O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 41

SESSÃO DE 21 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do exmo. sr. Conde de Castro, vice-presidente

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos srs. deputados, remettendo a proposição sobre ser confirmada a concessão do edificio e suas pertenças, do extincto convento dos franciscanos da VILLA das VÉlas, á santa casa da misericordia da mesma villa, para servir de hospital; isto em troca do predio que a mesma santa casa cede para outros estabelecimentos de utilidade publica.

Ás commissôes de fazenda e de administração.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, e tem a palavra o digno par, o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu tinha pedido, a palavra, mas não tenho a quem a dirigir. Todas as orações tem nominativo, verbo e caso, aqui falta o caso que é o ministerio.

Não me admira que isto aconteça agora, porque em outra occasião, na qual eu estava fallando, saiu da sala o sr. marquez d'Avila, e se agora não fez o mesmo, é porque não entrou e por isso não pôde sair.

Sr. presidente, tenho muita necessidade de fallar, mas se os srs. ministros não comparecem, podem estar certos que eu não hei de deixar de dizer o que tenciono dizer á camara. É um erro querer fugir á questão d'este modo, porque eu abro outro caminho, e trato a questão que que na tratar, addicionando-lhe, visto que estamos em epocha de addicionaes, novos argumentos para corroborar os que poderia apresentar hoje.

A camara vê a difficuldade em que me encontro; a não ser o sr. bispo de Vizeu, não se acha presente nem o governo nem os srs. Corvo e Fontes, que tomaram uma parte tão importante n'esta discussão. Apenas surge na sua cadeira cural o illustre prelado de Vizeu, e sobre o que s. exa. disse tenho muito pouco a reflectir.

Não é por culpa minha, nem talvez mesmo por culpa de s. exas. que os srs. ministros não comparecem; entretanto a camara comprehende que eu não posso fallar na ausencia de s. exas., porque tenho de tratar da questão politica que está affecta á discussão d'esta camara. Hei de fazer tambem uma rapida regista do que se tem passado durante ella, e sobre os argumentos que se adduziram, sobre pontos historicos que se tocaram, e sobre as conclusões que se pretenderam tirar de todo esse aggregado de factos e de doutrinas.

Já se vê, pois, que eu não posso continuar; e comquanto esteja certo que deve haver uma rasão poderosa para que os srs. ministros não compareçam, porque, se não a houvesse, s. exas. mereceriam asperrima censura, por não terem comparecido onde os chama o seu dever; entretanto declaro solemnemente que não abandonarei o terreno, que presistirei n'elle, que aguardarei a occasião em que a questão politica, economica e financeira seja tratada n'esta camara; mas isto ha de ser brevemente, porque eu hei de vir aqui todos os dias á camara, se Deus me der saude, e o negocio não ha de fica? sepultado no silencio.

V. exa., sr. presidente, com a sabedoria com que dirige os trabalhos, e com a illustração que lhe é propria, e que eu sempre lhe tenho reconhecido, decidirá como lhe cumpre o que julgar mais conveniente.

Peço portanto a v. exa. que se digne mandar avisar os srs. ministros, que se achara na outra casa do parlamento, de que se vae encetar a discussão n'esta camara, a fim de que s. exas. possam aqui vir, pelo menos o sr. presidente do conselho, a quem, por assim dizer, me desejo dirigir, por isso que é elle quem representa a politica do governo. Tenho pois todo o empenho em que s. exa. aqui venha, e por isso peço, rogo, insto e supplico a v. exa. que de as suas ordens, a fim de que se faça a respectiva communicação para a outra camara. Peço tambem a v. exa. que me mantenha a palavra, logo que se apresente algum dos membros do governo.

O sr. Presidente: - Eu já mandei expedir o competente aviso aos srs. ministros.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu agradeço a v. exa.

(Pausa.)

(Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, rasão bastante tinha eu para dizer, quando ha pouco fallei, que o governo não deixava de comparecer n'esta camara, apesar, talvez, de negocios mais ou menos importantes prenderem a sua attenção na outra casa do parlamento. Effectivamente o nobre presidente do conselho, assim que pelo aviso de v. exa. soube que esta camara se achava reunida, apressou-se em vir aqui, a fim de, como lhe cumpria, responder ás observações que porventura fossem feitas sobre o assumpto de que nos occupâmos.

Sr. presidente, lamento, mas não estranho, que se não achem nas suas cadeiras dois dignos membros d'esta camara, que hontem tomaram parte na discussão que se tem aqui ventilado: refiro-me aos dignos pares os srs. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello e João de Andrade Corvo; e lamento, não porque eu tenha o direito de os citar e emprazar para que me respondam ás objecções que pretendo fazer, mas porque desejava muito apreciar algumas proposições que s. exas. aqui apresentaram e sustentaram, e principos que defenderam. Apenas vejo no seu logar o nobre prelado o sr. bispo de Vizeu. No entanto como se acha no banco dos srs. ministros o sr. presidente do conselho, não posso deixar de entrar desde já na materia de que nos temos occupado.

Sr. presidente, esta questão tem sido aqui tratada em tres campos diversos: no campo da philosophia, no campo da historia e no campo da grammatica. Abriu-se n'esta casa do parlamento um curso completo de direito publico constitucional. Foi o digno par o sr. Andrade Corvo quem preleccionou na cadeira de philosophia, regeram a cadeira de historia os dignos pares o sr. Fontes Pereira de Mello e o sr. bispo de Vizeu, leccionando todos na aula de grammatica. O publico applaudiu de certo o ensejo que teve para receber tão boa lição; porque effectivamente elle aprendeu o modo por que se tratam os negocios publicos em o nosso paiz: aprendeu a conhecer a physiologia dos partidos, passando do gabinete anatomico para a sala da physiologia politica. Tambem eu folguei e folguei muito com algumas das considerações que foram aqui feitas pelos homens que vulgarmente se chamam chefes de partido, e por isso desejava ver presente o digno par o sr. Fontes Pereira de Mello para perguntar a s. exa. quaes eram as balisas do partido a que

Página 42

42 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pertence, e que o dividem do partido historico? Teria igualmente grande prazer se visse n'esta casa o nobre duque de Loulé, para do mesmo modo lhe perguntar onde se acham as balisas que separam o partido historico do partido regenerador?

Mas, sr. presidente, trata-se agora do partido reformista, isto é, o governo pertence agora a todos os partidos, e o sr. bispo de Vizeu chrismou este grupo com o nome de reformista; mas desde o momento em que s. exa. lhe conferiu este sacramento da confrmação, levantou-se o digno par o sr. Fontes Pereira de Mello e protestou contra elle e contra a jurisdicção de quem o conferia.

O sr. Fontes disse que a apiava o governo e apoiava-o por estar persuadido que elle não é reformista, e por outro lado o sr. bispo de Vizeu diz que lhe dá o seu apoio franco e leal, porque o sr. marques d'Avila declarou que seguia o mesmo programma do gabinete precedente a que pertenceu o illustre prelado, e por isso S. exa. o considera reformista. Isto faz-me lembrar aquella celebre questão de Port-Royal era que havia a questão do direito e do facto, quando Roma fulminou com uma bulla os questionadores; pois encontro certas afinidades entre açuella questão e a do actual gabinete.

O sr. marquez d'Avila vê-se hoje rodeado de promessas, que mais tarde conhecerá se são verdadeiras, e cercado de amigos dedicados que todos o querem agora, mas que tambem brevemente verá que o hão de abandonar.

O sr. Fontes disse que o sr. marquez d'Avila era de todos os homens publicos d'esta terra o unico que nas actuaes circumstancias podia formar o gabinete, porque estando fóra da luta encarniçada dos partidos, podia melhor entender-se com cada um delles; por consequencia o sr. Fontes julga que o governo representa a politica regeneradora, politica que se dizia do fomento, e que era a unica que tratava dos melhoramentos materiaes do paiz, asseverando-se que já em 1851, quando presidida pelo sr. duque de Saldanha, seguia e ensinava esse caminho. Mas eu vejo que não é só o partido regenerador que deseja os melhoramentos da nação, são todos, bem como desejam igualmente o restabelecimento das finanças, e que até os tribunos, ainda os mais demagogos, mais exagerados, os energumenos e os revolucionarios, todos querem o progresso, entendendo com essa palavra, exprimir que os melhoramentos materiaes devem tomar a direita a todas as questões.

