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N.º 12

SESSÃO DE 1 DE FEVEREIRO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares, Visconde de Soares Franco, Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa. — Discursos dos dignos pares os srs. Vaz Preto, Pires de Lima, visconde de Chancelleiros e Serpa Pimentel.

As duas horas da tarde, sendo presentes 28 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, justiça, guerra, obras publicas e da marinha.)

O sr. Presidente:— Está nos corredores desta casa, para tomar assento como par do reino, o sr. Ferreira Lapa; peço, pois, aos dignos pares os srs. Corvo e Margiochi, queiram ter a bondade de introduzir s. exa. na sala.

Introduzido na sala, leu-se a seguinte:

Carta regia

João Ignacio Ferreira Lapa, do meu conselho, director geral do instituto geral de agricultura, e lente proprietario do mesmo instituto. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de lente proprietario do instituto geral de agricultura, com exercício effectivo de mais de dez annos, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881.= EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para João Ignacio Ferreira Lapa, do meu conselho, director geral do instituto geral de agricultura, e lente proprietario do mesmo instituto.

S. exa. prestou juramento e tomou assento.

O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Presidente: — Como talvez alguns dos dignos pares que agora estão presentes não o estejam ao levantar da sessão, devo desde já declarar que a primeira parte da ordem do dia da sessão immediata, que terá logar sexta feira, será a discussão do parecer n.° 153, que diz respeito á carta regia que elevou á dignidade de par o sr. Henrique de Macedo.
Vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, sinto que apenas esteja presente o sr. presidente do conselho; sinto-o, porque tantos e tão variados têem sido os actos dignos de censura, praticados pelo actual gabinete, nos differentes ramos da administração publica, que terei de me dirigir cada um dos srs. ministros na analyse que tiver de fazer.

A não ser o sr. presidente do conselho, nenhum occupa o seu posto de honra. Aquellas cadeiras estão desoccupadas e vazias nesta discussão importantissima, neste debate politico em que todos têem a responsabilidade dos seus actos e a obrigação de os justificar e defender! Não me parece airoso, nem gentil, similhante proceder. Será, pois, ao sr. presidente do conselho que pedirei estreitas contas dos actos dos seus collegas, será a s. exa. que me dirigirei em termos claros, precisos e enérgicos, pedindo e exigindo explicações tambem claras precisas e terminantes como carecem de ser dadas a esta camara pelo chefe do ministerio, que deve comprehender o seu dever e respeitar o regimen representativo, em que a publicidade é uma dai suas mais preciosas vantagens. Será, pois, ao sr. presidente do conselho, solidário em todos os actos dos seus collegas, e mais responsável ainda do que elles por ser chefe de uma situação e chefe de um partido, que eu principalmente me dirigirei, na ausencia delles.

Sr. presidente, eu folgo que o sr. presidente do conselho entrasse no bom caminho, e prestasse aqui, em pleno parlamento, homenagem aos verdadeiros principios liberaes e á constituição do estado a camara, deve, pois, alegrar-se com similhante acontecimento. Foi necessario, com tudo, que a commissão de resposta ao discurso da coroa, que elaborou o projecto que se discute, o desviasse do caminho errado; e por admoestações sinceras e avisos salutares, apontando-lhe para o dever, lhe indicasse a. dou trina constitucional e a obrigação que lhe corria de acatar todos os poderes creados pela constituição do estado.

Sr. presidente, se folgo com este acontecimento, folgaria muito mais ainda se o sr. presidente do conselho de ministros tivesse feito alguma declaração neste sentido na outra casa do parlamento, quando dias antes a camara dós pares fora ali vivamente atacada; se s. exa., em logar de permanecer silencioso, protestasse energicamente contra o ataque á constituição do estado e fizesse restabelecer o império da moralidade politica e do respeito á lei. Não succedeu assim, como era de esperar e como eu desejava; antes, pelo contrario, o silencio o mais pertinaz cerrou obstinadamente os lábios do sr. Braamcamp, e das cadeiras dos srs. ministros nem um só brado se levantou, nem um murmúrio se fez ouvir, nem um gesto sequer de indignação, lavrando solemne protesto, se manifestou contra as heresias constitucionais ali pronunciadas, contra as manifestações revolucionarias saídas do seio da maioria, que atacavam violentamente a constituição!! O silencio pertinaz e obstinado do sr. presidente do conselho e dos seus collegas numa similhante conjunctura, se não foi um acto de vergonhosa fraqueza, foi-o então de censurável cumplicidade.

O sr. Presidente: — Eu peço licença para interromper o- digno par. Com quanto me custe sempre muito ter de fazer qualquer recommendação desta ordem aos dignos pares, devo lembrar ao sr. Vaz Preto que o nosso regimento não permitte que nas discussões desta camara se façam allusões ao que se passou na outra casa do parlamento.

O sr. Vaz Preto: — Eu respeito a outra casa do par-

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lamento, conheço o regimento d'esta casa, sei qual é o meu direito e até onde posso levar a discussão sem levantar reclamações. Demais, os factos a que me referia são do dominio da imprensa, são noticias que os jornaes têem dado ácerca do que se tem passado na camara dos senhores deputados.

Desejo tratar as questões na altura em que devem ser tratadas aqui.

Disse, pois, sr. presidente, e repito, que era melhor que as declarações que o sr. presidente do conselho fez hontem perante esta camara, as tivesse feito de preferencia na camara dos senhores deputados quando ahi, esquecendo-se a constituição do estado, se invectivava a camara dos pares.

Acrescento mais, sr. presidente, que quando um governo procede pela forma que este procedeu diante da insurreição da sua maioria, elle fica exautorado ante o parlamento e ante o paiz.

Os governos que são governos têem a coragem das suas convicções e manifestam a sua opinião desassombradamente seja ella qual for, embora desagrade aos partidarios. Por esta fórma dão prestigio e força ao poder, e de cabeça erguida e respeitados por todos seguem nobremente o seu caminho.

Este systema é preferivel ao de querer viver por todos os meios e conforme os ventos.

