s. exa. acabou o seu discurso.

Sr. presidente, o digno par perguntou ao governo qual era o seu programma? Pediu explicações com relação a uma embaixada que s. exa. disse estava nomeada para ir a Madrid, a fim de felicitar Sua Magestade El-Rei de Hespanha, e manifestar-lhe o seu enthusiasmo pela queda da Rainha a Senhora D. laabel II. S. exa. quer tambem saber qual é a opinião do governo com relação á liberdade de ensino, e com respeito á descentralisação; e parece-me que tambem com relação á liberdade das eleições, e se o governo quer resolver a questão de fazenda pela creação de inscripções. Eu limiiar-me-hei a responder a estas perguntas.

Pelo que diz respeito ao programma do governo, eu devo dizer ao digno par, que já tive a honra de ser bem explicito a este respeito, nas duas casas do parlamento, quando aqui me apresentei com os meus collegas em outubro do anno passado, e então tivemos occasião de declarar...

O sr. Marquez de Vallada: - V. exa. dá-me licença?

Esqueceu-lhe uma pergunta, que eu tambem lhe dirigi, e é relativa á crise politica que motivou a saida, do sr. bispo de Vizeu e do sr. Saraiva de Carvalho, do ministerio.

O Orador: - Começarei pois respondendo a essa pergunta, visto que o digno par tem tanto empenho em saber o que houve com relação á ultima crise. Essa crise está explicada nos decretos de exoneração dos dois cavalheiros a quem o digno par alludiu. Dizem esses decretos que s. exas. pediram a demissão dos cargos que exerciam, e que ella lhes foi dada por esse motivo. São casos que se dão repetidas vezes, porque póde haver um dissentimento de opinião, que de em resultado que um membro do gabinete julgue não dever, ou não poder, continuar a tomar a responsabilidade de actos com que se não conforma.

Foi isto o que aconteceu em setembro do anno passado, em que eu, que não estava de accordo com os meus collegas n'uma questão importante, entendi que devia pedir a demissão, que me foi dada.

Isto acontece algumas vezes, como já disse, sem grande inconveniente para a causa publica, continuando o governo da mesma maneira na gerencia dos negocios publicos.

Com relação a essa crise, pois, é o que unicamente tenho a dizer.

Pelo que diz respeito ao programma do governo, o que me parece mais importante já nós o declarámos nas duas casas do parlamento - que actualmente a questão maxima, para este paiz, era a questão de fazenda, e que nós haviamos de empregar todos os meios para a resolvermos, e esses meios serão a mais severa economia na applicação dos rendimentos publicos, o augmento da receita e o fortalecimento do credito. Insisto principalmente n'esta ultima circumstancia, porque se infelizmente nós tivermos, e temos de certo ainda, necessidade por algum tempo de recorrer ao credito, quanto mais enfraquecido elle se achar maiores serão os sacrificios que teremos de fazer para o levantamento das sommas de que carecermos. E é n'essas operações que poderemos fazer economias importantissimas. Não quer isto dizer que não havemos de fazer outras economias; havemos de fazer todas as que podermos, grandes e pequenas, que sejam conformes com as necessidades do serviço. Mas, repito, as economias que se effectuam no levantamento das sommas que pedimos ao credito, essas são as mais valiosas de todas; e eu já na outra casa do parlamento fiz uma demonstração, que não tenho duvida de repetir agora, é a seguinte: a nossa divida fluctuante interna e externa monta hoje a 10.000:000$000 réis, numeros redondos.

Se os encargos d'esta divida montassem a 12 por cento (e infelizmente nós encontrámos operações feitas a 21, e algumas com a condição de poder o mutuario renova-las uma e duas vezes); se em logar de operações feitas a 21 nós podermos trazer os encargos d'essas operações a 6 por cento, por exemplo, veja a camara qual é a economia que se obteria desde logo!

Contentemo-nos com a hypothese de que esses encargos são de 12 por cento, termo medio, em 10.000:000$000 réis, montam a 1.200:000$000 réis. Se podermos porém trazer estes encargos a 6 por cento só aqui temos uma economia de 600:000$000 réis. Eu pergunto se é possivel fazer economias no pessoal dos serviços ou na organisação d'elles, que produzam com facilidade esta cifra.

Esta demonstração serve tambem para responder a outra pergunta que fez o digno par com relação ao systema

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financeiro do governo, - se queriam viver á custa de emissão de inscripções; é claro que não, porque se estivessemos constantemente a crear inscripções para supprir o deficit, ellas haviam de descer a um preço muito baixo, e havia de chegar tempo em que não tivessemos com que pagar os juros d'esses titulos.

É pois indispensavel começar desde já pela reducção das despezas publicas até ao que seja estrictamente necessario, entendendo-se porém que isto não ha de ser nunca fazendo se economias negativas, adoptando se medidas, que desorganisam os serviços, exigindo se pesadissimos sacrificios de todos os empregados publicos ou de certas classes d'elles, mas só sim supprimindo-se todos os empregos que não forem absolutamente precisos, e preenchendo as vacaturas com os empregados addidos, emquanto os houver com as habilitações necessarias para preencher os logares vagos. Quer a camara saber a quanto monta ainda hoje a despeza dos empregados addidos? Monta a 400:000$000 réis approximadamente.

Se nós chegarmos pois a levar a effeito a disposição que estabelecemos no decreto de 31 de outubro do anno passado, de não preencher as vacaturas que forem occorrendo senão com empregados addidos (salva a questão das habilitações indispensaveis), só aqui não teremos tambem uma economia de 400:000$000 réis?

O governo deve pôr de parte todas as despezas que não forem absolutamente precisas, sem comtudo deixar de fazer as que forem indispensaveis para o desenvolvimento da prosperidade d'este paiz, e por consequencia para o augmento da receita publica, que crescerá de certo á medida que crescer a riqueza geral. Quanto a novas emissões de inscripções entendo que só se deve recorrer a ellas na ultima extremidade; e como eesas emissões se não podem fazer senão por uma le:, o parlamento é o juiz competente para ver se as necessidades que determinam o governo a propor esse meio valem o sacrificio que se exige do paiz.

O digno par pergunta tambem a minha opinião sobre a liberdade do ensino; limito-me a responder que essa liberdade está consignada nas nossas leis, e ultimamente no decreto de 15 de julho de 1870, que estabelecem a liberdade de ensino tanto para a instrucção primaria como para a secundaria superior, com a unica condição de se fazer uma lei regulamentar para se dar execução a esse decreto, que é hoje lei. O ministro meu predecessor mandou á junta consultiva de instrucção publica, que redigisse a proposta de lei, que deve ser submettida ao exame das côrtes a este respeito. Logo que essa proposta esteja prompta, e eu a tenha approvado, apressar-me-hei a apresenta-la ao parlamento.

Mas estas questões são de grande importancia, e não podem ser tratadas de corrida. Peço por isso ao digno par que espere que se discutam n'esta casa as propostas que apresentei na camara dos senhores deputados sobre a reforma da instrucção primaria e secundaria, e então teremos occasiào de discutir largamente esta questão.

Tambem o digno par quer saber qual é o pensamento do governo ácerca ia descentralisação? Responderei do mesmo modo. Está na outra casa do parlamento uma proposta que melhora muito, a meu ver, algumas das disposições do codigo administrativo de 1842. Espero que esta proposta não tardará aqui, e então trataremos convenientemente da questão de descentralisação: parece-me que se falla muito em descentralisação; mas que se não comprehende bem até onde ella póde ir, onde deve parar, a fim de se poderem realisar os melhoramentos, que com ella se pretendem obter.

Quanto á liberdade de eleições, o digno par sabe que é um principio que tenho seguido sempre durante a minha longa carreira publica. Em 1868 fez-se uma eleição geral, e as instrucções que dei aos governadores civis consistiam na mais completa liberdade da urna. Prefiro, lhes disse; eu, perder todas as eleições, a ganhar uma só por meios violentos. Para a perda das eleições ha um remedio, que é a nomeação de um novo ministerio; porém uma eleição viciada é o descredito do systema representativo. Só uma camara livremente eleita póde representar a verdadeira opinião do paiz, que é uma condição indispensavel de bom governo no systema representativo. Eu quero pois toda a liberdade nas eleições, a fim de os que deputados eleitos não representem a opinião das auctoridades, mas a opinião do paiz. Só assim poderemos conhecer as suas verdadeiras necessidades, e obter ministerios parlamentares e constitucionaes.

