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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 7

EM 18 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sebastião Baracho apresenta uma representação dos empregados adventicios da alfandega pedindo melhoria de situação, requer documentos relativos á prisão de Adriano Pinto Coelho, e insta pela remessa de outros documentos concernentes á execução da lei de 13 de fevereiro: refere-se a uma reclamação dos presos do Limoeiro e enuncia os assumptos sobre que deseja interpellar o Sr. Ministro da Justiça. - Consultada H Camara, resolve que seja publicada a representação que o Digno Par apresentou. - O Sr. Presidente do Conselho informa que Sua Majestade El-Rei lhe significara o desejo de que seja conhecida da Camara a carta que escrevera ao Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro em 16 de maio preterito, e responde ás considerações do Digno Par Baracho a respeito da lei de 13 de fevereiro. - Acerca da leitura e publicação da carta de El-Rei usam da palavra os Dignos Pares João Arroyo, Hintze Ribeiro, Sebastião Baracho, Julio de Vilhena, e o Sr. Presidente do Conselho. A requerimento do Digno Par Francisco Machado é consultada a Camara sobre se approva que a carta de Sua Majestade seja lida na mesa. Sendo affirmativa a resolução da Camara, o Sr. 1.° Secretario faz leitura da carta.

Ordem do dia, 1.ª parte. - Eleição de commissões São eleitas as de negocios externos e marinha.

Ordem do dia, 2.ª parte. - Os acontecimentos de 4 de maio. - Usa da palavra o Digno Par Sebastião Baracho, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho. -Antes de encerrada a sessão, o Digno Par Arroyo refere-se á carta de El-Rei e o Sr. Presidente do Conselho responde a S. Exa. - O Digno Par José de Azevedo diz que tencionava falar sobre um assumpto relativo á pasta da Marinha, mas que deixa de o fazer porque outros assumptos de maior gravidade vieram attenuar a gravidade d'aquelle. - O Sr. Presidente levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde, feita a chamada e verificando-se a presença de 30 Dignos Pares, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Um officio da Associação Commercial de Lisboa, acompanhando uma representação sobre a crise duriense.

Á commissão de agricultura.

Dois do Ministerio da Fazenda, com documentos pedidos pelou Dignos Pares Sebastião Baracho e Teixeira de Sousa.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mando para a mesa uma representação dos empregados adventicios da alfandega, cujos termos correctos me permittem pedir a sua publicação no Diario do Governo. N'ella solicitam estes modestos funccionarios que lhes sejam reduzidas a oito as horas de trabalho; que lhes seja elevado o seu salario a 500 réis por dia, e garantida a sua reforma. Actualmente, trabalham das oito ás quatro do dia, com o estipendio de 360 réis, e mais quatro horas gratificadas a 20 réis cada uma.

Attentas as circumstancias que vão indicadas, não pode ser mais justa a pretensão dos supplicantes, a qual recommendo ao Sr. Presidente do Conselho, que está presente, a fim de que transmitia essas legitimas aspirações ao titular da pasta da Fazenda, para que este as tome na devida consideração.

Dito isto, mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos complementares, acêrca da prisão preventiva indefinida de Adriano Pinto Coelho ; e insto pelas informações que requeri concernentes á maneira como tem sido executada a lei cruel de 13 de fevereiro.

O requerimento a que fiz referencia é d'este teor:

"Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada, com urgencia, copia da consulta de Procuradoria Geral da Coroa, com a data de 18 de agosto ultimo, acêrca da detenção preventiva indefinida de Adriano Pinto Coelho: - detenção que se está verificando com infracção manifesta do § 7.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, do artigo 988.° da Nova Reforma Judiciaria e do artigo 21.° e seu n.° 3.° do decreto de 20 de janeiro de 1898.

- Posto isto, insto por que me sejam fornecidos, com a maxima brevidade, os esclarecimentos que constam do quesito 1.° do Ministerio do Reino, inserto nos Annaes de 1 de outubro de 1906, e referente á forma como tem sido applicada a lei de 13 de fevereiro de 1896. = Sebastião Baracho".

Outra representação me foi tambem entregue, e que não posso mandar para a mesa, por não estar em termos de ser publicada. Contem a assignatura de 41 presos do Limoeiro, que reclamam contra o decreto de 21 de abril de 1892, relativo a deportação de vadios, e pedem, em ultimo caso, que sejam enviados para o ultramar, visto estarem arbitrariamente presos ha tempos no Limoeiro, sem lhes darem o devido destino.

Acho justa a pretensão d'estes desgraçados, e peço ao Sr. Presidente do Conselho que a transmitia, para os adequados effeitos, ao Sr. Ministro da

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96 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Justiça, a quem desejo interpellar mais sobre os seguintes assumptos:

1.° Relativamente ao regresso do Sr. Patriarcha, e da sua attitude de hostilidade para com duas nações amigas, estrangeiras;

2.° Com respeito á instrucção sacerdotal, cujo curso preparatorio deve fazer regressão aos lyceus, para que se evitem os actuaes inconvenientes de os seminaristas com elles habilitados, expulsos dos seminarios, por falta de vocação, terem a sua carreira litteraria completamente cortada.

Com esta medida evita-se, demais, que continue o alheamento dos educandos ecclesiasticos da outra mocidade escolar. N'um paiz, essencialmente affavel, como o nosso, e no tempo que vae correndo, todas as classes devem estar integradas umas nas outras. Assim o exigem os altos interesses sociaes. Nada de castas, nada de barreiras, nada de bramanismo Indiano.

3.° Referentemente ao abuso dos prelados diocesanos, que suspendem os sacerdotes, aob as suas ordens, ex informata conscientia, segundo o disposto no concilio tridentino, sessão XIV, capitulo I, De Reformatione, contra as leis do reino e até contra as disposições da propria Igreja, que modificaram as que deixo apontadas d'aquelle concilio.

As citadas disposições tridentinas não foram reconhecidas pelo poder civil. Não teem o indispensavel placet, e outro tanto succede n'outros ramos da administração ecclesiastica. Os Prelados desprezam as leis do paiz, e amoldam-se pelas indicações de Roma, sem a previa permissão da Coroa, cujas regalias audaciosamente atacam.

É preciso pôr termo a estes processos anarchicos e de despotismo indiscutivel.

Entre liberaes não pode haver duas opiniões sobre a materia.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vão ser expedidos os requerimentos do Digno Par,

Relativamente aos documentos que ainda não foram enviados, vae ser renovado o pedido.

Consulto a Camara sobre se permitte que seja publicada no Diario ao Governo, caso esteja nos termos de o poder ser, a representação que o Digno Par mandou para a mesa.

Foi auctorizada a publicação.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Pedi a palavra para fazer uma declaração, que dirijo especialmente ao Sr. Hintze Ribeiro.

Tendo Sua Majestade El-Rei conhecimento da insistencia com que n'esta Camara havia sido pedida a publicidade da carta que dirigiu ao Digno Par quando Presidente do Conselho, a proposito do adiamento de Côrtes que lhe fôra solicitado, e tendo igualmente Sua Majestade conhecimento da discussão havida aqui sobre a referida carta, e bem assim sobre os successos de 4 de maio, como tambem da declaração feita n'esta camara pelo chefe do partido regenerador, de que publicaria ou daria conhecimento da carta de El-Rei se o Augusto Chefe do Estado mostrasse desejo de que assim procedesse, estou encarregado de dizer que Sua Majestade El-Rei deseja que essa carta seja conhecida da Camara.

(Pausa).

Ao Digno Par Sr. Sebastião Baracho direi agora que todas as suas palavras são tomadas pelo Governo na maior consideração, e todos os seus requerimentos, como os dos outros Dignos Pares, satisfeitos com a maior brevidade possivel.

Em relação propriamente ao assumpto - anarchistas - posso dizer ao Digno Par que estou procurando colleccionar todos os documentos referentes a esse assumpto, não só para satisfazer o requerimento de S. Exa., mas tambem porque é meu desejo, desejo do Governo, que no relatorio da proposta que hei de apresentar ás Côrtes brevemente, modificando a lei de 13 de fevereiro, se mencione a maior copia de todos os casos de applicação d'esta lei.

Por agora não preciso dizer mais em relação ao assumpto para que V. Exa. chamou a minha attenção.

(S. Exa. não reviu),

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente, breves palavras ajuntarei á declaração que acaba de fazer o Sr. Presidente do Conselho.

Em conformidade com o desejo de El-Rei, espero eu que o nobre chefe do partido regenerador concordará na publicação do documento de que se trata. Aguardo, portanto, essa occasião para o apreciar devida e opportunamente.

Eu pedi a palavra para fazer uma referencia ao final da sessão de hontem, e ao pedil-a não é minha intenção discutir n'este momento o assumpto que então foi versado pelo Sr. Presidente do Conselho e por mim.

Unicamente quero ratificar, ou antes confirmar o que hontem disse; e o motivo por que o faço é porque, quando já estava encerrada a sessão, um meu illustre collega e amigo me informou de que o Sr. Presidente do Conselho, ao repetir a minha phrase, accrescentara: Fica arredada a hypothese.

O Sr. Presidente do Conselho é arbitro das suas palavras e do modo como define a sua posição parlamentar.

Respeito por completo o direito que lhe assiste de se defender das accusações que lhe fazem, mas reivindico para mim egual direito.

Pode o Sr. Presidente do Conselho defender se: mas o que não pode é alterar as affirmações de que eu tenho a responsabilidade.

Vou, portanto, desfazer um equivoco em que laboram aquelles que não interpretaram convenientemente o que eu disse.