Depois o sr. bispo de Vizeu, que se viu, não direi accusado, mas censurado, por não acompanhar este movimento do progresso, s. exa. en nome dos reformistas, escudado pelo seu partido, disse que desejava os mesmos melhoramentos, e que estava persuadido que ninguem podia acreditar que elle os não quizesse.

Disse depois ainda o illustre prelado, que á maxima - o povo póde e deve pagar mais; antepunha s. exa. - o governo póde e deve gasta menos, porque deve fazer todas as economias que poder. A este pensamento responde-se, que todos têem o programma das economias, e tanto assim que todos as fizeram, apesar de nunca allegarem que as tinham feito. A esta asserção porém, responde o illustre prelado de Vizeu, se as tendes feito, como houve tantos disperdicios? Quem creou o deficit, que está crescendo cada vez mais? Eu não fui.

Querem s. exas. saber o que diz o povo na sua linguagem portugueza, posto que em phrase rude? Que tão bons são uns como outros. E lançando um golpe de vista sobre os nossos sudarios, e, abrindo as paginas do orçamento, pergunta áquelles que têem estado no ministerio ha tantos annos; porque rasão é que têem deixado crescer a divida tão agigantadamente?!...

Alem pois de tudo isio, aproveitámos nós saber uma novidade, e é, que em casa dos chefes dos partidos é que se formam os ministerios, e depois cobre-se essa formação com a capa da prerogativa real, prerogativa que eu respeito e acato, e que não só eu, mas todos respeitamos e acatamos; mas porque a respeitâmos e acatâmos, não deixâmos de distinguir o veto absoluto do suspensivo.

Já hoje descansam sob a campa aquelles que, com Mirabeau, se encontraram excessivamente embaraçados por algumas palavras que proferiram sobre a questão do veto. Os liberaes mais exaltados, e alguns que o eram sinceros, entendiam que o rei não devia ter veto, e que a liberdade se salvava dando o poder omnipotente ás assembléas. Isto era conceder-lhes o despotismo. Mas o povo não conhecia isso, porque lhe diziam que elle havia de ser o rei; e não se lembrava que os especuladores só se queriam servir d'elle, para fazer com que o poder absoluto se transferisse do palacio de Versailles para a assembléa constituinte.

Eu entendo que o governo constitucioaal é o que mais nos convem; mas não como tem sido praticado até agora entre nós, formando-se os ministerios em casa dos chefes dos partidos, porque então não é o rei que os fórma, são elles.

O governo constitucional equilibra os diversos poderes, dando ao rei o que lhe compete, e ao povo o que lhe deve dar, resultando d'ahi a harmonia social e ficando destruida a idéa do despotismo. Mas diz-se: a prerogativa do rei ha de ser illimitada? Sim, mas não se segue por isso que não esteja sujeita a certa ordem de principios. Illimitada absolutamente só é a Omnipotencia de Deus; tudo mais é limitado pela justiça social e pelo conhecimento do estado do paiz. Do uso mau que os monarchas podem fazer da prerogativa, segue-se o despotismo, e do uso indevido que d'ella façam os partidos, segue-se a anarchia, que tambem é uma fórma de despotismo, e peior. Ora, eu não quero nem o despotismo nem de uma assembléi, ou de uma fracção d'ella, nem o dos monarchas, ou o do povo. Para evitar o de qualquer d'elles é que se inventou o systema constitucional, que tem por fim o equilibrio d'essas diversas forças; e se fizeram as leis da mechanica politica, pelas quaes os homens devem conhecer e apreciar a potencia e o valor d'essas forças.

Mas, sr. presidente, se nós respeitâmos a prerogativa real, não devemos querer que a levem ao excesso. O que se diria de um rei que demittisse os seus ministros, sem ter attenção á opinião do paiz? Dir-se-ia que abusava. É necessario que se use, mas que se não abuse, e que todos conheçam o ponto d'onde devem partir, e aquelle aonde devem chegar. Sendo isto assim, entendia eu que o ministerio actual devia ter sido formado no paço Mas, não, senhor. Foi formado em casa do sr. duque de Loulé, como disse o sr. Fontes.

Ha uma phrase no vocabulario portuguez de D. Rafael Bluteau, que diz: uma casa mal governada, não tem rei nem roque, allundindo ao jogo do xadrez (eu sou pouco conhecedor de jogos, não gosto d'ellee); onde ha os réis e os roques, que são os castellos.

Nós não nos devemos queixar se formos mal governados, porque não nos faltam os roques, que são os chufes dos partidos. Refiro-me á auctoridade de D. Rafael Bluteau, que não póde ser suspeita para ninguem.

Sr. presidente, fico sabendo que o ministerio foi feito camarariamente; não é a prerogativa regia que faz os ministerios, é a prorogativa de certos homens que se erigem chefes de partido, que se elevam pelo favor popular, e que depois se esquecem do povo e se lembrara só de si.

Mas, sr. presidente, veiu depois a questão de grammatica a que me referi ainda agora, em relação ao sr. bispo de Vizeu, e aos partidos historico é regenerador. O sr. bispo de Vizeu foi procurar-nos a nós, diz o sr. Fontes; por consequencia houve alguem que procurou, e houve cousa que se procurava, que eram as pastas. Ora, quem foi que procurou, ou antes quem foi procurado? Diz o sr. bispo de Vizeu: fui eu. Responde o sr. Fontes: fomos nós. Foram todos procurados; todos querem estar no accusativo, ninguem quer estar no nominativo. Isto realmente é de uma grande edificação para o povo! Dou graças á Providencia,

Página 43

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 43

e felicito a minha apoucAda inteligencia por ter levantado este conflicto, pois que realmente ficámos todos aprendendo com esta questão, e eu não fui dos que aprenderam menos. Aprenderam todos como correm os negocios, como se tratam as grandes questões politicas.

Entrou portanto para o ministerio o sr. marquez d'Avila, e Deus Nosso Senhor dê paciencia a s. exa., não para me aturar a mim que não o importuno, mas para aturar os seus amigos. Eu sou encarado como inimigo politico do nobre marquez, e Deus sabe como s. exa. me apreciará.

Attribuiu-se aqui ao sr. bispo de Vizeu a pretensão de ter a prerogativa do pontifice, de querer ser infallivel, e citou-se o syllabus. O sr. bispo de Vizeu declarou que rejeitava todas essas prerogativas de que o queriam revestir; queria é verdade que todos viessem ás suas doutrinas, mas d'ahi a querer ser infallivel era grande a distancia: "Não é minha a infalibilidade; a doutriaa é que eu julgo infallivel"; é provavelmente esie o sentido das palavras do illustre prelado. Por outro lado o sr. Corvo e os seus correligionarios querem a auctoridade do syllahus para a sua doutrina, que julgam do mesmo modo infallivel. Assim tambem quer o sr. marquez d'Avila a auctoridade para si; rodeiem-me todos, venham em volta de mim, sigam a minha esteira. Mas eu perguntarei, qual é a esteira de s. exa., para não nos enganarmos? Se não sabemos aonde vae, como havemos de acompanhar o nobre marquez? O que eu receio é que ao sr. presidente do conselho, que tão apertado se acha pelo numero de amigos, aconteça o mesmo que acontece muitas vezes aos ricos poprietarios e capitalistas, que chama mutos medicos para se curarem. Cada medico applica um tratamento ao enfermo, cada um quer fazer vingar o seu systema, e a final morre o doente por abuso de medicina, e abundancia de medicos. Receio que isto venha a succeder ao sr. marquez d'Avila e de Bolama; quero dizer pela abundancia de amigos morra afogado em amor.

Realmente é grande a intelligenoia de s. exa. todos o reconhecem, todo o paiz sabe que o illustre ministro é um hoajem de talento, que tem estudado a fundo as questões que mais importam aos interesses da nação, e que sabe bem o que é a politica; por isso eu digo que é impossivel que s. exa. acredite na permanencia d'este apoio que todos lhe offerecem. Não interrogo ao sr. presidente do conselho n'este ponto, não o quero mortificar, porque sei que s. exa. deve decidir-se por um plano. S. exa. não tem nada a ambicionar, tem todas as honras que ha n'este paiz; é par do reino, é conselheiro d'estado, é marquez, é grã-cruz de quantas ordens nacionaes e estrangeiras existem, tem todas as honras e prerogativas que se podem possuir; portanto não é a ambição (e não o é de facto, faço toda a justiça a s. exa.) quem o faz arrostar, como arrostar com tantos, não direi perigos nem impopularidade, mas com tantos desgostos, digamos a palavra que é portugueza; só o bem da patria o póde de certo mover, contando de certo que, por algum plano secreto mas infallivel, poderá salvar o paiz. De outro modo não comprehendo a sua permanencia no poder.

