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N.º 8

SESSÃO DE 3 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia, - A camara resolve eleger uma commissão especial para dar parecer sobre o bill-O sr. conde de Carnide refere-se aos discursos pronunciado, numa sessão anterior, pelos srs. Marçal Pacheco e conde de Thomar. Este digno par replica ao sr. conde de Carnide, e occupa-se tambem da questão das recompensas aos officiaes expedicionarios. Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros, explicando o procedimento do governo.-Fallam ainda sobre o mesmo assumpto o sr. conde de Lagoaça e o sr. conde de Thomar.-Trocam-se explicações entre os srs. Marçal Pacheco e Jeronymo Pimentel sobre uns documentos que dizem respeito ás incompatibilidades estabelecidas pela ultima reforma da camara dos dignos pares.

Ordem do dia: eleição de commissões. São eleitas a especial do bill e a de redacção. - Por falta de numero é levantada a sessão, e marcada a seguinte para a proxima quarta feira.

Abertura da sessão ás tres horas e vinte minutos da tarde, estando presentes 20 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiu á sessão o sr. presidente do conselho de ministros.)

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando 120 exemplares da quarta secção commercial do Livro branco do anno corrente, relativa á convenção commercial com a Russia.

Mandaram-se distribuir.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim relevar o governo da responsabilidade pelo exercicio de funcções legislativas, ordinarias e constitucionaes, e declarar em vigor, emquanto não forem por lei alteradas ou revogadas, as providencias de caracter legislativo promulgadas desde 28 de agosto de 1893 a 30 de dezembro de 1895. O mesmo officio acompanha um exemplar do parecer da commissão do bill, seguido das propostas do governo.

O sr. Presidente: - A camara quererá, em vista da importancia e urgencia do projecto que acaba de ser lido que elle vá a uma commissão especial composta de onze membros. (Apoiados.)

Eu vou consultar a camara.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Fica, portanto, resolvido que o projecto vá a uma commissão especial, que será composta de onze membros, sendo esta commissão eleita na primeira parte da ordem do dia.

Tem a palavra o digno par o sr. conde de Carnide.

O sr. Conde de Carnide: - Pedi a palavra por julgar dever fazer algumas breves considerações que me são suggeridas pelo que se tem passado n'esta camara nos ultimos dias.

Durante as poucas sessões que temos tido desde que se abriu o parlamento, alguns dignos pares que se acham mais ou menos em opposição com o governo, mas que nem por isso se abstiveram de vir á camara, e n'isso acho que fizeram muito bem, pronunciaram discursos hostis á actual situação politica, mas quer-me parecer que esses dignos pares, apesar da sua vasta illustração e fluente eloquencia, que eu sou o primeiro a reconhecer-lhes, foram contradictorios nas suas apreciações, e por isso mesmo não attingiram o fim a que visavam.

Começarei a referir-me ao discurso do meu amigo e duas vezes collega o digno par sr. conde de Thomar. S. exa. começou por dizer que não estava inteiramente em opposição, que era ministerial, e eu, ouvindo essa affirmação, alegrei-me, porque desejo tel-o a meu lado pelo muito affecto que lhe tenho; mas tive logo uma desillusão, porque s. exa. fez um discurso de decidida opposição e trouxe á tela do debate um negocio diplomatico, sobre o qual ha ainda negociações pendentes.

S. exa., que é um diplomata distinctissimo, que foi ministro plenipotenciario em diversas côrtes, sabe perfeitamente que sobre taes assumptos se guarda a maior reserva. Mas se foi um erro diplomatico, não foi menos um erro de doutrina constitucional. Pois quem é que estava, segundo disse s. exa., esperando em Paris ordens do governo? Era El-Rei que nomeia e demitte livremente os seus ministros, que ha por bem, que manda executar.

Absurdo, sr. presidente. S. exa. sabia tambem que não é praxe trazer á discussão a pessoa do soberano. Eu tambem sou d'essa opinião, mas. uma vez que aqui se tem fallado do augusto chefe do estado, eu tambem posso continuar, para dizer bem alto, e sem receio de ser desmentido ou contestado, que Sua Magestade El-Rei não pratica acto algum da sua vida que não seja movido por um pensamento do mais acendrado patriotismo.

Se ha em Portugal um portuguez apaixonado pela sua patria, e capaz de se sacrificar por ella, seja n'um campo de batalha, ou nas lides da politica, esse portuguez é Sua Magestade El-Rei.

Se ha um portuguez que se condôa e soffra pelos males da sua patria, esse portuguez é Sua Magestade El-Rei.

Estranha maneira, sr. presidente, estranha maneira de ser ministerial!

S. exa., depois, disse que era conservador, e eu ao ouvir isto tambem folguei, porque estimava tel-o a meu lado; mas tive logo uma nova desillusão, porque s, exa. entrou a pugnar por dois jornaes revolucionarios. Mas isto não foi o peior. O peior foi que s. exa. atacou, rebaixou, maltratou um magistrado, que é geralmente conhecido pel muito que trabalha pela causa publica.

Esse magistrado, funccionario dignissimo, trabalhador infatigavel, sacrificando-se a si proprio, sem remuneração que se possa comparar com os seus serviços, modesto, desprendido da fortuna e dos interesses, merecia ser apreciado mais favoravelmente, sobretudo na camara dos dignos pares do reino. Esse funccionario benemerito, cheio de ser-

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viços, não merecia ser achincalhado por ninguem e em parte nenhuma.

Estranha maneira, sr. presidente, estranha maneira de ser conservador!

Referir-me-hei agora, levemente, a outro digno par, distinctissimo parlamentar, erudito, argumentador subtil e orador fluente, que censurou o governo com relação á reforma da camara dos pares, por não ter ainda nomeado os pares que faltam para preencher e completar a camara.

Pois esse facto, sr. presidente, é precisamente o que prova que o governo não quiz tirar d'essa reforma partido para si, porque, se o fizesse, podia ter augmentado muito a sua maioria. Não o fez, só teve em vista melhorar e aperfeiçoar o funccionamento das instituições parlamentares, porque a experiencia de dez annos tinha mostrado que uma camara heterogenea, uma assembléa politica em que os membros de que se compele não são iguaes, não podia funccionar convenientemente.