Parece que o Sr. Presidente do Conselho viu nas minhas palavras, quando me referi á ascensão de S. Exa. ás culminancias do poder, um aggravo não digo pessoal, pois julgo que todos me suppõem incapaz de tal incorrecção, mas um aggravo politico.

As palavras que proferi não encerravam mais do que os prolegomenos ou o inicio d'uma these que me propunha demonstrar.

Respeita a posição parlamentar do Sr. João Franco, mas declaro terminantemente que as minhas palavras significaram, como eu dissera, o seguinte: primeiro, que a minha attitude não podia por forma alguma representar aggravo politico a S. Exa., nem a quem quer fosse; segundo, que ellas não continham senão os prolegomenos de uma these; terceiro, que a forma como defini a ascenção de S. Exa. ao poder representa um dos casos d'essa these.

Não retiro, portanto, cousa alguma do que disse n'esta Camara - nem uma palavra, nem uma syllaba.

Creio ter definido bem a minha situação.

Dei ao Sr. Presidente do Conselho, na forma como lhe respondi, mais uma demonstração de que eu nunca poderei esquecer os laços da nossa, antiga camaradagem.

Asseguro a S. Exa. que as minhas palavras não continham, nem para elle, nem para ninguem, a menor ideia de aggravo politico, quanto mais de aggravo pessoal.

Agora, repito, as minhas declarações não representam por forma alguma o intuito de n'este momento discutir a questão; representam, porem, a ratificação ou confirmação do que hontem disse e sustentei.

O Sr. Presidente do Conselho pode suppor arredadas as hypotheses que quiser. A posição parlamentar de S. Exa. é de S. Exa.; a minha, a mim me pertence e eu a defino.

Isto dito, desejo pedir ao Sr. Presidente do Conselho uma fineza.

Ha bastantes dias que n'esta casa me dirigi ao Sr. Ministro da Justiça pedindo-lhe o favor de nos communicar os resultados da averiguação a que o Governo devia proceder sobre o caso do telegramma enviado pelos Bispos portugueses ao Arcebispo de Paris.

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N'essa occasião o Sr. Ministro da Justiça apresentou-se completamente desconhecedor d'esse acontecimento, mas declarou que ia proceder a averiguações e que as leis do reino seriam sempre cumpridas.

Muitos dias vão decorridos sem que saibamos ainda o que se passou.

E, comtudo, a averiguação parecia ser bem facil; bastava uma simples ordem do Sr. Ministro das Obras Publicas á estação telegraphica de Coimbra para que o Governo fosse posto ao facto do que se tivesse passado.

Venho pedir ao Sr. Presidente do Conselho a fineza de communicar ao seu collega da Justiça a minha insistencia; e ao mesmo tempo pedir ao Governo que, logo que tenha conhecimento do telegramma, lhe dê publicidade pela forma que julgar mais conveniente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: em relação á primeira parte do breve discurso que fez o Digno Par, pouco tenho a dizer.

S. Exa. nas palavras que hontem proferiu declarou que continuaria a sus tentar uma these, e essa these era que a politica devia ser feita pelos politicos e por mais ninguem. A isso respondi que estava inteiramente de accordo e que se o Digno Par se tivesse limitado a enunciar a these, eu, longe de haver offerecido qualquer contestação, pelo contrario lhe teria offerecido o apoio da minha palavra, tão constitucional acho eu essa these.

E acrescentei que o que me tinha feito pedir a palavra e proferir o que n'essa occasião entendi que era indispensavel em defesa do que julgo ser a perfeita maneira como os factos se passaram, foi a applicação d'essa these a uma hypothese que o Digno Par formulou e eu contesto.

Emquanto factos ou testemunhos de qualquer ordem ou natureza não vierem provar o contrario perante a Camara, eu insistirei na minha attitude e afirmações em contrario não da these mas da sua applicação á hypothese que o Digno Par apresentou.

Nada mais tenho a dizer a este respeito, pelo menos por agora.

Em relação á segunda parte do discurso do Digno Par - a pergunta dirigida ha dias ao Sr. Ministro da Justiça - eu posso declarar a V. Exa. que não só communicarei a instancia que acaba de fazer, mas tambem que se o Sr. Ministro da Justiça não tem vindo dar uma resposta a S. Exa. é porque, entendeu que não bastava ter conhecimento do que consignava o telegramma, que por signal foi publicado por diversas formas em varios jornaes; mas que, desde o momento que esse telegramma tinha sido expedido e assignado pelo Sr. Cardeal Patriarcha, o primeiro dever era falar com Sua Eminencia para colher com toda a segurança informações directas e pessoaes. Nem o caso era de tal ordem ou tal urgencia -pois nenhumas outras observações teem sido feitas sobre' este assumpto senão as que se fizeram nas duas casas do Parlamento - que o Governo não pudesse esperar mais uns dias pela chegada do Sr. Cardeal Patriarcha, que estava ausente de Lisboa, creio que até adoentado, motivo por que não regressou mais cedo.

Mas Sua Eminencia já chegou á capital.

Talvez hoje mesmo o Sr. Ministro da Justiça lhe tenha falado e é possivel que na proximo sessão esteja habilitado a vir dar ao Digno Par as informações e os esclarecimentos que S. Exa. deseja.

O Governo, pois, não se tem esquecido do assumpto, e n'este, como em todos os outros, procura satisfazer os desejos legitimos e louvaveis dos membros das duas casas do Parlamento.

O Sr. João Arroyo: - Eu peço a S. Exa. que não se esqueça de lembrar ao seu collega que dê publicidade ao telegramma logo que possa, ou conhecimento d'elle por qualquer forma.

O Orador: Tomei a devida nota das palavras de V. Exa. e transmittil-as-hei, como deseja, ao Sr. Ministro da Justiça que, como acabo de disser á Camara, não tem descurado o assumpto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Depois das considerações que tive a honra de fazer aqui com respeito á publicação de uma carta escripta por Sua Majestade El-Rei e a mim dirigida quando Presidente do Conselho, acaba S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho actual de communicar á Camara que Sua Majestade El-Rei deseja que tenha publicação a carta a que S. Exa. se referiu.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - A carta a que se referiu o Sr. João Arroyo.

O Orador: - Creio ser a carta em que Sua Majestade El-Rei manifesta o seu dissentimento com o Governo a que tive a honra de presidir, e que deu logar á demissão do mesmo Ministerio.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Creio que sim.

O Sr. João Arroyo: - Se V, Exa. me dá licença, eu direi.

O Orador: - Parece-me que o Sr. Presidente do Conselho é que terá de me responder; eu desejo certificar-me bem de qual é o desejo de Sua Majestade El-Rei.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - É a carta a que se tem feito referencias insistentes n'esta Camara, a carta em que Sua Majestade El-Rei dizia a V. Exa., como Presidente do Conselho, os motivos por que não podia conceder aquillo que o Governo julgava indispensavel para continuar a governar.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. permitte-me uma interrupção?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. João Arroyo: - O meu desejo, n'este assumpto, não pode ser senão o de fazer que a Camara fique perfeita e absolutamente esclarecida. Portanto, quando eu peço, ou me refiro á carta, V. Exa. comprehende perfeitamente que tenho em vista uma carta, ou cartas que explicam a razão da crise. (Riso).

Quantas mais vierem, mais a questão será devidamente esclarecida.

Desejo que seja publicada toda correspondencia.

Só depois de conhecidas todas as cartas, é que o assumpto pode ser nitidamente explicado.

O Orador: - Não tenho neste mor mento outro intuito que não seja o de inteirar me bem acêrca de qual é o desejo de Sua Majestade, para me cingir estrictamente a elle.

Eu disse aqui na Camara, em referencia a palavras proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho, que em virtude de determinadas circumstancias, depois de haver conferenciado em Conselho de Ministros com os meus illustres collegas, tivera a honra de solicitar de El-Rei o adiamento das Côrtes.

Isto passou-se no dia 15, creio eu.

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - O Augusto Chefe do Estado não respondeu logo.

Mostrou desejo de meditar sobre a sua resposta.

No dia seguinte, ás 11 horas da noite, recebi uma carta de El-Rei em que me manifestava o seu dissentimento com o Governo a que eu tinha a honra de presidir; carta em que se mostrava adverso á orientação a que eu julgava conveniente subordinar-me.

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98 ANNAES DA CAMAKA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Pedi a demissão do Ministerio, que Sua Majestade se dignou acceitar immediatamente.

Pergunto, pois, ao Sr. Presidente do Conselho, unica e exclusivamente para dar cumprimento integro e exacto ao desejo de El-Rei, se é esta carta de 16 de maio que Sua Majestade deseja ver publicada.

É a carta em que o Augusto Chefe do Estado mostra o seu dissentimento com o Governo?

Não se estranhe a minha pergunta, porque a essa carta seguiram-se outras, e nomeadamente aquella em que El-Rei acceitou a demissão do Ministerio.

Pergunto, pois, novamente ao Sr. Presidente do Conselho, qual é a carta que Sua Majestade deseja ver publicada.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - É a carta que V. Exa. diz que tem a data de 16 de maio.

É a carta em que El-Rei, depois de V^ Exa. lhe ter pedido o adiamento das Côrtes, se manifestava contrario ao mesmo adiamento e á orientação politica a que o Governo de V. Exa. tencionava submetter-se.

é a carta que o Augusto Chefe do Estado escreveu a V. Exa. 24 horas, pouco mais ou menos, depois do pedido de adiamento.

O Orador: - Conforme a declaração que fiz hontem, só tenho de acatar o desejo de El-Rei que, para mim, é uma ordem.

