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no juizo' do 2.° districto criminal de Lisboa, acerca da mulher assassinada cujo cadáver foi encontrado no sitio do Rio Secco.

Do ministério do reino remettendo para serem distribuídos pelos dignos pares 50 exemplares do relatório da commissão de inquérito ao hospital de S. José, e igual numero de exemplares da resposta do ex-enfermeiro-mér Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

Mandaram-se distribuir.

Do ministério das obras publicai remettendo, para serem distribuídos pelos dignos pares, 75 éxerripiares do indice dos seus'boletins relalivos ao' segundo semestre de 1859.

Mandaram-se distribuif.

Do presidente da junta do credito público, enviando para serem distribuídos pelos dignos pares, 80 exemplares das contas da mesma junta respectivas á sua gerência no anno económico de 1859-1860 e as do exercício de 1858-1859.

Mandaram-se distribuir.

O sr. João da Silva Carvalho:—Como já veiu a resposta do sr. ministro do reino ao pedido de documentos que fiz, e visto achar-se presente s. ex.a, desejava que, no caso de s. ex.* estar habilitado a responder á minha interpellação, tivesse esta logar hoje mesmo. Peço portanto a v. ex.* que se digne de consultar o sr. ministro do reino a este respeito. ¦ O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Loulé): — Estou habilitado; e não ponho duvida a que ella tenha logar quando a camará determinar.

O sr. Presidente:—Na conformidade do regimento, vou consultar a camará se annue a que s. ex.a verifique a sua interpellação.

A Camara annuiu.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. João da Silva Carvalho.

O sr. João da Silva Carvalho: — Sr. presidente, a minha interpellação ao sr. ministro do reino é, como já tive a honra de annunciar a esta camará, sobre o modo por que se exerce a policia em Lisboa na averiguação das causes crimes. Peço á camará qne não veja nesta minha interpellação um desabafo, ainda que seria justo, dos aggra-vos que soffri, nem pense que pretendo combater a instituição da policia.

Não, não é assim. Não sou tão néscio que ignore que, nos tempos modernos, uma boa e bem organisada policia é uma garantia para a propriedade e para a segurança do cidadão.

Hoje em dia a policia tem altos e imperiosos encargos a desempenhar. Mas, sr. presidente, é preciso attender ao modo por que entre nós estes encargos, altos e imperiosos, como disse, se cumprem, e é sobre isto que eu venho aqui chamar a attenção do governo; é sobre os abusos que n'esse modo de pôr em pratica a policia se podem exercer com bem funestas consequências para todos, que eu desejo tirar esclarecimentos. A nossa policia, sr. presidente, está longe do que é em todos os paizes civilisados. Não quero entrar em detalhes minuciosos acerca da maneira por que a policia d'esses paizes está organisada, para mostrar a differença que ha entre uma e outra. Todos sabemos que em^Pa-rís ha agentes chamados commissarios, um para cada ar-rondissement: as funcções d'esses agentes correspondem em grande parte ás que entre nós exercem os administradores de bairro; e a sua acção está submettida a leis especiaes rigorosamente observadas. Reconheço, pelo que toca á policia judicial, a conveniência das investigações para o descobrimento dos criminosos; sei que a missão d'esta policia é das importantes para a sociedade, pois trata de proteger e piecatar a mesma sociedade; mas sei também que para tal missão conservar o seu caracter e tornar-se verdadeiramente prote tora, para corresponder ao nobre fim para que foi instituida, não ha de pôr em perigo a reputação do cidadão que está ou pôde estar innocente. Entendo, sr. presidente, que a reputação é uma propriedade tão sagrada como a fazenda, se não mais do que esta. Se essa ninguém a pôde atacar sem crime, nem sequer os mais altos poderes do estado, ainda menos contra aquella pôde ninguém attentar, sem incorrer em culpabilidade igual. Se a policia converter a vigilância em denuncia, direito que a nenhuma ordem de funccionario é dado, a instituição degenera, des-natura-se, e em vez de proteger, affronta e prejudica, pois que tal denuncia importa um castigo sem prévio julgamento, o que, como todos sabem, é grande e temerária arbitrariedade. O sigillo, sr. presidente, visto que a policia procede inquisitorialmente, o sigillo devia ser para ella cousa sagrada, sacratíssima, para não expor a torpes juizos a reputação do cjdadão; devia guarda-lo tão religiosamente como o próprio confessor. Tão pouco venho aqui, sr. presidente, arguir a policia por ella fazer averiguações, venho advertir por ella propalar a calumnia, e fazer ao mesmo passo origem e echo d'ella; venho acautelar por ella ter publicado averiguações que nunca devera tornar patentes, ainda que os seus resultados apurassem verdades, muito menos demonstrando a falsidade das suspeitas. Peço á camará queira meditar que terríveis e funestas consequências e que immoraes resultados se podem seguir de qualquer abuso no desempenho de funcções tào melindrosas, quaes são as da policia, sendo um dos mais capitães o tácito" convite ás vindictas, ás delações, e a todas as paixõeg ruins e dissolventes. Nada mais sagrado, repito, do que a reputação. A revelação, a publicidade do segredo das investigações, constitue um abuso tão grave, que não só produz um systema completo de diffamaçâo, mas ainda se converte em acção ante-policial como contraria á disciplina dos bons costumes. Se a policia, e sobretudo a policia judiciaria, deve ser tão severamente cautelosa, tão escrupulosamente discreta nos seus actos, que nem de longe possa ferir o indiciado talvez innocente, quanto mais o não ha de ser nas suas palavras?