Mas, sr. presidente, devemos attribuir estas contradicções a falta de criterio dos dignos pares? Não, de certo. A sua illustração, a sua experiencia dos negocios publicos, a sua brilhante palavra, são conhecidos de todos. Devo attribuir taes contradicções a que a causa era ingrata. Os dotes parlamentares dos nobres pares, a sua eloquencia e illustração, eram dignas de melhor causa.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, começarei pelas palavras por que começou o meu collega, duas vezes collega e amigo, o sr. conde de Carnide, para ter a honra de responder ás observações com que s. exa., um pouco tardiamente, veiu a esta camara pronunciar-se contra as considerações que eu aqui apresentei n'uma das ultimas sessões.

Sr. presidente, uma vez que s. exa. appellou para os principios constitucionaes, permitta-me que lhe diga que o que eu mais admiro nas suas palavras é que fosse s. exa. quem as pronunciasse.

Se s. exa. quizesse ver respeitados os principios constitucionaes, não estaria n'esta casa.

Emquanto não fosse approvado o bill, o governo não tinha o direito de fazer nomeações de pares do reino.

O digno par está comprehendido n'essas nomeações, e portanto devia talvez ser um pouco mais cauteloso, porque não está aqui constitucionalmente.

S. exa. foi nomeado em virtude da ultima reforma da camara dos pares, e como o bill não foi approvado pelo parlamento antes da sua nomeação, nem o governo podia ter nomeado s. exa., nem s. exa. podia ter aqui assento.

Sr. presidente, é para mim doloroso ter de proferir estas palavras, mas uma vez que s. exa. se dirigiu a mim de uma maneira violenta, eu não posso deixar de me referir a este facto.

O sr. Conde de Carnide: - Eu não me dirigi ao digno par em termos violentos.

O Orador: - S. exa. começou por dizer que eu havia declarado n'uma das ultimas sessões d'esta camara que era ministerial.

Onde viu s. exa. essa declaração?

O que declarei é que, tendo apoiado o governo presidido pelo sr. Hintze Ribeiro, eu me achava na dolorosa necessidade de lhe fazer opposição.

Será isto declarar-me ministerial?

O que eu disse tambem é que não teria duvida de apoiar o governo, de dar o meu voto a quaesquer das suas medidas, se entendesse que essas medidas eram de utilidade para o paiz.

Ora, isto quer unicamente dizer que não voto por facciosismo contra o governo, mas que hei de votar com elle quando o entender, e d'isso sou eu o unico juiz competente.

O digno par tambem estranhou que eu trouxesse para aqui uma questão diplomatica, que eu fallasse em negociações diplomaticas.

Pois então o governo fez menção no discurso da corôa da viagem de El-Rei, referiu-se no mesmo discurso á impossibilidade de Sua Magestade visitar a Italia, o projecto de resposta fallou tambem n'estes dois factos, e não podia eu referir-me a esse assumpto?

Não comprehendo!

Eu ré feri-me á viagem de El-Rei, mas trouxe porventura para a discussão o nome de Sua Magestade?

O que eu disse é que a pessoa de El-Rei estava fóra da discussão. Diga-me s. exa. quaes foram os termos menos respeitosos, qual foi a palavra que eu pronunciasse, com que podesse ferir ou melindrar o chefe do estado?

Devo tambem declarar que eu não disse que El-Rei recebia ordens do governo.

Eu referi-me ao facto de El-Rei estar em Paris um certo numero de dias, e nada mais.

Quer isto dizer que El-Rei recebe ordens do governo?

Não, de certo.

Não me refiro mais a este facto, porque tanto o que eu disse, como a resposta do sr. presidente do conselho, tiveram publicidade em todos os jornaes.

Mas diz mais s. exa.: "O sr. conde Thomar declarou-se conservador, e ao mesmo tempo arvorou-se em defensor de dois jornaes revolucionarios".

Onde viu s. exa. isso?

Eu fallei na liberdade de imprensa, e manifestei o desejo de que as auctoridades não exorbitassem.

O que disse ter acontecido aos jornaes republicanos, disse que poderia tambem acontecer aos jornaes progressistas, aos regeneradores, a todos, emfim.

Não discuti aqui a Vanguarda nem o Paiz; o que discuti foram os actos da corregedoria. Esses é que eu censurei.

Agora, quanto ás apreciações do magistrado que está n'esse tribunal, tenho o direito de as fazer, como póde fazel-as tambem, ou qualquer outro membro d'esta camara, ou qualquer dos individuos que pertencem á outra casa do parlamento.

Pois quem póde tolher-nos o direito de discutir e apreciar os actos de qualquer funccionario publico?

O que não discuti, o que não discuto, é o seu rendimento, as suas posses, os lucros que aufere do serviço prestado ao publico.

Nada d'isso eu discuti, absolutamente nada; mas o direito de apreciar os seus actos como magistrado, não admitto que alguem mo possa coarctar.

O digno par terminou o seu discurso dizendo que eu havia achincalhado aquelle magistrado.

N'este ponto não sou eu que tenho a responder ao digno par; é v. exa., sr. presidente.

Se eu tivesse achincalhado aquelle magistrado, v. exa. não deixaria de chamar-me á ordem.

O digno par o sr. conde de Carnide, talvez sem querer, obedecendo ao seu facciosismo politico, dirigiu-me uma censura; mas essa censura foi bater de recochete n'aquella cadeira.

(Indicando a cadeira da presidencia.}

E, sobre este ponto, nada mais direi.

Sr. presidente, é sestro meu não ver nunca sentados na bancada ministerial os ministros que podem responder-me a assumptos que eu desejo ver esclarecidos.

Está ali o sr. presidente do conselho, o chefe do gabinete; mas não vejo um unico dos titulares das pastas, ás quaes pertencera os assumptos que desejo tratar e discutir, e não ha nada mais violento para mim, que o facto de ver-me na necessidade de interpellar apenas o sr. presidente do conselho, a quem tributo muita consideração e respeito.

A culpa não é minha; mas a verdade é que os titulares das outras pastas não honram esta camara com a sua presença.

Alem de um outro sr. ministro, que ha dias aqui nos appareceu, por signal que muito fugitivamente, apenas o

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sr. presidente do conselho se digna assistir ás sessões d'esta camara.