Quanto á embaixada, o digno par deu demasiada importancia a este negocio, porque fallou em uma grande embaixada, quando não ha nada d'isso. N'este paiz, ha treze ou quatorze annos a esta parte, não citarei as datas, tem-se estabelecido a pratica de mandar em missões especiaes alguns enviados extraordinarios comprimentar, em circumstancias analogas, soberanos com quem o nosso está em boas relações. Por exemplo, quando o actual imperador da Allemanha subiu ao throno da Prussia, quasi todas ou todas as nações mandaram representantes comprimenta-lo e assistir á sua coroação; nós mandámos o sr. José de Vasconcellos representar o Soberano de Portugal n'aquelle acto. Mais tarde, quando o rei da Sardenha assumiu o titulo de rei de Italia, foi o sr. visconde de Seisal em missão especial comprimenta-lo por aquelle motivo. Quando o infeliz imperador Maximiliano subiu ao throno do Mexico, El-Rei de Portugal mandou em missão especial o sr. visconde de Souto Maior comprimentar aquelle soberano.

O sr. Marquez de Vallada: - Não é bom presagio.

O Orador: - E os outros dois precedentes serão mau presagio? Subiu ao throno de Hespanba o principe Amadeu, cunhado de El-Rei: porque rasão se havia de fazer menos por este soberano do que se tinha feito por outros em igualdade de circumstancias? Vae brevemente em missão especial a Madrid um collega nosso, e este cavalheiro, devo fazer-lhe esta justiça, a unica condição que propoz para aceitar aquella missão foi a de ir sem subsidio algum do thesouro. Este facto é digno do successor do primeiro duque de Palmella, que gastou uma grande somma da sua fortuna quando foi assistir por parte de Portugal á coroação da minha de Inglaterra, tendo exigido tambem ir á sua custa desempenhar esta honrosa missão de que Sua Magestade o encarregou.

Lembrarei tambem ao digno par, que quando o Senhor D. Pedro V tomou as redeas do governo, por ter chegado á maioridade, quasi todas as nações mandaram missões extraordinarias ao nosso paiz para comprimentar El Rei por essa occasião. Direi ainda ao nobre marquez, que s. exa. já tinha assento n'esta camara quando se deram os tres factos que acima referi, e s. exa. não censurou de modo algum o governo por ter praticado usar actos de cortezia.

Eu creio, sr. presidente, que a camara me dispensará de responder ás outras partes do discurso do digno par.

S. exa. já disse que havia de replicar; eu pedirei pois de novo a palavra se o julgar preciso.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, é com muita difficuldade que tomo a palavra, porque não tenho todos aquelles dotes necessarios para devidamente tomar partenestes importantissimos debates; entretanto tenho obrigação, quaesquer que sejam as minhas circumstancias, de dizer á camara e ao paiz qual é a maneira como eu entendo os negocios publicos.

O sr. presidente do conselho, respondendo a uma das perguntas que lhe dirigiu o sr. marquez de Vallada, disse que = a politica do governo actual era a mesma do governo que o tinha precedido, e que tinha obrigação de fazer vigorar a politica do ministerio anterior, sendo o seu fim principal equilibrar a receita com a despeza =.

Eu estou convencido de que o sr. presidente do conselho e os seus collegas hão de fazer algumas reformas na administração publica, como já as teem feito, e que hão de

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dar bons resultados; mas tenho tambem a intima convicção de que a primeira cousa de que se deve tratar é de uma reforma radical em todos os ramos da publica administração, que nos faça sair do estado deploravel em que nos achâmos; esta reforma, porem, duvido que s. exa. a faça.

Esta, sr. presidente, é a minha convicção, partilhada tambem por grande parte do paiz.

Não seguirei o sr. marquez de Vallada nas perguntas que fez ao governo, nem o sr. presidente do conselho nas respostas que deu ao digno par, por consequencia entro n'esta discussão sem me ligar ao que até agora se tem dito.

Desde 1867 até agora que o povo, mais ou menos inquieto, mas sempre ancioso, deseja que os negocios publicos tomem uma vereda que nos leve a um estado de cousas que nos afiance uma mudança no systema de administração seguido até hoje e que causou essa inquietação.

O sr. Andrade Corvo: - Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: - O sr. bispo de Vizeu e os outros cavalheiros foram chamados para o ministerio logo depois de terem começado estas inquietações; entraram nas mais favoraveis circumstancias para promover as reformas de que o paiz carece, mas quaes foram os resultados que tiraram d'estas circumstancias? Limitaram-se apenas a fazer algumas economias e algumas pequenas reformas, sem que se fizesse a que era absolutamente indispensavel, isto é, a reforma total na administração do paiz. Outros ministerios se seguiram ao de s. exa. que tambem fizeram algumas reformas, mas da mesma sorte esqueceram aquellas que nos podia levar a um estado mais prospero.

Veiu depois um governo, composto dos srs. marquez d'Avila e de Bolama, bispo de Vizeu, Saraiva de Carvalho, general Rego, Mello e Gouveia e Carlos Bento. Em consequencia de divergencia entre os srs. ministros sairam do gabinete os srs. bispo de Vizeu e Saraiva de Carvalho, e entraram o sr. Sá Vargas e o meu amigo o sr. visconde de Chancelleiros. A saida d'aquelles dois cavalheiros foi devida, como todos sabem, ao facto da nomeação do patriarcha de Lisboa, não me parece que fosse senão um pretexto para que saissem do ministerio aquelles dois cavalheiros a que ainda chamavam reformistas, e por isso morreram por elles, porque os dois eminentes prelados, origem innocente da desintelligencia ministerial, qualquer d'elles era proprio a ser elevado á dignidade de patriarcha de Lisboa.

Sr. presidente, são muito dignos os cavalheiros que vieram completar o gabinete; mas devo dizer ao meu prezado amigo, o sr. visconde de Chancelleiros, que sinto que na actualidade s. exa. entrasse no ministerio, onde estão representados os diversos partidos que teera havido n'este paiz; taes como: regenerador, historico e fusionista, que desgraçadamente não foram felizes nas suas medidas de administração. S. exa., homem novo, não devia ir partilhar a politica de partidos que não têem dado resultados favoraveis; devia guardar-se para outra occasião, não se apressar, e esperar para entrar no ministerio quando houvesse uma politica que fosse verdadeiramente nacional, para o que s. exa. era muito proprio pela sua intelligencia e talento, e por estar ligado aos interesses do paiz.

S. exa. porem não o julgou assim, e sinto vê-lo agora n'aquelle logar. Espero que o nobre ministro desculpará as minhas palavras, porque sou ha muito amigo sincero de s. exa.; mas nas cadeiras dos ministros não vejo senão ministros.

Sr. presidente, tenho a convicção de que nada nos afiança que se venham a fazer aquellas reformas que são indispensaveis para que as circumstancias do paiz melhorem.

O governo apresentou já varias propostas de lei na outra casa do parlamento, que eu não posso desde já avaliar devidamente; mas direi que não é possivel que um estado de cousas, resultado de administrações de mais de vinte annos, se queira remediar immediatamente por meio de impostos, porque isso daria o mesmo resultado que obteve o medico ignorante, matando o doente, quando elle poderia viver se não fosse o methodo seguido no tratamento da doença.

Referindo me agora á lei sobre administração, apresentada pelo sr. presidente do conselho, vejo que n'ella se encontra um artigo que supprime os conselhos municipaes. Não me posso conformar com esta disposição. Eu entendo que os conselhos municipaes são a base de toda a administração municipal, sobretudo quando se diz que se quer descentralisar. O conselho municipal é inevitavelmente necessario; não se póde passar sem elle, aliás o municipio ficaria debaixo da tutela do governo; e querer a liberdade local n'estas condições é contraproducente.

