O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

70 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

algum cuidado para com estes assumptos tão elementares de hygiene, e do necessario ao soldado. E a respeito de melhoria de rancho, vou citar um caso extraordinario.

Quando aqui chegaram as noticias das victorias de Africa, mandaram melhorar o rancho da guarnição de Lisboa!

Isto até custa a acreditar!

Os desgraçados que estavam lá combatendo, comiam, mandioca, e os que estavam em Lisboa, muito socegados, gosando as delicias de um clima salutar, viam o seu rancho muito melhorado.

Francamente, não comprehendo, ou por outra, comprehendo que assim era preciso proceder para captar as benevolencias do exercito.

Sr. presidente, passemos a um outro assumpto, e agora dirijo-me ao nobre ministro da marinha.

Li n'um jornal que, por causa de um rompimento de relações com o governador da india, o sr. arcebispo de Goa se retirou de Salsete e que se recusara a receber os seus vencimentos segundo uma tabella muito correcta e augmentada.

Não reproduzirei tudo o que dizem do sr. Raphael de Andrade, porque não trato de personalidades, mas insinuam que s. exa. applicou essa tabella em seu beneficio pessoal.

O juiz de Gôa, querendo conservar-se alheio a certas divergencias, mas não logrando o seu intento, entregou a vara ao seu substituto.

Leio o que se diz.

(Leu.)

Eu peço ao nobre ministro da marinha que, sem rodeios, porque nós não devemos estar aqui a enganar-nos mutuamente, peço ao sr. ministro, que é um homem intelligente e um elevado caracter, que nos diga claramente o que ha a este respeito.

Não tenho a honra de ter relações politicas com s. exa., mas tenho ouvido dizer que o nobre ministro n'este caso, tem procurado seguir o bom caminho.

Assim o deixassem seguir a sua inspiração, muitas vezes contrariada por certas conveniencias.

Que tabeliã, é esta que o novo governador estabeleceu para os vencimentos dos funccionarios publicos? Essa tabella foi auctorisada pelo governo, ou é de iniciativa do governador?

Se é auctorisada pelo governo, parece-me que elle devia dar ás côrtes conhecimento d'esse facto. Se, porém, é da iniciativa de governador, quaes são as providencias que o governo tomou com relação a esse assumpto.

Que motivou o juiz de Salsete a abandonar a sua comarca e a passar a vara, em consequencia de factos graves?

O sr. ministro da marinha de certo tem conhecimento d'isto.

O sr. arcebispo de Goa forçosamente havia de ter communicado para o ministerio da marinha o que se passou entre elle e o governador.

Que perseguições são estas de que fallam os jornaes?

Custa-me dizel-o, mas é preciso que se saiba, para honra do paiz, e para que não estejamos sendo achincalhados nos jornaes inglezes, e de que maneira! Escrevem elles atrocidades contra as nossas auctoridades, attribuindo-lhes factos em que nem por um momento posso acreditar; mas constantemente esses jornaes tratam do assumpto, e pintam com as mais negras côres os factos de perseguições que se estão passando na india, e ainda hontem ouvi dizer e pasmei, que ha cartas da India, nas quaes officiaes confirmam essas noticias.

Por exemplo, é exacto que a tropa mandada á India tem servido especialmente para incendiar aldeias, com petroleo? Que povoações, abandonadas pelos seus habitantes, são incendiadas pelas forças do governo?

Certamente que isto não póde ser exacto. É uma calumnia, porque o soldado portuguez não é um petroleiro.

É inteiramente impossivel que alguem tivesse empregado um soldado n'esse mister.

Que o soldado portuguez affrontasse as balas, isso acredito eu, mas que o encarregassem de ir deitar fogo a povoações abandonadas pelos pequenos lavradores, agricultores e industriaes, é inacreditavel.

Sr. presidente, provocando estas explicações por parte do governo, creio que lhe faço um bom serviço, porque é necessario restabelecer a veracidade dos factos.

Certamente que o sr. ministro da marinha não virá dizer-me que não tem conhecimento dos factos, ou que não recebeu o relatorio, porque estes factos passaram-se ha mez e meio, e já depois disso o governo tem recebido differentes malas. Creio mesmo que já tem vindo alguns agentes officiaes, com os quaes o governo de certo conferenciou e se informou sobre tudo quanto ali se tem passado.

Não tinha tenção de referir-me ao celebre telegramma, mas desde que elle já aqui foi citado por um digno par, não tenho escrupulos em referir-me agora ao celebre telegramma de 24 de dezembro, sobre a celebre victoria.

O sr. governador geral da India manda um telegramma, o qual o sr. ministro da guerra se apressa a mandar para Mafra ao director da escola pratica, este manda um velocipedista leval-o a El-Rei, estivesse onde estivesse. El-Rei, segundo dizem os jornaes diz ao sargento que lhe. entregou esse telegramma: "Mal sabes a boa noticia que me trouxeste".

E depois apparece novo telegramma explicativo dizendo: "O que o primeiro telegramma narrava, não era assim; foi transtorno do telegrapho, não se fallava em batalha, fallava-se em campanha, os mortos foram victimados por doenças, febres, etc.; não houve batalha nem cousa alguma".

Oh! sr. presidente! Como se deu isto tudo, como se passaram estes factos, que batalhas foram estas?!

E faço isto, não por espirito de opposição ao governo; faço-o por decoro da corôa, porque em Goa está á frente da expedição um Principe da casa de Bragança, um irmão do Rei, a quem o governo confiou o cominando da expedição, e não se póde desprestigiai até este ponto um membro da Familia Real.

O digno par o sr. Thomás Ribeiro, que se acha presente, e já esteve na india, sabe bem o prestigio de que ali gosam os membros da Familia Real.

Logo um Te Deum e outras manifestações de regosijo; expediram-se felicitações pelo telegrapho, mas, passados dias, vem o governador e diz:

"O telegrapho alterou o sentido do meu telegramma."

Não sei como o telegramma foi expedido, mas é de crer que viesse em cifra. Se assim foi, não comprehendo como podesse dar-se tal engano!

Mas ainda ha mais.

O governador diz: "No combate de Satary o senhor Infante foi especialmente alvejado pelos revoltosos".

Pois o telegrapho alterou tudo isto?!

Isto, realmente, não é serio, e é exactamente por que eu vejo á frente d'aquella expedição um Principe, que desejo que este estado de cousas não continue, que eu desejo saber o que o governo tem feito ácerca do assumpto.

Até hoje ainda se não deram explicações sobre caso tão grave, nem mesmo uma noticia por parte da imprensa officiosa.

A questão, porém, é simples. Ou é verdade o que o governador disse, ou não é.

Se não é verdade, esse governador não póde continuar á frente da administração d'aquelle estado.

Mas o que tem feito o governo?

Declarou a um digno par que o governador não pedira a demissão.

E o governo o que fez?