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consequências foram taes que os espiritos mais prevenidos a favor das theorias se viram obrigados a submetter-se á lógica inflexível dos factos. Restabelecido, ainda que profundamente alterado nos accidentes, o principio protector, continuou a legislação especial em vigor, apesar das mudanças que as dictaduras, inimigas da discussão, lhe introduziram, até ao tempo presente, em que vemos imminente de novo o grande cataclysmo.

Á'prudência d'esta camará deveu jâ o Douro o incontestável beneficio de ter tido na novidade de 1860 os excel-lentes preços pelos quaes se trocaram os seus vinhos, os quaes já se consideravam destinados a um barateio infalli-vel, se á proposta de lei que tão rápida viagem teve na camará electiva soprasse o vento com igual frescura e direcção n'esta outra. A calmaria, pela qual passou a proposição de lei n'esta camará, deveram os habitantes do Douro alguns centos de contos de réis. Praza, ao céu que a decisão que na actual sessão, legislativa se vae "tomar seja a mais justa e mais conducente aos interesses públicos, com que se não deve brincar, tornando-os todos os dias o joguete dos theoristas ou dos que só olham a interesses mesquinhos. Mas a questão deve decidir-se por algum modo; é necessário sair do estado provisório que alguns sustentam, mas pelo qual não opino.

Tendo interesses no Douro e fora d'elle, eu entro n'esta questão compenetrado da minha imparcialidade, e só movido pelo interesse publico, e em especial da localidade que é mais aífectada por esta questão.—Respeitando todas as opiniões, e conhecendo a immensa difficuldade de tratar todas as questões económicas, e muito principalmente esta, que é em tudo tão especial, e que só' na historia dos factos pode ser estudada, eu sou o primeiro a sentir que, apresentando algumas bases para a reforma e nunca destruição d'esta legislação, me vou collocar n'uma posição difíicil: 1.° pela minha incompetência, e deficiência de conhecimentos e de dados; 2.° pelo embate certo e infallivel das opiniões, mais ou menos formadas n'esta matéria. Contra mim terei, e talvez com justo fundamento, os proselytos de uma e outra escola, e porventura serão baldados todos os meus esforços. A voz da consciência, e o dever como membro, embora obscuro, d'esta camará, me induzem a tomar uma parte directa n'esta questão.

Entendo que as medidas, aliás excellentes e bem meditadas, que trouxeram óptimos resultados em determinadas epochas, nem sempre são adoptáveis. — A marcha rápida do tempo, e a transformação das idéas e do modo de ser da sociedade, tornam impossivel o que annos antes era e foi muito praticável.

N'este sentido creio que a epocha actual chama o Douro a reger-se por uma serie de medidas conformes com as idéas, que hoje mais ou menos dominam as relações sociaes.—O Douro tem uma industria creada e mantida á sombra de certa legislação, tom portanto direito a manter os seus foros, e a não se deixar espoliar. O Douro tem direito a asso-ciar-se, e a reger-se como lhe convenha, porém de modo que não vá de encontro ao interesse geral da communidade. O Douro tem feito sacrifícios especiaes, e não duvida continuar afaze-los, sacrifícios quo só elle tem feito e quer fazer; 'tem pois direito a uma protecção especial, e a que esses sacrifícios revertam em seu favor. O Douro luta com a miséria e com o infortúnio, tem pois duplo direito á consideração publica e aos cuidados do governo central. Mas o Douro tem uma importantissima industria agrícola, cuja prosperidade está intimamente ligada com a do commercio; logo não deve hostilisar este, assim como esto andará mal avisado se hostilisar aquella. São irmãos gémeos o commercio *| e a agricultura, quo devem amparar-se e soccorrer-se mutuamente, não se condemnando a um odio eterno. Não com-prohendo como o commercio possa prosperar longo tempo, quando se definha a agricultura, nem que esta possa adian-tar-so, quando aquelle se acha languido e esmorecido.

Serve mal á agricultura quem a quer proteger com prejuízo do commercio; é mau amigo d'este o que não tiver grande interesse na prosperidade da agricultura.

