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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 8

EM 20 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Bxmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente do Conselho declara que Sua Majestade El-Rei o encarregara de participar á Camara, e especialmente ao Sr. Hintze Ribeiro, que deseja ver publicadas todas as cartas referentes á ultima crise ministerial. - O Digno Par D. João de Alarcão manda para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes relativa a uma pretensão do Sr. Conde das Alcáçovas. - Acerca da declaração feita pelo Sr. Presidente do Conselho trocam-se explicações entre S. Exa. e os Dignos Pares Ernesto Hintze Ribeiro e João Arroyo. - O Sr. Ministro da Justiça responde a perguntas que alguns Dignos Pares lhe dirigiram em sessões anteriores referentes ao telegramma dos Bispos portugueses ao Arcebispo de Paris e a ida do Sr. Cardeal Patriarcha a Tuy. - O Digno Par Marquez de Pombal manda para a mesa uma representação da Real Associação de Agricultura Portugueza. Requer que seja publicada no Diario do Governo. Assim se resolveu.- Õ Digno Par Sebastião Baracho allude ás cartas de El-Rei e ás respostas do Sr. Ministro da Justiça. Chama a attenção do Governo para o estado de Lisboa, sob o ponto de vista da limpeza das ruas, e por ultimo pede providencias para que os cursos preparatorios dos seminarios façam a sua regressão aos lyceus. - O Sr. Presidente do Conselho refere-se novamente ás cartas de El-Rei e responde ao Digno Par Sebastião Baracho.

Ordem do dia - Discussão do contrato dos Tabacos. O Digno Par Teixeira de Vasconcellos manda para a mesa uma emenda ao parecer. Discursa sobre o assumpto em ordem do dia o Digno Par Teixeira, de Sousa. - Acerca da publicação das cartas de El-Rei trocam-se ainda explicações, no final da sessão, entre os Dignos Pares João Arroyo, Julio de Vilhena e o Sr. Presidente do Conselho. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde verificando-se estarem presentes 29 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Dois officios do Ministerio do Reino, satisfazendo os requerimentos dos Dignos Pares Teixeira de Sousa e Ferreira do Amaral.

Á secretaria.

Um officio do Ministerio da Justiça, satisfazendo o requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Um officio do Ministerio da Marinha, satisfazendo em parte os requerimentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio do Secretario Geral da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, enviando, com destino ao Archivo e á Bibliotheca da Camara, exemplares do primeiro numero do Boletim da Assistencia Nacional aos Tuberculosos.

Á secretaria.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Tendo communicado a Sua Majestade El-Rei o que se passara n'esta Camara, relativamente á carta que já hoje é do conhecimento de todos, Sua Majestade encarregou-me de declarar a V. Exa. e á Camara, e em especial ao Sr. Hintze Ribeiro, que deseja que á Camara e ao paiz seja dado conhecimento de quaesquer outras cartas que por El-Rei hajam sido escriptas áquelle Digno Par, referentes á ultima crise ministerial e á substituição do Ministerio, de que era Presidente o Sr. Hintze Ribeiro, por áquelle a que tenho a honra de presidir.

O Sr. D. João de Alarcão: - Mando para a mesa um requerimento do Sr. Conde das Alcáçovas em que pede lhe seja permittido tomar assento n'esta Camara como successor de seu pae.

Foi remettido á commissão de verificação de poderes.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Entrando n'esta Camara, ouvi uma declaração feita pelo Sr. Presidente do Conselho, a qual envolve uma communicação do Augusto Chefe do Estado, principalmente dirigida a mim.

Não logrei perceber bem os termos em que o Sr. Presidente do Conselho se expressou.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Se V. Exa. quer eu repito.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Faz-me V. Exa. favor.

O Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Visto que não me fiz ouvir do Digno Par, a quem me dirigia, repetirei.

Eu disse que communicara a Sua Majestade El-Rei os factos aqui passados relativamente á carta em que Sua Majestade recusou o adiamento pedido pelo Governo transacto e que El-Rei me encarregara de declarar á Camara, e em especial ao Sr. Hintze Ribeiro,

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que desejava que este Digno Par desse conhecimento á camara e ao paiz de quaesquer outras cartas que Sua Majestade lhe tenha escripto, referentes á ultima crise ministerial e á substituição do Ministerio transacto por aquelle a que tenho a honra de presidir.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: Devo concluir das palavras do Sr. Presidente do Conselho que Sua Majestade El-Rei manifestou desejo de que se publicasse qualquer carta attinente ao pedido de demissão do Ministerio a que eu presidia. Tendo já apresentado a carta que me foi reclamada, não sei se o desejo do Augusto Chefe do Estado é que lhe entregue as outras cartas que me dirigiu.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - São as outras cartas referentes á crise ministerial e á substituição do Ministerio a que presidia o Digno Par.

O Sr. João Arroyo: - Como fui eu que pedi as cartas devo tambem ser ouvido.

Eu não me referi a cartas subsequentes ou a anteriores ao dissentimento; referi-me áquellas que com a crise tinham relação, das quaes evidentemente faziam parte aquella em que Sua Majestade apreciou a operação do desdobramento eleitoral em Lisboa contra os Deputados republicanos e aquella em que Sua Majestade emittiu parecer sobre os acontecimentos de 4 de maio. As subsequentes e as antecedentes. Todas.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Respeito, evidentemente, o modo de apreciar de todos os meus collegas n'esta Camara, mas n'este assumpto restricto em que, conforme já manifestei, a minha opinião é que nenhuma carta, absolutamente nenhuma, devia ser publicada (Apoiados); comprehende a Camara que eu não posso deixar de ser de todo o ponto meticuloso na entrega de qualquer carta que me seja reclamada.

Como a Camara sabe, suscitou-se uma discordancia absoluta, da qual o paiz inteiro tem conhecimento pela carta já publicada, entre o Chefe do Estado e o Governo de então.

Essa discordancia traduziu-se n'uma carta que eu já entreguei aqui, havendo, alem d'essa, outras. D'ahi até que o Sr. João Franco tomou conta do Governo, evidentemente, outras cartas se seguiram, como aquella em que o Chefe do Estado acceitou a demissão do Ministerio, a que tive a honra de presidir, e aquella em que depois me communicou a organização do novo Ministerio. São essas as cartas que o Chefe do Estado deseja que eu publique?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: V. Exa. não presidiu á ultima sessão, mas deve constar dos Annaes parlamentares o seguinte: Quando eu communicava a esta Camara os desejos de El-Rei em relação á carta que já foi publicada, o Sr. Hintze Ribeiro, dirigindo-se a mim, disse que outras cartas existiam alem d'aquella de que a Camara já tem conhecimento, e, n'essa occasião, o Digno Par o Sr. Arroyo manifestou desejos de ter conhecimento de todas as cartas referentes á crise ministerial d'onde resultou a demissão do Governo regenerador e a formação do actual Gabinete a que tenho a honra de presidir.

Foi então que me encarreguei de communicar ao Augusto Chefe do Estado o pedido do Digno Par o Sr. Arroyo.

Em harmonia com este facto eu venho dizer á Camara que El-Rei deseja que se de conhecimento ao para e á Camara de quaesquer cartas referentes á crise ministerial e á organização do actual Ministerio. São, evidentemente, as cartas a que o Digno Par se referiu.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Só posso reportar-me ao que diz o Sr. Presidente do Conselho.

Apesar da muita consideração que tenho pelo Digno Par o Sr. Arroyo, eu, não tenho senão de satisfazer ao que me é reclamado, da parte de El-Rei, pelo Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados).

O Sr. João Arroyo: - Eu não tenho senão a agradecer a amabilidade do Digno Par, mas é preciso não confundir aquillo que se dá com aquillo que eu pedi.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não sei se o Sr. Presidente do Conselho deseja accrescentar mais alguma cousa ao que já disse.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Eu já disse, e repito, El-Rei manifestou desejos de que fossem publicadas as cartas por elle dirigidas ao Sr. Hintze Ribeiro referentes á crise ministerial e á organização do gabinete actual.

Isto é bem claro e positivo.

O Orador: - São pois as posteriores...

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - E se ha alguma anterior á crise e que o Digno Par mande para a mesa, tambem...

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: prezo-me de ser homem de bem e cavalheiro, incapaz de me desviar um ápice, a favor ou contra mim, do que reputo ser o cumprimento rigoroso do meu dever. (Apoiados).

N'este assumpto ponho de parte a minha opinião propria; um dever só tenho a cumprir: é o de obtemperar ao desejo do Chefe do Estado.

Em vista do que se passa n'esta Camara, sem ter o mais leve intento de aggravo, de melindre, de menos consiração, nem para com o Sr. Presidente do Conselho, nem para com o Digno Par o Sr. João Arroyo, eu só tenho de attender a uma cousa, e que a minha consciencia diz ser o estricto cumprimento do meu dever.

Durante o consulado regenerador, a que tive a honra de presidir, evidentemente muitas cartas me foram dirigidas pelo Augusto Chefe do Estado. Não me cabe a mim discernir quaes d'essas cartas puderam influir ou motivar a crise do Ministerio regenerador; isso pertence ao Augusto Chefe do Estado. Essas cartas constituem para mim, um deposito sagrado, do qual só devo dar contas a quem m'o confiou. De todas essas cartas, só as que absolutamente deviam ser do conhecimento dos que me acompanharam nas lides ministeriaes com extremada lealdade e dedicação, muito poucas, foram d'elles conhecidas; de quasi todas só eu tenho conhecimento.

Não querendo tomar sobre mim a responsabilidade de discernir quaes d'essas cartas Sua Majestade El-Rei deseja que sejam publicadas, e não querendo proceder levianamente, entregarei eu proprio a El-Rei as cartas que d'elle recebi, porque, uma vez na sua mão, o deposito que me confiou, El-Rei fará das cartas, das quaes não fico sequer com copia, o que entender e quiser no interesse da Coroa e do paiz.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Estando eu simplesmente encarregado de manifestar a esta Camara, e ao Sr. Hintze Ribeiro, qual é o desejo de El-Rei, cumpri a minha missão e nada tenho com a resolução que S. Exa. acaba de manifestar, a qual respeito como é meu dever.