Eu tenho aqui fallado muitas vezes eobre a organisação actual dos conselhos municipaes, a qual dá o resultado que se ve no relatorio sobre o imposto de consumo, elaborado pelo sr. Sant'Anna e Vasconcellos, que é uma obra de muito merecimento. N'este relatorio se apresenta uma lista dos direitos de consumo que pagam os concelhos de Faro e de Bragança, que occupa dez paginas! Eu, em 1866, já chamei sobre este objecto a attenção da camara, apresentando uma tabella do que pagavam n'aquella epocha alguns concelhos do norte de Portugal; não pretendo ler agora essa tabella, mas basta dizer que no concelho de Caminha o imposto de consumo que pagava um almude de vinho era de 1$920 réis, alem de 6 réis em cada arratel de carne verde, visceras miudas, tripas e carne de cabeça, fóra 960 réis por cada boi ou vacca que se matasse no concelho. A vista d'isto tenho toda a rasão em não querer um concelho municipal organisado pela maneira actual, mas por eleição segundo o codigo administrativo de 1838.

Não me posso tambem conformar com a disposição da lei de fazenda, que exceptua os capitaes empregados na divida publica, tanto externa como interna, de qualquer contribuição.

Eu entendo que os juros d'estes capitaes devem estar sujeitos aos mesmos encargos a que estão sujeitos todos os outros rendimentos; e esta opinião, sr. presidente, não é só minha, é tambem a opinião de um notavel publicista e economista, mr. Parieu, que todos conhecem, e cuja auctoridade em materia de credito é incontestavel. Este notavel economista, na sua historia geral dos impostos sobre a propriedade e a renda, publicada em 1856, diz o seguinte a paginas 322:

"Governos leaes e experimentados em negocios de credito publico, como o de Inglaterra e de Hollanda, desde muitos annos que não teem receiado submetter ao imposto sobre a renda os juros dos capitaes emprestados ao governo, ainda mesmo quando os contratos originaes declarem que os juros seriam pagos livres de impostos, admittem como principio que um imposto recaindo sobre a generalidade dos rendimentos podia tambem affectar os credores do estado sem que peiorasse injustamente a sua posição, nem arruinasse o credito publico, pois que a pressão do imposto sobre o emprego particular dos capitaes deve abranger igualmente todos os outros capitaes, e que o contrato de divida contrahida pelo estado não parece ser mais immutavel do que aquelle em que o estado garante a protecção social aos fructos da terra, e ao trabalho pessoal, que soffrem as modificações que resultam das exigencias fiscaes.

"As necessidades publicas por um lado, e a igualdade proporcional do imposto por outro, parece n'esta materia constituir a lei suprema.

"E n'esta vereda em que o segundo Pitt fez entrar o seu paiz, quando ha mais de meio seculo estabeleceu o income tax, politica seguida pelos legisladores que lhe succederam, que tanto em Inglaterra como fóra d'ella organisaram os impostos d'esta natureza."

Em uma nota a estes paragraphos que acabo de ler se encontra o seguinte:

"Mr. Gladstone, no seu discurso de 15 de abril de 1853,

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referindo se a esta questão, diz o seguinte: Parece, depois de um serio exame d'esta questão, que devemos considerar esta doutrina universalmente admittida de que somos obrigados a dar uma interpretação racional ás clausulas que garantem juros dos capitaes emprestados ao governo, a isenção do imposto; mas eu entendo esta questão do mesmo modo que a entendia mr. Pitt, de que a estas clausulas se deve dar uma verdadeira interpretação racional, isto é, não considerar a natureza especial do rendimento, mas considerar unicamente estes juros como quaesquer outros rendimentos ordinarios de que gosa quem o recebe.".

Sr. presidente, este é que é a verdadeira doutrina, a qual tem sido seguida pelos governos de Hollanda, Inglaterra, e agora a Belgica e a Hespanba.

Quando ha capitaes privilegiados, cujos rendimentos não estão sujeitos á taxa do imposto, succede sempre que todos os capitaes disponiveis, que poderiam ser beneficamente empregados na agricultura e na industria, vão empregar-se em emprestimos ao governo. Isto, sr. presidente, entendo eu que é muito nocivo, pois não pôde, em face dos principies, admittir-se e sanccionar-se uma disposição, que tão directamente prejudica a agricultura, as artes e a industria; e se em geral não é admissivel, muito menos deve ser agora permittida a existencia de capitaes privilegiados, quando se vae sobrecarregar a propriedade, a industria e a agricultura com impostos exageradissimos, não exceptuando até os generos de producção quando forem exportados.

Conceder este privilegio aos capitaes é pois, na minha opinião, uma medida não só injusta, mas nociva ao desenvolvimento natural do progresso das industiras e da agricultura.

O estado pouco lisonjeiro das finanças do paiz é o resultado da administração de muitos annos, e querer acabar de repente com este estado, só se póde fazer aniquilando totalmente as forças vitaes que restam ao paiz.

Fallarei, sr. presidente, de uma proposta de lei, que tambem sentirei muito ver approvada; refiro-me á auctorisação que o governo pede para vender as matas do estado; esta lei auctorisa a venda de todas as matas nacionaes, exceptuando unicamente as que guarnecem as margens dos rios, e aquellas que abrigam os valles.

Pergunto, em que categoria se considera o pinhal de Leiria? Entre os srs. ministros está uma pessoa muito competente e conhecedora d'esta especialidade, e que póde muito bem medir o alcance de similhante medida.

Quando pela igualdade de partilha se vão reduzindo os terrenos a pequenas glebas, como é que se pôde, como querem arborisar o paiz? Per um lado destroem-se as matas, que são necessarias para promover chuvas e humidades, e ao mesmo tempo se destroem as que existem, sem que haja outras que as possam vir a substituir.

Está-me lembrando a venda das lezirias a uma companhia! Naturalmente hão de vender-se as matas e pinhaes a alguma companhia poderosa, em que possam ser presidentes e directores, com bons ordenados, os ministros d'estado e membros do parlamento, como actualmente acontece com algumas em que os ministros muitas vezes têem de decidir negocios das mesmas companhias em que elles são interessados.

Pois é possivel que isto seja proveitoso aos interesses do paiz!? Pois não poderá dar motivo a certas preferencias, que redundam em prejuizo da fazenda publica?

Sr. presidente, eu estou muito persuadido que os srs. ministros que se achem n'estas circumstancias, que, quanto a mim, constituem uma dão mais importantes incompatibilidades, não serão capazes de se aproveitarem da situação vantajosa em que se acham para decidirem os negocios das suas companhias, segurdo os seus interesses particulares, porque os tenho por pessoas de probidade; entretanto, sr. presidente, a mulher de Cesar não basta que seja casta, é preciso que o sopro da maledicencia não possa manchar a sua virtude.

Tenho repetidas vezes apresentado aqui projectos de lei (a que as commissôes, a que foram remettidos, não têem querido dar andamento), para evitar que ministros d'estado e membros do parlamento possam ser directores e presidentes das companhias creadas em virtude de leis, mas debalde.

Já disse que são necessarias reformas profundas em differentes ramos de administração. A primeira reforma, para que se possam fazer depois todas as outras de que o paiz carece para a sua boa administração, é a reforma parlamentar, constituindo o nosso parlamento como o da Belgica, com a lei de incompatibilidades de 27 de maio de 1848.

Tambem é necessario diminuir a lista civil, que não está em proporção com os recursos actuaes da nação. Quando se pretende lançar impostos excessivos sobre todos e sobre tudo, é necessario que as economias principiem desde as pessoas mais elevadas, para que se veja que ninguem se exime dos sacrificios que são exigidos a todos. Sei que as pessoas elevadas a quem alludo fazem espontaneamente uma cessão generosa de parte das suas dotações, mas é necessario que n'isto de deducções haja uma igualdade relativa, tudo na mesma proporção em attenção aos rendimentos da nação, e aos seus encargos, que não permittem actualmente que se gaste o mesmo que em outro tempo se gastava. Não me cancarei de repetir isto, porque são verdades reconhecidas.

O conselho d'estado deve ser gratuito como já é, mas o seu numero não deve ser limitado, para que o Rei possa escolher as pessoas com quem se quizer aconselhar.

