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APPENDICE Á SESSÃO N.° 7 DE 30 DE JANEIRO DE 1893 52-A

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, peço a v. exa. e á camara, que me relevem a importunidade com que ainda hoje solicito a sua attenção: mas eu terei o cuidado de não abusar longamente da palavra.

Quando, na ultima sessão, a hora do encerramento veiu cortar o fio do meu discurso, estava eu dando conta á camara dois principios que me serviam de carta de guia na administração dos negocios esternos: e tinha chegado ao ponto em que eu declarava, que nunca me teria entretido em apregoar planos de concertos diplomaticos, nem em engenhar prestigiosas manipulações, destinadas a deslumbrar a imaginação popular.

Porque a imaginação popular nutre singulares abusões a respeito da politica internacional.

As discussões, que por vezes se suscitam na imprensa a respeito das allianças mais convenientes ao nosso paiz, estribam sempre sobre a presupposição, de que basta que Portugal se pronuncie pela escolha de uma potencia, para que esta se resolva a abraçar com fervor e dedicação a causa dos nossos interesses. E uma presupposição ingenuamente phantastica.

Entre as nações não ha sento pactos bilateraes: o altruismo não .é uma virtude para uso internacional. Ora, o que é que nós podemos offerecer a outras nações, sobretudo áquellas, cujos exercitos se contara por milhões de soldados, promptos para entrar em campanha?

Assim, pois, o governo, ou o homem publico, que se applica a adular e engodar aquelle preconceito popular com fingimentos e mostras illusorias, está exercendo o triste mister de enganar; o seu paiz, de lhe inspirar uma falsa confiança, e de lhe preparar eventualmente amargosas decepções.

Sr. presidente, a politica externa, que convem a Portugal, não póde ser outra, senão aquella que seguem, ou procuram seguir, todas as demais nações secundarias da Europa. É uma politica, a que muito appositamente se póde dar o nome de politica, extra-partidaria.

E para o proseguimento d'essa politica, deriva o nosso paiz da sua posição geographica vantagens excepcionaes.

Deve ser para nós, no meio das nossas miserias, um motivo de regosijo, que, pela sua posição geographica, Portugal é não só inteiramente estranho, mas está muito arredado da esphera de influencia das tres grandes pendencias, que trazem divididas e inimisadas as ilações da Europa. E esta uma prerogativa exclusivamente nossa, e que algumas d'essas nações com certeza nos invejam.

Em relação ás tres momentosas pendencias a que me refiro, a questão franco-allemão, a questão do oriente, e a questão da supremacia no Mediterraneo, ou antes, a questão do senhorio dos estados barbarescos banhados por esse mar: em relação- a essas questões digo eu que, pela sua posição geographica, não só os interesses de Portugal, não fallo das suas sympathias, são alheios a qualquer solução d'esses problemas internacionaes; mas que tambem o seu territorio, tanto quanto é possivel prever, está mui distante dos campos de batalha, onde póde muito bem succeder que venham a ser resolvidas essas differenças Internacionaes. Nenhuma outra nação gosa, tanto como Portugal, d'esta immunidade. As demais nações secundarias, como a Suecia, a Dinamarca, a Belgica, a Hollanda e a Suissa, são obrigadas, peia sua proximidade ao local do conflicto, a segurarem a sua liberdade com grandes exercitos e despendiosas fortificações.

Mas, por isso mesmo que a acção de Portugal é nulla em relação ás eventualidades dos antagonismos que dividem as nações da Europa, por isso mesmo temos nós a inapreciavel ventura de podermos viver com cada uma d'ellas nos termos da mais intima e aberta cordialidade, sem má sombra ou o minimo reparo de qualquer outra. Gosamos d'aquelle arbitrio proverbialmente difficultoso, - o de poder contentar toda a gente.

O que não dariam certas nações pelo beneficio d'este privilegio? Porque algumas ha tão malfadadas, que estão constantemente ouvindo, ora do lado do nascente, ora do lado do poente, áquellas palavras comminatorias, - quem não é por mim, é contra mim.

Por esta rasão eu reputei sempre por muito damnosas aos interesses do paiz, estou-me agora sobretudo reportando- á imprensa periodica, quaesquer manifestações, que levem a suppor, que Portugal seja tão insensato, que pretenda trocar esta posição imparcial e independente, em que tem por si o respeito e a benevolencia de todas as nações, por uma situação partidaria e submissa, onde o perseguiriam as desconfianças, as malquerenças, e, provavelmente, as hostilidades, abertas ou disfarçadas, de potencias, que lhe podem causar grandes e irremediaveis desgraças.

Vou citar um facto recente, que illustra e dá uma realidade material ao meu pensamento.

Ultimamente o chanceller da Allemanha, o nobre conde de Caprivi, fez perante uma commissão da Dieta imperial um discurso, em que apreciava a situação do imperio em relação ás demais potencias. N'esse discurso, tal como elle foi reproduzido pelos jornaes, se aventava a contingencia da hostilidade da Dinamarca na futura guerra. Bem que o nobre chanceller mandou posteriormente declarar, que não tinha sido correcta a reproducção das suas palavras, nem por isso deixaram ellas de produzir uma grande inquietação na Dinamarca. O illustre ministro dos negocios estrangeiros deste paiz, interrogado no parlamento, entendeu que devia definir os intuitos da sua politica externa, e fel-o nos seguintes termos:

"Aproveito esta occasião, disse elle, para repetir o que já previamente foi proclamado do banco ministerial, que o unico fito do governo é dirigir a politica externa de tal maneira, que a Dinamarca mantenha uma attitude perfeitamente neutral em quaesquer differenças eventuaes entre as potencias estrangeiras. Se um pequeno paiz, como o nosso, commettesse a loucura de se intrometter nas grandes controversias europeas, não serviria elle senão de joguete para as grandes potencias."

Como a camara vê, este illustre ministro repete, por outras palavras, a moralidade d'aquella antiga fabula, em que se conta da parceria da ovelha e do novilho com o leão: - não Tia lealdade na sociedade com o poderoso, nunquam est fidelis cum potente societas.

Depois elle acrescentou que as fortificações e obras defensivas, que estavam em via de execução, eram unicamente destinadas a garantir a neutralidade do territorio.

Nas palavras, que citei, do governo da Dinamarca está perfeitamente definida a attitude que convem a uma nação secundaria; mas na circumstancia, que as tornou necessarias, tambem estão exemplificadas as contrariedades que, para manter essa attitude, assoberbam as outras nações da mesma ordem; contrariedades de que, para sua felicidade, Portugal está completamente immune. E seria o auge da insania, que Portugal fosse voluntariamente, e sem o minimo proveito, assumir uma attitude que infallivelmente o havia de sujeitar a similhantes desaguisados.

Porem, sr. presidente, esta excepcional prerogativa é contrapesada por uma desvantagem de differente natureza, mas que tambem é peculiar ao nosso paiz.

Se Portugal deve á sua posição semi-peninsular, no extremo occidente, esse grande beneficio da immunidado das querellas e contenções, que infelizmente hoje exacerbam, entre si os povos da Europa; por outro lado deve elle ao seu passado historico uma causa permanente de debilidade nas relações externas, que tambem lhe é exclusivamente propria. Paiz pequeno e pobre, tem elle uma parte integrante do seu territorio, as ilhas adjacentes, separado do tronco por longos mares; e possue dominios ultramarinos, tão vastos, tão distantes e tão disseminados, que lhe seria absolutamente impossivel defendel-os contra os ataques de uma grande potencia. Esta situação especial do nosso paiz

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