(S. Exa. não reviu nenhuma das suas palavras).

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O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes: - Sr. Presidente: em uma das passadas sessões d'esta Camara, alguns Dignos Pares perguntaram-me se o Governo conhecia o telegramma mandado pelo Sr. Cardeal Patriarcha, em nome dos prelados portugueses, ao Cardeal Richard, Arcebispo de Paris.

Em resposta a S. Exas., declarei que ia proceder a averiguações e que, logo que obtivesse informações do assumpto, transmittiria á Camara as informações que obtivesse. É o que hoje faço.

Li o telegramma em jornaes francezes e portugueses, e averiguei se elle tinha sido expedido, porque, como a Camara sabe, o Governo tem ao seu alcance meios de conhecer o teor dos telegrammas que se expedem no paiz. Entendi, porem, que era mais correcto conferenciar sobre o assumpto com o Sr. Cardeal Patriarcha a fim de que me dissesse se, sim ou não, tinha expedido o telegramma e se confirmava o texto d'elle publicado nos jornaes. Por isso, fiz saber ao Sr. Patriarcha que desejava conferenciar com Sua Eminencia sobre assumpto de importancia.

Não estando Sua Eminencia em Lisboa, o seu coadjuctor telegraphou-lhe dizendo-lhe que eu desejava ter com elle uma conferencia.

Sua Eminencia chegou ha tres dias a Lisboa. Passadas horas apenas tive a conferencia que desejava. Perguntei a Sua Eminencia se effectivamente tinha expedido o telegramma. Respondeu-me que sim. Mostrei-lhe o texto do referido telegramma a fim de Sua Eminencia o confirmar, texto que é o seguinte:

"Os bispos portuguezes saudam, e felicitam o episcopado francez, pela sua edificante união com a Santa Sé, e manifestam-lhe a sua sympathia e adhesão. Commovidos com os males da França, oram e farão orar por esse bello paiz, tão benemerito aos olhos da igreja".

Disse-me tambem que sim e accrescentou, desde logo, que este telegramma correspondia a uma resolução do episcopado de todo o mundo, mostrando a sympathia que lhe merece o clero francez pela sua adhesão á Santa Sé, e que não lhe tinha passado pela mente a ideia de censurar o Governo Francez ou a sua politica, nem levantar quaesquer questões de onde pudessem advir melindres nacionaes.

Não me consta que o Governo Francez tivesse apresentado quaesquer reclamações. O que eu sei é que os bispos de todas as nações teem enviado telegrammas e mensagens ao episcopado francez e que o Governo d'aquella nação não reclamou contra estas demonstrações, e especialmente não apresentou reclamação alguma ao Governo Portuguez.

O Sr. João Arroyo: - Até agora ainda o não fez?

O Orador: - Até agora não houve reclamação alguma do Governo Francez e creio que no telegramma que foi enviado ás autoridades ecclesiasticas da França não ha fundamento para o Governo d'aquella nação reclamar, por isso que as palavras d'esse telegramma dão apenas um testemunho da sympathia por entidades hoje separadas e independentes do Governo Francez, e nada mais.

Entretanto, Sr. Presidente, fiz sentir ao Sr. Cardeal Patriarcha que era conveniente que, quando houvesse qualquer manifestação d'esta ordem por parte do episcopado portuguez, se procedesse com senso e prudencia de forma a não levantar difficuldades entre o Governo e qualquer outra nação, principalmente a França, que é nação amiga.

Sua Eminencia concordou com isto.

Com respeito ás perguntas que me fizeram os Dignos Pares, os Srs. Alpoim e Arroyo, é o que tinha a dizer á Camara.

O Digno Par, o Sr. Baracho, tambem me perguntou se o Sr. Cardeal Patriarcha se tinha ausentado do reino sem licença do Governo.

Eu devo dizer a S. Exa. que é praxe da Secretaria, se não lei do reino, participarem os prelados ao Ministerio da Justiça a ausencia das suas dioceses, e isto mesmo fiz sentir ao Sr. Cardeal Patriarcha, Sua Eminencia disse-me immediatamente: - Desculpe-me; o officio em que fazia essa participação ficou por esquecimento em cima d'aquella mesa em consequencia da precipitação com que sai de Lisboa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Marquez de Pombal: - Sr. Presidente: tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da Real Associação da Agricultura Portugueza.

Esta representação, Sr. Presidente, é identica á que já foi apresentada na outra casa do Parlamento.

Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do Governo.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que approvam que a representação mandada para a mesa pelo Digno Par o Sr. Marquez de Pombal seja publicada no Diario do Governo tenham a bondade de ficar sentados.

Foi approvado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pedi a palavra sem suppor que á tela da discussão viessem, como vieram, assumptos tão interessantes, que me convidam, naturalmente, a emittir acêrca d'elles a minha opinião.

Reconheço que a questão das cartas continua a ser suggestiva. O Sr. Presidente do Conselho, respondendo ao ultimo convite do Digno Par Sr. Arroyo, informou o Sr. Hintze Ribeiro de que o Chefe de Estado o auctorizava a publicar as cartas que possuisse, concernentes á crise ministerial determinante da queda da ultima situação regeneradora. Pela troca de explicações entre o Sr. João Franco e o Sr. Hintze Ribeiro, afigura-se-me que não foram satisfeitas as aspirações do Sr. Arroyo, que eram de caracter mais amplo.

Pedira S. Exa. a publicação de todas as cartas que tivessem significação, na quadra politica a que me venho referindo.

A restricção é manifesta, portanto, attento o pedido feito e auctorização dada.

Esta situação, porem, tomou nova feição, em presença da declinação do Sr. Hintze Ribeiro, pela entrega de todas as suas cartas ao Chefe de Estado, cuja acção fica por esta forma desembaraçada para proceder como lhe aprouver.

No interesse do paiz, muito convirá que se faça luz, toda a luz, que o assumpto de tanta gravidade requer.

Quanto á questão dos prelados, não me satisfizeram as explicações do Sr. Ministro da Justiça.

S. Exa. reconhece, consoante as declarações que lhe fez o proprio Sr. Patriarcha, que os prelados se evidenciaram em manifestação collectiva, dirigindo-se ao Arcebispo de Paris, a quem exprimiram os seus votos pela victoria da causa catholica em França.

Affirma o titular da pasta da Justiça que elles, no seu telegramma, não desacataram o Governo Francez. Era tambem o que faltava que succedesse. E certo, porem, que elles, approvando o procedimento dos bispos em França, indirectamente hostilizaram o poder civil ali estabelecido.

Eu sou pela liberdade para todos, sem excepções. E, por isso, não estranharia que particular e individualmente cada um bispo se congratulasse com os seus collegas da França. Mas pela forma como o fizeram, não é permittido que se pratique, e o Sr. Ministro da Justiça tem que adoptar providencias attinentes a que a incorrecção se não repita.

Affirmou S. Exa. que não existia reclamação alguma, por parte do Governo d'aquelle paiz, perante o procedimento episcopal havido.

Folgo com essa noticia, porque aci-

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ma de tudo, sou portuguez, insurgindo-me em todas as circumstancias contra quaesquer actos de intervenção ou tutela estrangeira.

Mas, para evitar esses desacatos, o melhor, se não o unico expediente, é fazer com que os bispos se mantenham dentro da esphera de prudente reserva que, por todos os principios, lhes está aconselhada.

Pode o Sr. Cardeal Patriarcha amoldar-se a este regimen?

Os factos respondem negativamente.

Depois da manifestação que teve por alvo o Arcebispo de Paris, houve o prelado de Lisboa, por melhor, fazer uma digressão a Tuy, sem para isso estar auctorizado pelo Governo, e com o objecto de se congratular com um bispo apodado de rebelde perante o poder civil de uma nação vizinha e amiga.

O Sr. Ministro da Justiça informa-nos de que o advertiu, pelo acto menos conveniente que praticara. Esperarei pelo futuro, a fim de apreciar se o actual correctivo produziu os devidos e salutares effeitos.

E pondo ponto aqui na questão que posso denominar espiritual, vou passar a outros assumptos e esses de caracter temporal, se não corporal.

O estado de Lisboa, sob o ponto de vista da sua limpeza, é o mais vergonhoso possivel, com prejuizo manifesto da saude publica e do nosso credito como paiz civilizado.

Ainda hoje me vexei perante estrangeiros que percorriam a capital, seguindo em varios trens pela avenida marginal do Tejo, onde a sujidade e a poeira levantada pelo vento eram phenomenaes.

Desejamos ser apreciados por visitantes de outras nações; e, longe de lhes prepararmos recepção decente, offerecemos-lhes o triste espectaculo que todos nós conhecemos.

Não admirará, pois, que nos procurem exclusivamente os atacados pelo bacillo Kook, não do que outr'ora fez as viagens, cuja descripção deleitou a minha mocidade, mas do que as prepara em Londres, como especulação commercial.

Eu desejaria que as camaras municipaes fossem livremente eleitas e dispuzessem das mais altas attribuições. Mas, como tal não succede entre nós, peço ao Sr. Presidente do Conselho que se digne chamar a attenção do municipio de Lisboa para a urgica necessidade de olhar pela limpeza das ruas.

O desleixo n'este ramo de serviço attinge proporções taes, que eu pago a quem faz a limpeza das adjacencias da minha morada, na Calçada do Galvão.

A isto se chegou.

Por ultimo, volto á questão que ventilei na sessão anterior, aproveitando para isso a presença dos Srs. Ministros do Reino e da Justiça. E indispensavel que se adoptem promptas providencias, a fim de que os cursos preparatorios dos seminarios façam a sua regressão aos lyceus.

O regimen subsistente é insustentavel, attento o grande numero de excluidos dos seminarios diocesanos, sob pretextos varios. De positivo, com estas expulsões, ha apenas a registar, para os attingidos, a inutilização das materias por elles cursadas para tudo quanto não seja a vida sacerdotal, e com accentuados prejuizos, que, por serem verdadeiramente intuitivos, dispensam mais larga referencia.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder ao Digno Par acêrca de dois pontos que mais directamente se prendem á minha responsabilidade.

Referiu-se S. Exa. ás cartas que tinham sido pedidas na ultima sessão pelo Digno Par o Sr. Arroyo.