Qualquer leviandade em tal assumpto, ainda que se referisse a cousas verdadeiras, seria extremamente nociva ao individuo, pelo descrédito que d'ahi lhe resultaria, ao mesmo tempo que apparecendo destituído de provas se tornaria não menos prejudicial á-auctoridadc, quando ulteriormente os factos viessem desmentir esta, e convenceria de calumnia! Todos sabem que, desgraçadamente, fallo* com a experiência, e posso ao pé da doutrina pôr o' exemplo.

Refiro acontecimentos que tiveram directamente relação comigo. Sinfoque não esteja presente o sr. ministro dos negócios da justiça: gostosamente aproveitaria a occasião para devidamente louvar a s. ex.* pela maneira por que se houve quando foi governador civil de Lisboa. No seu tempo também diversas indicios provocaram suspeitas sobre a reputação de vários individuos, alguns dos quaes fazem parte d'esta camará e cujo caracter está, e deve estar, muito superior a similhante género de supposições. Nada porém transpirou do que occorreu no' secreto da policia. Isto mostra a prudência, a cordura e a lealdade com que então se faziam as averiguações.

Permitta-se-me aqui uma breve ponderação. Sr. presidente, se acaso o que se passou comigo se passasse com um desvalido, como poderia elle justificar-se? Imagine-se ainda que a victima não era um desamparado da fortuna, mas um homem, cujo património, património seu e de sua família, todo assentava no credito, como por exemplo um negociante. Quanto não soffreria com este prejuizo da sua honra a fortuna das suas transacções? E isto só por um boato, um boato fallaz mas infamante! E qual era o resultado? Mancha da sua reputação; seguia-se o risco dos seus haveres, ao risco dos seus haveres a desgraça da sua família.

Sr. presidente, affastemos os olhos d'estes quadros, que até injustos horrorisam; e seja-me permittido auctorisar os principios que expuz com a historia que vou narrar; a minha própria historia. Tenho direito de citar estes factos, porque desgraçadamente se passaram em Lisboa, porque foram bem notórios, e porque explicam os abusos já notados, abusos que tocam á nação, porque interessam a todos os cidadãos. Quem pôde, porém, eximir-se dos seus effeitos, se a indifferença lhes tolerar a repetição?

Conhece em parte a camará aquelles factos; para explica-los sou todavia obrigado a repeti-los. Sou, sr. presidente, sou obrigado a repetir essa monstruosa e deplorável historia, que eu para sempre quizera esquecer, mas de que ainda guardo e guardarei triste e viva memoria, porque os seus lances feriram gravemente o meu coração, e feridas d'cstas antes de cicatrizarem levam muito tempo a verter sangue. Descnlpe-me, pois ha de desculpar-me a camará, que sabe e que avalia a minha especial situação n'este caso.

Sr. presidente, tive em minha casa uma rapariga suissa que era aia de meus filhos, tinha vindo com minha família quando ha tres annos fizemos uma viagem aos Alpes. Esta aia esteve em minha casa perto de um anno, soffrendo im-menso n'este paiz por causa da nostalgia, doença muito vulgar nos habitantes d'aquelle paiz. Desejando portanto voltar á sua pátria, partiu de Lisboa nos principios do mez de setembro de 1859. Foi isto um acontecimento puramente domestico, similhante a muitos que todos os dias occorrem. Partiu o paquete a 4 de setembro de 1859.