Nas reformas porém que se fizerem é necessário alargar os horisontes, e encarar as cousas pelo que ellau são, e não pelo que foram, acompanhando a humanidade na marcha irresistível dai suas idéas e aspirações. Quaesquer que sejam as idéas do individuo, como particular é necessário po-las ao par da sua epocha, quando elle, com rasão ou sem ella, se acha na posição dc homem politico, chamado a interferir na governação da sociedade.

Na reforma porém que se faça, é necessário não abalar profundamente as industrias, creadas e mantidas á sombra ou ao calor dc certa ordem de cousas; é necessário transigir, e preparar o futuro para uma reforma radical, quando ella possa ter logar °ein perigos. Como se pertendo de salto atacar uni systema, que vigora ha mais de um século, durante o qual '0 creou uma industria, como não ha outra no paiz, e, sem a armar com as arma3 modernas, deixa-la sem defeza privando-a das antigas? Hoje que as classes, apesar e a despeito de toda n liberdade que se apregoa, têem uma tendência indisputável para o monopólio, é necessário não deixar os agricultores sem associação e sem recursos, entregues á mercê dos monopolistas de todo o género. Nào lembre só a agricultura para sobre aterra se lançarem alea-vallas pesadas, cobradas por leis, regulamento'? e maneiras barbaras. A agricultura é a força do estado, e deve concorrer para os encargos d'elle com importantes sommas, mas o estado deve dar-lhe a mão de preferencia a qualquer outra industria, e não abandona-la, como tem feito, definhada e exausta á acção combinada e contraria dos outros elementos sociaes.

Convencido, como estou, que a industria agrícola é a mais importante d'estc paiz, e que nenhuma outra, até pela limitação dos mercados, pois a cada instante estamos a dar

encontrões na Hespanha, pôde competir em importância com ella, sempre na minha vida publica tenho pugnado pela protecção que o governo lhe deve, e pela attenção com que deve encara-la.

A minha questão não é da agricultura em certa ou determinada localidade, é sim da agricultura em geral no seu complexo. Se especialmente hoje me oceupo da industria agricola vinhateira, e ainda esta limitada ao paiz do Douro, é porque não me atrevo, eu simples particular completamente alheio aos negócios, a trata-la, com esperança de suc-cesso, na altura em que o deve ser.

Sobre o Douro, em especial, mais alguma cousa posso dizer, por conhece-lo e ter meditado na sua longa historia, sobre a qual se podiam escrever volumes, recopilando o que sobre elle se ha escripto.

Lançando ao papel algumas bases para uma reforma na legislação d'este paiz, eu nem mesmo me atrevo a dar-lhe o nome de projecto de lei: falta-lhe muito para poder ser codificado, e mesmo ignoro se em presença das attribuições restrictas sobre iniciativa, que a carta constitucional nos faculta, eu posso, como membro d'esta camará, propor o projecto no sentido das minhas idéas. Duvido1 que o possa fazer, mas seria impossivel tratar esta questão sem isso; pelo que, devo ser relevado.

Dividirei as bases para a reforma da legislação vinhateira em differentes partes, ou capitulos. No conjunto de todas estas medidas é que eu considero poderá consistir a reforma ou substituição da legislação vinicola: a discussão, com os esclarecimentos do governo, poderá esclarecer melhor o que convirá fazer; pois acredito que n'uma questão alheia inteiramente aos caprichos da politica, ninguém poderá querer outra cousa que não seja o acertar.

Bases para'a reforma da legislação do paiz do Douro

CAPITULO I

da associação dos agricultores do douro e dos das outras províncias

Artigo 1.° Todos os lavradores dos districtos vinhateiros do reino e ilhas podem livremente associar-se formulando os seus estatuto», que serão submettidos á approvação do governo, sem o que não terão vigor.

Art. 2.° Os lavradores, assim associados, designarão uma denominação e marca do género da sua cultura.

Art. 3.° Esta marca e designação são garantidas, e não poderão ser adoptadas por nenhuma outra associação ou individuo.

Art. 4.° A todo o proprietário ou commerciante de vinhos é permittido adoptar um nome e marca para o género especial da sua cultura e commercio.