Tenho aqui presente o summario da sessão de 18 de outubro, e ahi se lê o seguinte:

"O Sr. João Arroyo: - Deseja dizer simplesmente que devem ser conhecidas todas as cartas referentes á ultima crise e escriptas por El-Rei ao seu então Presidente do Conselho, Sr. Hintze Ribeiro. Decerto não houve só uma carta. Mas uma, duas, ou mais, venham todas á publicidade".

Em conformidade com as palavras que o Digno Par proferiu n'essa sessão, encarreguei-me de transmittir a Sua Majestade os desejos por S. Exa. manifestados, de que desejaria que fossem conhecidas do paiz todas as cartas que o Sr. Hintze Ribeiro tinha recebido de El-Rei, referentes á ultima crise.

Parece-me pois, Sr. Presidente, que, expressando-me por esta forma, dei conta exacta do que se passou ao Augusto Chefe do Estado, e ao Digno Par o Sr. Sebastião Baracho, a resposta ás suas perguntas.

Sua Majestade, como disse ha pouco, encarregou-me de participar ao Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro que tinha todo o desejo de ver publicadas as cartas que lhe dirigira, referentes á crise.

Com relação á limpeza da cidade, o Digno Par tem carradas de razão.

O Sr. Sebastião Baracho: - E a cidade carradas de lixo.

0 Orador: - Por isso mesmo tem o Digno Par carradas de razão.

Effectivamente as das não teem limpeza, não ha regas sufficientes, não ha nada d'aquillo que é proprio e pertence a uma capital que se preza. (Apoiados).

O Digno Par comprehende perfeitamente que o Governo exerce de facto tutela sobre os serviços municipaes, mas não tem a iniciativa nem a responsabilidade d'esse serviço. A Camara celebrou um contrato com um individuo, e em virtude d'esse contrato o serviço da limpeza está confiado a esse arrematante.

Não pertenci ao Governo quando se realizou esse contrato; o que posso e o que me compete é fazer á Camara todas as instancias, mostrar-lhe todo o desejo que eu tenho de ver melhorado esse serviço.

Quando esse contrato acabar e for preciso realizar outro, que tenha de ser submettido á estação tutelar, eu providenciarei de maneira que se evitem factos como aquelles de que o Digno Par com toda a razão se queixa.

Com relação ao mais, o Sr. Ministro da Justiça não deixará de dar aquella resposta a que S. Exa. tem direito, não só pela posição que occupa, como pelos merecimentos que o distinguem.

(8. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 1.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 1

Senhores. - Vindo da Camara dos Senhores Deputados, foi presente á vossa commissão de fazenda o projecto de lei que auctoriza o Governo a realizar o contrato definitivo com a Companhia dos Tabacos de Portugal, para esta continuar a exploração do exclusivo do fabrico dos tabacos por mais dezanove annos a partir de 1 de maio de 1907.

A referida companhia usou com eifeito, em relação á proposta da Companhia Portugueza de Phosphoros apresentada no concurso de 6 de abril de 1906, do direito de opção que lhe era reconhecido pelo n.° 1.° do artigo 6.° das bases que fazem parte da lei de 23 de março de 1891, e n'essa conformidade assignou o contrato provisorio.

A Camara dos Senhores Deputados alterou, de acordo com o Governo, o artigo 1.° da proposta de lei governamental, no proposito de impedir quaesquer erradas interpretações. Com essa modificação e finalmente com todo o projecto concorda a vossa commissão, se bem que, francamente vo-lo deve dizer, entende que as duvidas a que se fez allusão na outra Camara não podiam nunca ser levantadas pela companhia

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contratante, Assim não poderia a Companhia dos Tabacos de Portugal, que não foi concorrente e apenas se aproveitou do direito de opção consignado no seu primitivo contrato e dependente, portanto, da sua propria existencia e conservação, não poderia a companhia, dizemos, pretender organizar uma nova sociedade ou alterar o seu capital, porque por essa forma contrariaria completamente a primeira parte do disposto no artigo 4.° das bases do concurso, feita na previsão de que ella usasse do direito de opção - "a garantia propria e absoluta... para o pagamento dos juros e amortização das obrigações de 4 1/2 por cento dos emprestimos de 1891 e 1896".

Não podia ainda a Companhia dos Tabacos pretender fazer só o que não reconhecia á companhia concorrente. Protestando contra a proposta da Companhia dos Phosphoros por, no seu entender, não. ter capacidade juridica para concorrer á adjudicação, claramente presumia que esta ultima companhia, cujas condições de capital e outras se adaptavam ás exigencias do concurso, não tinha por esse facto a faculdade de formar uma outra empresa, porque se lhe reconhecesse esse direito não desapparecia a base de taes protestos. Alem de que tanto a lei de 1891 como as bases do concurso ultimo não permittem a passagem da concessão sem auctorização do Governo, e negado tal consentimento com o justissimo fundamento de que a companhia está nas precisas condições para continuar a explorar o monopolio, resolvidas ficam todas as duvidas.

Em 1891 Portugal entendeu adoptar a exploração da industria do fabrico do tabaco em monopolio. Posto isto havia a resolver entre a administração directa do monopolio pelo Estado, ou a concessão do exclusivo a uma companhia arrendataria. Foi esta a forma preferida e proximo a decorrerem os 16 annos, findos os quaes o Estado tinha o direito de rescisão, foi ainda este o processo escolhido pelos Governos que precederam o actual. Nenhum cabimento teria aqui, visto a vossa illustração e completo conhecimento do assumpto, qualquer explanação sobre as vantagens e os inconvenientes quer de um ou de outro processo de exploração do monopolio, quer da liberdade do exercicio da industria do tabaco. Não deixaremos comtudo de vos dizer que á vossa commissão não repugnaria a administração por conta do Estado (Régie), nem se lhe afigura muito difficil realizá-la nas circunstancias actuaes.

O Governo, porem, encontrando um concurso publico effectuado, e offere0cida, incontestavelmente, a maior rendi até então obtida, procedeu acertadamente acceitando os factos consummados e buscando pôr-lhe o natural e devido remate.

Dá, pois, a vossa commissão, de harmonia com o Governo, a sua completa adhesão ao seguinte projecto de lei, absolutamente confiada em que com a sua approvação todos terão a lucrar, visto dever liquidar-se efficazmente uma questão que durante tempo demasiado perturbou a vida politica do paiz. = Hintze Ribeiro (approvo o contrato) = Francisco Antonio da Veiga Beirão (com declarações) = Manoel Affonso de Espregueira (com declarações) = Henrique da Gama Barros = D. João de Alarcão V. Osorio (com declarações) = Luciano Affonso da Silva Monteiro ~ José Ferreira Lobo do Amaral = José A. de Mello e Sousa = João Pereira Teixeira de Vasconcellos.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 1

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a converter em definitivo o contrato provisorio annexo á presente lei, celebrado em 2 de junho de 1906 com a Companhia dos Tabacos de Portugal, por virtude do uso que fez do seu direito de opção, para a continuação á mesma companhia do exclusivo do fabrico dos tabacos por dezanove annos, a partir de 1 de maio do 1907.

§ 1.° O Governo, em relação ás percentagens que a Companhia dos Tabacos de Portugal tem de pagar ao pessoal operario e não operario, nos termos do n.° 2.° do artigo 6.° do contrato pelo accrescimo da venda do tabaco nacional no continente do reino e para fora d'elle, garante ao mesmo pessoal um minimo correspondente á media das differenças a mais dos lucros que em cada anno teem pertencido a esse pessoal, e contribuirá annualmente com 10:000$000 réis para a melhoria das reformas, sem prejuizo do disposto no n.° 10.° do mesmo artigo e do que foi resolvido pelo tribunal arbitral.

§ 2.° Findo o prazo do novo contrato, continuarão em vigor os artigos 15.° e 16.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891, com as modificações d'esta lei e do contrato annexo, na parte respeitante ao pessoal operario e não operario.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 12 de outubro de 1906. = Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, Presidente = Conde de Agueda, 1.° Secretario = Julio Cesar Cau da Costa, 2.° Secretario.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa uma proposta que tem por fim fazer que seja riscada a palavra - não - que se encontra na 5.ª linha da 2.ª columna do parecer.

Foi admittida a proposta, e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: ha 16 annos que entrei no Parlamento, em que sem interrupção me tenho encontrado.

Confesso a V. Exa. que nunca me senti tão embaraçado ao fazer uso da palavra, porque nunca falei com tão pouca liberdade como agora acontece, nunca tive tanta necessidade, como agora, de ser preciso nas minhas palavras, raciocinios e conclusões.

Não me inscrevi, Sr. Presidente, Dará faiar contra o projecto nem contra o Governo, nem sequer para falar d'elle; mas somente para que, no futuro, se for necessario recorrer á historia parlamentar do contrato dos tabacos, se encontrem consignadas nos Annaes d'esta declarações em que outro fim não tive em vista senão afastar responsabilidades que me não pertencem.

Serei breve na minha exposição e tão quanto me seja possivel.

Não duvido da boa fé e lealdade do Governo em bem servir o seu paiz e creio que todos os membros do Governo e especialmente o Sr. Presidente do Conselho tem tanto empenho em que esta questão fique resolvida com proveito para o paiz, como eu tive quando a versei.

Sr. Presidente: o Governo, pelo contrato de 26 de fevereiro de 1891, negociara o exclusivo do fabrico do tabaco no continente do reino por 35 annos, podendo porem, o contrato ser rescindido no fim do primeiro periodo de 16 annos, desde que a resolução do Governo a este respeito fosse communicada com dois annos de antecipação, pelo menos.

Como o prazo começava a correr da data da entrega do exclusivo na administração geral dos tabacos, e esta teve logar no dia 1 de maio de 1891, o primeiro periodo de 16 annos termina em 1 de maio de 1907.

O Governo, por portaria de 22 de fevereiro de 1905, denuncia o contrato, informando a Companhia de que usava do seu direito de rescisão no fim do primeiro periodo de 16 annos.

Em março ultimo, ao constituir-se o Ministerio de que tive a honra de fazer parte, a questão estava em aberto, por haver caducado o contrato de abril de 1905.