Em dezembro do mesmo anno, isto é, tres mezes depois, appareceu o cadáver de uma rapariga no sitio do Rio Secco. A policia tentou de-cobrir quem era a victima. Não o pôde porém conseguir, e até hoje, que eu saiba, nada se descobriu. Lamentava eu este facto, como todos, por ser mais um crime nefando no seio de uma sociedade pacifica. Estava todavia bem longe de pensar que havia de figurar como actor n'aquella tragedia.

Corria o mez de agosto de 1860 e achava-me em Cintra, quando recebi uma carta, em que se me dizia que por toda a parte se ouvia dizer que a rapariga que apparecera morta no sitio do Rio Secco era a mesma minha creada que eu havia trazido da Suissa. O cavalheiro que me fez este aviso é um dos membros d'esta camará; sinto não o ver presente.

S. ex.* antes de me escrever tinha ido em pessoa ao governo civil saber o que havia a tal respeito, e ali lhe disseram: «a creada de fulano é a assassinada, e a que elle «fez ir para fora, foi outra com o nome supposto!!»

Disse-se isto, sr. presidente, houve na policia portugueza quem ousasse dizer isto sem rebuço!

Assim que eu soube de tal, parti para Lisboa, seriam cinco horas da tarde; ás cinco e meia, isto é meia hora depois, já haviam participado ao sr. conde de Paraty, então governador civil, que eu tinha fugido! Tive conhecimento d'esta particularidade porque s. ex.a m'o disse depois; é mais uma prova da rara sagacidade dos agentes policiaes que intervieram n'este irregularissimo caso.

Apenas cheguei a Lisboa, apesar de ser tarde, pois eram nove horas da noite, fui procurar o sr. secretario geral. Não o achando no governo civil aquella hora, dirigi-me á sua casa que me foi indicada. No dia seguinte fallei com o sr. Rodrigues, chefe da respectiva repartição, no gabinete de uma das direcções do governo civil, e perguntando-lhe o que havia a respeito do que me fora communicado, repe-tiu-me que a rapariga assassinada era Maria Luiza Rubin.

Fiquei naturalmente maravilhado de se me asseverar assim que fora violentamente morta quem eu vira, por assim dizer, partir para Berne, pois foi na minha própria carruagem até ao embarque, sendo testemunhas d'e?te embarque os creados que a acompanharam, e que lhe levaram a sua bagagem, e uma carta de recommendação para o agente do vapor.

Era tanto maior a minha admiração quanto fora eu mesmo pedir ao agente dos vapores francezes, que hovesse de re-commendar aquella rapariga, a quem toda a minha família tinha muita affeição, da qual se tornava merecedora por seu exemplar comportamento; e quanto, havendo-a effecti-

vamente recommendado, aquelle agente me participara depois, que ella tinha desembarcado em S.' Nazaire-! Relatei estas circumstancias ao sr. Rodrigues, e acrescentei mais, que Maria Luiza Rubin escrevia todos os mezes para Lisboa, e amiudadas vezes, a Rosine Marti, sua compatriota. Não obstante todos estes esclarecimentos e outros que dei, o chefe da policia respondeu-me: «apesar de tudo quanto v. ex.a me expõe, estou persuadido que a rapariga que se encontrou assassinada em Rio Secco é essa que foi sua creada!!!»

Similhante e tão vaga^asserção, em presença de informações tãc positivas e tão fáceis de averiguar, queria logo uma negação'redonda; ma* eu tornei-lhe que a compatriota d'essa creaday de quem lhe fallára, estava em Ciutra, e que a deviam mandar chamar parai- depor o que soubesse aquelle respeito; Como porém eu visse que se recusava a receber este depoimento, escrevi logo, a fim de que Rosine Marti viesse a Lisboa, como effectivamente veiu, dirigindo-a eu ao governo civil, para que ali depozesse o que soubesse. Roguei ao mesmo tempo ao agente dos vapores francezes fosse também depor os factos de que era conhecedor. No governo civil fizeram instancias sobre instancias, como para que as testemunhas não dissessem simplesmente a verdade; parecia que o fito era complicar de tal modo os depoimentos, que (Testes se podesse deduzir um determinado sentido. Repetia-se com frequência ás mesmas testemunhas que ellas não diziam o que sabiam; e tantas foram as vezes que as perguntaram e reperguntaram, que, entrando no numero d'ellas uma creada do sr. visconde da Carreira, s. ex.a chegou a pedir ao governador civil que por uma vez fizesse acabar já aquelle interrogatório, aliás não teria fim. D'esta pertinácia bem se poderia inferir mais do que o desejo natural de esclarecer um acontecimento obscuro, o intuito de indicar e ouvir respostas accordes com antecipadas prevenções. Concorda mal a imparcialidade da justiça com este obstinado propósito.