Entendo que o melhor modo de dar cumprimento a essa ordem é depositar pessoalmente a carta nas mãos do Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Acho muito melhor que V. Exa. entregue a carta ao Sr. Presidente da Camara.

O Orador (saindo do seu logar e dirigindo-se á bancada ministerial): - Foi V. Exa., Sr. Presidente do Conselho, que me fez a communicação de El-Rei, e é, portanto, a V. Exa. que entrego a carta. (Entrega-a em mão ao Sr. Presidente do Conselho).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que mande ler a carta que foi agora entregue ao Sr. Presidente do Conselho e que S. Exa. acaba de enviar para mesa.

O Sr. Presidente: - A carta de El-Rei deverá talvez ficar sobre a mesa para ser lida pelos Dignos Pares.

O Sr. Sebastião Baracho: - Entendo que, se assim se fizesse, a carta em questão apenas seria lida por meia duzia de pessoas, constituindo a sua leitura um privilegio d'essas pessoas. Peço que o Sr. Presidente do Conselho manifeste a sua opinião.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Evidentemente a carta deve ser lida á Camara.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: esta questão da saida do Sr. Hintze Ribeiro dos Conselhos da Coroa vae-se esclarecendo pouco a pouco. Julguei que tinha sido tratada por uma unica carta de Sua Majestade El-Rei, mas vejo que, a esse respeito, ha mais cartas de caracter politico, que é conveniente publicar, porque eu sou absolutamente incapaz de pedir a publicação de cartas de caracter privado. Por consequencia, no pleno uso do direito que tenho de querer ser completamente esclarecido sobre os assumptos politicos da nossa terra e, principalmente, agora sobre a maneira como se deu o desenlace da situação ministerial a que presidiu o Sr. Hintze Ribeiro, alongo o meu pedido de esclarecimentos dirigindo-me ao Governo para que seja publicada toda a correspondencia de caracter politico, trocada entre o Augusto Chefe do Estado e o nobre chefe do partido regenerador, e que deu origem á queda do Gabinete a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - O pedido que faz o Sr. João Arroyo não é por mim nem pelo Sr. Hintze Ribeiro que pode ser satisfeito.

O que eu posso fazer, para mostrar quanto desejo que a Camara seja completamente informada acêrca da maneira como se deu e resolveu a crise de 19 de maio, é levar ao conhecimento de Sua Majestade El-Rei as considerações agora expostas sobre o assumpto.

Pelas declarações que hontem fez o Sr. Hintze Ribeiro, não é necessaria a sua auctorização.

O que El-Rei resolver a esse respeito nenhuma duvida terei em transmittil-o á Camara.

O Sr. Julio de Vilhena: - Foi V. Exa. que aconselhou El-Rei a publicação da carta?

O Orador: - Sou eu que tenho a responsabilidade do facto, porque outra pessoa a não pode ter.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Em conformidade com as declarações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, vae ser lida na mesa a carta de Sua Majestade El-Rei.

O Sr. Francisco José Machado: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se quer que a carta seja lida.

Vozes: - Não é preciso.

O Orador: - Tenho o pleno direito de fazer um requerimento. Requeri. Agora a Camara resolverá.

O Sr. Presidente: - A Camara ouviu o requerimento do Digno Par, Os Dignos Pares que approvam que se faca a leitura da carta tenham a bondade de se levantar.

O requerimento foi approvado. Em seguida o Sr. 1.° Secretario fez a leitura da carta de Sua Majestade El Rei, que é do teor seguinte:

Paço das Necessidades, 16 de maio de 1906.

Meu querido Hintze. - Procuraste-me hontem de tarde para me expor qual o pensamento do Governo da tua presidencia sobre o modo de proceder nas actuaes circunstancias.

Achando eu grave o alvitre proposto e sem. a execução do qual declaravas em teu nome e no dos teus collegas não poder proseguir no Governo, disse-te que desejava pensar maduramente antes de te dar qualquer resposta.

Pensei toda a noite e demorei a resposta até agora, porque, não a desejei dar sem me considerar absolutamente habilitado, por algumas informações de que carecia, a responder-te como a minha consciencia entende que o devo fazer. Entendes tu, e o Governo da tua presidencia, não poder proseguir, na presente situação, sem que eu te conceda o adiamento das Côrtes que devem abrir ao começar o proximo mez, e que este adiamento seja feito por um simples decreto, não sendo ouvido previamente o Conselho de Estado. A isto juntaste que, feito isto, tomavas a responsabilidade de restabelecer a normalidade em Lisboa, pois que nas provincias não estava ella alterada. Não me parece conveniente o adiamento das Côrtes, que alem de trazer muitos outros inconvenientes provocaria uma immediata sublevação do espirito publico, não digo já dos republicanos, essa era lógica, mas de muitos, se não de todos, os monarchicos que te não acompanham nesta occasião. Esta era certa e é necessario não nos fazermos illusões a tal respeito, seria lançar para o numero dos descontentes já não pequeno, por motivos e erros que de lon-

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ge vem, com a massa dos que ainda lá não estão.

Não me parece o momento propicio para uma aventura d'estas, e a responsabilidade do decreto, ainda que apparentemente só acto do poder executivo, recairia mais uma vez sobre o Rei, a quem iodos pediriam a responsabilidade da sua assignatura, e apenas serviria para o desprestigio da instituição monarchica, em vez de servir para a sua consolidação.

Fazendo o, o Governo depois só se poderia conservar pela violencia e pelo terror, e mal está para aquelles que só d'esta maneira se podem sustentar. Creio que ha outros meios a empregar para chegarmos ao unico resultado a que devemos attender todos que é o bem do Paiz.

A repressão violenta pode e deve ser empregada quando seja absolutamente necessaria para a salvação publica; nunca, quando haja outros meios a empregar,, e esses, creio, ainda os ha.

Vês bem que por estes motivos, em minha consciencia, vejo-me obrigado a recusar ao Governo da tua presidencia o adiamento que elle me pede. Não demonstra este meu modo de proceder falta de confiança pessoal quer em ti quer em qualquer dos teus collegas, mostra apenas differença essencial no modo de pensar sobre a maneira de proceder nas actuaes conjuncturas. O Hintze e os seus collegas pensam por uma forma; eu por outra que em consciencia julgo ser melhor.

Sempre teu amigo verdadeiro = CARLOS. R.

P. S. - Se assim o entenderes conveniente podes ler esta carta em Conselho de Ministros. = C. R.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Passa-se á primeira parte da ordem do dia.

Vae proceder-se á eleição da commissão de negocios externos. Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.

Feita a chamada procedeu-se á votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos. Pares Francisco José Machado e Visconde de Tinalhas a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio, verificou se terem entrado na uma 31 listas, sendo 3 brancas e ficando eleitos os Dignos Pares:

Marques de Soveral, Conde do Cartaxo, Arcebispo de Calcedonia, Conde de Sabugosa, Luciano Monteiro, Teixeira de Vasconcellos, Gama Barros, Veiga Beirão, Antonio Candido, Alexandre Cabral, Wenceslau de Lima, João Arrojo - com 28 votos cada um.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de marinha.

Fez-se a chamada e procedeu-se á votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Luciano Monteiro e José Lobo a servirem de escrutinadores.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 31 listas, sendo 4 brancas, e ficando eleitos os Dignos Pares:

Ferreira do Amaral, Luciano Monteiro, Mello e Sousa, Ferreira Freire, Gama Barros, Marquez do Lavradio, Dias Costa, Eduardo Villaça, Julio de Vilhena, Teixeira de Sousa, José de Alpoim, José Lobo - com 27 votos cada um.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

SEGUNDA PARTE

Continuação da discussão sobre os acontecimentos de 4 de maio

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: a questão que se debate ainda não está esgotada. Pelo contrario, a discussão dos ultimos dias tem-se revelado em modalidades cuja synthese se patenteia pelo modo seguinte:

1.° Pela intervenção e instancias do Digno Par Sr. Arroyo, deu-se o apparecimento da carta do Chefe de Estado, cuja leitura acaba de se fazer na mesa, a despeito de haver n'esta casa quem quizesse reservar um documento d'aquella ordem, cuja publicidade se impunha a todos os respeitos;

2.° Pela intervenção do Digno Par Sr. Alpoim, recommendando o inquerito parlamentar para apuramento das responsabilidades da selvajaria de 4 de maio, o Sr. Presidente do Conselho manifestou opiniões que não podem coadunar-se com os mais simples preceitos liberaes.

Com relação á carta, direi que dois pontos chamam para ella, naturalmente, a minha attenção. O Chefe do Estado reconhece que o mau estar existente é de longa data.

Esta affirmação vem confirmar plenamente a campanha que ha annos levo seguida, perante a derrocada imminente, que tudo promette transformar e subverter. O testemunho não pode ser mais insuspeito.

A par d'isto, o Rei declara que retardou a sua resposta ao Sr. Hintze Ribeiro, a fim de colher informações".

A quem foi que recorreu para tal effeito?

Nem a imprensa, nem outro qualquer conducto noticioso mencionaram que se tivesse appellado para os membros do Conselho de Estado, ou para os Presidentes das duas casas do Parlamento, que seriam as pessoas idóneas para tal consulta.

Não admira, portanto, que haja outras cartas que possam emendar esta lacuna, ás quaes o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro tem alludido, e cuja publicidade se recommenda instantemente.

Quanto ao inquerito parlamentar, o artigo 14.° do Segundo Acto Addicional auctoriza-o nitidamente, nos assumptos para que o Parlamento tenha competencia.

E não é elle competente para fazer as leis, as mais variadas, para as modificar e interpretar?

Como o não poderia ser, pois, para o simples effeito de inquirir da execução d'ellas?