Por se afigurar ser esse o processo mais proveitoso para o Estado e ainda o que mais em harmonia estava com as manifestações da opinião publica, o Governo abriu concurso publico para a adjudicação do exclusivo, pelos 19 annos que ainda faltam para os 35 annos, segundo o contrato de 1891.

A esse concurso podia ir quem quizesse, era livre, franco e aberto, comtanto que garantisse a seriedade da sua

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proposta com um deposito de réis 300:000$000.

Apresentaram-se tres propostas: de Mahony & Amaral, que offereceu 6:001 contos de renda fixa; de Zagallo Ilharco que offereceu 6:010 contos; da Companhia dos Phosphoros, que offereceu 6:520 contos.

Seria feita a adjudicação a esta entidade se? notificada a sua proposta á Companhia dos Tabacos, esta não usasse do seu direito de opção, que, pelo artigo 6.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, lhe foi consignado nos seguintes termos:

"Se o Governo resolver adjudicar novamente o exclusivo, quer no n'um do prazo da concessão, quer no uso do seu direito de rescisão, os concessionarios actuaes ou quem os representar terão o direito de opção em igualdade de circumstancias".

Tendo a Companhia declarado que faria uso do direito de opção, no em do prazo que designei, 1 de junho ultimo, a Companhia, habilitada com a autorização da sua assembleia geral, no dia 2 de junho assignou o contrato provisorio, que está submettido á sancção parlamentar.

Sr. Presidente: eu tinha deixado o Governo no dia 18 de maio.

A redacção do contrato foi, pois, do Governo actual.

Tem de mais? Tem de menos? É o que se vae ver.

A responsabilidade do programma do concurso pertence-me a mim, Sr. Presidente, mas a redacção do contrato não é minha.

Vamos ao concurso. No contrato de 26 de fevereiro de 1891 foi comprehendido um emprestimo ao Governo, de 45:000 contos de réis, em obrigações de 4 1/2 por cento, amortizaveis em 35 annos. D'este emprestimo o Estado, em 1 de maio de 1907, deverá 32:533$200 réis.

Ainda por contrato de 1896 o Governo fez um emprestimo de 3:600 coutos de réis, em obrigações de 4 1/2 por cento, amortizaveis no mesmo periodo de 3õ annos. D'este emprestimo o Estado deverá, em 1 de maio de 1907; 2.810:700$000 réis.

Pelo contrato de 1891 e pelo de 1896 as obrigações em questão teem todas a garantia da receita dos tabacos e o serviço do juro e da amortização tem sido feito, nos termos dos referidos contratos, pela Companhia dos Tabacos de Portugal; mas, pelos seus estatutos de 13 de abril de 1891, a companhia deu ás obrigações de 1891 "a sua garantia propria e absoluta, sem reserva alguma, e conjuntamente com a garantia do Estado, para o pagamento dos juros e amortização".

Esta garantia, embora estatutaria, é permanente, por duas razões:

1.ª Porque, segundo o § 4.°, artigo 2.°, das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, "os estatutos fazem parte integrante, das mesmas bases;

2.° Porque nos proprios titulos, a Companhia dos Tabacos, que os emittiu, declara que alem das garantias que resultam da obrigação geral, affecta, no presente titulo, a sua garantia pessoal, absoluta e sem reserva".

Os titulos de 1891 tinham, pois, a garantia da receita dos tabacos e a propria, absoluta, da companhia, sem reserva alguma.

Qual era essa garantia? Certamente a do capital da companhia, que consta do n.° 1.°, artigo 2.° das bases do contrato de 1891:

"Os concessionarios obrigam-se a constituir para a exploração do exclusivo uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada, com o capital de 9:000 contos de réis, cujo desembolso será de 10 por cento no acto da constituição da mesma sociedade, chamando-se o resto á medida das necessidades da sociedade"

Com este capital a companhia se constituiu, como se vê dos artigos 6.° e 7.° dos estatutos, em que ficou estabelecido que o capital da companhia é de 9:000 contos de réis ou de 50 milhões de francos, dividido em 100:000 acções de 90$000 réis ou 500 francos, tomadas firmes pelos fundadores, com direito de abrirem para ellas subscripção publica, por sua conta e risco.

D'este capital a Companhia dos Tabacos chamou ou realizou apenas metade, ou sejam 4:000 contos de réis.

Podem os accionistas ser compellidos a fazer a entrada completa do capital subscripto, quando d'elle haja necessidade para os fins da companhia ou para a hypothese de se tornar effectiva a responsabilidade tomada pela companhia para com as obrigações de 1891?

Não é facil a resposta; até ha quem pense que não é possivel realizar o capital que não entrou.

O artigo 10.° dos estatutos diz:

"As acções poderão ser nominativas ou ao portador. A entrega das acções ao portador não poderá, comtudo, ter logar sem que estejam pagos 5O por cento do seu nominal".

Tendo sido pagos 50 por cento do valor nominal, as acções ficam entregues ao portador, que é anonymo.

Quando o queiram chamar para completar a entrada do capital subscripto não haverá por quem chamar, e por isso o capital não pode ir alem da parte já subscripta, ou sejam 4:500 contos de réis.

É verdade que pelo artigo 7.° dos estatutos todo o capital ou as 100:000 acções foram tomadas firmes pelos fundadores, mas, reservando-se o direito de abrir para ellas subscripção publica e ficando os subscriptores obrigados para a companhia, nos termos da lei.

Como se vê, os fundadores tomaram firme todo o capital, mas endossaram logo a responsabilidade aos subscriptores.

Como se tornaria esta affectiva, em relação á integralização do capital?

Teremos de procurar a resposta nos estatutos, e não no Codigo Commercial, pois este, pelo § 3.°, artigo 2.°, das bases annexas ao contrato de 26 de fevereiro de 1891, foi dispensado.

"Os estatutos da empresa concessionaria teem de ser approvados pelo Governo, que, ouvida a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, dispensará o Codigo Commercial".

O artigo 7.° dos estatutos diz:

"O capital das acções deverá realizar-se da forma seguinte:

— 10 por cento no acto da constituição da Companhia, etc.;

- E o restante conforme as deliberações do conselho de administração:

Como se procede? Responde o mesmo artigo:

"As chamadas serão feitas por meio de annuncios publicados, pelo menos, em dois jornaes de Lisboa, Porto e Paris, com antecedencia, pelo menos de vinte dias, e não superiores a 15 por cento".

E se os accionistas não correspondem ao chamamento?

Como se procede? Como se obtem o capital que elles tenham de entregar?

Responderá o artigo 15.° dos estatutos, que é do teor seguinte:

"Na falta de pagamento das prestações vencidas, a companhia demandará os accionistas remissos, ou fará vendei-as acções, cujas prestações estiverem em atraso".

Não pode demandar os accionistas remissos, porque, sendo as acções ao portador, elles são desconhecidos; não pode vender as acções, cujas prestações estejam em atraso, porque, depois que os accionistas recobraram 50 por cento do capital subscripto, receberam as acções, nos termos dos estatutos.

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Poderá a companhia reter as acções, quando ellas sejam apresentadas para a recepção do dividendo ? Não. Porque o accionista poderá mandar apresentar apenas o coupon, no uso da faculdade que lhe dá o artigo 11,° dos estatutos, que diz:

"Os dividendos de qualquer acção nominativa ou ao portador são pagos validamente ao portador do titulo ou ao do coupon".

Poderá a companhia reter os dividendos para cobrar o juro pelas prestações vencidas nos termos do artigo 14.° dos estatutos, que é do teor seguinte :

"As prestações em atraso vencem de pleno direito o juro a favor da companhia, á razão de 8 por cento ao anno, a partir do dia em que estiverem vencidos e sem previa notificação?"

Mas se não houver dividendos?

Esta é a hypothese:

Quando for preciso chamar o capital da companhia para ternar effectiva a responsabilidade da Companhia dos Tabacos pelo juro e amortização das obrigações de 1891, é porque a renda garantida não foi paga por não ter a companhia com quê. N'esse caso não ha dividendos a encontrar.

De que resulta esta situação? De ter sido dispensado o Codigo Commercial, no artigo 2.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891.

Se assim não fôra, ou todo o capital de 9:000 contos de réis estava realizado, ou não havia acções ao portador, como se vê dos §§ 1.° e 2.° do artigo 166.° do mesmo codigo, que diz o seguinte:

§ 1.° As acções são sempre nominativas, emquanto o seu valor nominal não estiver integralmente pago.

§ 2.° Depois do integral pagamento das acções, os interessados podem exigir que lhes passem titulos ao portador quando nos estatutos não houver estipulação em contrario.

Fica bem esclarecido que o capital de 9:000 contos de réis, a garantir o serviço das obrigações de 1891, não passava de um acto de habilidade da companhia, mas sem possivel realização.

As obrigações de 1891 teem, pois, a garantia das receitas dos tabacos e a do capital de 4$500 contos de réis, apenas.

Esta conclusão, Sr. Presidente, tem uma real importancia, como a Camara vae ver.

Foi organizado o programma do concurso que acompanhou a portaria de 6 de abril ultimo, por forma a attingir quatro fins:

1.° Obter o maior numero possivel de vantagens para o Estado, no que diz respeito á renda e á partilha de lucros, e ainda para o pessoal operario e não operario;

2.° Fazer comprehender no programma do concurso duas companhias já constituidas, a Companhia dos Tabacos e a Companhia dos Phosphoros, tendo já a primeira contratado em 4 de abril de 1905 o exclusivo por 6:000 contos de réis, e offerecendo a segunda esta renda com outras vantagens;

3.° Tendo a Companhia dos Tabacos direito de opção, pedir a constituição de uma companhia que tivesse a organização da dos tabacos, visto que, no uso do seu direito de opção, não podia ser obrigada a alterações;

4.° Organizar o concurso por maneira que, se a Companhia dos Tabacos optasse, não houvesse necessidade de alterar a situação das obrigações de 4 1/2 por cento, de 1891 e de 1896.

Tal foi a preoccupação com que foram redigidos os artigos 3.° e 4.° do programma do concurso.