Vejo-me, portanto, na necessidade de me dirigir a s. exa., comquanto a responsabilidade dos actos a que tenho de alludir pertença inteira a outras pastas.

Sr. presidente, eu não assisti á sessão em que um digno par, o sr. conde de Lagoaça, interpellou o sr. presidente do conselho sobre as recompensas a dar a alguns dos expedicionarios.

Li nos jornaes que o digno par e meu amigo o sr. conde do Bomfim disse algumas palavras com as quaes eu concordo plenamente, e aqui tem o digno par o sr. conde de Carnide como eu demonstro, n'esta concordancia de idéas com aquelle digno par, a injustiça das censuras ao modo por que eu tenho entrado nas discussões.

O digno par o sr. conde do Bomfim disse que nenhum dos individuos que compõem a nobre classe militar fazia a menor opposição a qualquer mercê ou distincção com que o governo entendesse dever galardoar os que se distinguiram, nas campanhas de Africa.

Na outra casa do parlamento um sr. deputado apresentou uma proposta, que o sr. ministro da guerra acceitou e, não só a acceitou, mas chegou a declarar que por todos os modos e maneiras a havia de defender na commissão de guerra.

Esta commissão reuniu, e todos sabem o que n'ella se passou.

Surgiram quaesquer difficuldades, e, para as resolver, decidiu-se que aquella commissão reunisse conjunctamente com a commissão de marinha para cortar o nó gordio.

Estas commissões reunidas, porem, não funccionaram, e houve até um sr. deputado que interpellou um membro da commissão, o qual respondeu que effectivamente ha muito que não via o sr. ministro da guerra.

Eis como do importante negocio mereceu a attenção do governo!

Por consequencia, essa questão ficou completamente adiada.

Hoje, porém, vejo nos jornaes que está absolutamente posta de parte a idéa de dar um posto por distincção com ou sem prejuizo de antiguidade, e que se vae reformar a ordem da Torre Espada, creando-se expressamente um grau para o sr. coronel Galhardo, e distribuindo-se tambem differentes recompensas honorificas d'essa ordem a outros officiaes.

Sr. presidente, é bem contrariado que eu venho novamente fallar n'esta camara sobre este assumpto que, no meu entender, não devia ser tratado nem na camara dos senhores deputados, nem n'esta. Este assumpto devia ter sido resolvido pelo governo. Era ao governo que pertencia propor á corôa as recompensas que julgasse necessarias, vindo depois dar conta d'isso ao parlamento, e não mandar para quaesquer commissões um assumpto que está hoje collocado n'um pé bem delicado, bem melindroso, e cujas consequencias ninguem póde prever.

O que é verdade é que, a dar-se credito a tudo quanto os jornaes têem dito sobre este assumpto, vê-se que a solução d'este grande problema foi a solução da crise ministerial.

Soffram aquelles que foram a Africa; falte o paiz a tudo quanto deve a esses homens, mas salve-se o ministerio.

Venha a santa paz continuar no seio d'essa familia, embora façamos nós a mais triste das figuras, não dando a recompensa que merecem os serviços d'aquelles bravos!

Pois póde alguem, sr. presidente, suppor que isto é uma questão para debater em familia?

Não têem todos conhecimento de que o governo communicou ás nossas legações no estrangeiro os feitos heroicos d'aquelles soldados, a prisão do Gungunhana, e tudo quanto se tem dado relativamente á Africa?

Não sabemos nós que os soberanos estrangeiros felicitaram El-Rei?

Que os governos felicitaram igualmente o governo portuguez?

E o governo portuguez cobriu-se com todos aquelles louros, envolveu-se no manto d'aquella grande victoria, mas não distinguiu os bravos senão com a medalha e algum dinheiro, porque outras distincções trariam como consequencia fatal uma crise politica; e antes de tudo, salve-se o governo, e esqueçam-se os serviços dos verdadeiros heroes.

Oh! sr. presidente! Que figura fazemos nós?!

Que se dirá daqui a trinta annos, quando se souber que aquelles a quem por escala não pertencia fazer aquelle serviço, que não tinham obrigação de ir a Africa, porque não havia lei alguma que a isso os forçasse, foram voluntariamente; e que mesmo esses que foram voluntariamente, havia alguns a quem não pertencia esse serviço?

Ao coronel Galhardo não pertencia ir nomearam-no, e elle foi.

E assim como este, muitos outros officiaes estão nas mesmas circumstancias.

Pois, após todos estes sacrificios, depois dos feitos praticados por aquelles soldados, nada se lhes dá,

Não se diga que aquelles expedicionarios bateram só o Gungunhana e os regulos seus alliados; fizeram mais e melhor, salvaram a provincia de Moçambique e a honra nacional.

Imagine v. exa., sr. presidente, por um momento, que em logar da victoria eramos batidos? Quaes seriam as consequencias?

Estava perdido todo o dinheiro gasto na expedição, perdidas muitas vidas, e a provincia de Moçambique perdida tambem.

Se em vez de alcançarmos victorias houvessemos sido batidos, os flibusteiros que se dirigiam para o Transvaal teriam caminhado para Lourenço Marques. E uma vez de posse de Lourenço Marques, nunca mais lá entrariamos, nós, os portuguezes.

Pois a recompensa para todos esses serviços foi um Te Deum para os vivos e uma missa campal para os mortos, missa que aliás não chegou a realisar-se, sendo substituida por umas exequias na Sé.

Eu protesto quando penso que tudo isto é o resultado de uma baixa politica e de uma crise ministerial que foi preciso abafar.

Empregam-se todos os meios para que os officiaes, a quem é devida uma recompensa, não do governo, mas nacional, se contentem, com uma venera da Torre e Espada.

Sr. presidente, o que é levantarem-se difficuldades por causa de dois, tres, quatro ou oito postos por distincção?!

Quem é que se prejudica?

Aqui a meu lado está sentado um digno par, que todos respeitam, que recebeu ordem do governador Amaral para occupar o Congo, e que teve um posto por distincção quando ali desembarcou e bateu os rebeldes. Pois não houve uma voz de official de marinha que se levantasse contra este facto.

Esse governador não recebeu distincção alguma; recebeu-a quem praticou o acto de bravura.