§ único. Esta marca não o dispensa de usar da da associação, a qual é obrigativa.

Art. 5.° São igualmente garantidas as marcas especiaes do3 proprietários ou commerciantes, que produzam ou negoceiem em vinhos de uma determinada associação.

Art. 6.° A falsificação das marcas das associações e dos particulares será punida com as penas especificadas na lei com muni.

Art. 7.° Regulamentos especiaes do governo determinarão o modo pratico de levar á execução as disposições sobre as marcas das associações, dos particulares e da sua garantia.

Art. 8.° Os quarenta maiores lavradores de vinhos do Douro, regulando para este effeito o termo médio dos vinhos que arrolaram nos últimos cinco annos, constituem o centro da associação dos lavradores d'este paiz vinicola.

Art. 9.° A assembléa d'estes compete discutir e propor ao governo o projecto de estatutos da associação; os quaes só poderão ser alterados pela forma que elles determi narem.

CAPITULO II

da demarcação do paiz viniiateiro do douro e do seu arrolamento e exportação

Art. 10.° Os vinhos e geropigas do Douro continuam a gosar o privilegio de serem exclusivamente exportados pela barra do rio Douro.

Art. 11.° As geropigas serão para todos os effeitos consideradas como vinhos, e tanto umas como os outros serão divididos em duas classes, exportáveis e de consummo ou distillação.

Art. 12.° Os vinhos do Douro continuarão a ser arrola-,dos pelo modo prescripto no decreto com força de lei de 11 de outubro de 1852.

Art. 13.° A commissão reguladora, creada pelo regulamento de 12 de outubro de 1852, continua a subsistir com as attribuições n'elle especificadas, salvas as alterações da presente lei.

§ único. Os membros da mesma commissão, pertencentes á lavoura, serão de ora em diante eleitos pela associação dos lavradores do Douro.

Art. 14.° Em presença da cifra do arrolamento feito dentro da demarcação do paiz vinhateiro do Douro, e da exportação dos últimos cinco annos, e bem assim da qualidade da novidade, o governo, precedendo consulta da commissão reguladora, determinará por decreto o numero de pipas habilitadas para exportação.

Art. 15.° A exportação será feita para todos os portos do mundo, sem distineção alguma, e sem differença de direitos.

Art. 16.° O governo mandará proceder immediatamente á demarcação definitiva do paiz vinhateiro do Douro, fazen-do-se em seguida o cadastro das propriedades n'elle com-prehendidas; especificando-se a respeito de cada n'uma d'el-las o numero de pipas de vinho, que podem produzir em annos regulares.

Art. 17.° Fjcam abolidas as provas dos vinhos, ou seja por assentadas ou á porta dos armazéns.

Art. 18.° Em presença da cifra de pipas approvada para

exportação no decreto do governo, a commissão reguladora mandará passar guias de exportação a todos os lavradores, cujas propriedades estejam no cadastro da demarcação, na proporção que lhes possa caber, attendendo á rasão existente entre o numero de pipas de vinho, que se arrolaram, e o que foi declarado exportável.

Art. 19.° O numero de pipas arrolado por cada lavrador não poderá exceder de um terço aquelle que lhe estiver designado na respectiva matriz predial.

Art. 20.° É prohida a importação de vinhos estranhos á demarcação do paiz do Douro, antes e durante o arrolamento.

Art. 21.° Nenhum vinho será1 exportado pela barra do Douro, sem estar armazenado como exportável, e tendo a marca da associação dos lavradores do Douro.

Art. 22.° O governo mandará proceder á revisão dos regulamentos dos vinhos do Douro, e bem assim decretará o que se deve observar quanto á fiscalisação dos armazéns de deposito, e aos seus desfalques.

CAPITULO III

dos direitos dos vinhos de consummo

Art. 23.° São equiparados os direitos de despacho para consummo aos vinhos verdes e maduros, introduzidos no Porto e Villa Nova de Gaia.

Art. 24.° Todos indistinctamente pagarão de entrada uma quantia igual á media do producto d'este imposto nos últimos cinco annos, dividido pelo numero de pipas entradas, salvo o imposto addicional de 20 por cento para viação.