Assim o § 1.°, artigo 3.° do programma diz:

"O concessionario obriga-se a mostrar, no prazo de tres meses a seguir á assignatura do contrato definitivo, que está legalmente constituida, para os effeitos da concessão, sociedade anonyma de responsabilidade limitada, portugueza e com a sua sede em Portugal, com um capital realizado não inferior a 4:5OO contos de réis".

A expressão - mostrar que está constituida sociedade anonyma - é bem differente da constante do § 1.°, artigo 2.°, das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, onde se estipulou:

"Os concessionarios obrigam-se a constituir, para a exploração do exclusivo, nos tres meses a seguir á promulgação da lei que sanccionar estas bases, uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada, com o capital de 9:000 contos dê réis, etc.".

De que proveio esta differença de redacção?

Da conveniencia em não obrigar, pelas clausulas do concurso, as Companhias dos Tabacos e dos Phosphoros a constituirem nova empresa, o que aconteceria se o concessionario ficasse obrigado a constituir nova sociedade.

O capital de 4:500 contos foi adoptado porque, sendo o capital realizado de 4:500 contos, quer pela Companhia dos Phosphoros, quer pela Companhia dos Tabacos, contratando com qualquer d'ellas não havia necessidade de modificar o capital.

E foi por isso que se falou de capital realizado e nem sequer uma palavra se escreveu sobre capital nominal.

Se a Companhia dos Tabacos fosse ao concurso não tinha necessidade de alterar a sua constituição, por estar constituida com um capital realizado de 4:500 contos; se usasse do seu direito de opção, o que obstava a que pudesse mudar a sua constituição, essa cabia bem dentro do programma do concurso, porque marcando o capital realizado em 4:500 contos, nem uma palavra se escreveu sobre capital nominal.

Foi ainda a preoccupação com que foi redigido o artigo 4.° do programma do concurso, que diz:

"A Companhia, organizada nos termos do § 1.° do artigo 3.°, dará, durante o prazo da concessão, a sua garantia propria e absoluta, sem reserva alguma, e conjuntamente com a garantia do Estado, para o pagamento dos juros e amortização das obrigações de 4 1/2 por cento dos emprestimos de 1891 e 1896, ou das que se emittirem para as substituir".

Fazia-se no concurso, pois, a hypothese de se manterem as obrigações de 1891 e 1896, o que somente podia ter logar, ou por accordo com os portadores ou pela manutenção do statu que em relação á entidade que as emittiu e ás garantias que teem.

E como nas garantias figura a responsabilidade da Companhia dos Tabacos esse capital se mantinha.

Portanto os artigos 3.° e 4.° do concurso estavam redigidos por forma a optando a Companhia dos Tabacos, não poder modificar o seu capital, nem ter necessidade de o fazer.

E esta ainda a opinião auctorizada do Sr. Presidente do Conselho, como opportunamente a Camara verá no seguimento da minha exposição.

Chegamos agora ao ponto que mostra o que venho dizendo. Tendo a Companhia dos Tabacos-declarado ao Governo que usava do seu direito de opção, foi feito o contrato provisorio de 2 de junho ultimo em que principalmente se nota o seguinte:

No preambulo do contrato diz-se que

"Tendo a Companhia dos Tabacos de Portugal declarado, devidamente autorizada pela sua assembleia geral de 31 de maio findo, como prova pela acta junta por copia, que usa do direito de opção conferido no artigo 6.°, das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891...";

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no artigo 3.° do contrato de 2 de junho diz se:

"O concessionario obriga-se a mostrar, no prazo de tres mezes que se seguirem á assignatura do contrato definitivo, que está legalmente constituida, para os effeitos da emissão, sociedade anonyma de responsabilidade limitada, portugueza e com a sua sede em Portugal, com um capital realizado não inferior a 4:500 contos de réis".

Deu logar esta redacção a que o Sr. Antonio Centeno, na Camara dos Senhores Deputados, lhe fizesse reparos, nos termos seguintes:

"Mas se o programma do concurso teve a sua approvação, não podem dar o seu voto ao contrato que se discute, sem declarações.

A meu ver, uma errada redacção, porventura um pouco precipitada e exagerada, da copia do programma do concurso deu origem a que nelle fossem introduzidos artigos que, interpretações capciosas e de má fé, podem fazer com que destruam o principio salutar da separação das operações. Se não fosse isto nada diria, porque entendo ser dever de todos não impedir de se levar a bom termo esta questão dos tabacos, cuja solução tão importante é para as finanças e para a politica do paiz.

As suas duvidas e os seus receios encontram-se no § 1.° do artigo 3.°, e no artigo 4.°".

Quer dizer o Sr. Centeno que tendo os obrigações de 1991, alem da garantia da receita dos tabacos, a da Companhia dos Tabacos, com um capital de 9:000 contos; parecendo-lhe que pelo artigo 3.°, § 1.°, a Companhia quereria reduzir o seu capital a 4:500 contos, isso levaria os portadores a pedir o reembolso das obrigações, havendo, por isso, uma operação financeira forçada e não facultativa, conforme o Sr. Presidente do Conselho affirmara nesta Camara em resposta a uma pergunta do Digno Par Sr. Arrojo.

As observações do Sr. Centeno respondeu o Sr. Presidente do Conselho, e essa resposta consta de tres partes: l.ª, que encontrou já a formula da resposta da Companhia; 2.ª, que o contrato não pode deixar de ser copia do programma do concurso, visto ter sido dada á Companhia a formula da opção; 3.ª0, que todas as hypotheses estavam devidamente prevenidas e acauteladas no programma do concurso, e portanto no contrato.

Vejamos a primeira resposta:

"Chegado ao poder, encontrou feito o concurso para adjudicação dos tabacos, uma proposta acceita e uma notificação á Companhia dos Tabacos para ella declarar se usava ou não do direito de opção. Mais ainda: encontrou feita a formula com que a companhia devia responder. Essa formula era a seguinte - "Faço minha a proposta". - A companhia ainda não tinha respondido".

É exacto.

Na notificação que á companhia foi feita, em 8 de maio ultimo, o Governo fez-lhe saber:

"O contrato terá de ser feito nos precisos termos das indicações para a adjudicação do exclusivo do fabrico de tabaco no continente do reino, como constam do Diario do Governo de 7 de abril ultimo, e do qual um exemplar acompanha esta notificação, sendo apenas a renda fixa minima, constante do artigo 5.° das referidas condições, "substituida pela renda fixa de 6:520 contos de réis".

Com isto se conformou inteiramente o actual Governo, não só porque manteve por completo o que encontrou lançado em relação a tabacos, mas ainda porque, podendo modificar, nada modificou.

Perguntando-lhe a companhia, antes de declarar que optava, se mantinha a orientação do seu antecessor, o Governo respondeu affirmaiivamente. É o que consta, não dos documentos publicados, mas da informação dada pelo Sr. Presidente do Conselho ao Sr. Centeno:

"O Governo examinou a questão e quando a companhia lhe perguntou se mantinha a orientação do seu antecessor, respondeu affirmativamente, declarando então a companhia que optava na formula precisa pelo seu antecessor redigida".

Mas quer isso dizer que o contrato devesse ser a copia fiel das condições do concurso?

Certamente, mas em relação ás obrigações que a companhia contrahia para com o Estado. A manutenção do artigo 3.° das condições do concurso era, pelo menos, uma inutilidade que se prestaria á chicana.

Vejamos:

Ao concurso podia ir qualquer individuo ou sociedade, desde que fizesse o deposito preciso de 300 contos de réis. Podia ir, pois, a Companhia dos Tabacos, como qualquer outro concorrente, e nesse caso poderia manter a sua constituição, pois tem 4:500 contos de réis de capital realizado, ou constituir-se de novo com esse capital, sem capital nominal a mais. E isto evidente, sem que possa soffrer contestação. Mas, desde que se faz o contrato pelo motivo de a Companhia dos Tabacos ter usado do direito de opção, que lhe vinha do contrato de 1891, ella tem de manter, sem a menor alteração, a constituição que tinha no momento da opção.

Desde que alterasse, essa constituição deixava de ser a Companhia dos Tabacos de Portugal, como ella é, para ter o direito de opção.

Porquê?

Como já disse, no contrato de 1891 ficou estipulado que os concessionarios ou os seus representantes, no caso de o exclusivo continuar, passado o primeiro periodo de dezaseis annos, teriam o direito de opção, em igualdade de circumstancias.

Quem são os representantes dos concessionarios de 1891? A Companhia dos Tabacos de Portugal, com o seu capital nominal de 9:000 contos de réis, com o seu capital realizado de 4:500 contos de réis, e com os seus estatutos de 13 de abril de 1891, que fazem parte integrante das bases de 1891.

É esta entidade que tem o direito de opção, não por se designar Companhia dos Tabacos de Portugal, não por ser uma entidade abstracta, mas sim uma entidade commercial concreta e definida em tudo quanto diz respeito á sua constituição. Optando, nem pode modificar a sua constituição nem constituir-se, porque, exactamente por estar constituida e em determinadas circumstancias, é que ella optou e contratou.

Isto é obvio. Não pode haver duas opiniões. E para que assim acontecesse é que no artigo 3.° das condições do concurso se fixou o capital realizado de 4:500 contos de réis e nada se disse em relação ao capital nominal.

Por ter a Companhia dos Tabacos, que, entre outros requisitos tinha o de 9:000 contos de réis de capital nominal e 4:500 contos de réis de capital realizado, é que ella optou e contratou. Não pode, por isso, reduzir o seu capital, não pode alterar a sua constituição nem constituir companhia.

Ella tem de manter se com o seu capital actual e com a sua instituição.

Formulemos a hypothese de que nas condições do concurso se exigia um capitai de 45:000 contos de réis em logar do capital de 4:500 contos de réis.

Reputava-se o direito de opção que lhe foi attribuido no contrato de 1891?

Não. Deixava de ser assim a Companhia dos Tabacos optante. Era uma grosseira sophismação para preterir um direito. Era como se o direito de opção tivesse sido attribuido a um individuo de vinte e cinco annos e no contrato, para elle preferir, se exigisse que tivesse sessenta; era como se o

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direito de opção fosse attribuido a um determinado individuo da raça branca e no contrato se estabelecesse para um negro.