Dois mezes depois, continuando a guerra, recebeu o mesmo official outro posto por distincção, e não houve tambem uma só voz de official de marinha que se levantasse contra o acto.

Mas, sr. presidente, ha mais exemplos.

Quando foi concedido um posto de accesso a Capello e a Ivens, os officiaes da armada queriam que esse posto fosse com prejuizo de antiguidade!

E agora?

Agora os homens que salvaram Moçambique, que salvaram a honra nacional, têem apenas um Te Deum!

Diz-se: mas os que não foram é porque os não mandaram.

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Evidentemente, nós não podiamos mandar todo o exercito.

E os que fossem poderiam ser todos tão felizes?

Quem sabe!

Houve ou nio houve actos heroicos?

Eu aqui podia fazer uma referencia á India mas não a faço.

Ora o melhor era ter havido franqueza e dizer-se: o que disse não disse, e o que disse não teve logar.

Mas, sr. presidente, se o governo não queria prejudicar ninguem, alargasse os quadros.

O que é dois, tres, quatro e cinco officiaes promovidos por distincção?

Se o governo pensa que economisa em dar a esses officiaes como compensação a Torre e Espada com pensão, engana-se, porque a despeza é muito maior á da promoção por distincção, e pratica um acto mesquinho sem vantagens para o thesouro.

Mas ha mais, sr. presidente.

Li n'um jornal, não sei se é exacto, que se pensa em transformar as companhias da guarda fiscal em divisões, embora as companhias fiquem as mesmas, para serem commandadas por majores.

A rasão porque isto se faz é muito simples: é que a maior parte dos capitaes que estão para ser promovidos a majores, não querem sair da guarda fiscal, e então transformam-se as companhias em batalhões. Para os nossos amigos é tudo; para os expedicionarios, Te Deums.

Não se deu posto de distincção nem se fez cousa alguma de extraordinario, porque se esperava pelo relatorio.

Ora, permitta-me v. exa. uma historia que me contaram ha tempo, e que tem perfeito cabimento n'este lagar.

Omitto apenas uma parte d'essa historia porque se refere a El-Rei D. Luiz; e eu, que sou respeitador do chefe do estado, entendo que não devo envolver aqui o seu nome. Mandou o governo d'essa epocha construir em Inglaterra uma pequena lancha, o que se chama uma casca de noz, quasi que um barco de catraeiros; e precisou transportal-a para Portugal.

Escolhido um official de marinha, disse-lhe o ministro: "V. exa. quer ir a Inglaterra buscar esse barco?" "Vou." Foi, e trouxe a lancha para Lisboa.

El-Rei D. Luiz, que era um verdadeiro marinheiro, foi ver a lancha e julgou que o acto praticado por aquelle official era tão extraordinario, mostrava um arrojo de tal ordem, que disse ao ministro da marinha: "Dê-lhe o habito da Torre e Espada".

O ministro, litterato distincto, mas burocrata rigoroso, chamou o official ao seu gabinete no ministerio da marinha e disse-lhe: "El-Rei encarregou-me de mandar lavrar o decreto concedendo a v. exa. a Torre e Espada, mas esta distincção é tão elevada, que convem ficar na secretaria um documento que justifique tal graça. Faça v. exa. um relatorio sobre a sua viagem".

O official, que é um dos mais distinctos da nossa armada, convidando o ministro a que se chegasse a uma das janellas do gabinete, observou-lhe então: "Vê v. exa. aquelle barquito na caldeira do arsenal? Esse é que é o meu relatorio. Agora v. exa., que é um illustre litterato, póde-o escrever em prosa muito mais brilhante do que seria a minha"; e retirou-se.

O que se passou entre El-Rei e o ministro não quero agora dizer. O caso é que, decorridos dois dias, o official estava condecorado com a Torre e Espada.

Depara-se-nos aqui uma certa analogia com este negocio das recompensas aos expedicionarios. "Venha o relatorio". Mas quem ha de fazel-o? O commissario regio? Mas o commissario estava na costa, não presenciou os combates, não sabe quaes foram os officiaes que mais se distinguiram; póde saber por informações o que elles fizeram, mas, emfim, quem viu tudo foi o commandante. É evidente que este, depois do combate, fez a sua communicação para o commissario regio e não havia de lhe dizer: "Todos os officiaes se portaram admiravelmente, porém, eu, commandante em chefe, excedi-os em tudo".

O que havia de dizer o bravo coronel Galhardo?

"Fiz o meu dever."

Ora, n'estas palavras "fiz o meu dever" está a epopêa d'aquelle official; e quando elle aqui chegou, devia ter encontrado a recompensa dos seus notabilissimos feitos; mas, em vez d'isso, Te Deums.

Apresento estas reflexões em vista dos factos que se estão passando e da maneira por que se procede. E quando digo se procede, refiro-me ao governo, e não á nação, porque todos viram, quando os bravos expedicionarios desembarcaram no arsenal, como foram recebidos pela população de Lisboa, e as ovações e brilhante acolhimento que tiveram em todo o percurso desde Lisboa até Bragança.

Percorriam o caminho quaes outros vencedores romanos até ao Capitolio. Ali não havia a influencia da politica, não se forçava a nota official das acclamações nem dos vivas; ali era tudo espontaneo.

Pois, senhores, a recompensa official e aquella que nós sabemos.

Um ministro da marinha mandou pôr em todos os navios de guerra a seguinte legenda: Honrae a patria que a patria vos contempla. Pois, senhoros, o povo contempla esses heroes, mas o governo é que os não contempla, porque assim foi preciso para se conservar no poder, para evitar uma crise n'este momento.

Por conseguinte, não se de recompensa áquelles que a mereceram, mas salve-se o governo.

Sr. presidente, é triste tudo isto, mas a victima não é o paiz; a victima ha de ser o governo, que ha de ficar na hostoria com o stygma da ingratidão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Antes de responder ás considerações apresentadas pelo digno par o sr. conde de Thomar na ultima parte do seu discurso, devo, sem de fórma alguma querer intervir na contenda entre o digno par e o sr. conde de Carnide, deixar ficar bem assente que, dentro d'esta camara, de que faço tambem parte, todos que aqui estão, estão legitimamente. Não cabe a nenhum membro d'esta camara a faculdade de arguir de incompetente qualquer outro que se levante a apreciar-lhe as opiniões ou a discutir algum acto publico.