Mas, sr. presidente, os ministerios succedem-se rapidamente; quando julgâmos que temos diante de nós um homem d'estado que póde salvar o paiz com o seu conselho e experiencia, vê-se de repente desapparecer esse homem da arena, porque, não direi abjurou, pois que a palavra é forte, mas porque perdeu o rumo politico, para não dizer outra cousa, e deixa de ser apto para a administração publica; chamam-lhe inepto. D'ahi a pouco porém torna-se de novo apto e assim successivamente.

Desgppareceu da scena o sr. Saraiva de Carvalho e o sr. bispo de Vizeu por motivos, que já perdi a esperança de conhecer, e d'este medo fico sendo menos curioso do que é meu primo e amigo o sr. conde de Cavalleiros; nós suppomos que foi por causa da nomeação do patriarcha, mas o sr. marquez d'Avila elevou esta questão á altura de questão diplomatica; portanto podemos desviar d'ella aattenção.

Passemos ao sr. Carlos Bento; uma vez disse eu ao sr. marquez d'Avila: "V. exa. não póde ser ministro sem o sr. Carlos Bento; quando for de novo ao poder leva-o de certo"; e não me enganei, porque o sr. marquez d'Avila de facto chamou logo para seu lado o seu amigo inseparavel; mas, sem querer ser propheta na minha terra, perguntarei agora, quem será que ha de vir substituir o sr. Carlos Bento?

Vamos a considerar este cavalheiro debaixo do ponto de vista philosophico e politico.

Porque rasão se espalhou o boato, que a todos preoccupa, que a todos produz uma certa impressão, da saída do sr. ministro da fazenda? Porque, dirão, apresentou umas medidas financeiras, contra as quaes representa o povo, contra as quaes o povo murmura, e contra as quaes ha uma geral animadversão.

Mas, perguntarei eu, não é o sr. Carlos Bento um estadista experimentado? Deve-o ser, porque terá sido chamado a entrar no poder com o sr. marquaz d'Avila por tres ou quatro vezes, e não ha licença politica para duvidar da auctoridade do sr. marquez d'Avila n'este ponto.

Mas que desgraça esta! Os collegas do sr. marquez d'Avila todos apresentam propostas de que s. exa. não tem previo conhecimento. Vem a questão da nomeação do patriarcha, S. exa. não sabe d'esta nomeação se não depois de feita; vem depois as medidas de fazenda, e s. exa. tambem parece que não as conhece, do contrario não as deixava apresentar n'aquelle estado. Isto, das medidas de fazenda é uma cousa curiosa.

O tributo é legal, quando em virtude das necessidades publicas se exige, e quando é calculado sobre o rendimento dos tributados; não succede outro tanto com os tributos agora propostos pelo sr. ministro da fazenda, que não é mais nem menos do que uma rigorosa penitencia imposta ao povo, o que vem a proposito, pois estamos na quaresma; mas á quaresma segue-se a Paschoa, ainda que ha quaresmas que não têem Paschoa, ou só a têem passado algum tempo.

Temos agora os addicionaes, e os addicionaes só têem o elogio dos homens chamados prudentes, isto é, aptos para ministros; mas não têem dos verdadeiros homens prudentes, os homens reputados novos, como eu, e que a final são os que são taxados de imprudentes.

Pois não são elles que hão de esmagar o ministerio, apesar da sua imprudencia; o ministerio é que ha de esmagar-se a si mesmo com o peso das suas proprias medidas. Vejam se isto póde ser. Pois a um pobre marçano que nada ganha lança-se lhe tributo? Eu não direi que dêem largas ao riso, mas direi que derramem um sentido choro.

E faz-se isto no ministerio de um dos homens mais experimentados, que têem viajado mais pela Europa, e o mais conhecedor dos systemas que melhor têem provado tanto em administração como em finanças? Esse homem parece que esqueceu tudo, e que descansa sobre esse applauso de si proprio, sobre a consciencia de que já tem concorrido para o prestigio da sua patria.

O que digo em relação aos tributos aão é porque eu seja d'aquelles que dizem em absoluto que o povo não deve pagar mais: eu condemno esta maxima, assim como condemno a opposta. Protesto contra estas duas maximas: o povo póde e deve pagar mais, e o povo não póde nem deve pagar mais. Estas duas affirmativas cáem, quando não são explicadas por modo que as justifique. O povo póde e deve pagar mais, quando é dotado de todos os melhoramentos materiaes e moraes que concorrem para a sua riqueza e civilisação; e o povo não póde nem deve pagar mais, quando isto se não der. Mas povo somos nós todos, são todos os homens que compõem a sociedade.

Nào é assim, sem conhecimento algum, sem se ter procedido a um inquerito, que se lançam para o publico medidas d'estas que vão assustar a propriedade, a industria e o commercio, affirmando mais uma vez ao paiz, que o povo póde e deve pagar mais, querendo-se assim que isto fique

Página 44

44 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

estabelecido como maxima! Pois sabee que não basta dizer-se, que é preciso mais alguma cousa. Onde estão esses inqueritos a que tendes procedido? Onde estão as rasôes com que justificaes as vossas affirmativas? Não vos direi como disse um celebre orador: "silencio", eu digo antes o contrario: "expansão, verdade e justiça". Já passou o tempo em que os homens dos privilegios impunham silencio ás multidões; já passou o tempo em que não era dado aos opprimidos levantar a voz ou soltar um gemido se quer diante da prepotencia: a sociedude moderna, felizmente, conquistou os seus fóros, e de certo não o fez para tornar a ser victima, e annullar as suas conquistas, e os seus fóros adquiridos. Eu não sei explicar a verdadeira e simples rasão d'estas propostas, por mais que a pergunte a mim mesmo. Aqui parece-me estar já ouvindo o sr. marquez d'Avila censurar-me asperrimamente; e como sei o que a censura revela em seu animo, vou dizer o que se passa em mim para que a sua censura não possa facilmente ferir me. Eu não estou discutindo o que não está em discussão, como alguem pensará ou quererá mesmo dizer; estou examinando um principio, e lançando um rapido olhar sobre essa rede de impostos com que se vae procurar um vexame á nação. Ser-me-ha pois licito, em nome do interesse publico, dirigir uma pergunta ao sr. ministro do reino e dos negocios estrangeiros na qualidade de presidente da administração? A interrogação pede uma resposta. Approva ou não todo o gabinete as medidas propostas pelo sr. ministro da fazenda? Examinou o governo previa e devidamente qual o verdadeiro estado do paiz? Procedeu-se porventura ao necessario exame do estado das matrizes, aliás deficientes, e em muitas partes até defeituosissimas?

Qual é o auginento dos rendimentos publicos em relação aos capitaes, aos juros e aos proventos da industria?

Com o que eu estou por emquanto satisfeito é com o progresso dos nossos costumes constitucionaes. Congregam-se já os differenies homens por classes, reunem-se os proprietarios, assim como se reunem os industriaes todos em paz e boa camaradagem; dizem uns que são homens do commercio ou da industria, e homens da propriedade, que não podem convir nunca em que se queira fazer desapparecer o fructo das suas economias e do seu suor de cada dia em proveito do fisco, acontecendo muitas vezes, como disse o sr. bispo de Vizeu, que se vae esterilisar a semente destinada para ser lançada á terra!

Entretanto sabe v. exa. o que fez o governo depois de tudo isto? O governo acaba de tomar medidas de prevenção, sem ainda se saber para que, fazendo-se como em outros tempos, e designadamente no reinado de Senhor D. João VI, n'um certo dia de procissão em que se imaginou que havia de haver uma revolução.

Era em dia da procissão do Corpo de Deus. Os receios eram de que a conspiração e o attentado se realisassem durante o acto publico e religioso, mas o facto era que nada havia premeditado. Nada tinha havido, nada houve, mas no dia seguinte appareceu uma carta regia concedendo uma gran-cruz ao visconde de Veiros pelo passeio que deu á roda da cidade para prevenir as conspirações que ninguem conhecia.

Agora quasi que acontece o mesmo.