Não ; não pode modificar o seu capital nem a sua constituição. D'ahi a nenhuma conveniencia em incluir no contrato o artigo 3.° das condições do concurso.

Era preferivel que não fosse incluido no contrato provisorio. Ou é uma inutilidade visto a companhia estar cons-tituida e não poder modificar o seu capital, ou poderá dar logar a chicanas impertinentes, mas sempre embaraçosas para o Estado.

Mas, tendo sido incluido o artigo 3.°, o que conviria mais fazer?

Vejamos em primeiro logar a, opinião do Sr. Presidente do Conselho:

"O Sr. Antonio Centeno disse que lhe parecia que havia no contrato disposições que, por serem copia exagerada do programma do concurso, podiam dar logar a duvidas. Não é da mesma opinião. O contrato não podia deixar de ser a copia do programma do concurso, visto que o Sr Ministro da Fazenda da situação transacta, na notificação que fizera á Companhia dos Tabacos, lhe fixara a formula para a opção "Faço minha a proposta apresentada pela Companhia dos Phosphoros". - Esteja porem S. Exa. descansado, que não ha motivos para receios, pois o § 1.° do artigo 3.° e artigo 4.° estão redigidos com toda a clareza.

Lendo se o § 1.° do artigo 3.°, vê-se que, da parte de quem o redigiu, houve o -intuito de o fazer por forma que abrangesse o antigo concessionario ou qualquer outro novo. Basta attender nas palavras - "esteja legalmente constituida"-e-"com capital realizado não inferior a 4.500:000$000 réis".

Isto afigura-se-me, Sr. Presidente, bem claro, e se o não fosse, não o teria eu aceitado, porque tambem entendo que não se devem conjugar as duas operações. Já na Camara dos Pares, em resposta a um Digno Par, tivera occasião de dizer que a conversão é facultativa e essa declaração era baseada exactamente no § 1.° do artigo 3.° e no artigo 4.° do contrato que, a seu ver, são bem claros".

Esta foi a opinião do Sr. Presidente do Conselho na sessão da Camara dos Senhores Deputados de 8 do corrente. Applaudo-a por ser doutrina verdadeira e si.

Mas o Sr. Presidente do Conselho, sem mudar de opinião acêrca do ponto fundamental da questão, mudou de parecer em relação á maneira de afastar sophisticas interpretações do contrato de 2 de junho.

Em resposta ao Sr. Affonso Costa, que não julgava o contrato de 2 de junho inteiramente defendido da chicana embaraçosa, que formulou as mesmas duvidas já na véspera apresentadas pelo Sr. Centeno, o Sr. Presidente do Conselho disse:

"Já hontem apresentou a opinião, com applauso de toda a Camara, de que não podia haver duvidas algumas quanto ao contrato; mas o Sr. Affonso Costa disse hoje que pode ámanhã a interpretação que lhe dava o Governo não ser acceita pela outra parte.

Pois a commissão, em vista das declarações do Governo e dos applausos da Camara, apresentou hoje espontaneamente algumas emendas, que são de molde a não permittirem qualquer prejuizo para o paiz.

O que está descrito na proposta da commissão, para substituir o artigo do projecto, é o seguinte:

"É autorizado o Governo a converter em definitivo o contrato provisorio annexo á presente lei, celebrado em 2 de junho de 1906 com a Companhia dos Tabacos de Portugal, por virtude do uso que fez do seu direito de opção, para a continuação á mesma companhia do exclusivo do fabrico dos tabacos por dezanove annos, a partir de 1 de março de 1907".

Se o contrato provisorio, como dizia o projecto, ficasse já convertido em definitivo, podiam dar-se os inconvenientes que o illustre Deputado apontou. N'esse caso podia, apenas, das declarações d'elle, orador, haver contestações pela outra parte contratante; mas depois da substituição apresentada pela commissão, nada pode haver. Ou a companhia assigna o contrato n'estas condições ou elle não é assignado".

Ouvi o Sr. Presidente do Conselho na Camara dos Senhores Deputados e ouvi a resposta dada por S. Exa. ao Sr. Centeno, quando demonstrou que dentro do artigo 3.° se comprehendia a Companhia dos Tabacos como ella está constituida. Concordei com essa resposta. A companhia assignando o contrato provisorio de 2 de junho e o contrato definitivo, nada tinha a fazer para dar cumprimento ao artigo 3.°, pois está constituida e com o seu capital. Assegurando o contrato definitivo nos precisos termos do contrato provisorio, ficava obrigada a manter-se com a sua constituição.

Concordei intimamente com a resposta dada ao Sr. Centeno mas já o mesmo não acontece com a resposta dada ao Sr. Affonso Costa.

Trata-se de uma emenda mandada para a mesa da Camara dos Senhores Deputados, a respeito da qual o Sr. Presidente do Conselho disse:

"Depois da substituição apresentada pela commissão nada pode haver. Ou a companhia assigna o contrato n'essas condições ou elle não é assignado".

É gravissima esta declaração. Feita ella, a Companhia dos Tabacos assignará o contracto definitivo, não por estar a isso moralmente obrigada, não por ter o deposito de garantia de 600 contos de réis, mas se quizer. A materia da emenda ou substituição é incluida no contrato definitivo ou não é: se o é, é uma alteração ao contrato provisorio, e n'estas circumstancias está desligada do compromisso que tomou e que garantiu com um deposito de 600 contos de réis, e n'esse caso tudo quanto estava feito em materia de tabacos fica inteiramente perdido; se não é incluida no contrato definitivo, equivale a uma duvida levantada sobre a verdadeira interpretação a dar ao contrato de 2 de junho, o que tem inconvenientes.

Não assigna! É simples de dizer, mas isto equivale a fazer tábua rasa no que ha feito em materia de tabacos, para esta questão reapparecer com multiplicada gravidade, acabando de arrastar o que ainda de pé ficou.

Não assigna! É o inconveniente da redacção do artigo 1.° do projecto.

Comprehendia-se isto, quando foi redigido e assignado o contrato de 2 de junho. Se a Companhia se recusasse a assignar o contrato equivalia isso a não querer usar do seu direito de opção. Nestas circumstancias contratava o Governo com a Companhia Portuguesa de Phosphoros. Agora, visto que foi firmado o contrato provisorio, se a companhia se recusar a assignar o contrato definitivo -aproveitando o pretexto de uma divergencia de palavras - não pode contratar com a Companhia dos Phosphoros, visto que a companhia não perdia d'esta maneira o seu direito de opção.

E a alteração no projecto era inteiramente escusada pelas razoes já dadas e ainda porque o capital nominal da Companhia dos Tabacos, para garantia do serviço das obrigações de 1891, é phantasia, visto que não podiam ser os accionistas compellidos a completar as entradas e que espontaneamente não viriam com capitães para effectivar a responsabilidade das obrigações.

O capital da Companhia dos Tabacos é o de 4:500 contos de réis. Não podem ser os accionistas obrigados a fazer entradas de maior capital.

Logo o capital da Companhia dos Tabacos não pode ser modificado.

O que poderia acontecer se porventura a responsabilidade da companhia em relação aos obrigatarios não fosse a do seu capital actual mas o consig-

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nado no artigo 3.°? A reclamação dos obrigacionistas, dizendo se menos garantidos?

Não; o capital realizado pela Companhia dos Tabacos é de 4:500 contos de réis e a differença para 9:000 contos não seria nunca obtida para cobrir responsabilidades do Estado.

Logo a garantia não se modifica.

É, pois, minha opinião que o Sr. Presidente do Conselho deve modificar os compromissos parlamentares que tomou em relação á assignatura do contrato definitivo.

Pelo contrato de 2 de junho acontece:

1.° Que o concessionario é a Companhia dos Tabacos de Portugal, como estava constituida á data da opção;

2.° Que ella pode mostrar que está constituida em sociedade anonyma de responsabilidade limitada, com sede em Portugal, e com um capital realizado de 4:500 contos de réis.

3.° Que tendo a Companhia dos Tabacos contratado o exclusivo não pode passal-o a outra de constituição diversa, porque segundo o artigo 7.° do contrato de 2 de junho não pode fazer o traspasse sem previa auctorização do Governo, que lh'a não dava.

4.° Porque a Companhia não pode modificar a sua constituição sem licença do Governo. Na verdade os estatutos da Companhia fazem parte integrante das bases annexas á lei de 23 de março de 1891.

Art. 56.° "A assembleia geral pode, sob proposta do Conselho de Administração, introduzir nos presentes estatutos os alterações de reconhecida utilidade. Pode designadamente resolver:

- O augmento do capital social;

- A prorogação ou reducção do prazo da sua existencia, a dissolução antecipada da companhia ou a fusão ou a alliança d'ella com outra companhia;

- A transmissão ou venda de parte ou de todos os seus bens, direitos e obrigações da companhia, activos ou passivos, para terceiros a quem conveniente for, seja a dinheiro, seja contra valores;

- As modificações podem mesmo incidir sobre o fim social da Companhia, sem que, comtudo, possam modifical-o completamente ou alteral-o na sua essencia.

Ora o mesmo artigo accrescenta:

"Estas resoluções, para terem validade, deverão em todo o caso ser approvadas pelo Governo".

Como a Camara vê, contratado o exclusivo com a Companhia dos Tabacos em 2 de junho, não pode reduzir o capitai, não pode fazer o traspasse sem auctorização do Governo. Não pode transmittir direitos e obrigações, não pode vender bens seus, não pode reduzir a sua existencia, sem auctorização do Governo.

Feito o contrato de 2 de junho, embora tenha sido incluido o artigo 3.°, a Companhia não pode modificar a sua constituição, o seu capital, e por isso se não modificam as garantias dos obrigacionistas. Se se recusasse a assignar o contrato provisorio perderia 600 contos de réis de deposito e o seu direito de opção; se se recusar a assignar o contrato definitivo, por lhe alterarem o contrato provisorio, não perde o deposito de 600 contos de réis e permanece com o seu direito de opção, e a questão dos tabacos reviverá com toda a sua gravidade.

Somente se comprehenderia o artigo 1.° do projecto e as declarações do Sr. Presidente do Conselho, se S. Exa. tivesse a segurança de que lhe acceitam a modificação - não na essencia, que se mantem a mesma - mas na forma do contrato provisorio.