É necessario que o tribunal do contencioso administrativo acabe, porque é muito despendioso, e que as suas attribuições vão para os tribunaes ordinarios; e bem assim a suppressão de alguns bispados e governos civis, que depois dos caminhos de ferro, que tanto facilitam o transito, annullando as distancias, não haverá inconveniente em que alguns sejam supprimidos.

Sr. presidente, ha ainda outro objecto que é necessario tomar em consideração, e vem a ser o alvará de 7 de janeiro de 1757. Este alvará dá certos privilegios a algumas companhias creadas no tempo do marquez de Pombal, privilegios que actualmente se applicam a outras. Eu já aqui apresentei uma emenda sobre este objecto, quando se tratou das sociedades anonymas, mas não foi adoptada. Acho summamente injusto que quem tiver uma questão com qualquer companhia, ou mesmo quando o governo quizer dissolver alguma, e for preciso recorrer a processos, se vão encontrar por juizes pessoas interessadas nas mesmas companhias, sem que possam ser dadas por suspeitas, como dispõe aquelle alvará, que deve ser revogado.

Os ministros e os membros do parlamento, já eu demonstrei que não devem pertencer a companhias, cujos contratos sejam approvados pelas côrtes, mas é preciso tambem que os empreiteiros de obras publicas e os seus fiadores e socios não possam ser membros do parlamento; estas incompatibilidades acham-se estabelecidas em Inglaterra, nos Estados Unidos, e n'outros paizes que nos podem servir de modelo.

A liberdade de testar é tambem indispensavel, para evitar a extrema divisão da propriedade, e fortalecer a auctoridade paterna.

Se se quer que o paiz attinja um grau de prosperidade igual aquelle em que se encontram outros, é preciso uma reforma geral na conformidade do que tenho exposto alem de outras; só assim é que o povo pagará os impostos de boa vontade. Mas exigir sacrificios aos contribuintes, e deixar as cousas no mesmo estado, isso é que é impossivel.

Se os srs. ministros estão nas minhas idéas, dar-lhes-hei o meu voto, aliás não lh'o posso dar, e continuarei a dizer aquillo que entendo que é a verdade, e por isso gostei sempre muito d'aquelle verso de Horacio: dissere verum quid vetat, e omitto a palavra ridentem do poeta, porque o caso não é para rir. Tenho concluido.

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O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem, pare, mandar para a mesa uma representação do banco alliança ácerca de um projecto de lei que está na outra camara, e que tem por fim lançar um imposto sobre os dividendos das acções dos bancos.

Leu-se na mesa e foi distribuida á commissão de fazenda.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Eu não sei se o digno par, o sr. marquez de Vallada, quererá responder ao sr. presidente do conselho?...

O sr. Marquez de Vallada: - Tome v. exa. a palavra, que depois responderei ao sr. presidente do conselho.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Muito bem. N'esse caso aproveito a occasião.

Sr. presidente, quando o digno par, o sr. marquez de Vallada, interpellou o governo no principio d'esta semana, creio eu, provocando explicações que tornava de todo o ponto necessarias, eu, esperando que o nobre presidente do conselho respondesse a ellas, não tinha a mais leve intenção de usar da palavra; mas uma vez que s. exa. não satisfez, em quanto a mim. a essas perguntas do digno par, não posso deixar de, em desempenho do cargo que occupo, pedir, insistir e provocar explicações a que o paiz e o parlamento têem direito.

O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.

O Orador: - Quando em novembro do anno passado hostilisei o governo, creia v. exa. e a camara que não foi por um desejo pueril de me mostrar um catão, mas sim pelo vicio de origem que eu via no governo que então occupava aquellas cadeiras e que ainda hoje occupa. Esse vicio de origem, que eu já expliquei largamente n'esta casa, como o entendia, fazia com que eu julgasse que o governo era uma delegação do governo de 19 de maio. As rasões que tive para assim pensar eram claras e obvias, e uma parte d'ellas já eu referi aqui na camara; foram as respostas do sr. presidente do conselho e foi o desmandamento natural dos negocios publicos.

Aqui teem v. exa. e a camara as rasões, mais ou menos detalhadas, em que me fundava para julgar o governo uma delegação do ministerio anterior, e para tambem o hostilisar como hostilisei.

Sr. presidente, quer v. exa. saber como se resolveu um negocio de maxima importancia do systema constitucional? Eu o vou dizer. O governo abriu as côrtes no dia 2 de janeiro, e tanto receiou incommodar se com ellas abertas que as adiou para 3 de fevereiro. Pois, sr. presidente, quando chegou este dia tinha havido uma grande alteração no governo do estado; tinham saido dois cavalheiros, um dos quaes significava nada manos do que o apoio de um partido inteiro, o que já vale muito aonde ha tantos fraccionarios. Mas, saiu esse cavalheiro representante do tal partido, e o paiz e a imprensa fizeram mil reflexões; cada um disse o que quiz. Pois, sr. presidente, no fim de tudo isto o sr. presidente do conselho, em cinco dias que o parlamento esteve aberto, não achou uma só occasião, uma só, para dar explicações a este respeito nem ao parlamento nem ao paiz! Tal foi a desconsideração com que s. exa. nos tratou! Toda a gente imaginou tambem que, tendo assento n'esta casa do parlamento o illustre prelado o sr. bispo de Vizeu, s. exa. se levantasse para nos dar explicações sobre a sua saida do gabinete; parecia-me, pelo menos, que tinha o dever constitucional de o fazer; e s. exa. que foi sempre campeão d'esta idéa, e muitas vezes eu tive a honra de o acompanhar na outra casa do parlamento, não era capaz de fugir a esta responsabilidade se não houvesse motivo muito poderoso que lhe prendeu a voz. Ora, que a voz fosse presa no nobre presidente do conselho não me admirava, mas presa no illustre prelado, chefe de partido, homem passando por energico, oh! não sei o que deva suppor de tudo isto. O facto deu se, e até hoje o sr. bispo de Vizeu não explicou as rasões por que tinha abandonado o poder quando foi s. exa. quem deu força ao nobre presidente do conselho.

Eu não me admirei da saida do nobre prelado, porque aqui n'esta casa a tantos de novembro, não me lembra quantos, disse eu á camara que havia de acontecer isto, e o governo havia de se completar com amigos particulares do sr. presidente do conselho, porque o ministerio assim recomposto não havia de durar, em presença da camara, tres semanas. Ainda não passaram estas, e não me desobrigo da palavra. Isto disse eu n'esta casa convencido de que dizia a verdade. Sairam dois cavalheiros do gabinete, o governo recompoz-se e não foi buscar elementos ao partido militante mais forte, mais energico, áquelle que estava perfeitamente organisado, ao partido do sr. bispo de Vizeu! Mas escolheu dois cavalheiros na verdade distinctos, que eu estimo e prezo, e de quem sou amigo, mas que não estavam no exercicio dos partidos. A verdade é esta. Póde dizer-se hoje que no governo não está ninguem que represente partido algum d'esta terra! Ora, se nas formulas do systema constitucional o governo governa fora dos partidos, então acabe se a eleição, acabe-se tudo, porque não é preciso que o paiz intervenha em nada. O facto deu-se, e nós aqui estamos, e até hoje não houve explicações. O nobre marquez de Vallada provocou-as e não as obteve! Foi então que eu pedi a palavra, e não a pediria, dou a minha palavra de honra, se não visse o silencio do sr. presidente do conselho, e a camara sujeitar-se diante d'esse silencio! Não merecemos as explicações do sr. presidente do conselho nem do sr. bispo de Vizeu, mas espero que o illustre prelado n'esta parte as ha de dar.

Sr. presidente, hostilisei o governo de então, e não se creia que houve em mim sentimentos de animosidade. Eu respeito os cavalheiros que ali se sentavam, considero-os todos; mas superior a tudo para mim está o interesse publico, e quando não poder tratar d'elle não venho a esta casa. E aqui por incidente direi, que sou d'aquelles que querem uma reforma tal d'esta casa, que, feita segundo a minha indicação, era muito provavel que eu fosse um dos que saisse e não entrasse mais. Eu tive treze annos a carta de par, sem ter a honra de vir aqui tomar assento.