Não comprehendo que o sr. presidente do conselho venha hoje acatar esta camara, e respeital-a nos seus foros, adulai-a porventura, emquanto hontem se conservava silencioso ante as ejaculações radicaes dos caudilhos da sua maioria, que investiam com a camara dos pares julgando-a sem importancia e sem valor de qualidade algum!

Não comprehendo que o sr. presidente do conselho ande conforme os ventos e segundo as variações atmosphericas. Não comprehendo que um governo possa affirmar se pela ausencia de idéas e de doutrinas, sendo da opinião da casa do parlamento em que se apresenta.

Póde este systema opportunista conservar-lhe mais alguns dias de existencia, mas essa existencia é affrontosa, triste e desgraçada.

Para conservar alguns dias mais o podar, que a opinião publica pronunciada contra o actual ministerio lhe vae arrancar, o sr. presidente do conselho tem tido todo o cuidado de não susceptibilisar as opiniões das duas casas do parlamento, embora ellas sejam oppostas e contrarias.

O sr. presidente do conselho, se se apresenta na camara dos pares, quer a constituição e só a constituição, e acata com respeito as decisões d'esta camara; se se apresenta na camara dos senhores deputados não resiste ás invectivas dos caudilhos da sua maioria e acompanha-os nos maiores arrojos.

O sr. presidente do conselho na sua politica tornou-se bifronte como Jano, mostrando uma cara á camara dos senhores deputados e outra bem differente á camara dos digno pares. Sendo assim, como é, digo e repito ainda; as opiniões do sr. presidente do conselho e do governo estão sujeitas ás variações atmosphericas da politico, seguindo todos os ventos.

Similhante politica poderá ser muito opportuna e conveniente, mas pouco elevada e nada moral.

Sr. presidente, as minhas accusações, as minhas censuras ao governo não são asserções meramente gratuitas, baseiam-se todas em factos provados até á evidencia.

Não vae muito longe ainda, para que a camara esteja esquecida, o que se passou no anno passado n'uma das ultimas sessões. Discutia-se o projecto das condecorações para os exploradores, e houve um digno par que propoz uma substituição, emenda ou o que quer que fosse, para que no projecto se desse um posto de acesso a esses intrepidos obreiros do progresso, que bem mereciam da patria.

Immediatamente o sr. presidente do conselho levantou-se para declarar por parte do governo que se associava á opinião do digno par e que duvida alguma tinha de acceitar a sua indicação; o sr. presidente do conselho acolheu com jubilo aquella idéa, e affirmou que era esse o pensamento do governo. Foi mais longe ainda: obrigou o seu collega da guerra a acceitar aquella proposta, o seu collega da guerra que objectava que havia muitos meios de remuneração sem ser necessario adoptar um que prejudicasse o exercito.

Não obstante estas considerações de ponderação e de gravidada, o sr. presidente do conselho obrigou o seu collega da guerra a sujeitar-se e a submetter-se.

Apesar de tudo isto, apesar das declarações formaes e positivas do governo, apesar de compromisso tomado pelo proprio presidente do conselho, s. exa., chefe do gabinete, foi para a outra casa do parlamento, fez uma reviravolta de; opinião, esqueceu-se do que tinha dito e affirmado aqui, cedeu á pressão athmospherica da camara dos senhores deputados, e seguiu o vento d'aquella casa, sem lhe importar com a sua palavra empenhada, nem com a dignidade do governo compromettida. Os ministros têem obrigação expressa de serem claros ante es parlamentes, de dizerem a sua opinião francamente e sem subterfugios; e se errarem, ou forem pouco cautelosos, de soffrerem as consequencias das suas faltas e imprudencias.

Qual é, pois, a opinião do governo? Qual é a opinião do sr. presidente do conselho?

S. exa. deve fallar franca e cesassombradamente, manter a sua opinião e a do governo. S. exa. deve saber quão grande é a responsabilidade que lhe compete pela posição que occupa. S. exa. tem obrigação rigorosa de ter opinião sua e de dizer qual ella é, porque nem como chefe do gabinete, nem como cavalheiro, "e póde furtar á responsabilidade dos seus actos, nem esconder o seu modo de ver sobre qualquer assumpto que deve ser esclarecido perante os poderes publicos e o paiz.

Quando os governos para se sustentarem fazem pouco caso da sua dignidade, a politica desce muito baixo.

Sr. presidente, v. exa. verá, pelo decorrer da discussão, qual a politica do actual gabinete e como elle tem dirigido os negocios do estado, sustentando hoje principios e doutrinas, que combate no outro da com a maior facilidade e sem o menor escrupulos o que revela a ausencia de convicções, revelando igualmente que o seu programma não foi nada mais, nada menos, do que uma burla ao paiz.

Sr. presidente, ouvi as declarações do chefe do gabinete, que sem duvida foram o resultado das admoestações e avisos da illustre commissão de resposta, e ao mesmo tempo um acto de arrependimento por não ter respeitado, como lhe competia, a constituição do estado. Ouvi tambem as explicações que o sr. presidente do conselho deu ácerca da modificação feita n'esta casa pela nomeação de novos pares.

N'este ponto não me satisfazeram as declarações de s. exa. Por isso exijo e peço a s. exa., porque é dever seu, que sobre este assumpto se pronuncie clara e francamente, declarando quaes as rasões por que propoz a modificação d'essa camara por aquella fórma. E careço do ser esclarecido sobre este ponto, porque não encontro motivo que justifique um similhante proceder, não tendo havido conflicto nem questão alguma ministerial.

S. exa., interrogado o anno passado por varias vozes aqui e na outra casa do parlamento ácerca da nomeação de novos pares, respondeu ás perguntas que lhe faziam: que tinha todos os elementos necessarios para governar, e que não carecia da propor a corôa a nomeação de novos pares para te sustentar, isto é, declarou que tinha maioria nas duas casas do parlamento. As côrtes encerraram-se sem conflicto mas a opinião do sr. presidente do engelho mudou e o governo propoz ao Rei a nomeação de novos pares!

