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SESSÃO N.° 10 DE 8 DE FEVEREIRO DE 1896 81

publicou decretos dictatoriaes com força obrigatoria, a qual, segundo a constituição do reino, é privativa da lei, em cuja confecção devem collaborar as duas camaras e o augusto chefe do estado; em sumiria, o poder executivo arrogou-se attribuições que são da exclusiva competencia do poder legislativo.

Foi, por isso, sem duvida, infringida e contrariada a constituição do reino em uma de suas mais importantes e graves disposições.

Tal é, sr. presidente, o facto que provocou e deu origem ao presente projecto, pelo qual se pretende que, attentos os motivos n'elle ponderados, o governo seja havido como relevado da responsabilidade em que incorreu, substituindo-se ao parlamento no exercicio de funcções, que do parlamento são proprias.

E deveremos nós, sr. presidente, nós, que constituimos um dos ramos do poder legislativo, approvar o projecto?

Serão realmente de attender as rasões allegadas, para que o governo seja relevado da responsabilidade em que incorreu?

Parece-me, sr. presidente, se medirmos e bem avaliarmos as exccpcionaes condições em que o governo se viu collocado, e não esquecermos a situação embaraçosa e difficil que lhe foi creada por acontecimentos verdadeiramente extraordinarios e anormaes, que elle não determinou, nem promoveu, a resposta não póde deixar de ser affirmativa.

Estão na memoria da camara e do paiz inteiro esses acontecimentos, que, por certo, todos nós lamentamos e sentimos; é recente a sua data; escusado julgo, por isso, reproduzil-os agora, iudividual-os, até mesmo para não fatigar inutilmente a benevola attenção de v. exa., sr. presidente, e a d'esta illustradissima assembléa.

É incontestavel, pelo menos para mim, que as occorrencias, a que vagamente estou alludindo, e que são pelo governo invocadas como justificativas do seu procedimento, foram em tal maneira urgentes e angustiosas, que a sua continuação podia vir a entorpecer a conveniente administração dos negocios publicos e fazer paralysar o regular funccionamento da vida do estado.

Em tão apertada conjunctura, um de dois expedientes tinha o governo de adoptar: ou caír, abandonando assim o desempenho das altas funcções de que estava investido, ou recorrer aos meios e faculdades extraordinarias, exigidas e reclamadas pelas circumstancias tambem extraordinarias, em que ao tempo se encontrava.

Mas, sr. presidente, cair, deixar os conselhos da coroa, eximir-se ao cumprimento do dever que o seu elevado cargo lhe impunha, no intuito sómente de attender ao seu socego e commodos pessoaes, embora em prejuizo e com sacrificio dos interesses geraes do paiz, isso, sr. presidente, equivaleria um tristissimo exemplo de lastimavel fraqueza, cujos resultados não podiam deixar de accentuar-se funestissimos para a ordem e tranquillidade publica e para o respeito devido ao principio da auctoridade.

Desde que o governo sossobrasse diante das difficuldades e em presença dos attrictos levantados por uma corrente de paixões mais ou menos desordenadas, ficaria estabelecido um precedente que eu, pelo amor que tenho ao meu paiz, não desejo ver n'elle elevado á categoria de indicador constitucional para a queda ou organisação de ministerios.

Assim o comprehendeu o governo, e ainda bem, porque, assumindo a dictadura, e arrogando-se faculdades que as leis ordinarias lhe não conferiam, obstou a que se perturbasse ou suspendesse o regular funccionamento dos differentes serviços publicos, e conseguiu com a sua energia, com as suas providencias, com as medidas que adoptou, afastar de sobre o paiz os perigos que este podia correr, externa e internamente.

Se, em vez de marchar por esse caminho, que, em similhantes ou analogas conjuncturas, e ein circumstancias mais ou menos difficeis, têem seguido outros governos, em diversas epochas, não só entre nós, mas em differentes paizes, regidos tambem pelo systema constitucional, o governo succumbisse, desfallecesse ou encarasse, indifferente e impassivel, os estorvos que lhe impeciam a acção; se o governo se mostrasse fraco e possuido de timidez, eu não sei, sr. presidente, se haverá quem, despreoccupado e isento de paixões, attentando nas crises terriveis que a nação atravessava, deixasse de entrever n'essa demonstração de fraqueza enormes e grandes desvantagens para o credito publico, então lá fóra bastante abalado, e para o nome portuguez, sobre cujo prestigio se acastellavam densas e cerradas nuvens. Isto pelo que diz respeito aos perigos externos. Internamente eram elles bem notorios e palpaveis.

Eu creio, sr. presidente, que não haverá cidadão cordato, ordeiro, verdadeiramente amigo do seu paiz, e sinceramente devotado ao bem commum, que não se apavore nem se assuste diante da insistente e pertinaz propaganda do doutrinas deleterias, que por ahi se pregoam, das theorias nefastas e lethaes, que tão affincadamente e por todos os meios se vulgarisam e defendem, doutrinas e theorias que não só ultrajam a fé e pervertem os costumes, mas visam tambem a levantar o estandarte da rebellião, provocam e geram invejas, odios e luctas, hostilisam e insurgem-se contra o principio da auctoridade, por mais alto que esteja collocado o seu representante, despedaçam os laços da familia, contestam o direito de propriedade, e levam a indisciplina e o desespero ao seio das classes sociaes, especialmente da classe operaria.

Abrindo caminho facil ás paixões populares, os pregoeiros e defensores d'estas doutrinas, arrancam despiedosamente á sua tarefa, illudindo-o com promessas irrealisaveis e fallazes, o pobre operario, que, entre as agruras do seu viver, tão cheio de contradicções e dissabores, só nas verdades e pratica da religião, e na consoladora esperança de um destino alem tumulo, póde encontrar efficaz lenitivo, adquirir a força bastante para resignadamente se conformar com a sua sorte, e ainda para melhoral-a pelo trabalho honesto e assiduo, e pelo esforço intelligente e dedicado.

E quem haverá ahi, sr. presidente, que não veja em tudo isso uma das feridas mais sangrentas, uma das chagas mais fundas e mais vivas, de que enferma a moderna sociedade?!

Sob o pretexto de tomarem a defeza das classes proletarias e desvalidas, julgam os sectarios d'este falso e perigosissimo systema, que o remedio mais efficaz para extinguir ou debellar os seus infortunios está, sabe v. exa. e a camara, onde? No nivelamento de todas as classes, na destruição de tudo o existente, na formação de uma sociedade nova sobre os descalabros e as ruinas da sociedade actual!

Terrivel e medonho remedio, este, sr. presidente!

Imaginando combater um mal com outros males muito maiores, nada mais fazem do que comprometter uma causa sympathica e santa, pela qual todos nós nos interessámos; e compromettem-na, porque do absurdo e do monstruoso não póde vir nunca remedio a cousa nenhuma; vem, sim, os pavores, os sustos, os sobresaltos, os receios de hoje pelo dia de ámanhã, e esse labyrintho inextricavel de encontrados alvitres, que ameaçam perturbar e confundir todas as relações que formam e constituem a vida social dos povos cultos.

E existirão, porventura, entre nós indicios ou symptomas d'esse canos, d'essa lastimavel confusão?

Prouvera a Deus que não existissem; mas, infelizmente, existem, e bem recentes e dolorosos, tão dolorosos, que todos nós, sem duvida, os sentimos e reprovámos.

Tão manifestos e tão violentos se accentuam elles, que, para não progredirem nem se avolumarem, se torna mister que os governos do paiz, sem trepidarem, um momento sequer, no emprego dos meios mais adequados para