Houve pares ultimamente nomeados em consequencia da reforma dictatorial promulgada pelo governo, mas o digno par sabe perfeitamente que os decretos dictatoriaes produzem os seus effeitos e subsistem até que as côrtes os confirme ou os derrogue.

Os dignos pares nomeados recentemente estão aqui tão legitimamente como os que já tinham aqui assento.

O digno par comprehende bem que a corôa não podia ficar inhibida da nomeação de pares; uma faculdade do poder moderador não póde ficar suspensa, foi-lhe concedida, e é-lhe garantida pela constituição do estado.

De passagem direi que a nomeação dos cinco novos pares, a que s. exa. se referiu, tanto podia ser feita pela lei antiga d'esta camara, como por aquella que decretámos em dictadura.

Por consequencia, qualquer que seja a conclusão a que o digno par chegue, a nomeação dos pares é perfeitamente legal.

Quero ainda dizer a s. exa. que, se, de facto, ás sessões d'esta camara tenho eu assistido, e alguns dos meus collegas têem estado aqui presentes para responder a quaesquer perguntas, depende isso das urgencias do serviço publico, sendo de mais a mais impossivel prever os desejos de s. exa., e saber os assumptos de que tenciona occupar-se.

Tem, porém, vindo aqui o chefe do governo, e por essa fórma tenho podido, ao menos em parte, responder ás perguntas e considerações dos dignos pares,

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Posto isto, referir-me-hei a outro assumpto tratado por s. exa., e fal-o-hei com a serenidade que deve usar-se]em casos de tal natureza, porque eu entendo que, a respeito da consagração dos feitos heroicos dos nossos militares em Africa, não se póde nem deve fallar outra linguagem que não seja a do reconhecimento d'essa heroicidade. (Apoiados.) Devo dizer ao digno par que o governo, para usar das faculdades que como poder executivo lhe cabiam, no tocante á recompensa dos serviços prestados pelos officiaes expedicionarios, aguardou as indicações respectivas, e não me parece que possa ser censurado por isso.

O governo, como todo o paiz, tinha conhecimento das phases da campanha, sabia dos feitos praticados por alguns officiaes; mas, seguramente, para poder proceder sem predileções nem injustiças, para proceder, emfim, com segurança, só devia proceder d'essa fórma.

E não teve que esperar muito tempo. Essas indicações foram prestadas pelo commissario regio em Moçambique, o sr. conselheiro Antonio Ennes, e, desde que o governo as recebeu, fez logo o que julgou do seu dever. Prova-o o Diario do governo de hoje.

Quanto a outra ordem de considerações feitas pelo digno par, tenho a dizer que, como é sabido, foi apresentado na outra casa do parlamento um projecto de lei que designadamente visou, a dar-se um posto de accesso ao coronel Galhardo.

O sr. ministro da guerra associou-se, por parte do governo, ao pensamento, d'esse projecto, pela intenção que elle revelava de se prestar assim um testemunho de consideração ao commandante militar da expedição.

Procurou-me, porém, o sr. coronel Galhardo, para me dizer que nada pedia, nem solicitava como recompensa dos seus serviços; desejava, todavia, que aquella proposta de lei não tivesse seguimento; e por isso se dirigia a mim para que eu, junto dos meus collegas e dos membros do parlamento, instasse n'esse sentido.

Ao mesmo tempo, por parte de outros officiaes, dos que mais se distinguiram na campanha de Africa, foi communicado ao governo que não desejavam que se lhes dessem postos de accesso, nem com prejuizo de antiguidade, nem sem elle: com prejuizo de antiguidade, porque não queriam tomar a direita a outros, officiaes seus camaradas; sem prejuizo de antiguidade, porque entendiam não lhes ser isso de vantagem.

Perante isto, e por consideração para com esses officiaes, resolveu o governo, por sua parte, não levar por diante a idéa de conceder postos de accesso.

Aqui tem o digno par, sem exaltação e com toda a serenidade, como os factos se passaram.

Digo-o tão sereno, com tanta verdade, quanto é certo que o enthusiasmo do digno par por aquelles bravos militares não vae mais longe que o meu, o de todo o governo, o do paiz inteiro.

Digo-o tão sereno, que nem sequer insisto em que o digno par veiu a esta camara, movido por um sentimento nobre, apresentar um projecto de lei com o fim de galardoar os officiaes mais distinctos nas ultimas campanhas; veiu, repito, apresentar um projecto de lei, certamente a summula do seu pensamento com respeito á maneira de galardoar aquelles serviços militares, e n'elle só fallou em pensões, não em postos de accesso.

De certo que, se s. exa. julgasse que era esse o melhor meio de galardoal-os, proporia então aquillo por que insiste agora.

Sr. presidente, isto não é uma questão de politica ministerial; está o digno par enganado.

O sr. Conde de Thomar: - Ainda bem! Fundava-me no que diziam os jornaes ministeriaes.

O Orador: - Eu n'esta camara respondo ás perguntas ou observações dos dignos pares; aos jornaes, não.

Isto não é uma questão de crise ministerial, nem podia sel-o.

Em face dos feitos militares que, como bem disse o digno par, salvaram a honra nacional em Africa, não póde haver crise ministerial, nem ha senão um sentimento geral de enthusiasmo e applauso.

De resto, o digno par comprehende bem que as crises ministeriaes podem suscitar-se n'um assumpto qualquer, quando as divergencias de opinião sejam irremediaveis entre os membros do governo, ou quando a este falte a confiança da corôa ou o apoio do parlamento.

Quando estas circumstancias se derem, eu não esperarei que o digno par me mostre o caminho que devo seguir. Sei muito bem o que devo fazer e não creia s. exa. tambem que o meu aferro ao poder seja tamanho, que me illuda até ao ponto de não ver claramente os factos.

No assumpto a que o digno par se referiu, parece-me que o dever de nós todos era não levantar difficuldades nem polemicas, mas apenas significarmos o nosso enthusiasmo e applauso, sem aproveitar a occasião para phantasiar crises ministeriaes, que não existem n'um assumpto que se mostra evidentissimamente aos olhos do paiz e das nações estrangeiras, n'um assumpto que só deve exaltar o orgulho nacional, pondo de parte quaesquer preoccupações politicas ou partidarias.