Sr. presidente, não sabemos nós todos quaes são os ver-

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dadeiros principios constitucionaes? Não sabemos tambem como e quando se deve aconselhar ao poder moderador o uso acertado d'aquella importantissima prerogativa?

Não sabemos nós todos, que a não ser para premiar um ou outro serviço relevante, a não ser em casos excepcionaes e só quando ha conflicto entre o poder executivo e a camara dos pares, é que é licito aconselhar ao Rei a nomeação de novos pares, a modificação d'esta camara?

Muitos governos têem havido que antes de propor ao Rei á modificação d'esta camara lhe têem aconselhado a consultar a vontade do paiz, ácerca do conflicto. Effectivamente este seria o melhor conselho a seguir, sé as eleições no paiz, em logar de serem feitas pelos regedores e cabos de policia, exprimissem a vontade genuina do povo. Como ás opiniões do sr. presidente do conselho têem sido contradictorias é os principios postergados pelo governo, desejo que o sr. presidente do conselho declare quaes os motivos que o levaram a propor á corôa á nomeação de novos pares.

Ouvi já aqui declarar por parte do gabinete, que a rasão por que o governo aconselhou a Sua Magestade aquella nomeação fôra com o intuito de fazer passar a reforma administrativa, e uma projectada lei eleitoral com a representação das minorias. Esta declaração maravilhou-me ou antes fez-me rir, porque no fundo não vejo senão o negocio de Torres Vedras. Confesso, sr. presidente, que em toda esta manobra não vejo outra explicação; não vejo mais, repito, que o negocio de Torres Vedras. É verdade que por parte do governo tambem hontem sé declarou que não fôra esse o motivo, e que já não fazia questão ministerial d'aquelle caminho de ferro. N'esse caso é porque já sé fez n'outro tempo questão ministerial. Não se faz hoje porque os ventos são contrarios. É este é systema do governo. N'este ponto o sr. ministro das obras publicas não póde por fórma alguma acceitar a doutrina e a declaração do governo, porque todos sabem o modo como tem corrido o negocio de Torres Vedras, e a parte que o sr. ministro das obras publicas tem tomado n'esta negociação como ministro e como particular.

Todos sabem, porque é do dominio publico, e a imprensa tem asseverado, que. aquelle caminho de ferro tinha sido concedido a certos concessionarios, que queriam formar uma empreza, da qual o sr. ministro das obras publicas fazia parte. Todos sabem tambem que em Lisboa e em todo o paiz correram impressos com a assignatura do sr. Saraiva os prospectos para a empreza. Posta a questão n'este terreno, a susceptibilidade e o brio do sr. Saraiva de Carvalho deviam-no apressar já na sessão passada a desvanecer no publico as más impressões que tudo isto causará. A questão póde não ser ministerial para o governo, para quem ella o é decididamente é para o sr. ministro das obras publicas.

A honra e a dignidade do ministro e a de homem particular estavam e estão empenhadas na discussão d'aquelle projecto, e por isso eu esperava que s. exa. o anno passado empregasse os seus esforços para o fazer discutir nesta casa do parlamento. Quanto vale e quanto póde o apego áquellas cadeiras!

Não succedeu como eu presumia e como era de esperar. Apesar do nome do sr. Saraiva de Carvalho estar seriamente envolvido e compromettido nesta melindrosa negociação, s. exa. não só não obrigou o governo a fazer discutir o projecto, mas ficou silencioso ao ouvir a declaração de que o seu caminho de ferro já não constituia questão ministerial para o governo!

Como explicar este facto, ou antes, como explicar o phenomeno de ver applacada com duas palavras, a susceptibilidade do sr. ministro das obras publicas? É porque o governo via e sentia a atmosphera carregada n'este recinto, e querendo navegar com todos os ventos estaria prestes a alijar ao mar o seu collega, se elle se não submettesse.

Se assim não é, que o diga o sr. ministro das obras publicas.

É necessario que todo este negocio se explique. Não comprehendo que venha hoje declarar-se que não sé faz questão ministerial do contrato de Torres Vedras, porque se applacou a susceptibilidade do sr. Saraiva.

A natureza d'elle, a fórma porque foi negociado,- as declarações que se fizeram na outra camara, tudo isto põe o sr. ministro em condições de não poder deixar de provocar a discussão e de fazer questão ministerial d'aquelle contrato. Assim o exige o brio e o pundonor do sr. ministro das obras publicas. Será possivel que alguns dos novos pares, tendo votado o referido contrato na outra camara, o votem segunda vez?

O sr. Pires de Lima: - Peço a palavra.

O Orador: - Imagino que não, faço justiça ao caracter de s. exas. para acreditar que não procederão d'essa fórma, se o governo lhe fizesse pedido tão affrontoso.

A fornada, permitta-se-me a expressão, ou a modificação d'esta casas seria, como tambem se disse, por causa da reforma da lei eleitoral? Não póde ser.

Não se póde tomar a serio uma similhante declaração. Pois o governo actual tem a auctoridade, o prestigio para propor a reforma da lei eleitoral? O governo actual, que fez toda a qualidade de vexame, que exerceu no animo dos eleitores toda a corrupção, que demittiu e transferiu com a maior intolerancia os empregados, que apedrejou os eleitores, que fez correr o sangue, que atropelou a lei como lhe convinha, que nomeou cabos de. policia nas vésperas das eleições, está lá no caso de pensar em similhante reforma? Pois esse governo que conduziu os eleitores arregimentados pelos regedores e cabos de policia, como provei com documentos, poderá nunca querer a liberdade da urna? Um governo que assim procede póde querer que as eleições sejam livres? Póde querer a genuina, a verdadeira expressão da vontade popular? Pois a actual lei eleitoral não contem em si todas as cautelas e providencias para deixar a uma livre e desaffrontada? Essa lei não será liberal bastante, não satisfará a todos os requisitos necessarios para se fazer uma eleição livre? Creio que sim. Bastava que o governo cumprisse o seu dever, que administrasse em vez de eleger. Mas o que fez o governo? Atropelou a lei para perseguir os eleitores e os elegiveis, fez guerra crua e acintosa aos homens eminentes deste paiz, empregou os meios mais abjectos para os afastar do parlamento, e, repito, derramou o sangue nas assembléas eleitoraes, nomeou, á ultima hora, regedores e cabos de policia, demittiu e transferiu empregados pela simples suspeita de que votariam no candidato da opposição! Um governo que procede assim tem auctoridade bastante e o prestigio necessario para fazer crer que deseja sinceramente a reforma da lei eleitoral, a fim de que a uma fique completamente desaffrontada? Isto não é senão lançar poeira aos olhos do povo. (Muitos apoiados.) Portanto, não se póde acreditar que o governo queira a reforma da lei eleitoral para nos dar uma lei que garanta a independencia e a liberdade do eleitor.