Taes são as considerações que me merece o projecto e que fiz com a verdade e isenção com que tenho procedido neste assumpto.

Em 8 de abril de 1904 explicava eu os motivos por que tinha abandonado a pasta da Fazenda. Referi então os esforços que fiz para obter a conversão das obrigações dos Tabacos, ficando para o Estado o direito de arrecadar a receita consignada. Era para chegar ao concurso dos tabacos. Calculei por esta occasião um augmento de 1:500 contos, quando até então tinha sido feita uma novação do contrato com um augmento de renda de 670 cantos, mas á custa de novas vantagens feitas á companhia.

Não se obteve um augmento de 1:500 contos, mas um da 2:020 contos.

Oxalá que se não perca.

Oxalá que as intenções do Governo, a que faço inteira justiça, não sejam illudidas por alguma imprudencia.

(O orador foi muito cumprimentado}.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - V. Exa. diz-me até que horas dura a sessão?

O Sr. Presidente: - A sessão dura até as cinco e meia, mas pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão o Digno Par o Sr. Arroyo.

Eu não sei se este Digno Par precisa de muito tempo para usar da palavra.

Desejava que S. Exa. m'o dissesse.

(O Digno Par o Sr. Arroyo achava-se ausente da sala).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: eu não desejo interrromper as minhas considerações em resposta ao Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa, mas espero que o tempo de que disponho me chegará para a minha resposta, tanto mais que o discurso de S. Exa. tem uma longa exposição e narração á qual nada lhe pertence responder, sendo aliás assumpto em que estamos de accordo.

O final do discurso do Digno Par precisa de resposta.

Sr. Presidente: o Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa, na sua oração, viu-se mais a si do que ao paiz. Se fosse o contrario, o Digno Par, no meu entender, não precisava ter feito o discurso que fez.

Mas o Digno Par preoccupou-se com o seguinte facto: é que foi elle que, sendo Ministro da Fazenda, encaminhou a questão para o concurso, do qual resultou a proposta da Companhia dos Phosphoros, em que recaiu a opção da Companhia dos Tabacos, chegando se por fim ao contrato que hoje se discute.

O Digno Par quiz demonstrar á Camara que tinha deixado o caminho explanado para que a questão se considerasse resolvida, mas os seus sucessores é que a estragaram.

Eu não tenho essa preoccupação, esqueço-me de mim, das responsabilidades do Digno Par e dos seus collegas, e tomo para mim inteira e completa a responsabilidade de ultimar o assumpto sem querer para mim as glorias de ter resolvido a questão.

E a razão é simples.

Chegando ao Governo encontrei a questão posta n'estes termos, e nem digo se, sendo minha a iniciativa, a collocaria assim ou não.

Encontrando, repito, a questão posta n'estes termos resolveu o Governo actual proseguir n'ella esperando a declaração da Companhia dos Tabacos que tinha sido intimada a fazel-a e a formula era esta: faço minha a proposta da Companhia dos Phosphoros.

Diz o Digno Par que no contrato não se deviam fazer modificações ao programma do concurso, especialmente nos artigos a que S. Exa. se referiu.

Se eu tivesse dito isso, o Digno Par diria uma grande verdade e era que eu me tinha defendido mais a mim do que ao paiz.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Se eu quisesse pôr essa questão, que era desnecessaria...

O Orador: - Ouça-me o Digno Par. Logo lá iremos.

O Digno Par começou por ler as mi-

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nhas declarações feitas na Camara dos Senhores Deputados dizendo que concordava com ellas.

Muito embora diga que não ha opinião diversa da sua, que essa opinião é a de todos os jurisconsultos e, se assim não fosse, se julgava prohibido de falar n'esta Camara, S. Exa. está a confessar formalmente o contrario, porque todo o seu discurso versou, não sobre a sua opinião ou a minha acêrca da interpretação a dar ao contrato provisorio, mas sobre a possibilidade da Companhia dos Tabacos ter outra opinião e não acceitar o contrato nos precisos termos em que o Governo é autorizado a fazel-o. N'este caso, diz o Digno Par que a questão não está terminada e ha de levantar ainda grandes embaraços e perturbações.

Se a duvida não existiu nunca no espirito de S. Exa. e no espirito da maioria dos jurisconsultos, pode existir no espirito da companhia, como existiu no espirito do jurisconsulto Sr. Affonso Costa.

Diz o Digno Par que, se isso succedesse em junho, nenhum mal havia porque, recusando-se a Companhia dos Tabacos a assignar o contrato, voltava mo-nos para a Companhia dos Phosphoros.

É certo; mas a Companhia dos Tabacos levantava-se legitimamente contra isso, porque dizia ter optado nos termos em que lhe fora dado fazel-o e affirmava que o seu direito de opção não podia deixar de ser reconhecido pelo Governo. Aqui está o que eu ganhava fazendo1 em junho o que agora vou fazer.

Agora a questão é completamente diversa e muito simples. De duas, uma: ou a Companhia dos Tabacos tem, a respeito do contrato e suas disposições, a mesma opinião que nós temos - eu tambem não tenho duvida em dizer que é aquella que deve ter se - ou não tem.

Se tem, não ha duvida alguma de que o contrato se assigna nos termos da autorização dada ao Governo.

Se a tem diversa ou opposta, a questão dos tabacos poderá achar-se renovada é certo, mas não aberta (Apoiados), e no Governo fica a mais absoluta liberdade de proceder como julgar mais conveniente ás circumstancias do Thesouro, ás finanças do Estado.

V. Exa. comprehende perfeitamente que não foi o Governo quem levantou duvidas acêrca da interpretação das clausulas do contrato, foi um Deputado da opposição. Sobre ellas o Governo apresentou o seu pensamento, a sua interpretação. Se algumas duvidas tivesse tido acêrca d'essa interpretação, não tinha feito sua a solução do assumpto, como tinha sido deixada pelo Governo anterior, e de forma alguma tinha tomado sobre si a responsabilidade de dar á Companhia dos Tabacos o direito de opção, o direito de se poder constituir numa nova companhia, se esse direito d'ahi resultasse.

Sr. Presidente: se o contrato fosse approvado nos precisos termos em que tinha sido apresentado á Camara pelo Governo, vinha depois á approvação d'esta Camara e subia á sancção real, tornando-se, depois de publicado, lei do Estado.

O que d'aqui resultava era a possibilidade de duvidas, ou as suas contingencias em relação á forma de executar o contrato, e a Companhia querendo depois levantar qualquer difficuldade podia trazer, como argumento, que essas mesmas duvidas tinham sido apresentadas ao Parlamento.

A commissão de fazenda, muito leal e muito assisadamente, tratou logo de traduzir e de modificar o artigo 1.°, em harmonia com as declarações do Governo, e que constituiam a unica interpretação que se podia dar ao contrato.

Assim, o Governo encontra-se n'uma situação livre e desaffrontada. O Governo, ámanhã, perante a Companhia dos Tabacos, é um simples mandatario do poder legislativo; foi este quem resolveu acceitar as disposições como estão indicadas no artigo 1.° do projecto.

O Governo não tem de se afastar uma linha, e a Companhia não tem que discutir com o Governo; ou acceita o contrato n'estes termos, e a questão está resolvida, e por forma conveniente, ou pelo contrario se isso não succede, não se faz o contrato e o Governo procura uma outra solução para a questão dos tabacos, e o que fica evitado é a contingencia de litigios e de duvidas, quanto a mim muito inconvenientes.

Foi esta a opinião do Governo, e estou convencido que outra cousa mais não é do que a interpretação dos sentimentos parlamentares e defesa dos interesses do Thesouro.

Nós sabemos o que são questões entre o Estado e as companhias, sobretudo quando por um lado os capitães d'estas teem collocação em mercados estrangeiros, e sabemos bem o que são estes litigios levados aos tribunaes arbitraes, o tempo que demoram, e como muitas vezes as soluções levam ao imprevisto.

Nós estamos n'um momento que as questões como esta não são só tratadas sob o aspecto material, mas revestem um aspecto moral para o país e para as instituições.

Sobretudo o que é indispensavel é que se proceda por forma e maneira que ámanhã não appareçam embaraços e difficuldades.

Eu tomo a responsabilidade integra acêrca da resolução d'esta questão nos termos em que ella caminha se chegarmos a um bom resultado, como espero.

As glorias serão n'esse caso para o Ministerio anterior, e para nós a satisfação de termos seguido o caminho encetado.

Se pelo contrario não chegarmos a esse resultado, não precisa o Digno Par de empregar todos os seus esforços para afastar de si a responsabilidade, porque o Governo não receia assumir a que lhe pertencer.

Sr. Presidente: poucas palavras mais direi, sobre a questão dos tabacos, a respeito da interpretação do contrato provisorio e das disposições do programma em que esse contrato se baseou.

Nenhum perigo, nenhum inconveniente desde que se resolva pela forma que o Parlamento determinar.

Ou a companhia assigna o contrato definitivo nos termos do contrato provisorio, ou nos termos em que for redigido o projecto de lei, ou não.

Se não assigna, a questão fica pendente; mas evitam se quaesquer questões que se possam levantar, e em todo o caso o Governo fica com a sua acção livre para recorrer á régie, á liberdade, ao monopolio, ao q"e julgar mais em harmonia com os interesses do paiz.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - Tem o palavra o Digno Par o Sr. Sebastião Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: como falta pouco tempo para o termo dos nossos trabalhos, acho melhor que V. Exa. dê agora a palavra aos oradores que estão inscriptos para antes de se encerrar a sessão, e me reserve a inscripção, na altura em que pedi a palavra, para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - Como V. Exa. queira, e n'esse caso tem a palavra o Digno Par o Sr. João Arrojo.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente : não me tendo cabido a palavra antes da ordem do dia, por ser todo esse tempo occupado por outros oradores, pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão para me referir aos acontecimentos que preencheram a primeira parte da sessão de hoje.

Refiro-me á resposta que o Sr. Presidente do Conselho trouxe a esta casa relativamente ao pedido que eu lhe havia feito na ultima sessão e á resolução que tomou hoje o nobre chefe do partido regenerador.