Art. 25.° Fica abolida a prova dos vinhos á entrada de barreiras, sendo todo despachado como vinho de consummo.

Art. 26.° Continuarão em vigor as disposições especiaes quanto á applicação e divisão do producto d'este imposto.

Art. 27.° O vinho, guiado para a exportação, será introduzido para os armazéns, manifestados para deposito, sem prévio pagamento de direitos, o qual só se verificará no acto da exportação.

Art. 28.° O governo fará os regulamentos para a exacta fiscalisação e cobrança d'estes direitos.

CAPITULO IV

do imposto sobre o viniio de exportação e sua applicação

Art. 29.° Os vinhos que forem exportados pela barra do rio Douro pagarão de direitos de saída 2$500 réis por pipa, alem do imposto addicional para viação.

Art. 30.° A applicação do imposto, na parte differencial com relação ao que onera os vinhos das outras procedências, exportados pelas outras barras do reino será, alem do serviço especial que exigem os regulamentos do paiz vinhateiro do Douro, na conformidade d'esta lei, para dar impulso á viação publica no mesmo paiz.

Art. 31.° E o governo auctorisado a levantar sobre este imposto a quantia de 600:000^000 réis, em tres series an-nuaes de 200:000)5000 réis cada uma, com destino exclusivo á viação no districto da demarcação do paiz vinhateiro.

Art. 32.° As estradas quo se fizerem com o producto d'este empréstimo serão igualmente divididas pelas duas margens do Douro, dentro do paiz da demarcação.

Art. 33.° O governo mandará proceder ao estudo do paiz vinhateiro para se fazer um plano geral das estradas d'este paiz.

Art. 34.° O juro d'este empréstimo não excederá a 6 por cento, e terá uma amortisação que o governo decretará no programma para a verificação do mesmo.

CAPITULO v

estabelecimento de credito para o paiz vinhateiro do douro

Art. 35.° E creado na Régua um banco com a denominação de = banco do Alto Douro Este banco poderá ter uma caixa filial no Porto.

Art. 36.° O seu fim é promover a industria dos vinhos do Douro; e o proteger a sua agricultura.

Art. 37.° O seu fundo serí de 3.000:000^000 réis, divididos em series, sendo a primeira de 1.000:000^000 réis, divididos em acções de 10Ò$000réis cada uma.

Art. 38.° O banco considerar-se-ha constituído logo que se ache subscripta esta primeira serie, e começará a funecio-nar apenas se tenha pago a primeira prestação, que não será inferior a 30 por cento.

Art. 39.° O governo garante aos accionistas d'este banco o minimo de juro de 6 por cento, para o que tem o direito de se fazer representar na direcção do banco como se dis-pozer em seus estatutos.

Art. 40.° A direcção do banco é indefinida, mas os privilégios de garantia de minimo de juro, acima mencionado, e os que abaixo se declaram, durarão tão somente o espaço de vinte annos, contados da data da sua constituição definitiva.

Art. 41.° Os privilégios, alem do da garantia de minimo de juro, são:

§ 1.° A emissão de cheques á vista, e ao portador, que serão admittidos como dinheiro corrente nas estações publicas;

§ 2.° A isenção de impostos quer geraes quer locaes;

§ 3.° As acções podem ser negociadas por simples in-dosso, sem pagamento de direitos de transmissão;

§ 4.° O gozo dos privilégios da fazenda nacional para a cobrança das suas dividas;

§ 5.° Uma guarda militar.

Art. 42.° As suas operações consistem no seguinte:

§ 1.° Fazer empréstimos aos lavradores, sobre seus bens, pela forma abaixo declarada;

§ 2.° Fazer empréstimos sobre depósitos de vinhos, pela forma que indicarem os estatutos;

§ 3.4 Emprestar sobre as suas, próprias acções;

1 Se o governo quizesse dar um grande impulso a estas instituições bancarias eu opinaria antes pela creação de um grande banco cm Lisboa, com uma caixa succursal na Régua, e com outras em diversas localidades, dando assim um grande e enérgico impulso á agricultura, e fazendo operações de manimo alcance.