Em 13 de abril de 1904 apresentei eu n'esta casa uma proposta de inquerito, que não foi votada, porque a Camara electiva foi dissolvida, antes d'isso; mas acêrca da qual ninguem fez reparos de caracter dos que formulou o Sr. Presidente do Conselho, cujo anti-liberalismo mais uma vez se evidenciou.

Sr. Presidente: A verdade é que o Sr. João Franco é o culpado do que está succedendo, a despeito de procurar entrincheirar-se por detraz de posições com que se não pode acobertar.

Ha dias transformava-se em Pilatos e lavava as suas mãos.

Agora appella para o velho apologo do lobo e do cordeiro, destinando-se o logar sympatico de victima.

E quando isto occorria, passava-me naturalmente pela memoria: - agnus Dei qui tollis peccata mundi!... A que porventura o Sr. João Franco desejaria que o paiz respondesse: - Miserere nobis. Está no seu feitio.

Mas não é essa a resposta que tem, nem pode ter, perante alguns expedientes de que S. Exa. tem lançado mão, para diminuir um assumpto da maxima gravidade.

Em taes condições, affirmou por mais de uma vez que o partido republicano se desinteressava de ser parte na questão judiciaria, que corre os seus termos.

Não tenho procuração d'esse partido, a que não pertenço, para fazer declarações. Vi, porem, pelo Mundo, de ante-hontem, de hontem e de hoje, que o partido republicano terá representação no processo.

Não me avisto ha dias com o meu bom e particular amigo França Borges, director d'aquelle jornal; mas as notas que este tem inserto a tal respeito in-

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dicam que ellas são do seu punho e, por isso, de toda a autoridade.

Posto isto, recordarei que o Sr. Hintze Ribeiro, nas medidas por elle adoptadas, manifestou a maxima lenidade.

Recorreu aos culposos para apurarem dos culpados. Ordenou ao juiz de instrucção criminal, chefe da policia preventiva, que fizesse um inquerito, que elle não fez 5 e, em logar d'isso, decorridas vinte e quatro horas, enviou para juizo vinte e sete cidadãos, pelo unico facto de darem morras á policia.

Não causou estranheza esse proceder expeditivo que não está nos habitos d'aquella estação official? Pois devia produzil-a, servindo de orientação aos dirigentes para que enveredassem por mui differente caminho.

Em logar d'isso, o Sr. Hintze Ribeiro incumbe o commandante da policia de proceder a uma investigação, em que todos os depoentes affirmam que se deram vivas subversivos, contraditando por esta forma o chefe da policia preventiva, e o proprio tenente-coronel Dias, que no seu relatorio fazia apenas vagras allusões ao assumpto.

E o Sr. Presidente do Conselho, então na opposição, pedia, pelo seu orgão na imprensa, o mais severo castigo para a policia, insurgindo-se contra a afirmativa da existencia de taes vivas, que só ouvidos tinham sido, na sua opinião, por um informador mysterioso, cujo nome, por isso, se occultava.

Na actualidade, jura, se tanto for preciso, sobre a autenticidade da investigação policial, em que não foram inquiridos, nem o tenente coronel Dias, do proprio corpo da policia, nem uma unica das cento e tantas victimas da brutalidade policial, nem sequer algum dos empregados do caminho de ferro que assistiram á triste occorrencia.

Na investigação, só se procura fazer prova com o testemunho dos aggressores, isto é, encobril-os, e até divinizados.

E com um instrumento d'estes, fundamentalmente falsificado, que o Sr. Presidente do Conselho, no seu reviramento affixado de opiniões, pretende que a justiça se apoie no apuramento da verdade!

Parallelamente com esta original pretensão, o Sr. João Franco proclama que, pela queda do Gabinete a que presidia o Sr. Hintze Ribeiro, foi dada á cidade de Lisboa a mais completa satisfação.

Satisfação?! Quem a teve foi S. Exa., que subiu ao poder com a demissão do Sr. Hintze; não foi a cidade, que ainda não viu devidamente punido o desacato que lhe foi feito.

Com a mudança de opposicionista para chefe de Governo, o Sr. João Franco observa, pelos seus orgãos visuaes, imagens invertidas. Faz-nos lembrar, salvo o devido respeito pela sua pessoa e sexo, a velha de Tolentino, que assim se expressava, passeando n'um jardim da epoca:

Pondo contra a luz a mão,
E crendo que n'esta rua
Está S. Sebastião,
De Venus a estatua nua
Faz mesura e oração.

Já a isto chegou o Sr. Presidente do Conselho, a confundir Vénus com aquelle martyr.

Sentimos sinceramente esta sua decadencia, e ainda mais o seu reviramento, affirmado pelo seguinte trecho de prosa indignada, apparecido a lume no Diario Illustrado, de 12 de maio ultimo:

"... podemos ser Item terminantes e bem categoricos nas declarações que temos a fazer, e que não são senão o resumo da commentarios aqui feitos a proposito do roubo fia eleição de Lisboa e do attentado do Rocio, e, mais remotamente ainda, a confirmação plena de affirmações feitas pelo Sr. Conselheiro João Franco, quando estava ainda no poder o Sr. José Luciano de Castro.

E o que temos a dizer é isto: rejeitamos absolutamente toda a solidariedade com o que se tem feito, e não queremos a menor parcela de responsabilidade no que de semelhante venha afazer-se. Estamos nitida e firmemente com a cidade de Lisboa, contra quem quer que se lembre de proseguir no erradissimo caminho por onde o Sr. Hintze Ribeiro enveredou.

N'esta ordem de ideias nos manteremos, quer na imprensa, continuando a combater, como até aqui, o que se está fazendo, quer no Parlamento, pedindo ao Governo, se elle lá chegar, estreitas contas das loucuras commettidas, ou das que venha a commetter, e pugnando pelos principios liberaes que estão sendo não só espesinhados, mas escarnecidos provocadoramente, sem vantagens para ninguem, e com o maximo damno das instituições. Tal é o papel de um partido que, como o nosso, entrou na concentração liberal, alem de tudo mais porque a concentração liberal não se fez para outra cousa.

Agora a orientação é outra, muito outra. Toda de ternura pela policia, e comprehende se. Constitue ella uma parte integrante do viver de S. Exa., e tem-lhe merecido sempre o maior affecto, parecendo mesmo que, sem ella, não se considera completo.

Não é ao Sr. João Franco que se pode applicar o caso de Crébillon, que proximo de morrer, aos oitenta annos contados, dizia para seu filho Claudio:

- De duas unicas cousas tenho pena de ser auctor, - de ti, e da minha tragedia Catilina.

- Pois morra descansado, meu pae, replicou-lhe o filho. Ninguem lhe attribue a paternidade, nem d'ella, nem de mim.

O Sr. João Franco, quando saiu da ultima vez do Ministerio, não podia trazer a publico arrependimento similar. Morrea ministerialmente abraçado á policia, sua filha, e aos policias dirigentes, seus dilectos rebentos.

Depois do seu novo ascenso, a policia faz-lhe guarda pretoriana, como se observou, por exemplo, no dia 13 de agosto, á noite.

O Sr. João Franco assistia a um sarau eleitoral do Centro Carlos Lopes. Na rua, aguardando-lhe a saida, encontravam-se, consoante o insuspeito Diario de Noticias, os Srs. coronel Moraes Sarmento, tenente-coronel João Dias, os chefes Antunes e Simões, e uma força que se estendia por toda a Rua Augusta, não consentindo que pessoa alguma estacionasse, para evitar agrupamentos que dessem occasião a qualquer manifestação de desagrado.

Pela sua parte, as Novidades expressaram-se n'estes termos:

"Estado maior das forças policiaes destacadas hontem á noite, para a Rua Augusta e immediações, por motivo de sarau no Centro Carlos Lopes:

Coronel Moraes Sarmento.

Tenente-coronel Dias.

Chefe Antunes.

Chefe Amorim.

Chefe Cyro, da policia preventiva.

Nem já escapa o illustre commandante, que, antigamente, pelo prestigio do seu alto cargo, não andava mettido nestas danças".

É positivamente apropriada esta observação, que mais adeante fundamentarei no decurso das minhas considerações.

Agora limito-me a registar, uma vez mais, a fragilidade do Sr. Conselheiro João Franco pela policia, que se evidencia, por modo incontroverso, na proposta de lei apresentada á camara electiva em 12 do corrente, e relativa á reforma do Juizo de Instrucção Criminal.

O conceito que me merece a entidade que ali se abriga sabe-o a Camara, sabe-o o paiz.

Corrigi o devidamente n'uma das ultimas sessões, e repetirei o castigo sempre que seja necessario. Neste momento, vou aprecial-o com relação á parte excepcional que elle tem na reforma que se jacta, por intermedio do Diario de Noticias} de ter engendrado, o que é verdade.

Era desnecessario mesmo affirmal-o. Pela obra feita se conhece o auctor, como pelo dedo se conhece o gigante.

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E a obra não passa de uma completa mystificação, nos dois pontos que a poderiam recommendar: - na limitação, ao minimo, da prisão preventiva, e na instrucção criminal contraditoria.

Nunca, Sr. Presidente, uma reforma d'essas poderá ter o cunho de viavel, de decente, emquanto se não separarem completamente as funcções de magistrado instructor das de chefe policial.

A par d'este vicio capital de origem, reservam-se a impunidade, e a mais lata independencia e o mais completo arbitrio, para uso do juiz de instrucção,- cuja prebenda pode conservar, até sendo membro do Supremo Tribunal de Justiça.

Pela sua parte, o commandante da policia tem garantido o seu logar até general de divisão.