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118 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. Presidente: o que agora vou dizer á Camara resume se em duas affirmações.

Em primeiro logar torna-se necessario definir os termos claros? e precisos do pedido, tal qual eu o fiz na ultima sessão, e em segundo logar torna-se indispensavel definir a minha attitude parlamentar hoje perante a resolução tomada pelo Sr. Hintze Ribeiro.

V. Exa. sabe que na ultima sessão, depois de ter sido lida a carta que El-Rei dirigiu ao Sr. Presidente do Ministerio demissionario, eu tomei a palavra desde logo para demonstrar que n'essa carta se tinha a prova das affirmações que eu havia feito no discurso por mim proferido, e como o nobre chefe do partido regenerador havia perguntado ao Sr. Presidente do Conselho qual era a carta que Sua Majestade destinava á publicidade, eu conclui logo que havia mais de uma carta, isto é, conclui que acêrca da crise politica se tinham trocado, não uma carta, mas diversas, e mostrei a conveniencia de que toda essa correspondencia, visto que tinha indubitavelmente caracter politico, fosse publicada.

O nobre chefe do partido regenerador mostrou hoje uma certa hesitação sobre o facto de precisar onde a crise politica tinha começado.

O que todos sabemos é onde ella acabou.

Pergunta: existia já essa crise quando se deram os acontecimentos de 4 de maio?

Existia já quando se preparou o desdobramento eleitoral que tinha por fim evitar a entrada dos Deputados republicanos na Camara?

Eu, Sr. Presidente, nada mais peço do que a correspondencia referente á crise politica, mas peço-a por completo e inteira.

Agora, em simples palavras, a affirmação da minha attitude em virtude da resolução tomada pelo chefe do partido regenerador. Desde que o Sr. Hintze Ribeiro põe nas mãos do Chefe do Estado as cartas, eu limito-me a aguardar a resolução de Sua Majestade; tranquillo e certo estou que El-Rei guiará o seu procedimento pelas razões supremas de se fazer inteira, verdadeira e completa luz sobre este assumpto, de forma a sobrenadarem, acima de quaesquer outros interesses, os interesses nacionaes, seja qual for o sacrificio pessoal que tal assentimento possa representar para Sua Majestade.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: - Sr. Presidente: na ultima sessão interrompi um discurso do. Sr. Presidente do Conselho e perguntei-lhe se S. Exa. tinha aconselhado El-Rei á publicação da carta que fora lida.

O Sr. Presidente do Conselho respondeu-me que tomava d'esse facto inteira e completa responsabilidade.

Não era essa a resposta á pergunta que eu formulei.

Sei perfeitamente que o Sr. Presidente do Conselho e o Governo teem obrigação de assumir a responsabilidade de qualquer acto do poder moderador.

O que eu perguntava era se a publicação da carta era acto do poder executivo ou do poder moderador.

Sendo a Camara dos Pares um dos ramos do poder legislativo, tem relações com os outros poderes constituituidos, mas não as tem com a pessoa do Rei. O Rei dirige-se á Camara como chefe do poder executivo e como depositario do poder moderador.

O que eu desejo saber, sobre este facto politico extraordinario da publicação de cartas, que marca uma epoca no nosso regimen constitucional, é se esta publicação é um acto do poder moderador ou um acto do poder executivo. Não entro na discussão do assumpto. Limito-me somente a exigir este esclarecimento.

Sr. Presidente: quando hoje entrei n'esta Camara e ouvi o que o Sr. Presidente do Conselho estava dizendo, conclui das palavras de S. Exa. que se tratava de um acto exclusivamente do poder moderador e afigurou-se me que El-Rei communicava com esta Camara por meio de um phonographo, que era o Sr. Presidente do Conselho. Sou velho parlamentar, tenho mais de 30 annos de vida politica, mas fiquei sem saber o que tinha deante de mim. Não sabia o que estava na minha frente, se o poder executivo, se o poder moderador.

Julgo, pois, indispensavel uma resposta á minha pergunta, e considera-ia-hei como instrumento indispensavel da questão que está pendente.

Formulo novamente a minha pergunta: a publicação das cartas é um acto do poder executivo ou do poder moderador?

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente de Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Vou responder muito nitida, muito precisa e muito completamente á pergunta do Digno Par. O poder moderador e o chefe do poder executivo são a mesma pessoa, sendo a publicação das cartas um acto da responsabilidade do Governo, porque a responsabilidade dos actos do poder moderador pertence ao poder executivo.

Com relação á forma empregada, talvez eu fosse um phonographo das palavras do Sr. Hintze Ribeiro, quando as transmitti a El-Rei.

Fui.

O Sr. Hintze Ribeiro disse qual era a sua opinião acêrca da publicação das cartas e ao mesmo tempo acrescentou que só as publicaria se Sua Majestade El-Rei manifestasse esse desejo.

O Sr. Arroyo manifestou desejo de ver todas as cartas referentes á crise. Foi as que pediu e as que Sua Majestade autorizou que se publicassem.

Quanto á resolução do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro nada tenho que oppor.

O Digno Par perguntou se a crise nasceu antes dos acontecimentos de 4 de maio ou antes do desdobramento eleitoral. O Digno Par comprehende que a crise podia ter começado muito antes de se organizar o Ministerio.

O Sr. João Arroyo: - Talvez.

O Orador: - Eu entendo que a crise começou no momento em que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro expoz a El-Rei as razões e os motivos da crise, que o determinaram a pedir o adiamento das Côrtes.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. sabe muito bem, por um acto seu, que a crise começou antes.

O Orador: - Ignoro por completo o que haja a esse respeito.

O Sr. João Arroyo: - A conferencia de 8 de maio.

O Orador: - Veja V. Exa. como as cousas são. Estão aqui na Camara pessoas que podem testemunhar que essa conferencia não teve nenhuma relação com a crise.

Sr. Presidente: disse o Digno Par Sr. Julio de Vilhena que esta publicação de cartas marca um facto extraordinario na nossa historia constitucional. Os homens sempre se pareceram uns com os outros, e em todos os tempos e em todas as circumstancias se deram taes factos que parecem extraordinarios e que afinal são a reproducção de tantos outros. Mas ha uma cousa peor. E viver n'uma atmosphera de suspeições, de boatos e de calumnias.

O Sr. João Arroyo: - Peço a palavra.

O Orador: - Esteja o Digno Par certo que não me referia a V. Exa.

O Sr. João Arroyo: - Então desisto da palavra.

O Orador: - Ha mezes que, sem se saber de onde parte, se começaram a propalar uns boatos em que se tem

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procurado envolver o Chefe do Estado em acontecimentos com que evidentemente nada tem. Ha um homem n'esta casa que não consente isso; é o Sr. Hintze Ribeiro.

A conferencia de 8 de maio não foi uma conferencia secreta, foi uma conferencia publica.

Diz o Digno Par que a crise começou então, e eu affirmo a S. Exa. que a convicção com que eu sai, convicção que communiquei a alguem que me está ouvindo, foi a de que estava-mos muito longe de uma crise de qualquer ordem ou natureza.

Cumpre-me sempre dar a razão do meu dito e defender quem tem o direito de ser respeitado por todos nós. (Apoiados).

Não conheço circumstancia alguma em que o Augusto Chefe do Estado portuguez seja capaz de ter os seus interesses pessoaes em contradição com os interesses do paiz. (Apoiados).

O Sr. João Arroyo: - Mas a que proposito vem isso?

O Orador: - Vem a proposito de uma phrase ou referencia aqui pronunciada.

O Sr. João Arroyo: - Peço a palavra.

É preciso accentuar a verdade dos factos.

As minhas palavras foram positivamente as seguintes:

Aguardo a resolução de Sua Majestade, certo e seguro de que El-Rei ha de guiar-se precisamente pelo caminho que tenha por fim estabelecer a verdade, seja qual for o sacrificio pessoal que tenha de fazer.

O Orador: - Era a isso que eu queria referir-me.

Não comprehendo que possa haver conflicto entre uma cousa e outra, antes tenho a certeza absoluta de que o Chefe do Estado portuguez não hesita um só momento em pôr os interesses do paiz acima de quaesquer considerações pessoaes. Digo-o com inteira e profunda convicção, e, se eu, acêrca d'elle, não pensasse assim, não o podia estimar nem o podia servir.

O Sr. João Arroyo: - Vou dar ás minhas palavras toda a tranquillidade que me for possivel.

Não desejo irritar este incidente nem ser desagradavel a ninguem.

As palavras que pronunciei não podem prestar-se a equivoco.

Se o Sr. Presidente do Conselho é respeitador dos augustos principios pelos quaes se dirige a Corôa Portugueza, eu não sou menos e, permitia me S. Exa. que lh'o diga, não posso permittir que, dentro d'esta casa, alguem tenha a ousadia sequer de pensar que pode dar-me lições de respeito pelo Monarcha, quer pessoalmente, quer pelo que respeita á sua alta posição politica.

O Sr. Presidente: - Julgo que em virtude das funcções que desempenho, posso intervir n'este debate, e em consequencia d'isso dizer que o Sr. Presidente do Conselho não teve a menor ideia de affirmar o contrario.

O Orador: - N'estes termos, repito que a phrase que proferi de forma alguma podia traduzir a ideia de uma colligação entre os interesse de El-Rei e os da nação.

Se eu pudesse suppor que o Rei de Portugal era capaz de faltar áquillo que representa os interesses da nação, nem mais um dia era monarchico.

Pedi e peço que se faça luz sobre o assumpto em discussão e que verdade inteira e completa se diga sobre os acontecimentos que deram logar á crise do Ministerio regenerador.

Por agora nada mais digo, a não ser que me reservo para opportunamente, aguardando o procedimento de El-Rei, discutir, dentro da letra do regimento, as cartas de Sua Majestade.

(O Digno Par não reviu nenhum dos seus discursos).

O Sr. Presidente: - A proximo sessão será na segunda-feira e a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 20 de outubro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Ávila e de Bolama, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal, de Soveral; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Sabugosa, de Villar Secco; Visconde de Monte-São, Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Dr. Antonio de Lencastre, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Tavares Proença, Almeida Garrett, Grama Barros, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

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