Uns pobres operarios da fabrica do tabaco reunem-se pacificamente, mas não se lhes quer permittir esse direito. Parece que não é dado hoje aos operarios, aos homens do povo, o poderem combinar com o amor do trabalho, o amor da virtude; hoje que todas as aristocracias proscrevem, tambem a do trabalho foi proscripta.

Os pobres operarios não fizeram nada que podesse significar desordem, e nem sequer empregaram más palavras, queixavam-se apenas da sua pobreza, lembravam-se da familia, da necessidade de pão, e foram immediatamente cercados de tropas, como se a revolução estivesse imminente e fosse preciso manter a ordem a todo o custo.

Se se quer destruir a liberdade de petição, a liberdade de associação, destruam-nas todas; mas não queiram fazer com que os homens, que defendem a liberdade com ordem, não possam sustentar os verdadeiros principios, não possam pugnar pela manutenção d'elles.

Os pobres operarios procederam com a maior cordura possivel, pediram, supplicaram, mostraram que não era possivel continuar a viver com esse amargo e negro pão do trabalho, que mais amargo e negro ainda ia ser com esses tributos que estão em perspectiva, d'essa rede tributaria a que ninguem escapa, e que não sei se a honra da confecção pertence ao sr. Carlos Bento, o illustre conselheiro d'estado que foi nomeado pelo sr. marquez d'Avila, e se s. exa. irá receber o castigo, não direi da sua incuria, mas da sua imprevidencia, sendo demittido do logar de ministro.

Assim póde-se ser ministro com todos os principios, systemas e escolas, e o ministro mais poderoso vence o que é menos forte na sciencia politica, administrativa, economica e financeira, e faz com que elle sáia.

Eu estou espantado de ver sair todos, e de ver ficar o sr. marquez d'Avila como véla Maria da semana santa, resistindo a todas as catastrophes. Nós já temos o chefe do governo supremo do reino irresponsavel, e havemos de ter tambem um chefe de partido irresponsavel.

Muita pena tenho eu de não ver presente o sr. Fontes, porque desejava que o sr. marquez d'Avila nos dissesse se se decidia pelas idéas do illustre prelado de Vizeu, ou pelas do talentoso chefe do partido regenerador. E por esta occasião me lembra que ainda falta o sr. duque de Loulé, que tambem é preciso ouvir, pois que s. exa. deve ter principios differentes dos do sr. Fontes, pertencendo, como pertence, a um partido diverso.

Lembra-me que o sr. José Estevão, fallando um vez ácerca do partido historico, na outra casa do parlamento, disse que havia historicos de diversas especies; que havia historicos de boa historia, historicos de má historia e historicos sem historia de qualidade nenhuma.

N'este ponto estou de accordo com aquella apreciação. Não considero o partido historico nas mesmas circumstancias do partido regenerador, porque este baseia-se no principio de que elle é quem significa a regeneração d'esta terra por meio dos melhoramentos publicos.

Eu disse ao sr. bispo de Vizeu que tambem era reformista, porque tambem queria reformas, e agora direi qus tambem sou regenerador, porque quero os melhoramentos do paiz.

Nós queremos tambem reformas e economias, porque é necessario gastar-se menos; todavia é preciso que as reformas e as economias se façam onde se devem fazer; que as fontes de receita publica se vão buscar onde se devem procurar, e não lançar uma decima pesada ao marçano que não ganha ordenado, e não tem portanto com que pagar. Tenho isto para mim de tão extraordinario, e creio que todos serão commigo n'este sentido, que me custa acreditar se incluisse tal no projecto!

Quando fóra de Portugal forem publicadas e lidas estas medidas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, que idéa, ficarão fazendo os estrangeiros do estado do nosso paiz e dos nossos estadistas?! Quando essas medidas aqui vierem, o que não presumo facil, por me parecer impossivel que possam passar na outra casa do parlamento; quando aqui: vierem, repito, terei occasião de demonstrar á camara o qus são e o que valem.

Mas, sr. presidente, parece-me que o sr. presidente cb conselho, apesar da sua intelligencia e tacto politico, ainda não percebeu uma cousa que eu antevejo, e vem a ser qus este apoio de todos os partidos a s. exa. tem um fim differente do que se propala. Parece-me que o fim que a se visa é instigar o nobre presidente do conselho a desdobrar a nova rede de impostos para ver que effeito ella produz no paiz. E s. exa. pensa todavia que os partidos o apoiam de coração!... Nem me parece possivel ser de outro modo.

Página 45

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO 45

Como quererá todavia o sobre presidente do conselho ter o apoio de todos os partidcs, se s. exa. não se apoia a si proprio?! Não declarou já e nobre presidente do conselho que aceitava todas as modificações e alterações que o parlamento entenda convenientes nas medidas de fazenda apresentadas pelo governo? Isto demonstra que s. exa. não estudou a questão de fazenda, como de sua obrigação. S. exa. já devia ter firmado um juizo seguro a respeito d'este assumpto, que ha tantos annos é objecto de seu estudo, e não se apresentar ao parlamento declarando aceitar todas as emendas que se julgassem necessarias. Isto bom seria para nós, homens inexperientes, que não temos aptidão necessaria, reconhecida pelos mestres que escrevem propostas d'esta ordem, dando por isso bem a entender que não têem estudado o assumpto. E queriam que fossemos na sua esteira! Siga-a quem quizer, que eu não. Quem ha de acreditar na infallibilidade de homens que são os primeiros a reconhecer que andaram com precipitação?!

Sobre quem recáe, todavia, a culpa de tudo isto? Vá a quem competir. É do povo, falle-se francamente, que se não associa, se mostra indifferente ante a urna, e diz constantemente - tão bons são uns como outros! E quem o culpado de similhante classificação? O povo, que não conhece ainda os seus direitos, que não se compenetrou do systema constitucional, e da maneira porque elle é conhecido na livre Inglaterra e na illustrada Belgica, onde o povo discute os negocios publicos, por isso que n'estes paizes a discussão não é privativa dos homens publicos e dos governos.

N'estas duas nações raspeitam-se as tradições da sua fé, respeitam-se a liberdade e os direitos do cidadão, ama-se sinceramente a ordem, mantêem-se dois grandes principios sociaes - a ordem sem a tyrannia e a liberdade sem a licença.

Na limitação da minha intelligencia tenho lido e estudado alguns relatorios escriptos sobre differentes assumptos.

(Entrou o sr. Fontes Pereira de Mello.)

Estimo bastante que tivesse entrado o digno par o sr. Fontes Pereira de Mello, porque tinha ha pouco alludido a s. exa., mas em tão boa ordem e tão amigavelmente, sobre o que o digno par dissera com relação a prerogativas que eu acato, que não tive duvida em fazer algumas observações na ausencia de s. exa. Mas se o digno par me permitte, continuo na ordem de considerações que encetei, e depois me dirigirei a s. exa.

Disse eu, arreceiava-me de que ao sr. marquez d'Avila acontecesse o que succede a alguns individuos que, tendo bastos meios de subsistencia, quando se encontram doentes mandam chamar muitos medicos para os tratar, e é tal o interesse que todos tomam em salvar o doente, que muitas vezes, pela diversidade e singularidade das opiniões dos medicos, morre o doente, não por falta de medicina, mas pela variedade da cura" Disse tambem, que o governo tinha a seu lado o sr. Fontes, o sr. bispo de Vizeu e o sr. duque de Loulé, dois dos quaes apparecem agora, desde já, e o outro apparecerá quando for preciso.

O sr. Fontes disse-nos que dava o seu apoio ao governo, mas com a declaração de estar persuadido de que elle não seguia a politica do sr. bispo de Vizeu, e o sr. bispo declara que lhe dá o seu apoio porque o julga reformista. D'este modo é apoiado por todos.

Lembrei então ao sr. marquez d'Avila pedisse a Deus paciencia, não para não ser apoquentado pelos inimigos politicos, mas para se ver livre das impertinencias dos amigos, porque dos estranhos pouco tem s. exa. a temer, e sobretudo de mim que apresento apenas alguns argumentos comesinhos e ao alcança de todos, porquanto ainda não tive a fortuna de alcançar o breve dos chefes de partido para tratar d'estas questões, e primeiro que o tenha ha de me custar; até mesmo estou convencido de que nunca o terei. Ainda n'esta sincera descrença não desanimo no que a minha consciencia me inculca um dever; e de moto proprio
trato estas questões pela circumstancia de possuir uma cadeira no parlamento. É assim que eu substituo aqui o diploma dos chamados chefes.