Ha nada mais deprimente, para a magistratura e para o exercito, do que conservar, nos seus altos cargos, duas individualidades que, por dever de officio, tenham de fazer uso do conhecido apito profissional? Um vexame.

O Sr. Pimentel Pinto: - Apoiado.

O Orador: - Um vexame que, no tocante á policia, pode produzir, nos elementos militares, a ascensão, repito, até general de divisão; e que bello quadro apresentará um general de divisão, emplumado, percorrendo as das a apitar?!

Estará reservado esse enxovalho para aquellas duas instituições, tão dignas de consideração?

Não pode ser.

Pelo que respeita ao exercito, devo dizer que não cabem os seus officiaes na instituição policial, desde que ella assumiu a feição janizara dos ultimos tempos.

N'outras condições, quando ella constituia uma corporação respeitavel e respeitada, o commandante nunca deveria ir alem do posto de major, e os seus auxiliares nunca ascenderiam a mais de capitães ou de subalternos. Mas com o Sr. Presidente do Conselho, dada a sua ternura policial, tudo é possivel.

Tenha-se presente o que se passa nas galerias d'esta Camara, que são infestadas por agentes da policia preventiva, com prejuizo manifesto dos cidadãos honestos que pretendam assistir ás sessões.

Ainda na penultima sessão, quando eu entrava no edificio, inquiri do numero de preventivos que tinham tomado logar nas galerias, e foi-me respondido: - duzentos.

Hoje o numero foi de 100, e não admira. O Digno Par Sr. Arroyo, com os seus dotes excepcionaes de orador, tem direito a uma guarda de 200 granadeiros secretos. Eu só tenho categoria para 100.

Isto, porém, não obsta a que registe, com boa vontade, a affirmação patriotica do Sr. Presidente do Conselho. Com effeito, asseverava S. Exa., n'uma das ultimas sessões, que daria a sua intelligencia, a sua vida e a sua fortuna, pela felicidade do paiz.

Quando S. Exa. fazia esta affirmativa, de cuja sinceridade não alimento a menor duvida, occorria-me á memoria o sylogismo do meu afastado tempo de estudante de lógica: a Quem, arrisca a vida para salvar a patria é digno de admiração; Scaevola arriscou a vida para salvar a patria; logo. Scaevola é digno de admiração".

Quanto á offerta da sua fortuna, sou menos competente para a poder avaliar, visto eu ser mui escasso de bens; mas dou homem por mim, representado por Nestor Roqueplan, que viveu no seculo passado e morreu em 1870. em plena podridão imperialista. Assegurava elle;

- O dinheiro é uma coisa vergonhosa, que só se salva pela quantidade.

Ouso recommendar ao Sr. Presidente do Conselho que não disponha d'elle até se integrar com a definição que deixo exarada. Evite o ter de envergonhar-se.

Não carece, porem, o Sr. João Franco de comprometter a sua vida, nem a sua fortuna, para o bem do paiz. Basta que use da sua intelligencia, e que a applique por forma semelhante ao que praticou com a imprensa.

Começou por lhe dar uma ampla amnistia, e depois tem-se o pensamento expandido com a maxima liberdade. Só tenho, por isso, a felicitar o Sr. Presidente do Conselho.

Na minha qualidade de isolado politico, posso e devo exprimir-me pela forma por que o faço, a todos rendendo justiça.

A imprensa, no seu funccionamento desafogado, trouxe á nação o interesse pelos negocios publicos, que evidentemente se patenteia, e encontra echo no Parlamento. As nossas movimentadas sessões são d'isso prova concludente; e sinto apenas que, com o direito de reunião, com o habeas corpus e com a lei de 13 de fevereiro não houvesse procedimento semelhante. O direito de reunião, a que foi de começo dada ampla latitude, teve, depois das ocorrencias de Alcantara, restricções caracterizadas pelo apparato policial.

O habeas corpus, que existe em Inglaterra desde 1679, reinando Carlos II, foi ali adoptado para corrigir os desmandos e atropelos para com a Grande Carta, tantas vezes violada. Cá, como lá, tambem a Carta está sujeita a repetidas violações.

Infelizmente, porem, não são ellas corrigidas, na actualidade, como o foram na Gran-Bretanha, ha mais de dois seculos.

Quanto nós estamos, Sr. Presidente, vergonhosamente distanciados do convivio da civilização!...

Com a lei de 1 B de fevereiro, cuja abolição mais uma vez peço, succede identico desastre. As suas victimas ainda não foram repatriadas, que me conste, e eu convido o Sr. Presidente do Conselho a que a tal respeito se digne dar-me explicitas informações.

Segundo declarou o actual Deputado Sr. Antonio José de Almeida, n'um comicio de Lisboa, em 12 de agosto, nem menos de dois deportados, sem terem sido sujeitos a previo julgamento judiciario, falleceram em Loanda, onde estavam submettidos ao regimen condemnavel das prisões famosas, lá existentes. Um d'elles era bóer e o outro francez.

É preciso, Sr. Presidente, acabar com estes e outros actos que nos deprimem e aviltam. É indispensavel que o repatriamento de todos os deportados se faça quanto antes e gratuitamente.

Dito isto, seja-me licito consignar que não julgo necessario appellar para os manes dos homens illustres, cujos bustos circundam esta sala, para conhecer das causas que motivaram a ascensão do Sr. João Franco ao poder.

No ameno divagar pelas regiões poéticas da sua imaginação, o Digno Par o Sr. Arroyo affirmou mais uma vez a sua exuberancia inventiva de meridional. Eu appellarei para a historia, que é pratica, para d'ella colher a lição de que? se as camarilhas e os aulicos são inherentes a todas as Côrtes, os despotas nem sempre admittem tutelas ou insinuações. Abundam os exemplos d'esse genero, em todos os tempos.

Assim, na Grecia, Pisistrato, tyranno de Athenas, que viveu no tempo de Solon, colheu no exilio o fructo dos seus crimes. Polycrato, tyranno de Samos, teve na morte violenta, sorte mais expressiva, não lhe valendo, esmo attenuante, a intimidade em que vivia com o alegre Anacreonte.

Da antiga Roma, mencionarei tres déspotas, que no Throno se seguiram uns aos outros. Refiro-me a Caligula, a Cláudio e a Nero. Todos elles pagaram com a vida as atrocidades em que foram ferteis.

Dos nossos dias, fornece a Servia um exemplo frisante. O Rei Alexandre foi acclamado pela multidão no proprio dia em que á noite era assassinado. O seu desapparecimento do Throno, que primitivamente produzira más vontades para com o seu successor, originou o estado prospero em que se encontra aquelle paiz.

A Inglaterra, que se collocara á testa da cruzada que poz no index a nação servia, já reconheceu o novo estado de cousas. O Temps, n'um ar-

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tigo datado de 29 de junho, sustenta que as eleições servias foram feitas com lisura, dando uma maioria sufficiente ao Governo, de 12 a 15 votos, e acrescenta:

"A Constituição servia era uma Constituição occidental. O Governo de Milão e mesmo o de Alexandre foram Governos orientaes. Pedro I comprehende, por differente forma, os deveres de Rei. Entende que deve dar o exemplo de correcção constitucional. A traducção pratica d'esta opinião não foi isenta de difficuldades; mas hoje colhe a Servia os beneficios d'essa norma de proceder".

Ponha o Sr. Presidente do Conselho os olhos n'este lisonjeiro quadro; e acabe quanto antes com a lei eleitoral, que S. Exa. capitulou de ignóbil, sem receio de não poder governar com uma diminuta minoria. É o Temps que lh'o certifica, - o Temps que teve tambem um artigo laudatorio no verão, para com S. Exa.

N'elle havia allusões a proximos recomposições ministeriaes, de costella progressista, e que produziram critica acre no seio da concentração. Apesar de o não rezar a historia, o Sr. João Franco ha de ter gasto centenas de esponjas e de sabonetes para se desencardir, e aos seus colligados, das referencias cáusticas de recente data, que, pela sua imprensa, lhes endereçou.

Mas deixemos estas miserias, e seja-me permittido notar que das citações historicas que fiz se podem tirar lições proveitosas e demonstrativas de que o despotismo foi e é de todas as epocas.

Entre nós, as variantes ministeriaes obedecem apenas ao § 5.° do artigo 74.° da Carta Constitucional, o qual estabelece que o Rei nomeia e demitte livremente os Ministros de Estado.

A Carta ainda lhes dá esta acceitavel designação. Os politicos cortezãos preferem a nomenclatura deprimente - de o Rei e os seus Ministros.

Na constancia da desordenada vida constitucional do paiz, em 10 de setembro de 1905, praticou-se o golpe de estado resultante de serem encerradas as Côrtes sem se ter cumprido o preceito constitucional da duração de tres mezes da sessão legislativa. Em dezembro eram ellas adiadas para fevereiro, quando deveriam abrir-se em 2 de janeiro. Em fevereiro, foram ellas dissolvidas. Pouco depois era demittido o Sr. José Luciano de Castro, e ascendia ao poder o Sr. Hintze Ribeiro, que, 58 dias decorridos, era substituido, na Presidencia do Conselho, pelo Sr. João Franco.

Em 5 de junho era dissolvida, sem que chegasse sequer a constituir-se, a Camara dos Deputados. Perante estes factos, não ha que investigar de onde veiu o Sr. João Franco. E um producto do tempo. Subiu pela mesma alluida escada por que treparam os seus antecessores.

O Chefe do Estado reconhece á ultima hora que os erros na administração publica vêem de longe!

Eu - mais uma vez o registo - tenho essa opinião de longa data.