Sr. presidente, se então censurei os partidos que se annullavam completamente, dando força a quem a não tinha, a rasao era clara; é porque eu entendi e entendo que o melhor serviço que se podia fazer a esta terra era não dar importancia a nomes, a individuos, a isso que se chamava governo pessoal, o mais detestavel de todos os governos entre as diversas formas de governo estabelecidas na sociedade pela vontade do povo. Tão mau é o governo pessoal das camarilhas dos réis, como o governo pessoal das camarilhas de individuos. Para as enfreiar é que os povos têem escolhido estas formas de governo, que não se podem desprezar sem offensa do seu principio vital.

Pois o que quer dizer, sr. presidente, os chefes dos partidos disporem dos homens, como se dispõe de um baralho de cartas? Pois ha algum chefe que tenha direito a annullar completamente o seu partido, a sacrificar lhe os seus principios, a apoiar o que este ou aquelle individuo fizer, seja o que for? Isto não póde ser.

Sr. presidente, tenho-me lembrado de um homem que todos nós conhecemos, mas que já não existe, que bastantes vezes na tribuna estygmatisou estas aberrações, ou antes este desprezo pelos direitos publicos e constitucionaes a que nos temos deixado arrastar, e em virtude do que temos sido sacrificados. Aqui tem v. exa. a rasão por que eu censuro os partidos, e não só censuro os chefes como aquelles que abdicam dos seus direitos, especialmente do direito de liberdade de acção constitucional para deixar depois a sua sorte ao arbitrio, sabe Deus, muitas vezes, de quem!

Não é assim que se deve comprehender o systema representativo. E por estas cousas que eu levanto aqui uma bandeira de corso, quer dizer, isolada exclusiva, por ser um dos unicos que não estou disposto a sacrificar a minha rasão e os meus direitos até a este ponto; não me resolvo a sustentar um governo de unanimidade, que não indica senão o governo pessoal.

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Sr. presidente, quando eu disse que o actual governo era uma delegação do governo de 19 de maio, não dizia senão a verdade, porque elle ainda está em dictadura. Eu fallei aqui ha tempo em tres bills de indemnidade, pois ainda ha de ser preciso outro para este ministerio, porque não ha muito tempo que o sr. presidente do conselho, na outra casa do parlamento, disse que tinha concedido á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, do norte e leste, o emprego de rails com a força equivalente a 35 kilogrammas de peso, em vez vez de 37. E o que é isto senão um acto de dictadura? Qual foi o acto do parlamento que deu poder para se alterar o contrato d'aquella companhia? Pois ha uma obrigação por contrato especial, de se formar um caminho da certa e determinada maneira, e ámanhã altera-se essa obrigação, e faz se novo contrato sem se dar parte ás côrtes? Fazem-se assim alterações de contratos d'aquella ordem, aem mais nem mais?

Eu creio que não ae podem, nem se devem fazer sem o parlamento ser ouvido. E no entanto o governo entendeu que tinha poder para tudo que lhe aprouvesse, e exorbitou do seu poder para fazer um acto de dictadura d'esta ordem! Que é pois esta governo senão um delegado do de 19 de maio?

Sr. presidente, seja ou não este governo o que eu digo, passemos a tratar das medidas tributarias, que são admiraveis. Não quero discuti-las, porque o governo apresentou as na outra camara, e depois é que hão de vir a esta; hão de ser lá discutidas e muito bem tratadas por cavalheiros de vastissimos: conhecimentos, e de certo serão cortadas as excrescencias e tudo que for contrario aos bons principios economicoa. Principios economicos!... Isso é cousa que já por cá aão ha. São as matas e pinhaes em toda a Europa uma das grandes riquezas que as nações possuem e legam de geração em geração á posteridade; pois tem, em Portugal, por principio economico, propõe o governo vender as reatas e pinhaes do estado, que ainda nos restam, para assim se tornarem em carvão como succedeu aos preciosos pinhaes e matas que eram dos conventos, e que! Assim foram vendidas ou dadas, para se tornarem em carvão; assim cono vimos acabar com os bens dos conventos que era outra riqueza de grande vulto, já me não admira que se acabem tambem os pinhaes e as matas que nos restam.

Mas, sr. presidente, já que fallei nos novos tributos, direi de passagem que não sei porque rasao se vae tributar o trabalho de uma malher que vive de engommar ou pés pontar camizas, ao passo que outros muito mais favorecidos da fortuna não pagam tributos; aquellas porque moram n'umas casas de tres moedas, hão de ser tributadas! Eu pago algumas d'estas pobres casas, sei o que são as rendas, e creio que não ha nenhuma que seja inferior a tres moedas em Lisboa; pois, como ia dizendo, quem morar era casas d'esta ordem vás ser tributado, e de que maneira!?... O projecto cá ha de ir, e então fallaremos.

Mas, repugna que ao passo que os individuos mais infelizes vão pagar tribuÊos, haja por ahi banqueiros era Lisboa, que têem dezenas e dezenas de contos de réis de lucros e pagam apenas 100$000 reis! De sorte que a pobre costureira, o mergulhador, o marçano de tenda e outros de iguaes haveres têem que pagar tributos, e os taes srs. banqueiros que ganham cezenas e alguns centenas de contos, pugam pela nossa bei a organisaçao de matrizes a quantia insignificantissima para elles de 100$000 réis ou pouco mais!

Ora isto é o mais repugnante que é possivel, e não póde continuar assim.

Com toda a logica e raciocinio que s. exa. empreguem, não conseguirão convencer estes pobres contubuintes, que seja justo o pagarem elles tanto do pouco que têem, quando os grandes capitalistas pagam tão pouco do muito que ganham nas suas transacções.

Sr. presidente, eu respeito a decisão de todos os partidos, mas declaro-me separado de todos elles, menos no que for prestar o meu apoio áquelle, seja qual for, que governar bem; masmo a s. exas., se apresentarem medidas que me pareçam uteis a este paiz, pois no que se chama marcha parlamentar nem me considero em opposiçào facciosa e syatematica, mas sim em opposiçào permanente e conscienciosa.

Nada mais digo, nem posso dizer mais. O que peço a s. exas., e sobretudo ao digno prelado, é que hajam de explicar o que foi esta historia de abandonarem dois dos seus collegas e amigos aquellas cadeiras, e andar depois o sr. presidente do conselho a pedir aos partidos que lhe dessem uma mão poderosa e forte, que o sobrelevassem a tudo, para que as finanças fossem regularisadas e as economias se realisassem. S. exa. achou como meio de ir para o governo as economias e os tributos (n'isso estão todos de accordo), mas não sei qual era a terceira condição. Creio que n'isto nada perco.

Emquanto a tributos, sr. presidente, eu não digo o que se não saiba, digo que é necessario um systema para impor tributos, porque o povo considera isto como quem tira agua de um barril por meio de uma torneira. Quando todos estão a censurar o erro, o vicio do systema tributario, os srs. ministros aggravam este defeito, impondo a tudo mais tantos por cento, isto sem termos, sem meios, sem rasão, sem explicação, sem cousa nenhuma! Isto corresponde á reforma do nosso codigo administrativo; que tanto necessitava de quem o brunisse e o tornasse moderno, e que tambem se quer alterar sem systema e rasào de ser! Sendo uma das maiores necessidades de reforma a que resulta da impunidade com que as auctoridades administrativas affrontam o julgamento dos tribunaes, pela necessidade da licença do governo para se proceder contra ellas quando exorbitam. Privilegio que se assimilha ao que injustamente gosam os membros do parlamento, que só podem ser julga1 dos com licença das suas respectivas camaras, que muitas vezes preferem a impunidade a verem um dos seus membros sentados no banco dos réus.

Mas todo este conjuncto de cousas que se notam não merece uma explicação do banco dos srs. ministros, e eu queria-a, não por consideração a mim, porque nada valho, mas por consideração a esta camara e á dos senhores deputados, mesmo ao paiz todo que tem direito a saber como é governado, e parece-me que isto é justo (apoiados)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu suppuz que tinha sido bastante explicito respondendo á pergunta que me fez o sr. marquez de Vallada, e até por ahi comecei o meu discurso; mas o que eu noto é o calor com que o sr. conde de Cavalleiros fallou, em que eu não pretendo acompanha-lo, calor que s. exa. tomou, porque os ministros não vieram ao parlamento dizer qual foi a rasão porque dois dos seus collegas sairam do ministerio!