(S. exa. não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada; em todo o caso vou dar a palavra aos dignos pares que a pediram, mas peço-lhes que restrinjam quanto possivel as suas considerações.

Tem a palavra o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, serei breve para obedecer á indicação de v. exa. e limitar-me-hei a fazer ligeiras considerações ácerca do assumpto sobre que fallou o sr. conde de Thomar e sobre a resposta do sr. presidente do conselho.

S. exa. disse, quando se tratava dos valentes expedicionarios que tanto honraram a patria, que não se devia fallar outra linguagem que não fosse a de um geral sentimento de enthusiasmo e applauso, nem se devia crear difficuldades ao governo suggeridas por quaesquer preoccupações partidarias ou politicas.

Nós todos, sr. presidente, que temos corações de verdadeiros portuguezes, nós todos, perante a grandeza patriotica do assumpto, seriamos incapazes de aproveitar a occasião para fazer d'ella uma arma politica e crear difficuldades ao governo.

O governo é que cria difficuldades a ã mesmo com a sua imprevidencia. E d'isso, sr. presidente, não temos nós a culpa, nem a responsabilidade.

O governo, sobre este assumpto, é que creou difficuldades, se é que as ha, que eu não vejo nenhuma, nem sei quaes ellas são.

Foi um punhado do valentes officiaes portuguezes a Africa, arrostaram heroicamente com os incommodos da viagem, as intemperies do clima, os perigos dos combates.

São acclamados por todo o paiz, saudados enthusiasticamente pelo augusto chefe do estado e sua familia, mas o governo o que fez, o que tem feito para lhes recompensar tantos sacrificios?

O governo limitou-se a reformar, hoje, a ordem da Torre e Espada para crear o grau de grande official.

Por ora a materia de recompensas, a não ser a medalha que vale pelos serviços que lembra e pela mão de quem veiu, a não ser a medalha que os expedicionarios trazem ao peito, algum Te Deum, alguns foguetes e algumas luminarias, nada mais houve que possa mencionar-se.

E o sr. presidente do conselho, com a sua conhecida rhetorica de adjectivos baratos, veiu dizer-nos que nós deviamos admirar e applaudir os valentes officiaes expedicionarios, quando é certo que elles pouco ou nada mais têem tido do que as acclamações que nós e o paiz lhes fizemos quando elles chegaram.

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64 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O governo não seguiu, não imitou o exemplo do augusto chefe do estado, quando, no theatro de S. Carlos, pondo o coronel Galhardo e o conselheiro Antonio Ennes á frente do seu camarote, levantou vivas ao exercito e á armada, no que foi correspondido por toda a sala.

Este facto ha de ficar na memoria de todos.

O assumpto é melindroso, mas nós, representantes da nação, que vemos a patria tão bem defendida, não podemos ficar calados só para não incommodar o sr. Hintze Ribeiro. Não póde ser.

O governo não quiz dar um posto de accesso ao coronel Galhardo, a Mousinho de Albuquerque, e ainda a outros officiaes pelos seus feitos em Africa, e reformou a ordem da Torre e Espada, creando um grau novo e distribuindo varias commendas. Porque não deu o governo, já que não queria dar mais do que veneras, a gran-cruz da Torre e Espada ao coronel Galhardo? Que necessidade havia de crear um grau novo?!

Alem dos feitos pessoaes do valente commandante, elle representava, por assim dizer, toda essa expedição gloriosa, porque era o seu chefe; essa expedição, cujos resultados obtidos o governo não sabe calcular, nem saberá aproveitar.

Em S. Carlos, na recita de gala, lá estava o sr. presidente do conselho com a sua gran-cruz da Torre e Espada.

Que serviços tem s. exa. prestado ao paiz, para merecer essa consideração?

Que serviços seus podem fazer lembrar, ainda que remotamente, os d'esses bravos expedicionarios, que vieram reanimar o corpo da sociedade portugueza e a sua alma, que parecia morta ou caída n'um profundo desalento?!

Pois o valente commandante da expedição não merecia ter a mesma gran-cruz que s. exa. tem?

Ainda hontem tive occasião, num jantar dado em sua honra, de ouvir esse bravo official contar de um modo simples e modesto as suas façanhas, que tanto honraram a patria.

O governo deixou arvorar em Kionga, em territorio portuguez, a bandeira allemã.

O coronel Galhardo implantou em Coollela a bandeira portugueza.

Ha n'isto differença, pois; o governo, na pessoa do seu presidente, teve a gran-cruz da Torre e Espada e o coronel Galhardo teve apenas o grande officialato, que é um grau inferior áquelle.

Mas - cousa curiosa! - no alvará, hoje publicado, o governo inventou um artigo, um paragrapho, emfim, sem numero, pelo qual são concedidas a graduação e as honras de generaes de brigada a todos os grandes officiaes da ordem da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito.

Por esta superior concessão deve ficar muito agradecido ao governo áquelle bravo militar, deve mandar-lhe o seu cartão de visita.

Eu tenciono em outra occasião tratar mais desenvolvidamente esta questão das recompensas aos benemeritos expedicionarios; por isso me restrinjo agora a estas simples considerações, pedindo ao sr. presidente do conselho que tenha a bondade de prevenir o sr. ministro da guerra de que desejo na proxima sessão trocar com s. exa. algumas explicações sobre o assumpto.

A respeito do telegramma da india, que se referia a oitenta mortos n'um combate, respondeu-me o sr. presidente do conselho, na ultima sessão, que nada sabia de preciso e que aguardava o relatorio do governador geral.

Poucas horas depois, lia eu n'um jornal a noticia de que tinha chegado um novo telegramma em que se dizia que o numero de mortos do primeiro telegramma era relativo a toda a campanha e não a um só combate, que aliás parece não tinha havido.

Já ouvi tambem dizer que o governo tinha mandado a exoneração ao sr. governador geral da india. Não sei se s. exa. a pediu ou se foi o governo que lha impoz; mas, em todo o caso, se lh'a deu, cumpriu o governo a sua obrigação.

Desejava ouvir a este respeito o sr. presidente do conselho.