Disse tambem eu, que respeitava a prerogativa regia, que entendia que todos a respeitavam e acatavam. Isto não é novidade. No seculo passado Mirabeau e outros a respeitavam tambem, mas então não se deixava de attender igualmente ás garantias da assembléa que poderia pelas demasias semear a sisania nas consciencias, e a discordia nos estados. Foi n'esta referencia que fallei na prerogativa que serve para obtemperar demasias; e não para nomear um ministerio cada dia. Tenho visto porém com espanto, que a nomeação dos ministerios não era da prerogativa regia, que apenas servia de capa, porque elles se formavam em casa dos chefes dos partidos. Foi isto o que o sr. Fontes nos disse ácerca do ministerio formado em casa do sr. duque de Loulé. Disse eu então, que ficava sabendo que os ministros eram feitos pelos chefes dos partidos, e não pela prerogativa regia, que assignava apenas os diplomas, similhantemente a quaesquer contratos de arrendamento ou quaesquer negocios que fazemos particularmente, e depois o tabellião só tem que fazer a escriptura. É exactamente o que nos querem fazer presuppor que succede com a prerogativa regia, isto é, depois do ministerio formado, assigna os diplomas.

Não podia pois deixar de me referir ao que tinha dito, desde o momento em que entrou n'esta sala o digno par, o sr. Fontes; nem eu podia fazer outra cousa, tendo que tocar em pontos que dissessem respeito ás phrases de s. exa.

Continuando nas minhas apreciações, não posso deixar de dizer que o que não foi possivel por ora ficarmos sabendo, é se o sr. marquez d'Avila se classifica meramente reformista, ou regenerador, ou historico, ou n'uma palavra, é tudo isto junto!

Ha um outro ponto em que tocou o digno par, o sr. Corvo, e como nada direi que possa offender a s. exa., não duvido em dizer que depois de o ouvirmos n'aquella sua linguagem correcta, como s. exa. costuma fallar, vi que s. exa. appellou para a conciliação dos partidos. Eu ainda não percebi bem o que queria s. exa. dizer n'esta conciliação, se é esquecer as nossas dissensões politicas ou quaesquer offensas pessoaes (o que não é só politico, mas tambem christão), não nos injuriarmos reciprocamente, não nos vingarmos, etc. Creio que estas santas maximas são de satisfação de todos.

O sr. Corvo avançou tambem uma proposição com a qual estou de accordo: o perigo é grande. Ê exactamente a minha opinião e tem sido o meu sentir, desde 1853 que o enunciei, quando me referi aos acontecimentos fóra de Portugal. Não nos admiremos do perigo, mas attribuamos este facto a diversas causas. Diz-se: ha desvirtuação do principio da auctoridáde. Seguramente. Pois que infelizmente tudo se desvirtua! Por todos os modos está claro que não póde haver força senão a da espada ou a do trabuco!!! Santo Deus! que nos livre dos paizes que precisam ser dominados sempre pela força da espada, e onde para repellir esta, é necessaria em contraposição a força do trabuco. Entre essas duas forças nocivas e nefastas, é mister que se entremetta outra força - a da justiça e da verdade.

Sr. presidente, ao despotismo da anarchia succede o da tyrannia, disse o sr. Corvo; eu digo que ao despotismo da tyrannia tambem se segue muitas vezes o da anarcbia. Quande se quer comprimir tudo pela espada, as paixões desencadeiam-se e muitas vezes vão onde não deviam ir. É portanto dever dos homens politicos prevenir os acontecimentos com a prudencia que as circumstancias exigem.

Já me ia esquecendo outro assumpto. Reporto-me ogora ás maximas de que o povo póde e deve pagar mais, e de que não póde nem deve pagar mais; direi que estas duas maximas são erradas, sendo desacompanhadas de certos commentarios e rasões que as justifiquem. Digo que o povo póde e deve pagar mais, quando o trabalho tiver au-

Página 46

46 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gmentado e a riqueza se tiver desenvolvido, porque então o rendimento deve crescer. Mas não pôde, nem deve pagar mais, quando as condições forem contrarias ao estado que acabo de aponta:.

É necessario, primeiro que tudo, proceder, como disse, aos inqueritos e estatisticas para depois de se saber o estado do paiz, e se poder lançar tributos, que não sejam tão vexatorios como os que acabam de ser propostos. De relance apontarei que n'estes ultimos projectos se dá uma circumstancia mui excepcional; e vem a ser, que devendo ser o tributo uma parte do rendimento, foram lançalo aos marçanos que não ganham nada. Isto prova que houve na proposta grande precipitação.

O sr. Corvo disse que se reservava para tratar, assim como eu, da questão da instrucção publica. Folgarei de ou vir um cavalheiro tão illustrado, e competente na materia; e julgo provavel mesmo, que na maior parte dos pontos de tão momentoso assumpto eu esteja de perfeito accordo com s. exa., como já estivemos e o sr. Fontes, ha uns poucos de annos sobre a liberdade de ensino. Creio que s. exas. não terão mudado de opinião. Emquanto a mim não mudei. Por consequencia, quando esse projecto aqui vier, o qual julgo importante e urgente, desde já me comprometto a trata-lo sob o ponto de vista das necessidades do paiz, apreciando os principios e os factos, porque n'esta questão ha factos e ha principios.

Mas, disse eu (e foi uma pergunta que dirigi ao sr. marquez d'Avila) se o sr. Carlos Bento seria sacrificado em vista das declarações do sr. presidente do conselho, de que aceitava todas as modificações que se propozerem ás medidas tributarias? Isto quer dizer nem mais nem menos que passaria a iniciativa dos ministros para as outras classes da sociedade; trocando-se assim os papeis e as scenas. Ainda mais este methodo é propriamente o equivalente á apresentação de uma amostra de tributos para sobre essa amostra se fazera escolha da peça sobre que se ha de talhar a obra! Parece-me que o governo não devia andar tão precipitado, apresentando propostas que logo á primeira vista e leitura encontram opposição tão forte, e encerram erros tão palpaveis, que a intelligencia mais acanhada os descobre sem difficuldade, e faz d'elles a devida apreciação. Por estes principios digo eu que ninguem pôde, quer partido, quer individuo, prometter um apoio rasgado á politica do ministerio, sem saber qual é a vereda que segue. Se são attendidas, como supponho que devem ser, as justas queixas das differentes classes que representam ao parlamento contra as propostas tributarias, os meus argumentos ficarão justificados, as minhas rasões aceitas, e as censuras que me possam dirigir, caírão diante da critica severa da verdade e da justiça.

Sr. presidente, appallou-se para a conciliação dos partidos, assim o disse um illustre estadista. "Quando chega um perigo commum, acrescentou o sr. bispo de Vizeu, não hão de todos unirem-se para o conjurar? Ê como quando toca a fogo, que todos correia para se apagar o incendio". Mas quando se trata de um perigo geral é uma cousa, quando se trata de doutrina politica é outra!!! Em França, parece-me que em 1848, e sr. Thiers, que hoje vive mais afflicto que o sr. marquez d'Avila, mas não por causa dos amigos, mas sim por causa dos inimigos; o sr. Thiers (digo) uniu-se com o sr. Montalembert, tendo sido constantemente adversarios um do outro, porque julgavam ambos que a patria então corria perigo grave. Não se tratava de questões politicas, nem de questões financeiras, tratava-se de salvar a França, que podia sar invadida pela anarchia. Era necessario evitar esse mal. Assim se fez.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

Sr. presidente, vejo entrar o sr. ministro da fazenda, e eu, saudando na sua pessoa um cavalheiro que respeito pelas suas qualidades particulares, não posso todavia regosijar-me na presença do ministro; mas devo dizer o mesmo que disse quando entrou o sr. Fontes. O sr. Carlos Bento, digo, tendo sido nomeado ultimamente conselheiro d'estado, julgou-se competente para este cargo. O sr. marquez d'Avila, que tem estado tantas vezes no poder com s. exa., porque nunca é ministro, sem que o sr. Carlos Bento o acompanhe, tal é a amisade que os une e o conceito que reciprocamente s. exas. fazem um do outro; dando-se com s. exas. o que se dava com Peei e Aberdeen. O sr. marquez d'Avila, repito, não póde deixar de ter pleno conhecimento das qualidades do estadista do sr. Carlos Bento, e portanto não é para admirar que o julgue muito competente; o que não questiono, para o auxiliar na gerencia dos negocios publicos, e por consequencia não deve ser verdadeiro o boato que se espalhou, segundo o qual o sr. Carlos Bento seria a victima sacrificada no altar da patria e no altar das conveniencias politicas, com o fim de se sustentar o ministerio.