Ninguem pediu aos ministros explicação alguma d'esse facto, e o governo não tinha explicação nenhuma a dar desde o momento em que declarou que mantinha a mesma politica do ministerio de 28 de outubro de 1870. Não houve por consequencia alteração nenhuma fundamental na sua politica. Mas o que é notavel é que se formasse um ministerio em 29 de agosto, e n'uma situação altamente importante, que revelava uma mudança radical na politica, e que, tendo pouco depois um dos membros d'esse gabinete julgado dever sair do ministerio, ninguem perguntou a rasão d'isso. Para que é pois esta insistencia com relação á saida dos dois cavalheiros a que alludi, quando o gabiuete mantem precisamente o programma que seguia quando esses dois cavalheiros faziam parte da administração? A camara julgará Mas parece me que este parallelo não admitte uma explicação muito plausivel da parte do digno par. Abriu-se a camara, e ninguem perguntou a rasão por que um dos membros do gabinete de 29 de agosto tinha saído do ministerio. Agora está a patria em perigo; houve uma desconsideração para com o parlamento, porque os minis-

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tros não vieram dar explicações sobre aquillo que se póde considerar um negocio de familia, e com que o parlamento não tem nada desde que o governo declarou que seguia a mesma politica. Houve uma scisão entre alguns membros do gabinete, e dois d'elles julgaram que deviam sair. Foi o mesmo exactamente que aconteceu em setembro de 1870, e o proprio digno par não julgou dever fazer observação alguma a este respeito.

Eu não quero acompanaar o sr. conde de Cavalleiros em todas as arguições que me fez n'aquelle tom de irritação que s. exa. gosta de empregar, e que me incommoda muito pelo mal que deve fazer a s. exa.

O digno par insiste em que esta situação é a continuação da de 19 de maio, e dá como unica prova que estamos ainda em dictadura, porque o presidente do conselho teve a ousadia de dizer na outra camara que permittiu á companhia dos caminhos de ferro substituir alguns carris arruinados do peso primitivo de 34 kilogrammas por outros de 35. Eu digo á camara o que fiz, e espero que ella me dará a sua approvação. Todos conhecem os sinistros que têem havido ha algum tempo a esta parte nos caminhos de ferro. Esta circumstancia não podia deixar de chamar a minha attenção como ministro das obras publicas que então era. Chamei os directores da companhia, chamei o fiscal do governo junto d'ella, e soube que uma parte dos carris não estavam em estado de continuar a servir sem perigo.

Ordenei portanto á companhia que substituisse estes carris por carris do peso de 37 kilogrammas, segundo as condições do contrato, que eu conheço. Todos sabem que eu costumo estudar ha muito tempo estas questões, e que tomei uma parte muito activa na discussão do contrato de que se trata, quando elle se discutiu na outra camara, onde eu então tinha assento (apoiados}.

O contrato permitte que a companhia na primeira construcção empregue carris do peso de 34 kilogrammas, mas que na segunda collocação deve substituir aquelles carris por carris do peso de 37 kilogrammas. Agora, quando a companhia foi chamada, allegou que era virtude de diversas circumstancias, que é necessario referir aqui, lhe era absolutamente impossivel poder substituir os carris arruinados por carris do peso de 37 kilogrammas em menos de sete annos, emquanto que podia ter aqui em dois mezes duas mil toneladas de carris do peso de 35 kilogrammas, dando todas as garantias de solidez. A companhia pediu-me pois que lhe permittisse aquella substituição. O conselho de obras publicas tinha já sido ouvido sobre uma pretensão analoga, e consultara favoravelmente. Perguntarei agora: devia eu tomar sobre mim a responsabilidade dos sinistros que podessem ter logar durante os sete ou oito mezes que haviam de decorrer até chegarem os carris de 37 kilogrammas de peso, emquanto que em mez e meio ou dois mezes se podiam substituir os carris avariados por carris do peso de 35 kilogrammas, dando todas as garantias de solidez? Entendi que não devia tomar essa responsabilidade, e resolvi favoravelmente a pretensão da companhia; ordenei-lhe comtudo que fizesse desde logo a encommenda dos carris do peso de 37 kilogrammas, para serem collocados em substituição dos carris de toda a linha.

Eis-aqui o facto que o digno par apresentou como acto de dictadura praticado por um governo que tem a ousadia de tomar uma medida d'esta ordem, tendo em vista o interesse publico e a consideração dá vida dos passageiros. Aqui tem a camara a explicação do acto que pratiquei, e se o digno par entende que mereço severo castigo, peço a s. exa. que se não precipite, porque tem de ser meu juiz, e digo que quando aqui Ee está constantemente a pedir a reforma d'esta camara, deviam os dignos pares compenetrar-se primeiro da sua missão, porque a accusação dos ministros pertence á camara dos senhores deputados, e eu apresentei lá este facto e ninguem me accusou, e se tivesse de ser julgado por esta camara tinha direito de dar o digno par por suspeito n'esta questão. Este é o principio, a camara dos senhores deputados e só ella é que tem direito de me accusar, e o digno par não póde ser meu juiz, porque já se pronunciou a este respeito, e se a camara toda tivesse feito o que fez o digno par não me podia julgar. S. exa. póde consultar os jurisconsultos que quizer, porque todos elles hão de ser d'esta opinião...

O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço a palavra.

O sr. Bispo de Vizeu: - Tambem peço a palavra.

O Orador: - Nada mais direi, sr. presidente, sobre este objecto. O governo, usando da sua iniciativa, apresentou ao parlamento propostas importantes, que peço aos dignos pares que não discutam agora, que se reservem para o fazer quando ellas aqui vierem. É para não seguir o seu exemplo não respondo agora ás observações que se fizeram ácerca d'estas propostas, porque em tempo competente o farei muito melhor.

O sr. Presidente: - Tem o sr. conde de Cavalleiros a palavra.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Tenho sempre muito prazer em ouvir fallar o sr. bispo de Vizeu, e por isso vou usar da palavra só para responder ás ultimas reflexões, que assim se podem chamar, e não lição, que o sr. ministro acabou de fazer. O acto de dictadura não está na força dos carris, está na alteração do contrato, que só as duas camaras podem alterar. N'isto é que está a dictadura. Vir o sr. ministro dar-nos uma lição, ensinar o nosso dever e dizer como havemos de discutir, isso é que é novo.

Sr. presidente, para segurança do caminho de ferro é que se estabeleceram rails de 37 kilogrammas, e aquelles a que se diminue este peso estão mais sujeitos aos descarrillamentos, e não posso suppor que o conselho das obras publicas não tivesse feito esta observação quando se disse que os rails de 37 estavam estragados.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Perdoe o digno par; s. exa. não comprehendeu o que eu disse. Os rails da primeira collocação são de 34 kilogrammas, eu substitui-os por carris do peso de 35; na segunda collocação é que são de 37, mas os da primeira collocação são de 34.

O Orador: - Está estabelecido por um contrato que seja de 37 kilogrammas, e elle foi alterado em 35, e foram collocados rails de 34 por economia e conveniencia da companhia.

Ora aqui está a verdade. A pretensão primeiro era de 34 kilogrammas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Não houve nenhuma pretensão primeiro. Está o digno par equivocado. Peço a palavra.

O Orador: - Pois estarei equivocado. Tambem não vale a pena discutir sobre esta differença. A verdade é que os rails não têem o peso estabelecido no contrato, e ninguem podia auctorisar a alteração das suas condições senão as côrtes. Ora, uma vez que o governo alterou essas condições sem auctorisação do parlamento, praticou um acto de dictadura. Isto é claro.

Disse o sr. presidente do conselho que na saida do ministerio em 29 de agosto, ninguem perguntou por que tinham saido uns e entrado outros. Então deram-se circumstancias tão extraordinarias e revolucionarias por todos os lados, que a maior parte da gente se calou. Eu estava a banhos, e não vim a Lisboa porque se mudava o ministerio, que pouco me importava, e aqui está a admiração do nobre presidente do conselho! Porque não corri a Lisboa então não hei de agora pedir explicações sobre a saida de uns ministros e entrada de outros?