Os homens que dão amnistias para livrar dos tribunaes os criminosos e falsificadores, que depois empregam na fiscalisação do real de agua e n'outros logares, não têem auctoridade nenhuma para propor essa reforma.

Os criminosos e os falsificadores foram amnistiados pelo governo, e o sr. ministro da fazenda escolhe-os de preferencia para a fiscalisação do real de agua! Os precedentes e os predicados d'estes galopins eleitoraes são os mais adquados e dão as melhores garantias para o serviço ser bem feito. Não é verdade, sr. ministro da fazenda?

Aqui tem v. exa. como o sr. ministro da fazenda pretende resolver a questão financeira e cobrar impostos os mais odiosos. Em vista d'estes factos, que são verdadeiros, em vista d'estes acontecimentos, que não se podem contestar, quem acreditará que a fornada fosse motivada pela reforma

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da lei eleitoral? Sel-o-ia então por causa da reforma administrativa? Tambem não póde ser. Quando um governo proclama que quer resolver immediatamente a questão financeira; que precisa e quer fazer economias, não é o meio mais proprio, não é o alvitre mais acertado para alcançar o fim desejado propor uma reforma administrativa que traz um grande acrescimo de despeza, pois que augmenta mais oitenta e quatro empregados. Um governo que procede assim, contra as suas proprias declarações, não póde ser tomado a serio quando affirma que propoz a modificação da camara dos pares para fazer passar a reforma administrativa cujos resultados são problematicos. Pois seria pela insignificancia de uma reforma desconhecida na occasião em que a reforma administrativa vigente estava sendo executada, e que não tinha dado maus resultados, e que tinha sido acceita de boa mente pelo paiz, seria por isso que o governo aconselhou a modificação da camara dos pares?

Não creio. O motivo é outro. O motivo está sem duvida no negocio de Torres Vedras, que apesar do governo dizer que não faz questão ministerial d'elle tem maior alcance do que se imagina.

Não creio, sr. presidente, que o governo toucasse sobre si a enorme responsabilidade de aconselhar ao Rei a modificação inconstitucional da camara dos pares, e que o Rei preferisse esse conselho a todas as indicações contitucionaes, se não houvesse um motivo imperioso, uma rasão occulta que só se póde encontrar no contrato do caminho de ferro de Torres Vedras.

Sr. presidente, demonstrado que a reforma eleitoral apresentada pelo actual governo não se póde tomar a serio, que a reforma administrativa é apenas um acrescimo de despeza injustificavel e de resultados completamente desconhecidos; que as medidas de grande alcance do sr. ministro da fazenda já foram votadas, que este anno s. exa. não apresentou outras tendentes a aperfeiçoar a cobrança dos impostos, a melhorar os serviços publicos e a, crear novas fontes de receita, parece-me claro que a modificação da camara dos pares não tem nem terá outro intuito senão fazer passar o contrato do caminho de ferro de Torres Vedras.

A declaração de que o governo já não faz questão ministerial d'esta medida é mais um artificio: é mero estratagema para o conseguir.

Sr. presidente, se o governo carecia de transformar a camara dos pares, o tinha a confiança da corôa, para, era qualquer conflicto a levar a optar pela conservação do governo, qual a rasão porque não aproveitou o ensejo que esta camara lhe offereceu o anno passado querendo introduzir um principio altamente liberal e salutar no projecto de lei da contabilidade publica? O governo então não viu o conflicto, não fez esse d'elle, e poz de parte a proposta que julgava urgente e de grande alcance.

Eis como este governo procede! Eis como os ministros do progresso se revoltaram contra o principio do concurso!

O procedimento do governo, não fazendo caso da camara dos pares que pugnava pelos bons principios, parece que estava de accordo com as idéas propagadas pelos tribunos da outra casa que julgam que só elles e elles só são os representantes do povo.

Sr. presidente, convem protestar contra similhantes doutrinas, ou antes contra taes desvarios. Eu acho, pois, que a resposta ao primeiro paragrapho do discurso da corôa é esse protesto grave e serio, é um aviso salutar, é uma censura digna, feita ao sr. presidente do conselho, que carece que lhe relembrem e ao governo a doutrina sanccionada pela carta constitucional no artigo 12.°, que se exprimepor esta fórma:

"Artigo 12.° Os representantes da nação portugueza são a Rei e as côrtes geraes."

Isto quer dizer que a camara dos pares, representando com a dos deputados e o Rei a nação, tem os direitos, as obrigações e as prerogativas que a lei fundamental lhe concede.

Emquanto á resposta ao paragrapho segundo é a censura mais transparente ainda, porque, referindo-se ás eleições, e dizendo o governo apenas que se manteve a tranquillidade, a illustre commissão fez tornar bem manifesto que a tranquillidade só é um bem quando coexiste com a liberdade da urna. A liberdade da uma fugiu espavorida desde que estes senhores progressistas, em nome do progresso e da propria Uberdade, a tem perseguido tão atrozmente.

O governo não se atreveu a dizer que houve liberdade, não o podia dizer, porque nos circulos em que ultimamente se procedeu ás eleições, a pressão da auctoridade, a força dos regedores e dos cabos de policia é e era de tal ordem, que para não serem esmagados os eleitores com toda a qualidade de vinganças, submetteram-se humildemente ás determinações do governo.