Corre geralmente que sáe o sr. ministro da fazenda; eu porém creio que sáem todos os ministros e só fica o sr. marquez d'Avila, e sáem porque não ha unidade de pensamento.

Um governo póde ser composto de cavalheiros de excellentes qualidades, de grande lealdade; mas não havendo entre elles unidade de pensamento, esse governo não póde existir por muito tempo.

Agora quanto ás medidas financeiras, ás quaes de novo me reporto, é sabido que encontrara geral opposição. Até se tributou quem nada recebe! Foi tal o furor de tributar e de tornar verdadeira a phrase: - o povo póde e deve pagar mais -, que não escapou ninguem... ah! escapou, escaparam as castanheiras!... Devo fazer esta rectificação.

Peço perdão de ter citado esta classe, estou mesmo arrependido de o ter feito, porque o sr. Carlos Bento, no seu zêlo de tributar, e no seu empenho na confraternidade, póde querer emendar este lapso.

Ao sr. bispo de Vizeu disse eu um dia que tambem era um tanto reformista, ao que elle me respondeu: "Pois eu sou todo reformista." Sou um tanto reformista e regenerador, mas de um outro rito.

Sou regenerador, porque regeneração quer dizer regenerar o paiz por meio de medidas uteis, desenvolvendo os progressos moraes e materiaes, fazendo estradas, como todos nós desejâmos, porque não é só o sr. Fontes que as quer, até o sr. bispo de Vizeu as quer.

Sou regenerador com o sr. Fontes, quando quer todos estes progressos, e sou reformista com o sr. bispo de Vizeu, quando as reformas forem justas e de reconhecida utilidade; e seria tambem historico, se percebesse o que era ser historico, accumulando, como o sr. marquez d'Avila, todos os tres partidos.

As accumulações são prohibidas pela lei fundamental do estado, mas essa disposição creio que não é extensiva aos partidos politicos.

Não sou pois tambem historico, a não ser que o sr. duque de Loulé se digne explicar-me o que isso é; mas devo confessar que não tenho grandes esperanças de o saber da boca de s. exa., porque ainda me recordo das difficuldades que s. exa. tem em responder ás perguntas que se lhe fazem.

Uma vez, por exemplo, fallando n'esta camara o actual ministro das obras publicas, o sr. visconde de Chancelleiros, em uma questão em que eu tambem tomei parte, s. exa. e eu fizemos altas diligencias durante uma sessão inteira para obtermos uma resposta do sr. duque de Loulé; depois de innumeras instancias, ouvimos o sr. duque dizer: "Peço a palavra"; foi grande a anciedade; eu para melhor poder ouvir as explicações, approximei me da bancada dos srs. ministros (n'essa epocha o sr. duque era presidente do conselho), e qual foi o nosso pasmo ao vermos levantar s. exa. e dizer: "Mando para a mesa uma proposta de lei" (riso).

Se o sr. duque de Loulé me responder da mesma fórma sobre o que é ser historico, de certo que nunca o serei, limitando-me a ficar apenas regenerador e reformista.

Página 47

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 47

A esta minha pergunta pôde, é verdade, responder-me o sr. Rebello da Silva: "O partido historico tem escripto na sua bandeira o glorioso mote da abolição dos vinculos e dos monopolios".

A isto porém responderei eu que tambem os regeneradores têem o mesmo mote: o sr. Fontes tambem não quer os vinculos, e do mesmo modo tambem os não quer o sr. bispo de Vizeu.

Mas objectam-me ainda, a iniciativa foi do partido historico.

Não o foi tal.

Quem apresentou uma das propostas mais rasgadas nes se sentido, foi um homem tido por conservador, o sr. Antonio Feio, depois o digno membro d'esta camara, o sr. conselheiro Ferrão, e o sr. marquez de Niza, se bem me recordo, tambem apresentou uma proposta; e n'estas condições não me parece que se possa em bom direito attribuir a iniciativa a um partido.

Isto é apenas uma observação ao sr. Rebello da Silva, que eu sinto não ver presente, e não ha n'ella a minima offensa ao partido, onde tenho aliás bastantes amigos, como em todos os outros.

Eu não posso nunca pronunciar phrases com o intuito de offender individuos; não, senhor, e muito menos quando é certo que em todos estes partidos conto amigos, e amigos muito dedicados; já se vê pois que não ha aqui senão uma apreciação politica, e nada mais. Não sou só eu que faço esta apreciação; fazendo-a, acompanho os outros. Mas o que resulta d'aqui? O que se deixa ver, e que mesmo o sr. Corvo mostrou, é que parte d'estes partidos estão para morrer, e que se vão formar dois grandes partidos novos, que hão de ser: o partido mais liberal e o partido que se denominará, se quizerem, conservador, mas que não é seguramente o partido dos antigos conservadores; porque esse morreu e spiritus qui vadit non redit. O antigo partido conservador, esse cujas bandeiras eu acompanhei até á ultima, não resuscita; assisti-lhe eu á morte, resei-lhe a oração funebre e derramei lagrimas sobre a sua campa; a esse podia-se tambem chamar legitimista; e digo legitimista, porque eu não entendo a legitimidade como os outros, como aquelles que só entendem por legitimidade os réis de direito divino.

Ora, voltando ao governo do sr. marquez d'Avila, está provado que elle não tem responsabilidade propria, porque está no caso dos réis que têem só a responsabilidade de participação, que exercem governo de participação.

É o que acontece hoje com o sr. marquez d'Avila, que governa só por participação; s. exa. tem o apoio d'aquelles que lhe indicam o caminho que ha de seguir, e logo que se afastar d'esse caminho faltar-lhe-ha o apoio d'elles e ha de cair.

Fallou-se tambem aqui da prerogativa real, que eu acato, mas a que tambem não posso deixar de me referir.

O sr. Fontes muito bem disse que caíu constitucionalmente; o sr. Fontes não caiu em virtude de nenhuma votação parlamentar, nem em virtude da revolução de janeiro, mas caíu constitucionalmente, porque caíu ante a prerogativa real; eu posso confirmar isto, porque o sr. Fontes sabe que eu então o apoiava, e estou bem ao facto de que s. exa. não caíu em virtude de revolução de janeiro, porque essa revolução não chegou a ser revolução, e muito menos uma revolução a que o governo se não podesse oppor. S. exa. caíu pois, como muito bem disse, diante da prerogativa real. Ora, eu acato e respeito a prerogativa real, mas entendo que ella não se deve encarar senão como um germen de ordem publica, e que deve ser exercida quando da liberdade se queira passar á licença. A este respeito não devo dizer mais nada.

Agora, sr. presidente, quanto á saida do sr. Saraiva de Carvalho, não quero perguntar mais nada, porque se faz d'isto uma questão diplomatica; sei que o sr. Saraiva de Carvalho gosa saude perfeita, e é quanto me basta saber. E não se pense que eu não estimo isso muito, porque sou de s. exa., conheço-o ha muitos annos e sei que é um perfeito cavalheiro.

Quanto ao mais deixo-me de perguntar, porque o sr. bispo de Vizeu não me quer dizer, e eu não tenho meio de obrigar o digno par, como não tenho tambem direito algum de obrigar o sr. Saraiva de Carvalho; mas em relação ao sr. Carlos Bento o caso é outro. Esperarei algumas explicações de s. exa. emquanto é ministro, assim como do sr. presidente do conselho, a quem não deixarei de perseguir nas minhas interrogações, porque sendo s. exa. um cavalheiro tão illustrado, tão distincto estadista, tão reverenciado pelos seus dotes pessoaes, e estando á frente da administração, do que se não encarregou por ambição, não poderá deixar de me elucidar e ao paiz; em as nossas acanhadas comprehensões. Estes predicados pois fazem-me lamentar a posição em que s. exa. actualmente se encontra, se porventura a resolução de s. exa. não foi resultado de um plano secreto, já se ve que para bem fim - a regeneração d'este paiz. D'outra sorte não posso crer que s. exa. que já não tem mais honras a que aspirar, accedesse a sentar-se de novo n'aquellas cadeiras.