Pois eu censuro todas estas entradas e saidas; e ainda ha de vir dia, antes dos srs. ministros nos taparem a boca, de eu dizer n'esta casa até onde chega o arbitrio e o abuso da auctoridade e dos principios constitucionaes.

Nós não podemos discutir, porque temos de ser juizes. Então para que serve esta casa? É chancella para approvar as leis que vem da outra camara? Se assim é, então

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haja uma só camara. Não discutam os pares do reino, porque têem de ser juizes; não tratem de objecto nenhum, porque póde vir tempo de terem de julgar o sr. presidente do conselho, marquez d'Avila e de Bolama! A dizer a verdade nunca se chegou ao ponto de se impor silencio á camara dos pares! Só s. exa. chegou a este ponto! Mas creia que eu sou como a velha da tesourinha, e ainda que me afoguem hei de dizer o que sinto, a tesourinha ha de cortar (riso).

Confesso que me acho offendido nos meus direitos parlamentares. D'aqui por diante não posso tratar de questões quando digam respeito a excesso de poder por parte dos ministros, porque ven s. exa. e dá-me por suspeito. Pois se tivesse que o julgar, creia que não o havia de julgar mal. Eu quizera que acabassem estes julgamentos por favor, os pedidos de licsnça a uma e a outra camara para se processarem os seus membros quando praticam qualquer delicto. Quando todo o povo está sujeito a um tribunal superior, os deputados 3 os pares do reino hão de ser superiores á lei para poderem praticar o que quizerem, e ha de pedir-se licença para proceder e não continuar o processo, para a impunidade se manter?

Sr. presidente, não me importa não ser juiz do sr. presidente do conselho. Do fundo de alma respeito s. exa., porque sei que é homem de bem. Se ao nobre ministro se met teu na cabeça (porqua na cabeça de um homem póde entrar tudo quanto ha de menos rasoavel, por mais valente que elle a tenha) que eu tenho a mais leve inimisade para com s. exa., declaro-lhe sinceramente que não a tenho, nem nunca a tive. Tem-me visto discutir questões serias, e os meus amigos dizerem: tem boa fé, mas é pyrrhonico. Isto não quer dizer nada; e se o nobre ministro me quizer chamar pyrrhonico tambem aceito. Repito, não tenho inimisade a s. exa.; tudo que digo relativamente ao serviço publico é pelo meu zelo no cumprimento dos meus deveres, nem a mais pequena idéa de ser desagradavel aos srs. ministros. De mais o sr. marquez d'Avila e de Bolama sabe que o tenho tratado sempre bem; agora é que nos temos tratado mal (riso). Não conservo com pessoa alguma n'este mundo inimisade. Nós estamos na quaresma, mas eu não estou resolvido a fazer aqui penitencia, quando vou ter a honra de ouvir o nobre prelado de Vizeu, que de certo vae dar rasão á pergunta que fiz ao sr. ministro.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para uma pequena explicação. Eu fui mal comprehendido pelo digno par; não neguei á camara, o direito de discutir os actos do governo; o que disse foi que se o digno par julga violados os contratos, a accusação do governo por esse acto pertence á outra camara, e parecia-me que n'estas condições o digno par se não devia inhibir de ser meu juiz, se esta camara tivesse de julgar-me. Foi isto o que disse. Negar á camara o direito de discutir os actos do governo, nem pela mente me podia passar.

O sr. Bispo de Vizeu: - Deu explicações sobre os motivos que provocaram as ultimas crises recomposições ministeriaes, e a sua saída ultimamente do ministerio.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando devolver revistas as notas tachygraphicas.)

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, exulta meu espirito com o novo evento, congratula-se o meu coração sinceramente.

A minha consciencia recebe uma recompensa não pedida, com a qual se acha completamente satisfeita. O sr. presidente do conselho não julgára opportuno, ou, o que é o mesmo, conveniente dar uma resposta clara, terminante e explicita ás minhas perguntas!

Veiu em seguida outro reforço, o sr. conde de Cavalleiros, mas ainda a resposta do sr. presidente do conselho ao digno par não satisfaz! Felizmente surgiu na tribuna o nobre bispo de Vizeu, ex-ministro do reino.

O horisonte estava toldado de negras nuvens, não se via uma estrella, nem um astro que nos desse esperança, estavamos todos possuidos de desanimo, mas a palavra do illustre prelado espalhou a luz e esclareceu-nos. Os campos politicos estão definidos. S. exa., o sr. presidente do conselho de ministros, declarára que o governo não tinha partido!... Mas o sr. bispo de Vizeu acaba de conferir um despacho ao sr. marquez d'Avila e de Bolama (o que eu agradeço a s. exa. em nome do paiz); porque ficámos todos sabendo que o sr. marquez d'Avila é reformista, e que o ministerio o é tambem; o que porém nos falta é que o sr. presidente do conselho, em conformidade com o despacho alludido, nos diga se isso é exacto no todo, isto é, se o governo é positivamente reformista, ou se o é só honorariamente?

Sr. presidente, subiu á tribuna e fez a sua prelecção um cavalheiro distincto, respeitado e conhecido na qualidade de chefe do partido reformista, e vendo que o governo se achava desamparado, apparece em seu auxilio, abre-lhe os braços, e diz-lhe - vem a meus braços, és o meu filho predilecto.

Parabens ao governo! Parabens á camara! E parabens ao paiz!

Já tremula no campo um estandarte! Deseurolou-o o sr. bispo de Vizeu com toda aquella sua proficiencia e erudição que lhe conhecemos, e que são o apanagio do homem politico. Sr. marquez d'Avila!... Dou os parabens a. v. exa. em continuar a ser reformista. Que dirá a isto o sr. Fontes?!

Queira Deus que a harmonia se não perturbe na igreja ministerial; que os horisontes se não ennegreçam; que não haja motivo para se applicar o que dizem os inglezes: "A igreja está em perigo". Não se deseja isso.

Disse eu que o governo isolado não podia caminhar, mas agora já não lhe succede isso; todos sabemos que o illustre prelado viziense lhe poz o cunho de reformista, e lhe deu o seu apoio fundando-o em que o governo segue os principies de s. exa.; e na verdade assim parece, visto que o sr. presidente do conselho declarou que o actual gabinete sustentava a mesma politica.

O sr. bispo de Vizeu disse-nos tambem que não era intolerante, mas que não gostava das fusões dos partidos. Nem eu gosto tão pouco. Disse mais s. exa. que aceitava quaesquer adhesões ou adherencias. Assim deve ser. O apostolo de qualquer doutrina trata de a pregar em toda a parte, e põe em pratica todos os meios proprios e dignos ao seu alcance para conseguir adeptos, e s. exa. sabe melhor do que eu que d'essa fórma procederam os apostolos da religião.

Sr. presidente, creio que depois do despacho que o sr. bispo de Vizeu endereçou ao governo, no qual se comprehende o meu amigo, o sr. Sá Vargas, reformista á ultima hora, não devia haver já a menor duvida ácerca da politica do governo. Creio eu que ninguem deve asseverar cousa alguma sem ter a convicção intima da firmeza da sua asseveração; todavia, n'este caso presumo que não ha a solidez na base que talvez s. exa. suppõe existir, porque o sr. marquez d'Avila e de Bolama não quiz dar nunca uma resposta decisiva ou cabal á camara a respeito da sua politica; mas foram taes as insistencias do meu amigo, o sr. conde de Cavalleiros, que conseguiram o que eu nunca consegui, devido talvez aos meus acanhados dotes, ou á ausencia do meu merecimento; mas repito, conseguiu s. exa. ouvir da boca do sr. bispo de Vizeu aquillo que o sr. marquez d'Avila tinha sempre cautelosamente occultado á camara. Entretanto ufano-me de ter cooperado tambem para este resultado; por ter sido eu que, em phrase parlamentar, levantei a questão; expuz a minha opinião, dizendo a verdade como sempre costumo a dize-la, e não duvidando apontar o que entendia, para que de uma vez para sempre cesse este estado de cousas.

Sr. presidente, tornando-me ainda a referir ao illustre prelado de Vizeu, direi a s. exa. que não sei se é por s.ª exa.