O governo teve pejo de pôr na bôca do Soberano uma similhante affirmativa; fez bem em não o obrigar a dizer ao paiz que as eleições tinham sido feitas com a uma livre e desaffrontada.

Sr. presidente, já que e discurso do throno, e a resposta a esse interessante documento, faliam de eleições, aproveitarei o ensejo para pedir explicações ao sr. presidente do conselho e exigir-lhe estreitas contas pelas declarações feitas n'este recinto e não cumpridas lá fóra. É mister que o sr. presidente do conselho explique cabalmente as promessas que fez ao paiz, e justifique dignamente os seus actos.

Eu vou tornar bem claro e preciso o meu reparo

Todos sabem que o anno passado havia doze vacaturas por declarar na outra casa do parlamento. O governo, o partido progressista, que diz em palavras que quer a representação do povo, mas que não a quer, traduzida em realidade, esteve até ao fim da sessão legislativa sem fazer declarar, pela sua maioria aquellas vacaturas, e sem mandar proceder ás respectivas eleições.

Assombrado com um similhante proceder, contrario e contradictorio com o programma d'esse partido, perguntei aqui ao sr. presidente do conselho, que é o chefe do partido progressista, qual a rasão por que estavam 500:000 pessoas sem representação! Respondeu-me s. exa., que era porque não estavam ainda declaradas as vacaturas, e afiançou que logo que a outra carcará as declarasse mandaria proceder immediatamente ás eleições.

Sr. presidente, eu achava tão anormal, tão extraordinario, e tão offensivo da representação nacional o procedimento do governo, que para incitar o sr. presidente do conselho ao comprimento do seu dever citei-lhe os exemplos e precedentes que tinham deixado o sr. duque de Loulé e o sr. bispo de Vizeu seus correligionarios, que traduzindo melhor o regimen representativo, e respeitando mais a austeridade dos principios, tinham mandado fazer eleições nos circulos vagos por varias vezes com as camaras abertas.

Então o governo declarou formalmente aqui, declaração que já tinha feito na outra casa, de que procedera immediatamente ás eleições, logo que as vacaturas fossem declaradas.

As vacaturas foram effectivamente declaradas, as camaras continuaram abertas e as eleições não se fizeram porque o governo não quiz!!! Perante este esquecimento indiscuipavel, pedi de novo explicações ao governe, e o sr. presidente do conselho, que tinha reconsiderado, como se isso para elle fosse já trivial, disse muito socegada e pacatamente que não tinha mandado proceder ás eleições, porque se estavam concluindo os recenseamentos.

Eu já sabia extra-parlamentarmente, eu já sabia pelos proprios amigos do governe, que a rasão por que não se procedia á eleição nos circulos vagos, era por ser necessario preparar e arranjar principalmente aqui em Lisboa os

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recenseamentos, de fórma que com o elemento da auctoridade o governo nada tivesse a receiar do resultado.

O sr. Braamcamp, o presidente e chefe do partido progressista, era o cumplice d'esta artimanha eleitoral. S. exa. consentia que se preparassem recenseamentos para burlar os eleitores!

Para dar tempo a que elles se arranjassem não teve duvida de reconsiderar, e de faltar completamente ao compromisso tomado perante o parlamento.

Sr. presidente, desgraçado paiz em que os homens publicos, nas posições as mais elevadas, e que deviam ser os primeiros a dar o exemplo de moralidade, se soccorrem a estes tristes e deploraveis expedientes.

É necessario que o publico e o paiz conheçam estes factos para os condemnar é impedir que elles se repitam. Para a camara ver como o actual governo se preparava para as eleições, basta dizer-lhe que um dos novos pares da penultima fornada, representante de um circulo da capital, se conservara na outra camara até aos ultimos dias da sessão, vindo tomar assento n'esta, quando já não havia tempo para se declarar á vacatura ou se o havia a, camara dos senhores deputados não o quiz fazer!

E sabe v. exa. e a camara porque se fez tudo isto? Porque o recenseamento n'aquelle circulo apesar das falsificações ainda não dava vencimento ao governo, e portanto o meio de evitar pela capital a eleição de um deputado da opposição era este expediente baixo e indecoroso.

Sr. presidente, o que me admirava era que o nome honrado do sr. Braamcamp se prestasse a estas vergonhosas artimanhas.

A mim pesava-me ver a representação nacional incompleta, e com tão frivolas rasões o governo reconsiderar.; procurei pois obrigal-o a definir-se, e a tomar uma posição decidida; para esse fim interroguei de novo o sr. presidente do conselho, perguntei-lhe quando fazia tenção de mandar proceder á eleição, e pedi-lhe que declarasse positivamente, sem subterfugios nem evasivas, qual o dia destinado.

S. exa. respondeu com a maior precisão que mandaria proceder á eleição em julho, e que o decreto para esse fim já estava assignado. rosto que clara e categorica fosse a affirmativa do governo, o sr. presidente do conselho reconsiderou mais uma vez e as eleições não foram feitas senão em outubro. Que triste decepção! Lamento que o sr. Braamcamp não veja o alcance das suas reconsiderações.

Não sabe s. exa. que a palavra de um presidente de conselho de ministros, de um homem respeitavel e respeita do, que é chefe de um partido, deve ser um penhor serio e seguro de que o que esse homem prometteu ha de ser fielmente cumprido, salvo algum caso de força maior?

Explique-se, responda, sr. presidente do conselho, mostre e prove á camara que houve caso de força maior que o impediu de cumprir a sua palavra; a sua honra, a sua dignidade exigem que se faça luz e se esclareça completamente este facto.

Considero muito o caracter individual do sr. Anselmo Braamcamp, mas como ministro... como ministro. .. Confesso sinceramente que estou descoroçoado com tão repetidas e frequentes reconsiderações, incoherencias e expedientes pouco decorosos.

Quando um homem tão serio senão lembra do seu passado e esquece as suas tradições, para praticar tantas e tão graves faltas, é porque um motivo occulto, mais poderoso, que os seus bons desejos e que a sua vontade o domina; e eu que particularmente tanto respeito o sr. Anselmo Baamcamp, sinto que s. exa. senão se tenha libertado desse poder que o influenceia tão nefastamente e que o tem feito passar por tantas humilhações.

