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68 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

intentados contra alguns de seus membros, ao passo que a outra camara nunca fez igual concessão.

Estes e muitos outros factos, que poderia citar, provam, sr. presidente, que o espirito liberai está arreigado, está consubstanciado na camara dos pares, que tem sido sempre uma garantia para que as instituições se conservem e os principios anarchicos se não estabeleçam.

V. exa., como parlamentar antigo e profundo conhecedor da historia, póde attestar do modo por que esta camara se tem havido em todas as occasiões, para defender a monarchia constitucional e o regimen representativo. Assim é e assim devia ser, uma vez que n'esta camara vejo eu a nata dos partidos, os homens publicos mais notaveis do meu paiz.

Sr. presidente, emquanto as eleições se fizerem como se têem feito até aqui, a camara dos pares ha de ter uma alta significação politica, porque ella é e tem sido o penhor e a barreira sempre opposta ás demasias dos governos.

Com isto não quero dizer que a camara dos pares não soffra alterações; não quero dizer que o principio de hereditariedade continue a prevalecer; não quero dizer que se lhe não façam todas as reformas e modificações rasoaveis e conformes com as idéas da epocha; não quero dizer que a certos cargos continue inherente a qualidade de par.

Quero uma reforma seria, sensata, e em harmonia com a indole do paiz e das instituições.

Sr. presidente, quando um governo tem no programma do seu partido a indicação dessas reformas, não comprehendo como desperdiçou o ensejo de começar a applicar já de um certo modo a doutrina d'aquelle programma, no artigo que condemna a hereditariedade; e bastava para isso que nomeasse, em vez de pares hereditarios, pares vitalicios, o que podia muito bem fazer pelo artigo 39.° da carta constitucional, que diz:

"Art. 39.° A camara dos pares é composta de membros vitalicios e hereditarios, nomeados pelo Rei e sem numero fixo."

Não comprehendo igualmente como, sendo o programma progressista contrario á representação parlamentar dos bispos, viesse reforçar aquelle elemento mettendo nas duas fornadas dois prelados, aliás illustres ornamentos do clero portuguez.

Não comprehendo como esse partido, que julga que as reformas financeiras e administrativas estão intimamente ligadas ás politicas, tem perdido o melhor ensejo de as realisar.

Não comprehendo como esse partido, que sobe ao poder convencido de ter por si a opinião publica e a corôa, e portanto cheio de força, não realisa uma unica idéa do seu programma, pelo contrario, esfarrapa-o, para melhor se segurar no poder.

Nada d'isto comprehendo. Mas o que comprehendo e o que tenho visto, é uma certa imprensa, a imprensa d'esse partido, e os seus tribunos populares com assento na camara dos senhores deputados, levantarem-se a pregar a guerra contra esta camara, taxando-a de instituição anachronica, de velharia inutil.

O que é certo, porém, é que esses que gritam agora na tribuna parlamentar, se não se fizessem as eleições de deputados com os regedores e cabos de policia, nunca teriam assento na outra camara. Saídos dos chapéus dos srs. ministros, são elles os que querem para si o monopolio da representação nacional! E representarão genuinamente a vontade do povo? Eu, velho parlamentar, nunca os vi em S. Bento senão quando o seu partido fez eleições com os regedores e cabos de policia.

Veremos se esse povo em que tanto fallam, e que tanto adulam lhes confia o mandato quando estiverem na opposição.

Agora emquanto a essa democracia que anda por ahi nos carinhos da moda, sempre referirei á camara a apreciação muito chistosa de um amigo meu que prima pelo espirito fino e elevado.

Fallando das idéas modernas que parece estarem hoje na atmosphera politica que nos cerca? dizia aquelle meu amigo que já se não admirava dos antigos bombasticos e discursos pomposos em que se invocava a todo o momento o progresso, a liberdade, a igualdade, a soberania do povo, etc., etc., porque até os animaes por instincto eram progressistas; e citou-me para exemplo a experiencia que elle tinha feito com as gallinhas, aliás as aves mais pacatas d'este mundo.

Pegue-se, dizia elle, n'um esgalho de uvas e atire-se para um quintal: as gallinhas como boas progressistas correm todas; aquella que o apanha foge immediatamente para qualquer canto no intuito de o comer socegadamente. Passou a conservadora. Se por acaso alguma outra consegue tomal o, o processo a seguir é o mesmo, foge e é desnecessario dizer que passa logo a conservadora, emquanto as outras que a perseguem ficam desempenhando o papel de progressistas.

A experiencia d'este meu amigo tem-lhe mostrado o antagonismo que ha entre a idéa e a bolsa; bolsa retrahida, idéa avançada, idéa para a testa; bolsa dilatada, idéa recolhida, idéa para a nuca, dizia-me elle.

Sr. presidente, eu respeito as convicções de cada um e as opiniões sinceras de todos, mas receio que esses illustres patriotas que querem agora para si o monopolio da representação popular, mais tarde, se a fortuna os favorecer, e chegarem a alcançar qualquer categoria, já não achem tão anachronica a instituição d'esta camara e se honrem de pertencer a ella como muitos dos novos pares, que eu aqui vejo.

Deixemos esses apostolos do progresso com as suas aspições phantasiosas e sonhos dourados, e passemos á analyse dos actos do governo.

Sr. presidente, este ministerio subiu ao poder em nome das economias e do respeito ás leis. São estes dois pontos que eu desejo examinar, a fim de verificar como o governo tem satisfeito a sua missão n'esta parte, cumprido o mandato do seu partido e correspondido ás aspirações da opposição que lhe conquistou aquellas cadeiras.

Havemos de ver como elle se tem desempenhado da tarefa que lhe cabia na execução do programma, de que tanto se orgulhava, e que a final esfarrapou completamente.

Apostolava o respeito á lei: pois vive hoje na presença do parlamento, com as côrtes abertas, em plena dictadura.

V. exa. e a camara sabem que logo que subiram ao poder os actuaes srs. ministros promulgaram o decreto de 30 de julho de 1879, pelo qual revogavam outros com força de lei, e entre elles o de 30 de outubro que organisava a engenheria militar, referendado por um seu amigo politico, o sr. Calheiros. Este decreto que estabelecia regras e principios acceitaveis, marcava a fórma, per que se deviam conceder as ajudas de custo eventuaes, as quaes nunca poderiam ser dadas por mais de quinze dias. O sr. Saraiva de Carvalho, apesar de solidario com o sr. Calheiros, pois tinha pertencido ao mesmo ministerio, não teve duvida em o revogar, para tornar permanente o que era eventual, e dar alem d'aquellas ajudas da custo, as mais que fossem sua vontade, fazendo assim maiores e mais largos dispendios.

Eis aqui têem v. exa. e a camara como os actuaes ministros fazem economias e respeitam a lei.

Nunca vi senão no consulado d'estes senhores o precedente de revogar decretos para estabelecer abusos. Eu vou ler á camara as disposições do celebre decreto de 30 de julho de 1879.

"Tomando em consideração o relatorio dos ministros e secretarios d'estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

"Artigo 1.° O ministerio das obras publicas, commerci