Falla-se em apoio. Então é a consequencia de que temos uns ministros com pastas, e outros sem ellas. Póde dizer-se, por exemplo, do sr. Corvo, e do sr. Fontes, que tambem são ministros, actualmente não têem pasta, não dirigem repartições, não têem responsabilidades; mas são ministros assim como ministro tambem sem pasta é o sr. duque de Loulé, que não apparece por ora. O sr. bispo esse não deixa todavia de apparecer. Temos pois muitos ministros, uns visiveis, outros invisiveis. Ainda entre estes conto por ora o sr. duque de Loulé que a seu tempo apparecerá, e que tambem a seu tempo o sr. marquez d'Avila e de Bolama ha de apoiar, porque os homens sisudos dão apoio uns aos outros, e fazem n'isso muito bem, porque todos pensam em regenerar a patria.

O apoio portanto serve, porque a politica é a mesma, mas eu a dizer a verdade não sei porque, ou para que ha de tambem haver mudança de presidente do conselho. Saiu o sr. bispo de Vizeu, saiu o sr. Saraiva de Carvalho, dizem que sáe o sr. Carlos Bento, sairá ainda mais algum membro do ministerio; mas o marquez d'Avila e de Bolama póde ser permanente, póde estar emquanto viver, e os que são classificados de homens serios podem conservar se e subir mais de uma vez aquelles logares; ha porém ontros ainda que importantes, que ena relação a outros são classificados como que de insignificantes, embora sejam escriptores notaveis e muito distinctos; refiro-me por exemplo ao sr. Alexandre Herculano, Rebello da Silva, e lembrarei um cavalheiro tantas vezes indigitado o sr. Correia Caldeira, que é já sabido que todas as vezes que o sr. marquez d'Avila vae para o ministerio logo se diz que tambem entra o sr. Correia Caldeira, porém eu digo sempre que não, porque o conheço bem e ninguem o estima mais do que eu, sou muito particular amigo, e todos o sabem; mas o sr. Antonio Correia Caldeira não se presta a umas certas evoluções, tem um caracter verdadeiro e leal, e não entrará no poder se não para seguir os seus principios e propugnar pelas suas idéas. Por consequencia todos que estão n'este caso devem felicitar-se por ficarem na companhia de Alexandre Herculano, Oliveira Marreca, etc.

Mas o sr. Carlos Bento da Silva é apto, porque tem entrado umas poucas de vezes com o sr. marquez d'Avila. Se s. exa. sair, deve sair tambem o sr. presidente do conselho, deve sair agarrado ao seu intimo amigo, deve sair em virtude dos principios; ou então se ficarem todos, o sr. ministro da fazenda deve cantar a palinodia, entoar o peccavit me peccavit, o que não é deshonroso; confessará que houve precipitação nas suas apreciações economicas e financeiras relativamente aos tributos, e então ficam todos, satisfazem os desejos do povo, e continua a reinar a paz e harmonia entre o gabinete actual, e continuam os partidos a apoia-lo em tudo quanto fizer.

Página 48

48 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Houve um homera notavel n'este paiz, era o conde da Ericeira, e como não se trata de cousa que lhe fique mal, posso dize-la, porque não ficará offendida nem a sua memoria nem os seus parentes. E digo isto, porque hoje é necessario ter muita cautella, não é permittido já fallar nos mortos.

O conde da Ericeira era membro da academia real da historia, e tinha vindo a Portugal o nuncio Conti, que depois foi elevado á cadeira pontifical com o nome de Innocencio XIII, quando a academia reuniu, o conde proferiu um discurso dizendo:

"A academia reuniu hoje, e é hoje que todos sabem d'este grande evento. A academia não sabia nada, porque ella não sabe nada senão guando lh'o manda dizer El-Rei nosso senhor, porqus nós não devemos saber senão o que elle quer que nós saibamos."

Assim acontece agora.

Quanto á questão das pastas em que ficâmos nós? Houve ou não questão de pastas? O sr. bispo de Vizeu disse que houve, com aquella linguagem franca que lhe é propria, o sr. Fontes negou. Foi isto em nome da conciliação e da conveniencia politica? Eram s. exas. discordes em principios e ao mesmo tempo congregavam-se em nome da conciliação? Congregavam-se em virtude do principio do exicio dos partidos, do acabamento das escolas, mas continuação os partidos velhos a existirem, ou para melhor dizer as congregações e não os partidos, porque ellas têem um rito differente, mas o orago é o mesmo.

Não ficámos sabendo como as cousas se passaram, mas o povo ficou sabendo que todos esses negocios que deviam ter sido tratados no parlamento o foram fóra d'elle.

Aqui está, sr. presidente, o estado em que nos encontrâmos a respeito da questão das pastas. Nada d'isto é inventado por mim, nem são boatos e muito menos asserções de um jornal; tudo são cousas aprendidas na camara dos pares, para o que eu concorri requerendo este curso de historia, de philosophia e de politica transcendente; porque fui eu que levantei o incidente, e não o digno par o sr. conde de Cavalleiros, como a alguem pareceu; s. exa. fallou depois de mim. Não digo isto, porque julgue que o digno par não era capaz de levantar este incidente, por, isso que s. exa. é um cavalheiro muito illustrado e de grande audacia (em bota sentido) nem eu poderia dize-lo de outro modo porque sou amigo do digno par. Fui pois eu que provoquei esta questão e nunca me considerei mais feliz do que n'esta occasião, por ter aprendido bastante e ter concorrido para que os outros aprendessem.

O povo creio que já tem aprendido alguma cousa por isso que tem reconhecido os bons resultados que lhe podem trazer o principio da associação, que é a tabua de salvação que aconselho a todos: - a associação e a reunião para discutirem os seus interesses, são os dois grandes meios de que os povos se podem servir para conseguirem a manutenção dos seus fóros e a conservação da sua liberdade. O nosso povo tem-se entregado demasiadamente á administração dos seus tutores e conselhos de familia e esses tutores e conselhos de familia têem curado pouco dos interesses dos seus tutelados e têem mesmo desapparecido sem darem contas de si perante o mesmo povo.

Mas a rasão porque isto se faz é clara: é porque ainda não existe entre nós uma lei de responsabilidade ministerial, mas uma lei de responsabilidade ministerial em que se comprehenda tambem a responsabilidade ministerial politica.

O sr. duque de Palmella que foi nomeado presidente do conselho no tempo da Senhora D. Maria II depois da morte do Senhor D. Pedro IV, annunciou no parlamento a idéa de se apresentar uma lei de responsabilidade ministerial, mas não sei que má estrela acompanhou este negocio, que não chegou a ir por diante. A experiencia, que é a melhor e a mais sabia mestra dos povos, tenho fé que ha de illustrar o nosso povo e ha de ensinar-lhe a seguir bem e com ordem o caminho do progresso, a fim de acompanhar as outras nações constitucionaes e libertes na sua marcha e nos seus direitos verdadeiramente civilisadores. E, caminhando assim, o nosso povo, não sendo comprimido, ha de marchar desasumbrado pelo verdadeiro caminho, como o tem feito a Belgica e a Inglaterra, e não como a França, onde desgraçadamente só existem governos ephemeros de republicas, governos ambiciosos e despoticos, que trazem a poz si grandes catastrophes ou governos monarchicos imprudentes e de politicos, se politicos se lhes póde chamar, cuja politica é a guilhotina.

Procedeado pois o povo com prudencia e com o conhecimento dos seus deveres, evita as grandes catastrophes, os politicos imprudentes e é digno de receber corôas de gloria pela sua prudencia, que ainda vale mais do que a coragem; porque a coragem é boa para vencer os preconceitos e debellar as revoltas, e a prudencia serve para as evitar. É melhor a experiencia, que amostra os homens na sua marcha e ensina aos politicos o verdadeiro caminho. Aquella prudencia que nos insinua. É necessario uma luz vivificante, mas nunca um facho nefasto que incendeia. Esta experiencia é que faz conhecer nos povos quem são aquelles que os guiam no caminho da sua salvação, quem são os que se não servem do povo para degrau em proveito dos seus proprios interesses.

Busque-os o povo na historia pratica, examine-lhe os seus precedentes, e escolha e veja à postriori, veja pelos factos quaes são os homens que a têem acompanhado sempre, que a não têem illudido, e que não dizem ao povo "tu és absoluto" nem dizem ao rei "tu representas a Deus" busque sim aquelles que dizem ao povo "justiça" e ao rei "justiça " aquelles que têem, não direi audacia que talvez seja má palavra, mas que tem a franqueza de se manterem sempre no mesmo caminho seguro, na mesma vereda, e sustentam os mesmos principios; são esses os verdadeiros amigos do povo, os experimentados, e não os especuladores, que apenas lisonjeam as multidões nos dias dos seus revezes, para as abandonar depois ao dia da sua gloria. Não devera ser esses que só aproveitam da sua sinceridade ou antes da sua inexperiencia, para se aproveitarem como seus unicos campeões parecendo defender o povo em toda a parte, mas só emquanto não encontram o que desejam.