Sinto infinitamente que assim aconteça, porque tenho, repito, pelo caracter particular do sr. Braamcamp a maior veneração. Conhece-se perfeitamente que quando o sr. presidente do conselho se deixa arrastar pelos seus instinctos e convicções, procura ser fiel a seus precedentes, não polluir a sua historia, desempenhar-se da sua palavra e satisfazer aos seus compromissos. Conhece se que s. exa. deseja marchar pelo caminho direito, mas que ha uma força maior, irresistivel, que o obriga a desviar-se d'esse caminho.

Antes de passar a outros assumptos insistirei ainda por alguns momentos na nomeação de novos pares.

Quanto á modificação d'esta casa do parlamento, o governo explica esse seu acto e justifica o seu proceder na realidade de um modo admiravel, justifica-o com os precedentes! Quer dizer que o governo não tem idéas fixas, não tem principios definidos, não tem convicções proprias, nem doutrinas assentadas; os seus principios, o seu unico movel, o incentivo dos seus actos são unicamente os precedentes!

Se um governo praticou infracções de lei, este. ministerio julga-se auctorisado a praticar iguaes infracções, e entende que o precedente o justifica e colloca na esphera ilegal. Só houve um governo que decretou reformas detestaveis, do mesmo modo este ministerio se julga eximido de responsabilidade se decretar iguaes reformas. Se houve um governo que praticou actos de corrupção e de violencia, contrarios á moral e á justiça, este governo tambem julga-se logo auctorisado a praticar actos similhantes!

Não posso deixar de me revoltar e protestar contra similhante doutrina.

Os precedentes, sempre os. precedentes, eis a sua eterna e unica justificação!

Se fizemos mal, dizem, tambem os que nos .antecederam procederam do mesmo modo.

Isto será systema de governo? Significará alguma cousa, a não ser a ausencia completa de idéas e principios governativos?

Não significará tudo isto a decadencia moral dos representantes de um partido que rasgou o seu programma, que calcou as idéas substanciaes do seu credo politico e as substituiu no poder pela glorificação das contrarias, das que combateram quando estavam fóra d'aquellas cadeiras?

Ferve-me o sangue nas veias, e sinto refluir me ás faces, quando vejo os homens que accusavam os antecessores de immoraes desculparem-se agora com os precedentes, isto é, com os actos que condemnaram!

Aqui tem v. exa. o que se está passando. Aqui tem v. exa. a fórma por que os negocios politicos deste paiz estão desgraçadamente correndo.

Sr. presidente, peço a v. exa. e á camara desculpa do calor com que estou fallando.

Fallo com este calor, porque é isso- da minha organisação e da minha natureza. Não desejo offender ninguem, porque entendo que os homens publicos se devem respeitar mutuamente: condemno os factos; e se expresso assim as minhas opiniões é porque é esta a fórma por que o meu temperamento mo permitte fazer, e é esta a sua feição caracteristica.

Respeitando, muito, sr. presidente, os avisos de v. exa., não me referirei nunca ás discussões da outra casa do parlamento, mas direi simplesmente, e de passagem, que a representação nacional está dividida pelas duas casas do parlamento, e quando as eleições são feitas pela fórma por que o têem sido, as garantias todas estão n'esta casa, onde se encontram os homens mais eminentes de todos os partidos, homens encanecidos no serviço publico, que tão exuberantes provas têem dado do seu amor ás instituições e aos principios. Nas crises as mais difficeis, nas situações as mais embaraçosas, esta camara tem dado as mais altas demonstrações do seu bom senso. Mostrou-o na modificação que fez ao principio de hereditariedade, exigindo pela lei de 1845 um curso superior e rendimentos necessarios aos filhos dos pares para tomarem assento n'esta casa; mostrou-o quando dispensou algumas das suas prerogativas: por exemplo, dando licença para, que prosigam processos

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intentados contra alguns de seus membros, ao passo que a outra camara nunca fez igual concessão.

Estes e muitos outros factos, que poderia citar, provam, sr. presidente, que o espirito liberai está arreigado, está consubstanciado na camara dos pares, que tem sido sempre uma garantia para que as instituições se conservem e os principios anarchicos se não estabeleçam.

V. exa., como parlamentar antigo e profundo conhecedor da historia, póde attestar do modo por que esta camara se tem havido em todas as occasiões, para defender a monarchia constitucional e o regimen representativo. Assim é e assim devia ser, uma vez que n'esta camara vejo eu a nata dos partidos, os homens publicos mais notaveis do meu paiz.

Sr. presidente, emquanto as eleições se fizerem como se têem feito até aqui, a camara dos pares ha de ter uma alta significação politica, porque ella é e tem sido o penhor e a barreira sempre opposta ás demasias dos governos.

Com isto não quero dizer que a camara dos pares não soffra alterações; não quero dizer que o principio de hereditariedade continue a prevalecer; não quero dizer que se lhe não façam todas as reformas e modificações rasoaveis e conformes com as idéas da epocha; não quero dizer que a certos cargos continue inherente a qualidade de par.

Quero uma reforma seria, sensata, e em harmonia com a indole do paiz e das instituições.

Sr. presidente, quando um governo tem no programma do seu partido a indicação dessas reformas, não comprehendo como desperdiçou o ensejo de começar a applicar já de um certo modo a doutrina d'aquelle programma, no artigo que condemna a hereditariedade; e bastava para isso que nomeasse, em vez de pares hereditarios, pares vitalicios, o que podia muito bem fazer pelo artigo 39.° da carta constitucional, que diz:

"Art. 39.° A camara dos pares é composta de membros vitalicios e hereditarios, nomeados pelo Rei e sem numero fixo."

Não comprehendo igualmente como, sendo o programma progressista contrario á representação parlamentar dos bispos, viesse reforçar aquelle elemento mettendo nas duas fornadas dois prelados, aliás illustres ornamentos do clero portuguez.