Tornando ao governo civil, perguntei ao sr. conde de Paraty se já se havia mandado perguntar para Berne se ali existia Maria Luiza Rubin. Respondeu-me que não; mas que se tinha escripto ao nosso encarregado de negócios cm Paris, o sr. visconde de Paiva, a fim de que este tratasse de saber se effectivamente em Berne existia aquella rapariga. Pedi então que logo se expedisse uma communicação tele-graphica para Berne, para que o mais breve possivel se podesse averiguar tão grave negocio, patenteando-se a verdade. Dei todos os esclarecimentos precisos, declarando que Maria Luiza Rubin estava actualmente servindo de aia em casa de mr. Burnley, secretario da legação ingleza em Berne; o te-logramma era explicito, e referindo-se a Maria Luiza Rubin dizia expressamente — qui 'a eté à Lisbonne au service de mr. da Silva Carvalho.

Este expediente tão prompto, tão trivial hoje, note-se, não tinha occorrido á policia!

Como vinte e quatro horas depois não tivesse chegado a resposta a este telegramma, entendi que devia dirigir-me ao sr. ministro do reino, porque, em tal e tão árdua posição, como esta em que me tinham collocado, toda a demora me era insupportavel.

Fallei pois ao sr. ministro do reino, e s. ex.a mostrou o maior desejo de me satisfazer, annuindo logo ao meu pedido de fazer expedir outro telegramma pelo ministério a seu cargo.

Esta resposta veiu breve,-e dizia assim—Marie Louise Rubin est maintenant à Berne vivante.

Convenci-me de que esta resposta pareceria sufficiente-mente explicita, porque as palavras Rubin est maintenant a Berne vivante se referiam claramente á rapariga que havia estado ao meu serviço, e que depois d'elle se tinha retirado ao seu paiz.

Entretanto o nosso encarregado de negócios respondeu a seu tempo, que não constava que essa Rubin houvesse passado por Paris; mas que se dirigira ao ministro da Suissa para que elle declarasse se ella existia em Borne.

Entretanto chegava um officio do chefe da policia de Berne em resposta a outro do governador civil, de Lisboa, officio que me foi communicado pelo sr. governador civil, que então já era o sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira, e ahi se dizia o seguinte:

«La direction de police centrale du Canton de Berne. «Berne le 28 Aout 1860. A mr. le gouverneur civil comte «de Paraty à Lisbonne. ,

«Respondant a votre telegramme d'hier, j'ai l'honneur de «vous dire que la meme filie Marie Louise Rubin, qui a eté «au service de mr. da Silva Carvalho en Lisbonne, estmain-«tenant ici à Berne vivante, et employée chez mr. le secre-«taire de l'ambassade anglaise en Suisse resident à Berne.

«Elle doitavoir eté en correspondance avec une filie Marti, «d'ici, qui doit être en service à Lisbonne chez un banquier. «Ayant reçu une même depèche telegraphique ce soir du «ministère de 1'interieur à Lisbonne, je lui ai répondu la «même reponse par telegraphe.

«J'ai deboursé par cette depeche telegraphique fr". 17 que «je vous prie de bien vouloir me rembourser franc de port «ici, s'il vous plait. Agréez, mr. le gouverneur civil, l'assu-«rance de ma haute consideration.

«Le chef de la police centrale «Singeisen». Devia conhecer-se que este officio não podia apresentar a menor sombra de suspeita, e que na presença d'elle toda a desconfiança, e portanto toda a calumnia devia cair. Não foi pois sem grande assombro que, vindo eu a Lisboa, soube que o processo continuava porque a tenacidade da policia a meu respeito não recuava diante de documento ou prova alguma.

Observe mais a camará; o governador civil o sr. conde de Paraty havia mandado para Berne um officio no qual se pediu que ahi se formasse um processo verbal sobre a existência e identidade "de Maria Luiza. Rubin, e em res-