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100 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dicam que ellas são do seu punho e, por isso, de toda a autoridade.

Posto isto, recordarei que o Sr. Hintze Ribeiro, nas medidas por elle adoptadas, manifestou a maxima lenidade.

Recorreu aos culposos para apurarem dos culpados. Ordenou ao juiz de instrucção criminal, chefe da policia preventiva, que fizesse um inquerito, que elle não fez 5 e, em logar d'isso, decorridas vinte e quatro horas, enviou para juizo vinte e sete cidadãos, pelo unico facto de darem morras á policia.

Não causou estranheza esse proceder expeditivo que não está nos habitos d'aquella estação official? Pois devia produzil-a, servindo de orientação aos dirigentes para que enveredassem por mui differente caminho.

Em logar d'isso, o Sr. Hintze Ribeiro incumbe o commandante da policia de proceder a uma investigação, em que todos os depoentes affirmam que se deram vivas subversivos, contraditando por esta forma o chefe da policia preventiva, e o proprio tenente-coronel Dias, que no seu relatorio fazia apenas vagras allusões ao assumpto.

E o Sr. Presidente do Conselho, então na opposição, pedia, pelo seu orgão na imprensa, o mais severo castigo para a policia, insurgindo-se contra a afirmativa da existencia de taes vivas, que só ouvidos tinham sido, na sua opinião, por um informador mysterioso, cujo nome, por isso, se occultava.

Na actualidade, jura, se tanto for preciso, sobre a autenticidade da investigação policial, em que não foram inquiridos, nem o tenente coronel Dias, do proprio corpo da policia, nem uma unica das cento e tantas victimas da brutalidade policial, nem sequer algum dos empregados do caminho de ferro que assistiram á triste occorrencia.

Na investigação, só se procura fazer prova com o testemunho dos aggressores, isto é, encobril-os, e até divinizados.

E com um instrumento d'estes, fundamentalmente falsificado, que o Sr. Presidente do Conselho, no seu reviramento affixado de opiniões, pretende que a justiça se apoie no apuramento da verdade!

Parallelamente com esta original pretensão, o Sr. João Franco proclama que, pela queda do Gabinete a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro, foi dada á cidade de Lisboa a mais completa satisfação.

Satisfação?! Quem a teve foi S. Exa., que subiu ao poder com a demissão do Sr. Hintze; não foi a cidade, que ainda não viu devidamente punido o desacato que lhe foi feito.

Com a mudança de opposicionista para chefe de Governo, o Sr. João Franco observa, pelos seus orgãos visuaes, imagens invertidas. Faz-nos lembrar, salvo o devido respeito pela sua pessoa e sexo, a velha de Tolentino, que assim se expressava, passeando n'um jardim da epoca:

Pondo contra a luz a mão,
E crendo que n'esta rua
Está S. Sebastião,
De Venus a estatua nua
Faz mesura e oração.

Já a isto chegou o Sr. Presidente do Conselho, a confundir Vénus com aquelle martyr.

Sentimos sinceramente esta sua decadencia, e ainda mais o seu reviramento, affirmado pelo seguinte trecho de prosa indignada, apparecido a lume no Diario Illustrado, de 12 de maio ultimo:

"... podemos ser Item terminantes e bem categoricos nas declarações que temos a fazer, e que não são senão o resumo da commentarios aqui feitos a proposito do roubo fia eleição de Lisboa e do attentado do Rocio, e, mais remotamente ainda, a confirmação plena de affirmações feitas pelo Sr. Conselheiro João Franco, quando estava ainda no poder o Sr. José Luciano de Castro.

E o que temos a dizer é isto: rejeitamos absolutamente toda a solidariedade com o que se tem feito, e não queremos a menor parcela de responsabilidade no que de semelhante venha afazer-se. Estamos nitida e firmemente com a cidade de Lisboa, contra quem quer que se lembre de proseguir no erradissimo caminho por onde o Sr. Hintze Ribeiro enveredou.

N'esta ordem de ideias nos manteremos, quer na imprensa, continuando a combater, como até aqui, o que se está fazendo, quer no Parlamento, pedindo ao Governo, se elle lá chegar, estreitas contas das loucuras commettidas, ou das que venha a commetter, e pugnando pelos principios liberaes que estão sendo não só espesinhados, mas escarnecidos provocadoramente, sem vantagens para ninguem, e com o maximo damno das instituições. Tal é o papel de um partido que, como o nosso, entrou na concentração liberal, alem de tudo mais porque a concentração liberal não se fez para outra cousa.

Agora a orientação é outra, muito outra. Toda de ternura pela policia, e comprehende se. Constitue ella uma parte integrante do viver de S. Exa., e tem-lhe merecido sempre o maior affecto, parecendo mesmo que, sem ella, não se considera completo.

Não é ao Sr. João Franco que se pode applicar o caso de Crébillon, que proximo de morrer, aos oitenta annos contados, dizia para seu filho Claudio:

- De duas unicas cousas tenho pena de ser auctor, - de ti, e da minha tragedia Catilina.

- Pois morra descansado, meu pae, replicou-lhe o filho. Ninguem lhe attribue a paternidade, nem d'ella, nem de mim.

O Sr. João Franco, quando saiu da ultima vez do Ministerio, não podia trazer a publico arrependimento similar. Morrea ministerialmente abraçado á policia, sua filha, e aos policias dirigentes, seus dilectos rebentos.

Depois do seu novo ascenso, a policia faz-lhe guarda pretoriana, como se observou, por exemplo, no dia 13 de agosto, á noite.

O Sr. João Franco assistia a um sarau eleitoral do Centro Carlos Lopes. Na rua, aguardando-lhe a saida, encontravam-se, consoante o insuspeito Diario de Noticias, os Srs. coronel Moraes Sarmento, tenente-coronel João Dias, os chefes Antunes e Simões, e uma força que se estendia por toda a Rua Augusta, não consentindo que pessoa alguma estacionasse, para evitar agrupamentos que dessem occasião a qualquer manifestação de desagrado.

Pela sua parte, as Novidades expressaram-se n'estes termos:

"Estado maior das forças policiaes destacadas hontem á noite, para a Rua Augusta e immediações, por motivo de sarau no Centro Carlos Lopes:

Coronel Moraes Sarmento.

Tenente-coronel Dias.

Chefe Antunes.

Chefe Amorim.

Chefe Cyro, da policia preventiva.

Nem já escapa o illustre commandante, que, antigamente, pelo prestigio do seu alto cargo, não andava mettido nestas danças".

É positivamente apropriada esta observação, que mais adeante fundamentarei no decurso das minhas considerações.

Agora limito-me a registar, uma vez mais, a fragilidade do Sr. Conselheiro João Franco pela policia, que se evidencia, por modo incontroverso, na proposta de lei apresentada á camara electiva em 12 do corrente, e relativa á reforma do Juizo de Instrucção Criminal.

O conceito que me merece a entidade que ali se abriga sabe-o a Camara, sabe-o o paiz.

Corrigi o devidamente n'uma das ultimas sessões, e repetirei o castigo sempre que seja necessario. Neste momento, vou aprecial-o com relação á parte excepcional que elle tem na reforma que se jacta, por intermedio do Diario de Noticias} de ter engendrado, o que é verdade.

Era desnecessario mesmo affirmal-o. Pela obra feita se conhece o auctor, como pelo dedo se conhece o gigante.