O Sr. Presidente do Conselho ignora que se acha sobre um vulcão. Se fosse previdente teria procedido como Manoel da Silva Passos praticou em 20 de setembro de 1836, que fez adoptar, por um decreto, a Constituição de 1822, e mandou para o limbo a actual Carta, que de lá foi desgraçadamente arrancada em 1842.

Semelhantemente, e em conformidade com os processos d'esse illustre avoengo progressista, o Sr. João Franco deveria ter feito o regresso á legislação liberal de 1885, para começo de vida. Recomendei-lh'o na sessão de 4 de junho, em que o Ministerio se apresentou n'esta casa. Não me ouviu S. Exa., e tudo indica que não procedeu assisadamente.

Os seus palliativos nada teem remediado. Haja em vista a parada das numerosas forças, contadas por dezenas de milhares de pessoas, que se ostentaram no funebre saimento civil de Heliodoro Salgado. Era elle um erudito e um trabalhador respeitado e respeitavel; mas evidentemente a manifestação que se fez no domingo não celebrava exclusivamente esses meritos.

Abra o Sr. Presidente do Conselho os olhos e attente bem no que se passa. Collabore, tanto quanto lhe for possivel, na desaffronta da cidade, pelo estigma com que foi ferreteada na noite tristemente celebre de 4 de maio; e para resolver as magnas difficuldades de caracter geral appelle para os mais energicos revulsivos liberaes, e só com o seu emprego poderá evitar, se puder, o desabamento que se annuncia, e que eu ha muito prevejo.

É simplesmente intuitivo.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: o adeantado da hora e ainda o muito tempo que tem tomado á Camara este longo debate farão, naturalmente, que eu reduza as minhas considerações ao menos possivel para responder ao discurso do Digno Par Sr. Baracho.

Alem d'isso, Sr. Presidente, os assumptos que mais ou menos teem sido tratados n'esta discussão, certamente hão de vir a ser motivo da attenção da Camara quando se discutir a resposta ao Discurso da Coroa e, então, eu terei ensejo de mais largamente me referir ás observações do Digno Par e de expor á Camara os factos por que eu entendo que não só o Governo a que tenho a honra de presidir tem procurado corresponder honradamente aos seus compromissos e principios, mas tambem que a orientação liberal que seguimos é aquella que na conjunctura actual mais convem ao paiz.

E possivel que eu não consiga levar a convicção ao espirito do Digno Par; nem o facto de nos distanciarmos um pouco no nosso modo de ver pode por modo algum ser motivo para que eu tenha em menos apreço as considerações do Digno Par.

Com respeito aos anarchistas, aos individuos a quem foi applicada a lei de 13 de fevereiro, desejou o Digno Par saber se tinham sido repatriados alguns condemnados ou quantos faltavam ainda.

Respondendo a S. Exa., direi que já o Governo passado tinha repatriado sete ou oito dos condemnados, por isso que os governadores das possessões, informando do seu comportamento, disseram que nenhum inconveniente havia na repatriação e até a aconselhavam.

Depois de eu tomar conta do poder, e em vista das declarações que foram feitas perante o Parlamento, pedimos informações acêrca de todos os condemnados e estão dadas ordens de ha muito tempo para serem repatriados todos...

O Sr. Sebastião Baracho: - Gratuitamente?

O Orador: - Certamente; nem em outra cousa se pensou.

Como ia dizendo - para serem repatriados todos, com excepção de dois, pois que o governador de Timor informou, que não só julga vá que pelo seu procedimento deviam ser conservados, mas entendia até que assim era preciso.

Como o Digno Par vê, o Governo não se esqueceu dos seus compromissos e procura realizal-os o mais breve e o mais completamente possivel.

Quanto á applicação da lei de 13 de fevereiro e efficacia do poder judicial, ha de o Digno Par ter occasião de conhecer, quando o Governo apresentar a sua proposta...

O Sr. Sebastião Baracho: - Desde que se está organizando uma proposta, não esqueça estabelecer n'ella o limite de idade.

O Orador: - Mas eu não me referia a isso.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu peço desculpa. Julguei que V. Exa. dizia que estava tratando de uma lei de organização judiciaria.

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O Orador:-Eu referia-me á proposta que modifica a lei de 13 de fevereiro.

No relatorio que precede a proposta, o Governo faz compendiar não só o numero de todos os condemnados, mas ainda o numero de todos aquelles a quem administrativamente se procurou applicar essa lei.

Então, dizia eu, terá o Digno Par, terá toda a Camara occasião de reconhecer duas cousas: primeira, que aquella lei não deixa sem defesa aquelles que por ella forem incriminados; segunda, que o poder judicial dá garantias de justiça a quem a tem.

A um outro assumpto se referiu o Digno Par ao apparato policial por occasião das reuniões eleitoraes.

E verdadeiro o facto que o Digno Par aponta, mas, se S. Exa. se der ao trabalho de ler os jornaes acêrca d'essas reuniões, terá occasião de verificar que, quando se faz o desdobramento de forcas policiaes, não se dão conflictos; e, como o que convem é evitá-los, eu entendo que, em taes circumstancias, são de vantagem esses desdobramentos ou apparatos policiaes.

Perante as manifestações de opinião tenho sido de uma absoluta tolerancia, tendo até, como na reunião eleitoral que se realizou em Alcantara, deixado de prevenir qualquer manifestação contraria a mim ou ás minhas ideias.

Por vezes, quando me apeava da minha carruagem á porta das casas onde se effectuavam essas reuniões, via-me immediatamente rodeado, cotovellos com cotovellos, por individuos que se manifestavam conforme queriam, e eu nunca empreguei esforço algum para conter manifestações contrarias.

Um homem bem mais eminente do que eu, Gladstone...

O Sr. Sebastião Bar acho: - Veja V. Exa. se o imita.

O Orador: - Ha modelos que seria vaidade da minha parte querer imitar; mas, como dizem que eu pretendo governar á ingleza, já faço alguma cousa.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco:- Na inconstancia já V. Exa. o imita.

O Orador: - Comto da essa inconstancia, oxalá que a nossa patria tivesse, ao menos, um simulacro de Gladstone.

Tambem Bismarck, depois de ser livre-cambista...

O Sr. José de Alpoim: - Felicito a V. Exa. por não mostrar hoje tanto desdem pelas citações historicas.

Eu gosto sempre de as ouvir.

O Orador: - Já agora deixe-me V. Exa. acabar a citação.

Bismarck era accusado no Parlamento de, tendo sido livre-cambista, se haver tornado proteccionista. Levantando-se de uma vez na Camara, disse pouco mais ou menos o seguinte: "Ouvi com muita attenção, como é dever do meu cargo, o illustre Deputado, e de tudo o que disse apenas ha uma cousa com que estou de accordo: é que effectivamente fui livre cambista e hoje sou proteccionista, porque aprendo todos os dias e não sou dos que se immobilizam".

Eu, Sr. Presidente, desejo pertencer ao numero d'aquelles que aprendem todos os dias.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu não interrompi V. Exa. para censurar, os seus actos, mas apenas para lhe significar que, imitando Gladstone na inconstancia, procure tambem imital-o na boa administração.

O Orador: - Metta V. Exa. a mão na consciencia e verá que eu estou procurando fazel-a.

O Sr. Sebastião Baracho: - Custa muito a encontrar.

O Orador: - Emprego toda a minha energia e boa vontade em bem servir o paiz.

O Sr. João Arroyo: - Cada um faz o que pode.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mas pode pouco.

O Orador: - O paiz me ha de julgar. E o que posso assegurar aos Dignos Pares é que a minha consciencia não me accusa de haver poupado um esforço ou um sacrificio no cumprimento do meu dever.

Mas ia eu dizendo que esse aparato policial dera pelo menos o resultado de se evitarem certas manifestações que podiam perturbar a ordem publica.

Vamos agora a um outro ponto a que se referiu o Digno Par.

Parece-me, Sr. Presidente, que não é hoje occasião de se tratar da proposta referente ao Juizo de Instrucção Criminal.

O Digno Par não acha n'essa proposta senão defeitos e nenhuma qualidade boa.

Eu devo dizer a S. Exa. que a proposta, quando vier a esta Camara, cuidadosamente revista ou até modificada no sentido de melhor satisfazer ás necessidades publicas, ha de agradar ao Digno Par.

O Sr. Sebastião Baracho: - O que eu desejo é que tragam cá o juizo de instrucção criminal de modo que o não conheçam. (Riso}.

O Orador: - Creia S. Exa. que não é uma questão politica, e que não serei eu quem diga á maioria que é chegado o momento de mostrar a sua completa adhesão á acção do Governo.

É necessario levantar o systema representativo entre nós.

Eu entendo, Sr. Presidente, que o Parlamento deve ter a mais completa liberdade de acção.

Não basta que o Governo governe bem, é necessario que ao lado do Governo haja um Parlamento que se imponha com aquella força moral que lhe é indispensavel para que seja o que deve ser.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Vou dar a palavra ao Digno Par Sr. Arroyo, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: não é meu intuito, no final da sessão, analysar detidamente a carta dirigida por Sua Majestade ao Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro quando Presidente do Conselho; mas V. Exa. comprehende que a minha responsabilidade de parlamentar a ainda de homem de Estado me não podia permittir que ficasse silencioso n'um assumpto relacionado com a proposição que avancei no discurso proferido na sessão de 15.

Vou, portanto, deixando a apreciação circumstanciada da carta de El-Rei para outra occasião, chamar apenas a attenção da Camara e de todo paiz para alguns dos aspectos que esse diploma contem e pedir uma explicação ao Sr. Presidente do Conselho, porque eu considero o Sr. João Franco responsavel, constitucionalmente, pelos actos do Poder Moderador.