Não comprehendo como esse partido, que julga que as reformas financeiras e administrativas estão intimamente ligadas ás politicas, tem perdido o melhor ensejo de as realisar.

Não comprehendo como esse partido, que sobe ao poder convencido de ter por si a opinião publica e a corôa, e portanto cheio de força, não realisa uma unica idéa do seu programma, pelo contrario, esfarrapa-o, para melhor se segurar no poder.

Nada d'isto comprehendo. Mas o que comprehendo e o que tenho visto, é uma certa imprensa, a imprensa d'esse partido, e os seus tribunos populares com assento na camara dos senhores deputados, levantarem-se a pregar a guerra contra esta camara, taxando-a de instituição anachronica, de velharia inutil.

O que é certo, porém, é que esses que gritam agora na tribuna parlamentar, se não se fizessem as eleições de deputados com os regedores e cabos de policia, nunca teriam assento na outra camara. Saídos dos chapéus dos srs. ministros, são elles os que querem para si o monopolio da representação nacional! E representarão genuinamente a vontade do povo? Eu, velho parlamentar, nunca os vi em S. Bento senão quando o seu partido fez eleições com os regedores e cabos de policia.

Veremos se esse povo em que tanto fallam, e que tanto adulam lhes confia o mandato quando estiverem na opposição.

Agora emquanto a essa democracia que anda por ahi nos carinhos da moda, sempre referirei á camara a apreciação muito chistosa de um amigo meu que prima pelo espirito fino e elevado.

Fallando das idéas modernas que parece estarem hoje na atmosphera politica que nos cerca? dizia aquelle meu amigo que já se não admirava dos antigos bombasticos e discursos pomposos em que se invocava a todo o momento o progresso, a liberdade, a igualdade, a soberania do povo, etc., etc., porque até os animaes por instincto eram progressistas; e citou-me para exemplo a experiencia que elle tinha feito com as gallinhas, aliás as aves mais pacatas d'este mundo.

Pegue-se, dizia elle, n'um esgalho de uvas e atire-se para um quintal: as gallinhas como boas progressistas correm todas; aquella que o apanha foge immediatamente para qualquer canto no intuito de o comer socegadamente. Passou a conservadora. Se por acaso alguma outra consegue tomal o, o processo a seguir é o mesmo, foge e é desnecessario dizer que passa logo a conservadora, emquanto as outras que a perseguem ficam desempenhando o papel de progressistas.

A experiencia d'este meu amigo tem-lhe mostrado o antagonismo que ha entre a idéa e a bolsa; bolsa retrahida, idéa avançada, idéa para a testa; bolsa dilatada, idéa recolhida, idéa para a nuca, dizia-me elle.

Sr. presidente, eu respeito as convicções de cada um e as opiniões sinceras de todos, mas receio que esses illustres patriotas que querem agora para si o monopolio da representação popular, mais tarde, se a fortuna os favorecer, e chegarem a alcançar qualquer categoria, já não achem tão anachronica a instituição d'esta camara e se honrem de pertencer a ella como muitos dos novos pares, que eu aqui vejo.

Deixemos esses apostolos do progresso com as suas aspições phantasiosas e sonhos dourados, e passemos á analyse dos actos do governo.

Sr. presidente, este ministerio subiu ao poder em nome das economias e do respeito ás leis. São estes dois pontos que eu desejo examinar, a fim de verificar como o governo tem satisfeito a sua missão n'esta parte, cumprido o mandato do seu partido e correspondido ás aspirações da opposição que lhe conquistou aquellas cadeiras.

Havemos de ver como elle se tem desempenhado da tarefa que lhe cabia na execução do programma, de que tanto se orgulhava, e que a final esfarrapou completamente.

Apostolava o respeito á lei: pois vive hoje na presença do parlamento, com as côrtes abertas, em plena dictadura.

V. exa. e a camara sabem que logo que subiram ao poder os actuaes srs. ministros promulgaram o decreto de 30 de julho de 1879, pelo qual revogavam outros com força de lei, e entre elles o de 30 de outubro que organisava a engenheria militar, referendado por um seu amigo politico, o sr. Calheiros. Este decreto que estabelecia regras e principios acceitaveis, marcava a fórma, per que se deviam conceder as ajudas de custo eventuaes, as quaes nunca poderiam ser dadas por mais de quinze dias. O sr. Saraiva de Carvalho, apesar de solidario com o sr. Calheiros, pois tinha pertencido ao mesmo ministerio, não teve duvida em o revogar, para tornar permanente o que era eventual, e dar alem d'aquellas ajudas da custo, as mais que fossem sua vontade, fazendo assim maiores e mais largos dispendios.

Eis aqui têem v. exa. e a camara como os actuaes ministros fazem economias e respeitam a lei.

Nunca vi senão no consulado d'estes senhores o precedente de revogar decretos para estabelecer abusos. Eu vou ler á camara as disposições do celebre decreto de 30 de julho de 1879.

"Tomando em consideração o relatorio dos ministros e secretarios d'estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

"Artigo 1.° O ministerio das obras publicas, commerci

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e industria poderá despender no corrente anno economico até á quantia de 40:000$000 réis, como remuneração de serviços extraordinarios, nos termos do decreto de 26 de junho preterito, não comprehendendo as ajudas de custo ao pessoal technico.

"Art. 2.° São consideradas vencimentos permanentes as ajudas de custo a que se refere o artigo 16.° do decreto de 30 de outubro de 1868, aos directores de obras publicas dos districtos e de obras especiaes, e aos engenheiros em serviço na construcção, fiscalisação e exploração dos caminhos de ferro, não devendo continuar a ser abonados a estes engenheiros mais dias de ajuda de custo por trabalhos no campo, salvo casos extraordinarios e de reconhecida conveniencia de serviço, precedendo despacho de ministro.

"§ unico. Não poderão ser abonadas aos conductores auxiliares, quando desempenhem funcções que competem aos conductores do quadro, gratificações superiores a 5$000 réis mensaes, nem ajudas de casto superiores a 500 réis diarios, nos termos do artigo 10.° do decreto de 30 de dezembro de 1888, e do n.° 4.° das instrucções approvadas por despacho de 25 de novembro do mesmo anno.