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ser mais velho do que eu que é tão soffrido, porque eu se me não posso chamar soffrido, sou seguramente menos soffrido que s. exa.

O nobre prelado já ha de ter reconhecido quaes são as medidas do governo: são nullas completamente em presença das necessidades do paiz!

Que explicação nos deu o sr. marquez d'Avila? S. exa. entendeu que devia continuar a envolver-se n'um mysterio, tratando como questão diplomatica aquillo que é questão politica! Não estamos no governo absoluto em que tudo era mysterio no gabinete do secretario d'estado, estamos no governo constitucional, e por minha parte esforçar-me-hei para que os seus principies sejam respeitados, e o desengano politico penetre nos espiritos.

Sr. presidente, a liberdade do ensino não a deu o sr. marquez d'Avila. Não tratarei agora d'essa questão, porque o digno ministro me chamou á autoria, para em tempo opportuno. expender as minhas idéas sobre o assumpto: hei de expende-las de certo; hei de fazer a comparação dos factos e apresentarei baseadas as minhas opiniões; hei de tratar a questão comparando as nossas leis de instrucção publica com a reforma do sr. marquez d'Avila, que não é reforma, mas antes um aggregado de medidas tacanhas, que a capam á discussão, comparadas com as grandes medidas da Inglaterra, da França e da Belgica.

Mas, sr. presidente, nós precisamos muito mais; é necessario erguer rasgadamente essa bandeira, e digo com muita franqueza qual a minha opinião. Entendo que devemos emprehender uma vasta reforma, e esta não a comprehendo senão em côrtes constituintes. Côrtes constituintes livremente eleitas. E a minha convicção.

Diz o sr. marquez d'Avila "mas eu dou sempre ordem aos governadores civis para que tratem a questão eleitoral com a maior liberdade". Assim será, mas s. exa. tem sido infeliz. O que, é certo é que embora se julguem exagerados os meus clamores, a este respeito sou acompanhado pela parte illustrada do paiz. É muito necessaria uma reforma em que se tire ao poder central o poder de intervir na eleição parlamentar, e então teremos uma verdadeira representação nacional. É necessario dar largo poder aos municipios...; mas emfim isto não é agora para aqui, porque a hora está muito adiantada. É necessario sobretudo olhar politicamente para o estado da nossa fazenda, é necessario lançar um olhar retrospectivo sobre os erros do passado, não dizer só "o povo póde e deve pagar mais" ou vice versa. Entendo que o povo póde e deve pagar mais quando os seus rendimentos crescerem e suas forças medrarem, mas o povo não deve pagar mais emquanto vir que as economias não alcançam os grandes, e apenas se manifesta o desejo de pequenas reformas, que por assim dizer escapam a toda a analyse. Isto não póde ser assim, e afinal o desengano penetra no espirito do povo, porque o que se ve é que vamos lançar sobre o paiz uma rede de tributos, sem termos adoptado antes as medidas convenientes para que o imposto recaia sobre quem deve rscair com igualdade e na devida proporção.

As differentes classes do estado parece que se começam a erguer do marasmo em que teem jazido. Quero ver esta viveza nas nações. Quero ver respeitado o direito de representação; mas para isso é necessario dizer ao povo que elle é que tem sido o descuidado. Para que estas representações tenham força é necessario que elle tenha força, e para a ter é preciso que se associe.

O principio da livre associação foi uma das maiores conquistas da civilisação moderna. É necessario que as classes se associem, para que umas não possam prevalecer sobre as outras! Porque isso seria o despotismo, o que eu não desejo; mas que se associem e preparem, não á ultima hora, porque então o remedio póde ser improficuo. Se as classes estivessem associadas, e tivessem corrido á urna, não dando ouvidos áquelles que as illudem, que promettem muito e não cumprem nada, que são fartos em promessas, mas parcos na realisação d'ellas, então os poderes occultos que minam, e foram sempre a ruina das sociedades antigas, como são a peste das sociedades modernas, não teriam podido dispor da sorte dos povos. Quem tem a culpa que esses poderes occultos tenham sido prejudiciaes ás nações tem sido o povo que lhes ha deixado tomar força. Portanto, só tem a queixar-se de si.

Sr. presidente, peço desculpa de levantar um pouco a voz; mas quando estou convencido da verdade de uma idéa e da bondade de um principio, exalto-me; e essa exaltação é filha do meu enthusiasmo.

Sr. presidente, emquanto o governo não intentar estas reformas, não faz nada; e eu que não tenho indisposição nenhuma com as pessoas que o compõem, não posso deixar de dizer que elle não vive de poder proprio, mas sim do poder da participação, da força que lhe communicam os outros partidos; d'essa tregua, que não sei se é tregua de paz se é tregua de Deus. Mas essa tregua deve ter um limite, que não póde estar longe.

Lamento pois que o nobre presidente do conselho, que não está no verdor dos annos, mas já encanecido nas lides do parlamento e do poder, viesse sentar-se n'aquellas cadeiras sem programma definido, sem principies certos. Tudo que se tem dito a icspeito de reformas são esperanças, mas os desenganos hão de vir mais tarde. Peço pois aos srs. ministros que attentem bem no estado do paiz, e vejam se essas leis tributarias não serão o preludio da devastação, da desordem e da desgraça! Ide a casa do pobre operario, e vê-lo-heis, todo o dia, trabalhando para ganhar um pedaço de pão, que mal lhe chega para a vida, quanto mais para pagar o tributo. Não o satisfaz, porque não pôde, e lá lhe vão os trastes pela porta fóra para satisfazer o fisco, e então a casa do operario, a cabana do pobre é invadida pela miseria e pela prostituição, que é o resultado da miseria. Triste quadro! E quererá o actual governo levar o paiz a similhante estado?

Sr. presidente, quanto ao facto especial da embaixada não vejo presente o sr. marquez d'Avila e de Bolama para me responder; e por isso tratarei agora de outro assumpto, que é a desorganisaçao que vae por essas secretarias. Pois não é verdade que na secretaria da guerra ainda ha pouco tempo se deu o caso da falsificação de documentos para se receberem soldos, e que estão presas as pessoas que praticaram esse acto? É um facto; é necessario manter a ordem nas administrações e não deixar á sombra de qualquer consideração ou patronato que se possam praticar actos d'esta ordem. É necessario que se prestem as contas devidas, e que se publiquem todas as despezas. É uma das bellezas do systema constitucional, foi para isso que o Senhor D. Pedro IV pelejou; foi para isso que nas côrtes de 1820 tanto pugnou Fernandes Thomás, que está aqui representado por um membro d'esta camara; foi para isso que esse vulto de Gomes Freire soffreu a morte no patibulo, junto á torre de S. Julião; foi para isso que os chamados martyres do campo de Sant'Anna emprehenderam uma obra gigante, quando trataram de radicar na nossa terra o systema constitucional. E até hoje nem um monumento se levantou ainda á memoria d'esses martyres, nem uma pedra para nos recordar o seu martyrio, nem uma inscripção para nos lembrar quem foram os fundadores da nossa liberdade. Apenas Gomes Freire lá está commemorado por um general illustre, na torre de S. Julião, prestando assim culto á sua memoria. Não foi para esse descuro, que geralmente se nota, que homens tão notaveis se expozeram ao martyrio e pereceram nas fogueirasem holocausto á liberdade.

Portanto, sr. presidente, não vendo presente o sr. marquez d'Avila, a quem queria dirigir mais algumas perguntas, continuo a dizer que lamento o estado em que se acha o nosso paiz, e faço votos pela felicidade da minha patria, votos que são mais acompanhados do desejo do que da esperança.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

Página 32

32 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - Continua ámanhã a mesma discussão, e está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 7 de março de 1871

Os exmos. srs. - Conde de Castro; Marquezes, de Angeja, d'Avila e de Bolama, de Fronteira, de Niza, de Vallada; Condes, de Cabral, de Cavalleiros, de Fornos, de Linhares, da Louzã, de Paraty, de Podentes, da Ponte, de Rio Maior, do Sobral; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Ovar, de Porto Covo, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Barreiros, Margiochi, Corvo, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Franzini, Fernandes Thomás.

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