Quando digo o Sr. João Franco, digo todo o Governo; mas refiro-me principalmente a S. Exa. por ser o primeiro magistrado administrativo da nação abaixo do Rei, e, como Presidente do Conselho o primeiro conselheiro do Chefe do Estado.

A remessa d'este diploma ao seio do Parlamento e o largo conhecimento d'elle, como a Camara deliberou depois da auctorização de Sr. Presidente do Conselho, são factos da sua responsabilidade e do seu conselho constitucional.

Se eu precisasse de provas para justificar a minha preposição de que influencias estranhas ao meio politico e parlamentar haviam determinado a queda do Gabinete presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro, nada mais precisava do que analysar a carta regia, cuja leitura acaba de ser feita.

Ella demonstra em primeiro logar que pessoas estranhas ao mundo poli-

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tico collaboraram na crise, e em segundo Jogar que influencias estranhas collaboraram na propria carta.

Vamos ao primeiro ponto. Diz o diploma a que me estou referindo:

"Pensei toda a noite e demorei a resposta até agora, porque não a desejei dar sem me considerar absolutamente habilitado, por algumas informações de que carecia...".

Fala-se aqui em informações.

N'uma crise politica de que informações podia lançar mão o Chefe do Estado?

D'aquellas a que se refere a Carta Constitucional ou das que estão auctorizadas pela tradição constitucional e são seguidas em muitos paizes, mormente na vizinha Hespanha: ouvindo o Conselho de Estado, ou chamando os presidentes das duas Camaras e os principaes vultos das differentes parcialidades politicas.

Vejamos. Foi ouvido o Conselho de Estado?

Não foi.

Os presidentes das assembleias legislativas foram consultados?

Não.

Foram ouvidas as individualidades proeminentes das differentes facções politicas?

Não foram.

Não foi ouvido ninguem, nem na politica nem no mundo parlamentar, como determina a Constituição ou a tradição constitucional.

Logo, Sr. Presidente, foram ouvidas sobre a crise personalidades estranhas não só á letra da Constituição, mas até ao mundo parlamentar e politico.

Feita esta demonstração, passarei ao segundo ponto: que n'esta carta houve collaboração estranha.

De repente, o tratamento de - tu - dado por El-Rei ao Sr. Presidente do Conselho - e logo falarei n'isto - muda de pessoa grammatical: "O Hintze e os seus collegas pensam por uma forma, etc.", e esta incorrecção de escripta, n'uma pessoa tão altamente illustrada como Sua Majestade, que é n m erudito, um litterato, um artista, revela um dos lapsos vulgares em quem perante uma copia tem de a apropriar ao seu modo de dizer ou tratar e se esquece de o fazer.

Devo confessar que a carta de El-Rei me causou ainda uma dolorosa surpresa.

Eu conheço particularmente Sua Majestade, que, alem das suas qualidades de homem de Estado e de soberano constitucional, é um primoroso cavalheiro incapaz de faltar aos mais pequenos deveres de cortezia para com todos, e muito menos para com aquelles que teem obrigação official de frequentar a sua casa no exercicio de um cargo publico.

Custou-me ver que El-Rei, escrevendo ao seu Presidente do Conselho, que, como ha pouco disse, é o primeiro magistrado administrativo abaixo da Coroa, o fizesse tratando-o por tu.

Nunca D. Pedro V, nem D. Luis I, cujas tradições estão na memoria de todos, usaram dirigir-se por esta forma aos seus Presidentes do Conselho; tratavam-nos respeitosamente, com a devida homenagem que os homens praticam entre si, embora um d'elles seja aureolado por uma Coroa Real.

Feito este reparo, Sr. Presidente, eu volto ao Sr. Presidente do Conselho para que se digne prestar um esclarecimento acêrca da mesma carta.

S. Exa. não é só o responsavel pelo acto real, é o primeiro dos conselheiros reaes, e eu deixaria de prestar ao Sr. Conselheiro João Franco a devida homenagem de deferencia pelo alto cargo que occupa, se pudesse suppor que S. Exa. não estaria habilitado a esclarecer-me sobre um dos pontos d'este importante diploma. Elle reza assim:

"Fazendo-o, o Governo depois só se poderia conservar pela violencia e pelo terror, e mal está para aquelles que só d'esta maneira se podem sustentar. Creio que ha outros meios a empregar para chegarmos ao unico resultado a que devemos tender todos que é o bem do paiz".

Eu desejo que S. Exa. me diga se estas palavras de El-Rei representam um pensamento exclusivamente da sua iniciativa, filho do seu espirito, um considerando, uma conclusão da exclusiva iniciativa individual de El-Rei, ou se pelo contrario teem alguma relação directa ou indirecta, proximo ou remota, com qualquer pedido que o Governo d'aquella epoca tivesse feito sobre este assumpto.

Nada mais digo, e termina, como comecei, por declarar que não tive n'este momento o intuito de discutir tão importante diploma, mas unicamente, pelo respeito e consideração devidos aos meus collegas, o proposito de justificar fundamentalmente o meu procedimento, e de sem demora ouvir da boca do Sr. Presidente do Conselho - se as palavras a que ha pouco me referi significam um facto de exclusiva iniciativa de El-Rei, ou se teem qualquer relação com o programma ou medidas cuja autorização o Governo d'aquella epoca desejava obter de El-Rei.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : se o Digno Par não deseja agora, como affirmou, encetar uma discussão propriamente dita, sobre o documento a que acaba de se referir - a carta de Sua Majestade El-Rei - eu menos tenção tenho de tomar tempo á Camara, e contentar-me-hei em responder ás duas perguntas que me dirigiu o Digno Par Sr. Arroyo.

A primeira pergunta é se alem da minha responsabilidade por todos os actos do poder moderador e do poder executivo...

O Sr. João Arroyo: - Eu só fiz uma pergunta, e não essa.

O Orador: - Já que sobre este ponto o Digno Par não quer que eu responda, a Camara comprehende muito bem que, depois das declarações que fez o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, de discutir com toda a largueza, por occasião da resposta ao Discurso da Coroa, não só a crise, mas os motivos e circunstancias que a determinaram e seguiram, a Camara comprehende, dizia eu, que, respondendo n'este momento, iria antecipar-me ás declarações do Sr. Hintze Ribeiro e commetter para com S. Exa. um verdadeiro desprimor.

Disse o Digno Par que El-Rei, pelas leis e pelas tradições, não pode ter outros informadores que não sejam os membros do Conselho de Estado, os Presidentes das Camaras, e os homens publicos mais importantes.

Sr. Presidente: não conheço nenhuma restricção legal a que tenha de attender o Chefe do Estado quando nomeia ou demitte os seus Ministros.

O que a Carta Constitucional determina é que as Côrtes não possam ser dissolvidas sem que seja ouvido o Conselho de Estado.

Mas não se tratava de dissolução de Côrtes e, portanto, não tinha de ser ouvido o Conselho de Estado.

Com relação aos Presidentes das Camaras, V. Exa. sabe que a Camara dos Senhores Deputados tinha sido dissolvida.

Com respeito, a entidades: em alguns paizes, como a nossa vizinha Hespanha, ha effectivamente o costume de o Rei ouvir os Presidentes das assembleias legislativas, e os homens politicos em evidencia.

Entre nós não se procede assim, nem mesmo me lembro de ter sido consultado o Conselho de Estado sobre a resolução de qualquer crise politica.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Em 1890.

O Orador: - Em 1890 pertenci eu ao Ministerio presidido por Antonio de Serpa, Ministerio que deu a sua demissão, por graves circumstancias de

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SESSÃO N.° 7 DE 18 DE OUTUBRO DE 1906 105

momento, que estão na memoria da Camara; mas depois entrei no Ministerio presidido por João Chrisostomo de Abreu e Sousa em 1891, e para a organização d'este Ministerio não foi ouvido o Conselho de Estado.

Citou o Digno Par Sr. José de Azevedo 1890; mas essa é uma excepção, e as excepções teem precisamente o valor de confirmar a regra geral.

Ia eu dizendo que, tanto da primeira vez que fui Ministro, como da segunda vez, nunca foi ouvido o Conselho de Estado.

Passados tempos, era o Sr. Hintze Ribeiro encarregado de organizar Ministerio, a que eu pertenci, tendo-me sido entregue a pasta do Reino, e tambem não foi ouvido o Conselho de Estado, nem os Presidentes das Camaras.

Cito estes factos, aparte a excepção a que se referiu o Digno Par José de Azevedo e que em todo o caso foi determinada por circumstancias graves, para mostrar que a accusação que fez o Sr. Joio Arroyo é perfeitamente descabida, pois não tem a justifical-a a sequencia dos factos da nossa vida constitucional.

Não ha disposição nenhuma que, n'uma crise ministerial, obrigue El-Rei a ouvir o Conselho de Estado, os Presidentes das Camaras ou quaesquer outras pessoas de categoria politica e social.

O que a Carta Constitucional diz é que ò Rei tem o direito de nomear e demittir livremente os seus ministros, mas este direito não exclue a possibilidade de indagar acêrca do estado da opinião publica, procurando no mundo official quem devidamente o informe.

Sr. Presidente, por agora ponho aqui termo ás minhas considerações, porque não é n'esta altura da sessão que se podem discutir assumptos da importancia d'aquelles a que S. Exa. se referiu, tanto mais que o Digno Par começou por assim o reconhecer.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora de encerrar a sessão e estão ainda inscriptos o Sr. José de Azevedo e o Sr. João Arroyo. Não posso conceder-lhes a palavra sem consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente,

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - O nosso collega Sr. João Arroyo pediu a palavra para responder ao Sr. Presidente do Conselho, e eu não desejo interpor-me n'este pequeno debate.