É pois a historia que amestra os povos, que amestra os politicos, e não são as paixões pequenas e mesquinhas, nem os preconceitos vãos que devem sobresaltar as nações. O povo que saiba e conheça, porque já é tempo de saber e conhecer, depois de uma tão longa aprendizagem do systema constitucional.

É tempo, digo, de se entrar no verdadeiro campo da conciliação em bem da patria sómente, campo para que eu não convido ninguem, mas peço aos srs. Fontes, Corvo e bispo de Vizeu, e a todos os ministros politicos, que se interessem pela regeneração d'esta terra, que se entreguem n'este campo; que se não discutam as pastas, senão sobre a incompatibilidade dos homens que não forem aptos para as dirigir, e nunca pelo valor e merecimento das pastas, que não discutam se devem pertencer a este ou áquelle gremio. Não haja questão de homens, mas de escolas no verdadeiro campo dos arrependidos, dos que desejam o bem do povo, e que levantem bem alto o estandarte da salvação publica. Mas que esse acto seja feito com a sinceridade dos verdadeiros sentimentos, e todos estejam animados de verdadeiro, sincero e genuino patriotismo. É assim que eu comprehendo as conciliações; mas infelizmente estes factos são raros. Lembra-me quando no campo da batalha um official commanda á frente do seu plutão ou do seu regimento, vem uma bala que mata muitas vezes um coração generoso, e deixa sobreviver um outro que o não é.

D'aqui, o povo chorando a perda de alguns chefes prestantes; de acolá, as viuvas e os orphãos gemendo, porque a alegria da familia desappareceu, vindo o luto, a desolação, a morte substitui-la. É isto o que acontece depois

Página 49

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 49

das grandes catastrophea. É então que desapparece a esperança, esse facho luminoso que nos acompanha, que nos guia, que nos allumia, fazendo-nos correr atrás d'ella. N'uma palavra, depois de tudo quanto significa devastação, ruina e desgraça, vem o clamor unanime da salvação. Mas infelizmente muitas das vidas estão perdidas, porque os grandes campeões jazem no campo da batalha. A esperança já não póde existir, porque muitos já não têem que esperar. A fé perdida, porque, depois de uma guerra fratricida, depois de tanto luto em que brilham os preconceitos e em que figura apenas a ambição, a justiça desapparece, porque as más paixões é que triumpham. Então já não ha tempo; o arrependimento é tardio e o ensejo é pouco proprio. As esperanças não sào coroadas de resultados, e os desejos convertem-se apenas em uma aspiração; mas a realidade não existe, a verdade torna-se uma chimera, a justiça não póde ter a sua acção.

Em vista pois d'estas rasões é que eu reclamo e insto com os srs. ministros, com os homens politicos da minha terra, com o povo de todas as classes, para que se compenetrem da gravidade das circumstancias, que lancem um golpe de vista sobre o estado da Europa e sobre a historia, e vejam quaes foram as causas tremendas que produziram este resultado nefasto, que as previnam emquanto é tempo, emquanto a bancarota nos não bate á porra, emquauto o completo desprezo de todos os principios, de todas as virtudes e de todas as idéas grandiosas não tiver desapparecido de entre nós.

Quando a providencia for substituida pela fatalidade; quando o direito de reunir desapparecer, como consequencia da deificaçao do fatalismo; quando todas as idéas grandes e generosas, que são, jor assim dizer, as columnas do templo em que se abriga a sociedade, forem abatidas, assim como em França, e sobre as ruinas do templo de Deus vivo se edificar o templo da denominada rasão, para guerrear essa mesma rasão, e para á sombra d'ella se commetterem os maiores attentados, é então, á vista d'essas paginas brilhantes da historia, que poderá ser um novo facho que illumine as consciencias e que nos guie ao verdadeiro caminho da civilisação, que para esse campo eu citarei o sr. marquez d'Avila, o sr. Sá Vargas, o sr. Carlos Bento, todos os ministros e todos os chefes de partido, porque esse é que é o verdadeiro campo da conciliação, onde se devem reunir os desenganados, os arrependidos e os verdadeiros patriotas; ahi é que se póde pleitear a causa da patria, contra aquelles que talvez se aproveitem dos nossos males para conspirarem contra a nossa independencia, que é a nossa gloria e a nossa ventura.

Sr. presidente, rogo aos srs. ministros que não tratem de planos que significam a paixão, que significam o despeito; mas sejam ministros verdadeiramente do paiz, verdadeiramente do povo, e não queiram enlutar esta nação. Lembrem-se que os direitos de todos os homens são iguaes, e portanto a todos os homens assistem os mesmos direitos. Nem todos nasceram ricos, nem todos herdaram grandes propriedades, nem todos poderam accumular os productos do seu trabalho e juntar capitaes; mas o homem que possue uma industria modesta, que tem amor ao trabalho e á virtude, esse homem é tão digno de respeito como o grande proprietario ou o grande capitalista, e é mais digno de protecção, porque pertence ao numero dos opprimidos, porque não tem voz no parlamento, não tem penna na imprensa, não tem o favor que outros gosam, não tem força em si, nem nas circumstancias que o rodeiam, não tem finalmente amigos poderosos, nem camaradas politicos, chefes de partidos que o protejam e amparem. Portanto é preciso que o governo não aggrave a sua posição infeliz, e não leve o luto e a miseria a casa do opprimido, a casa do industrial. É preciso acatar a justiça, que é a primeira virtude, é a virtude cardeal que deve dominar completamente no peito do politico, como no de todos os verdadeiros patriotas. Quando o povo vir que ha mais attenção com a justiça, não se negará a pagar mais.

Em nome d'estes principi0s que invoco, em nome d'estas idéas porque propugno, em nome da minha fé, em nome da minha patria e da justiça, em nome da verdade e da verdadeira e santa igualdade, da igualdade não desordeira, mas da que está escripta no grande livro da justiça, eu appello para o coração de s. exas., appello para o recto animo dos homens de bom aviso, para que digam interrogando a sua consciencia, depois de interrogar a consciencia publica, se nas considerações que faço, nas idéas que defendo, áparte a discrepancia politica que póde haver entre o sr. ministro da fazenda e a minha pessoa, se eu não estou no campo da rasão e dos principios, que é um campo mais firme do que aquelle das contradicções, onde se tem collocado s. exa., e onde o precederam muitos homens publicos d'esta terra.

Sr. presidente, é condição dos homens o errar; mas se porventura o governo, conscio dos seus deveres, e desejoso de acertar, seguir o bom caminho, póde ser acompanhado, póde ser seguido, póde ser secundado por todos os homens de boa vontade e de energia, por todos os homens verdadeiramente patriotas. São estes os votos que formo, são os desejos que abrigo no meu espirito, são os pedidos que sinceramente faço aos srs. ministros em nome da minha patria, era nome d'este povo que prestes se veria opprimido se similhantes leis vigorassem, se similhante politica continuasse a ser ponto definido, e se o interesse publico continuasse a ser descurado.

Faça Deus que a minha esperança se não, converta em desengano, que os homens publicos da minha terra, compenetrados das verdadeiras idéas da justiça, possam concorrer para o seu triumpho. Assim a patria póde ser feliz, estabelecendo se o verdadeiro reinado da honra, da justiça e da liberdade.

Tenho dito

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares relatores das commissões que mandem para a mesa os pareceres que tiverem promptos, para haver ordem do dia nas sessões proximas. A primeira sessão será sexta feira.

Está levaotada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 21 de março de 1871

Os exmos. srs. - Conde de Castro; Marquezes, d'Avila e de Bolama, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcáçovas, de Cabral, de Cavalleiros, de Podentes, da Ponte, de Rio Maior, da Louzã; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benagazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Ovar, de Soares Franco; Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Barreiros, Moraes Pessanha, Braamcamp, Pinto Bastos, Pestana, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Preto Geraldes, Franzini, Canto e Castro, Fernandes Tnomás.

N. B. Depois de aberta a sessão veiu o sr. marquez de Angeja.

Página 50

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×