(O digno par não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Ao que o digno par disse, só tenho a responder que o governador geral da India não pediu a sua demissão.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, eu tenho, primeiro que tudo, a explicar que o tom em que fallo não significa que queira aggredir ninguem, nem que esteja irritado; é uma questão de temperamento.

O sr. presidente do conselho, por exemplo, é fleugmatico; eu sou um tanto nervoso: começo a fallar com calor muitas vezes, mas não quer isso dizer que eu esteja irritado. O que estou é convencido do que digo, e nada mais.

Emquanto á questão de estarem ou não estarem aqui alguns dignos pares depois da reforma d'esta camara, é essa uma questão de interpretação.

Apesar da dictadura, esta camara funcciona illegalmente, pois não está completa.

Eu não vi ainda no Diario do governo que fosse dissolvida a parte electiva da camara dos pares.

Ninguem a dissolveu.

Por consequencia, sem a parte electiva, entendo que as medidas dictatoriaes do governo, emquanto não forem approvadas pelo parlamento, não podem ter força de lei, especialmente aquella que se refere á nomeação de pares do reino.

Sinto molestar estes cavalheiros, mas é esta a interpretação que eu dou ao decreto dictatorial.

O sr. presidente do conselho, que é mais versado em questões de direito constitucional do que eu, interpreta por outra fórma.

É uma opinião que respeito, mas com a qual não concordo.

Sr. presidente, ha um ponto, realmente, em que eu fiquei um pouco admirado da opinião do sr. presidente do conselho, e é áquelle em que s. exa. declarou que e governo nada tinha que fazer, porque os agraciados foram os primeiros a declarar que não queriam posto de accesso.

Pois quê, sr. presidente, podia, porventura o coronel Galhardo e os officiaes que mais se distinguiram na ultima campanha em Africa, podiam elles acceitar um posto sem prejuizo de antiguidade?

Não, de certo.

Pois não sabe toda a gente que esses officiaes ficariam sendo os chamados officiaes pintados?!

Com os officiaes que íam para o ultramar é que esse facto se dava.

Esses tinham um posto de accesso, e quando regressavam, sem completar o tempo que a lei estabelecia, tiravam-lhes outra vez o galão.

A muitos succedeu isso.

Um cavalheiro que todos nós respeitâmos, e que já se sentou nos bancos do poder, o sr. Ferreira do Amaral, que foi em tempo nomeado governador de uma das nossas provincias ultramarinas, teve a infelicidade de perder sua esposa, e querendo por esse facto regressar ao paiz, ficou no posto que tinha antes da nomeação, visto não ter cumprido o que a lei prescrevia.

Creia o governo que os bravos expedicionarios que salvaram a honra nacional deviam ser recompensados de outro modo.

É este o sentir do paiz.

O que eu lamento é que o governo, desprendendo-se de considerações mesquinhas, não propuzesse ao chefe do estado quatro ou cinco dos officiaes que mais se distingui-

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SESSÃO N.° 8 DE S DE FEVEREIRO DE 1896 65

ram, e não lhes desse um posto de accesso por distincção.

Se o governo tivesse promovido esses officiaes, se lhes tivesse dado por distincção um posto de accesso, se El-Rei, quando o coronel Galhardo desembarcou lhe tivesse dito: "General, eu comprimento-o", como El-Rei D. Manuel fez a Vasco da Gania na sua volta da India, tratando-o por almirante, creia o governo, creia a camara, que não haveria no nosso exercito um unico soldado que não applaudisse a resolução do governo.

Que isto não se tivesse feito, é o que eu sinceramente lamento.

Sr. presidente, eu não venho fazer politica.

Venho aqui proferir estas palavras, porque o meu coração me diz que é uma negra ingratidão o tratar assim officiaes que tão relevantes serviços prestaram.

Mas, sr. presidente, diz o nobre presidente do conselho que eu estou em contradicção, porque censuro o dar-se uma pensão aos officiaes expedicionarios, quando eu aqui apresentei um projecto de lei para ser dada uma pensão aos officiaes que tomaram parte na prisão do Gungunhana.

No relatorio que precede a proposta do lei que apresentei, eu fallava não só na pensão, mas em outras recompensas.

Dizia eu, porventura, que se lhes d'esse dinheiro?

Podia suppor que o governo procedesse como procede?

Nunca.

É evidente que o dinheiro representa muito; mas para um official brioso e que toma a peito o bom desempenho de qualquer missão que lhe é confiada, um galão a mais representa para elle cousa de maior valia do que uma somma qualquer, por mais importante que ella seja; tanto mais se esse galão foi ganho nos campos da batalha em defeza do seu paiz e da honra nacional.

Sobre a crise, desde o momento em que o sr. presidente do conselho declara que tudo o que os jornaes ministeriaes disseram sobre o assumpto, foi, ou o effeito de um sonho ou um mero passatempo, que poderei eu objectar?

Toda a gente sabe que nos paizes constitucionaes, onde ha liberdade de imprensa, os governos, ou sejam progressistas ou sejam conservadores, têem os seus orgãos officiosos, e é n'elles que, quando pretendem adoptar uma medida de certa importancia, lançam os chamados balões de ensaio, para verem como a opinião publica os recebe.

Accusam-me de avançado e de republicano! É extraordinario, sr. presidente.

Eu, se tivesse qualquer cousa a publicar nos jornaes, escolheria um que fosse da minha cor politica.

Pois, quer a camara saber qual é a folha que melhor informada está a respeito das intenções do governo?

É o Seculo!

Já vê o sr. conde de Carnide que o governo ainda é muito mais republicano do que eu.

Disse s. exa. que isto é um assumpto para ser tratado em familia e que se não devo discutir aqui; mas então, Santo Deus! que estamos nós aqui a fazer?

Estaremos aqui unicamente para defender o governo ou para defender os interesses do paiz?

Se estamos ou vimos aqui tão sómente para defender o governo, acabemos com isto; mas se representâmos o paiz, e temos, portanto, obrigação de attender os seus1 rogos, as suas queixas, o nosso procedimento deve ser muito outro e, diga-se de passagem, que a opinião publica não está ao lado do governo, 6 sim ao meu lado.