Peço, portanto, a V. Exa. o favor de inverter a inscripção dando a palavra em primeiro logar ao Sr. Arroyo.

O Sr. João Arroyo: - Agradeço ao i Digno Par e meu amigo Sr. José de Azevedo a amabilidade com que acaba de me distinguir.

Não desejo abusar da paciencia da Camara. Todavia não posso deixar de repor a questão nos termos em que a tinha collocado.

Lamento que o Sr. Presidente do Conselho não houvesse dado resposta á minha pergunta.

O Sr. Hintze Ribeiro é um cavalheiro por quem eu tenho muita consideração pessoal e que possue um logar proeminente na nossa vida, politica; mas o facto de S. Exa. adiar para outro momento quaesquer considerações que deseje apresentar não pode tolher o meu direito, que reivindico, de pedir uma resposta ao Sr. Presidente do Conselho. Se S. Exa. não a quer dar agora, basta que diga que não julga conveniente fazei o; o que não pode é deixar de responder apresentando como razão querer o Sr. Hintze Ribeiro discutir n'outra occasião o assumpto.

Eu não exigi que Sua Majestade, para a resolução da crise, ouvisse o Conselho de Estado, os Presidentes das Camaras ou os vultos proeminentes na politica; apenas disse que informações politicas ao Chefe do Estado, nas circunstancias a que me referi, só lh'as podem dar officialmente pela letra da lei o Conselho de Estado e extra-officialmente os Presidentes das Camaras e os vultos capitães da politica.

Quanto ao Conselho de Estado é o artigo 110.°. da Carta Constitucional que o diz. (Leu}:

"Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negocios graves e medidas geraes de publica administração".

Não analyso como os factos se passaram em epocas anteriores.

O Sr. Presidente do Conselho fala-me em quaesquer outras pessoas que, sobre assumptos politicos, podem ser ouvidas por El-Rei e que não pertencem ás categorias apontadas.

Mas, pergunto eu, quem fica no mundo politico portuguez, excluido o Governo, tirado o Conselho de Estado, e exceptuados os Presidentes das Camaras e os vultos proeminentes dos partidos?

É o commandante da guarda municipal? É o commandante da policia? E o chefe da preventiva?

Eu digo agora como se dizia ha cincoenta annos n'esta casa: Risum teneatis.

é assim que a questão se colloca.

Não fui eu que falei em quaesquer informações que Sua Majestade recebesse sobre a crise; foi propriamente Sua Majestade que o disse ao Sr. Hintze Ribeiro por occasião da mesma crise.

Da minha bocca não saiu qualquer proposição affirmando que Sua Majestade tivesse o dever ou obrigação de ouvir qualquer individualidade politica das mais eminentes do país, ou ainda o Conselho de Estado, para poder tomar qualquer resolução a respeito de uma crise ministerial.

O que eu disse, e confirmo agora, o que resalta da realidade das cousas, o que se tira, conclue e deduz do texto da carta que Sua Majestade enviou ao Sr. Hintze Ribeiro por occasião da crise, é que El-Rei teve informações de origem completamente estranha á politica sobre a resolução da mesma crise.

O que eu disse e repito é que, se Sua Majestade necessitava ouvir algumas informações a esse respeito, ellas só lhe deviam ser fornecidas pelos Presidentes das Camaras, pelos Conselheiros de Estado ou por alguns dos vultos proeminentes da politica portuguesa.

Assim é que se procede e pratica quotidianamente no estrangeiro.

Mas, como se não procedeu assim, as informações recebidas por Sua Majestade não teem por si a autoridade d'essas origens,

E a isto resumo a minha resposta ao Sr. Presidente do Conselho porque, mais uma vez, repito, não quero faltar á promessa de não abusar da extrema benevolencia e attenção que a Camara se digna dispensar-me.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Eu, Sr. Presidente, começo já a ter receio de no final da sessão me levantar para falar, porque quando digo alguma cousa provoco immediatamente novas considerações dos Dignos Pares, tornando-se por esta forma as discussões interminaveis. (Apoiados).

Parece que a grande preoccupação dos Dignos Pares opposicionistas é falarem sempre em ultimo logar.

Por este motivo deixo bem patente a seguinte declaração:

Desde o momento em que, finda a ordem do dia, não se me dirijam perguntas que exijam resposta prompta e immediata, eu não mais pedirei a palavra no final da sessão. (Apoiados).

E responderei sempre a perguntas que exijam urgencia na resposta, porque, como V.Ex.as sabem, eu não posso nem era capaz de faltar á muita cortezia que devo a todos os membros do Parlamento.

Assim penso evitar estes debates que no final da sessão ameaçam ser interminaveis, (Apoiados) e que podem dar

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106 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

logar a incidentes como o de hontem, que para mim foi em extremo desagradavel. (Apoiados).

Não se tratando de assumptos com cuja demora possa soffrer o interesse publico, acho inconveniente estar prolongando estas discussões, com prejuizo das medidas e projectos que hão de entrar em ordem do dia, e que são da maxima importancia para o paiz.

V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara comprehendem quanta razão me assiste n'aquillo que já disse.

O Digno Par tem o livre direito de me dirigir todos as perguntas que julgar de interesse publico, e eu tenho a obrigação restricta de responder a essas perguntas, quando ellas sejam realmente de interesse publico, e haja opportunidade de o fazer.

Note bem o Digno Par, quando haja opportunidade.

O Sr. João Arroyo (interrompendo): - Era isso quê eu queria que V. Exa. me dissesse.

Não julga este momento opportuno para responder á minha pergunta.

O Orador: - Decerto não julgo, unicamente pelo motivo: que já indiquei ao Digno Par.

Não quero provocar no final da sessão outro incidente como o de hontem, que me foi muito desagradavel.

O Sr. João Arroyo: - O que eu queria era que V. Exa. dissesse francamente não achar esta occasião opportuna para responder á minha pergunta.

O Orador: - Já disse o que julgava dever dizer e entendo que é desnecessario estar a repetir as mesmas cousas.

O Sr. Hintze Ribeiro fará, como já annunciou á Camara, as declarações que entender a respeito da crise e, portanto, da carta de El-Rei.

O meu desejo é não me antecipar a S. Exa. em questões que lhe dizem respeito, e sobre as quaes o Digno Par quer insistir em me interrogar.

Quanto ao mais diz S. Exa. que, alem dos Presidentes das Camaras, do Conselho de Estado e de outras individualidades politicas, Sua Majestade não devia ouvir mais pessoa alguma.

Mas as leis do reino nem lhe impõem o dever de, em tal caso, ouvir aquellas entidades, nem lhe prohibem que possa ouvir outras.

O Sr. João Arroyo: - Eu disse que em materia de politica só politicos teem que intervir.

O Orador: - Mas a lei não veda ao Augusto Chefe do Estado a possibilidade de ouvir quaesquer informações fora do mundo politico acêrca do estado da opinião publica e no interesse do paiz.

O Digno Par entende que houve collaboradores na carta de El-Rei.

A prova de que os não houve é falar-se n'essas informações.

V. Exa. comprehende que se ellas tivessem vindo de qualquer origem a que S. Exa. parece querer alludir, razão seria essa para se lhes não fazerem referencias na carta. (Apoiados).

Isso é a prova provada de que não houve collaboração estranha.

E calo-me porque senão caem-me outros discursos em cima.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Azevedo Castello Branco): - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão no intuito de perguntar áquelle dos Ministros que estivesse presente qual a resposta que me poderia dar sobre o facto a que me referi aqui ha dois ou tres dias.

Não estou arrependido de ter pedido a palavra; simplesmente mudei de intenção.

O Sr. Ministro da Marinha prometteu vir dar á Camara e a mim as informações que obtivesse.

Pela minha parte fica o Sr. Ministro da Marinha desobrigado de me dar quaesquer informações.

Se a Camara lh'as não exigir, eu tambem lh'as não pedirei.

E vou dizer porquê:

Mudei de opinião, e a unica cousa que me consola de haver mudado é ficar em boa companhia, na de Gladstone, Bismarck e João Franco, como aqui se apurou hoje.

Mudei de opinião quanto a falar do assumpto, mas não mudei de opinião quanto á gravidade d'elle.

Comtudo outros symptomas de maior gravidade vieram attenuar as responsabilidades d'aquelle.

Er, já tinha para mim a opinião de que a queda do Governo regenerador, nas condições em que se deu, criava um estado de revolução de que o acto praticado pelos marinheiros era um symptoma.

Mas outros symptomas muito recentes vieram marcar um successo de maior relevo.

As instituições valem pelos homens que as servem ou que as representam.

Republica ou monarchia nada importa, porque pode ser uma republica tyranna, como foram as de Italia, e pode ser um imperialismo suave como o de Marco Aurélio.

Na altura em que os acontecimentos vão, a unica cousa que ha a fazer é ir ainda com um conselho de Gladstone:

"Torna-se preciso seguir a torrente das ideias, porque só lhe pode resistir quem, como Apollo, tiver força para desviar o curso dos rios".

Eu não tenho essa força, e o que admira é que ainda haja alguem que a pretenda ter.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão será no proximo sabbado, 20, e a ordem do dia a eleição de commissões e a discussão do contrato dos tabacos.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 3 quartos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 18 de outubro de 1906

Exmos. Srs: Sebastião Custodio de Sousa Telles, Augusto José da Cunha, Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Gouveia, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal e de Soveral; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Sabugosa, de Tarouca e de Villar Secco; Viscondes: de Monte-São e de Tinalhas; Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Tavares Proença, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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