O que a opinião publica quer, o que ella exige, é que sejam dadas as maiores recompensas a esses bravos soldados.

O governo falla em muitas mercês, em muitas distincções, na Torre e Espada, mas não me parece que n'isto vá com a opinião do paiz, ou com os desejos da nação.

Parece-me ter assim respondido ás observações do nobre presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada, vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Marçal Pacheco: - Eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa uns documentos.

O sr. Presidente: - Tem então v. exa. a palavra.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, eu recebi em minha casa uns documentos relativos ás incompatibilidades dos dignos pares do reino, e, como ignoro a rasão por que me enviaram os alludidos documentos, peço a v. exa. que se digne dar-me a tal respeito as necessarias explicações ou esclarecimentos.

Não sei o uso que devo fazer de taes papeis, nem para que foram parar a minha casa.

Já que estou com a palavra, permitta-me v. exa., sr. presidente, uma simples declaração.

Em obediencia a v. exa. é que eu não faço os commentarios que me parece estão pedindo as declarações do nobre presidente do conselho a respeito de tres pontos.

Um dos pontos é o que se refere á nomeação de pares do reino; outro ponto é o que diz respeito ao pedido feito pelo coronel Galhardo; e, finalmente, o terceiro ponto é o que se relaciona com o apoio parlamentar.

Como v. exa., sr. presidente, tem muita pressa, limito-me a dizer que em outra occasião, em que o sr. presidente do conselho venha aqui, tratarei d'estes tres pontos.

(O digno par não reviu.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Pedi a palavra, por parte da commissão de legislação. Como não está presente o presidente desta commissão, e eu seja o secretario d'ella, cumpre me dar algumas explicações em relação ao assumpto a que se referiu o digno par o sr. Marçal Pacheco.

Disse s. exa. não saber a rasão por que lhe foram mandados aquelles documentos, que se referem ás incompatibilidades de alguns dignos pares.

S. exa., na penultima sessão, perguntou a v. exa.; sr. presidente, se existia na mesa a relação dos dignos pares que, em virtude da ultima reforma d'esta camara, eram incompativeis, e, portanto, não podiam exercer as suas funcções n'esta camara. V. exa. respondeu que estava sobre a mesa essa relação para ser presente á commissão de legislação, logo que esta se constituisse.

Constituiu-se a commissão, foram distribuidos diversos assumptos que lhe estavam affectos, um dos quaes eram os documentos a que o digno par alludiu, tendo o sr. presidente da commissão entendido distribuir esse assumpto a s. exa. para que desse um parecer ou emittisse uma opinião que a commissão discutisse, resolvendo por fim se aquelles pares? a que se referiam os documentos presentes á mesma commissão, estavam ou não incursos em alguma das incompatibilidades prescriptas na nova lei.

O sr. Marçal Pacheco: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Este incidente não póde continuar. Espero, comtudo, que o digno par não se alongará muito.

O sr. Marçal Pacheco: - Vejo, pela explicação que acaba de dar-me o digno par sr. Jeronymo Pimentel, que aquelles documentos me foram enviados para eu apresentar um projecto de parecer da commissão. Até aqui, porém, era costume distribuirem-se os documentos aos membros de uma commissão, quando o assumpto ahi se discutia, ou pelo menos á pessoa que fôra incumbida de dar parecer, e que representava o pensamento da maioria da commissão.

Ora, eu nada discuti, não sei qual é o pensamento da maioria da commissão, a cuja côr politica certamente não pertenço. Portanto, estranho que me mandassem esses documentos.

Em todo o caso, se o digno par, visto ser secretario da commissão, quer prestar um serviço á camara e ao paiz, poderá fazer reunir a commissão, para se discutir o as-

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sumpto. Eu não me furto ao trabalho, e estou prompto, no caso de entender a commissão que devo ser o relator do parecer, a estudar esse assumpto para me desempenhar do encargo.

Antes disso, porem, não podia deixar de pedir explicações sobre os papeis que me foram enviados, porque até aqui não era essa a praxe.

(O digno par não reviu.)

O sr. Jeronymo Pimentel (primeiro secretario): - Darei uma explicação muito ligeira.

O digno par sr. Marçal Pacheco desconhece, de certo, o regimento da camara na parte que se refere á distribuição dos assumptos. A commissão reune-se, constitue-se, e o seu presidente, no uso das attribuições que o regimento lhe confere, distribue aos membros d'essa commissão os assumptos a ella affectos.

Portanto, a commissão não póde discutir qualquer assumpto sem que primeiro o par a quem foi distribuido, apresente uma opinião sobre elle. Se porventura essa opinião é a da maioria da commissão, constituirá parecer para ser apresentado á camara. Se, porém, essa opinião não se conforma com a da maioria da commissão, é claro que será escolhido outro par que represente as idéas d'essa mesma maioria.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, procedendo-se em primeiro logar á eleição das commissões do Mil e de redacção.

OEDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares a organisar as suas listas para a eleição das duas commissões, que já indiquei.

(Pausa.}

Vae proceder-se á chamada.

Faz-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os dignos pares srs. conde do Bomfim e Cypriano Jardim.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 24 listas, ficando eleitos para a commissão do bill os dignos pares, srs.:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho 24 votos

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão 24 "

Antonio de Serpa Pimentel 24 "

Francisco Joaquim da Costa e Silva 24 "

Jeronymo da Cunha Pimentel 24 "

José Maria dos Santos 24 "

Thomás de Carvalho 24 "

Conde da Azarujinha 23 "

Agostinho de Ornellas de Vasconcellos Esmeraldo Rolim de Moura 23 "

Augusto Cesar Cau da Costa 23 "

José Baptista de Andrade 23 "

E para a commissão de redacção os dignos pares, srs.:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho 24 votos

Antonio de Serpa Pimentel 24 "

Frederico de Gusmão Corrêa Arouca 24 "

O sr. Presidente: - Como não ha numero para se proceder á eleição da commissão de petições, vou fechar a sessão, designando a seguinte para proxima quarta feira 5, e dando para ordem do dia: eleição da commissão de petições e apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e vinte e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes a sessão de 3 de fevereiro de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Arcebispo-Bispo do Algarve; Bispo-Conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Marçal Pacheco.

O redactor = Alberto Pimentel.

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