"Art. 3.° São conservados no serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria os engenheiros civis portuguezes, ao presente em commissão neste ministerio, sendo-lhes abonado o vencimento correspondente ao dos tenentes da arma do engenheria,, empregados nas obras publicas.

"§ unico. Os engenheiros de que trata este artigo, e que forem engenheiros districtaes, deverão no praso de trinta dias contados da publicação d'este decreto, optar entre o serviço do estado e o dos districtos.

"Art. 4.° É conservado no serviço dos telegraphos o pessoal de alumnos telegraphicos e electro-semaphoricos, bem como o de ajudantes do sexo feminino ou masculino, que actualmente existem. _

"Art. 5.° É conservado temporariamente ao serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria, e das repartições suas dependentes, o pessoal civil de chefes de serviço, amanuenses interinos ou temporarios, coadjuvantes, continuos, serventes e moços, que no presente existe fóra das condições legaes, abonando-se-lhe os vencimentos annuaes da tabella junta:

"Chefes de serviço ................ ........ 400$000

"Coadjuvantes, amanuenses, temporarios ou interinos ........ 180$000

"Continuos ...................... 144$000

"Serventes ................ 140$000

"Moços ................... 108$000

"Art. 6.° Os subsidios pagos por despachos ministeriaes aos operarios considerados invalidos, continuarão a ser-lhes abonados emquanto não mudarem as suas circumstancias.

"Art. 7.° As disposições d'este decreto são consideradas provisorias, até que se resolva definitivamente, por providencia legislativa, sobre o assumpto a que ellas se referem.

"O presidente de conselho de ministros e os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 30 de julho de 1879. = REI = Anselmo José Braamcamp = José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado = Henrique de Barros Gomes = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Marquez de Sabugosa = Augusto Saraiva de Carvalho."

A primeira cousa que o governo fez foi auctorisar o dispendio em gratificações, da verba de 40:000$000 réis, que, segundo o mesmo decreto, só devia ser applicada para remunerar serviços extraordinarios e que s. exas. gastaram-n'a quasi toda, postergando os principios que haviam proclamado, e as regras que tinham estabelecido n'outros decretos. E sabe a camara para que? Para darem gratificações por mero favoritismo. Estes é que eram os serviços extraordinarios.

Por differentes vezes tive eu occasião de mostrar aqui o anno passado, em presença de documentos que com grande custo pude obter, que a administração do sr. ministro das obras publicas foi menos economica do que a dos seus antecessores; e que a verba de 40:000$000 réis que s. exa. se auctorisou para despender em serviços extraordinarios, que estavam regulados por um outro decreto, foi gasta em gratificações, ajudas de custo, e subsidios dados aos seus protegidos.

Se pude com documentos e provas irrefragaveis mostrar os abusos commettidos pelo sr. ministro depois da publicação d'aquelle decreto até janeiro de 1880, este anno ainda não pude fazer outro tanto, porque o sr. ministro das obras publicas não enviou a esta camara os documentos que pedi com urgencia ha mais de um mez!

É cousa celebre! Estes progressistas tão exaltados na opposição, para quererem todos os documentos, para quererem toda a publicidade, quando estão no governo fazem-se surdos ás mais justas reclamações.

Sr. presidente, repito, pedi ao sr. ministro das obras publicas com urgencia varios documentos, e s. exa., progressista moderno, o apostolo da publicidade, ainda os não enviou, sabendo que eu carecia d'elles para esta discussão.

Porque não os manda? Entende o sr. Saraiva de Carvalho que esta camara não tem direito ou não é digna de saber o que se passa dentro do ministerio das obras publicas?

Creia s. exa. que eu não abandonarei este assumpto, e que lhe hei de tomar severas contas.

Sr. presidente, o sr. Calheiros tinha pelo decreto de 30 de outubro de 1868 organisado a engenheria militar, e os engenheiros civis não pertenciam ao ministerio das obras publicas, nem tinham ali collocação; pois o sr. Saraiva de Carvalho revogou esse decreto, introduziu no seu ministerio os engenheiros civis e concedeu-lhes postos militares por sua conta e risco!

Persuadia-me que eram só as camaras legislativas que tinham o direito de crear empregos e conferir postos.

Enganei-me. O sr. Saraiva de Carvalho em tempos normaes, sem perturbação da tranquillidade nem da ordem, assume a dictadura e substitue-se ás côrtes, e, o que ainda é mais grave, com ellas abertas continua a não fazer caso da constituição.

S. exa. foi instado por mim para que trouxesse a esta casa do parlamento uma proposta de bill de indemnidade para aquelle acto, e não obstante, tal proposta nunca veiu. Porque? O governo que se explique. E corre-lhe o dever de dar conta dos seus actos.

O anno passado mostrei eu até á evidencia os abusos que o sr. Saraiva de Carvalho tinha commettido no seu ministerio; mostrei que as suas decantadas economias eram apenas poeira lançada aos olhos do publico, e mostrei igualmente que os seus proprios decretos eram a cada momento desprezados e rasgados por elle mesmo.

Eu fui a voz clamando no deserto. O governo não fez caso do meu pedido, não apresentou o bill de indemnidade a que me referi, e eil-o ainda, vivendo em dictadura na presença do parlamento, n'um paiz onde vigora o systema representativo!

Pelo decreto de 30 de outubro de 1868 não se podia abonar por mais de quinze dias as ajudas de custa. Pois, sr. presidente, o sr. Saraiva de Carvalho, o homem das economias, não só concedeu ajudas de custo e gratificações extraordinarias, mas tornou permanentes as eventuaes. Isto é que é tino economico e tacto administrativo! O sr. ministro da fazenda que lhe agradeça a valiosa cooperação para a organisação da fazenda publica e extincção do deficit.

Aqui tem v. exa. como se fazem economias e como se pretende resolver a questão financeira.

Eu faço tenção de analysar mais detidamente a revoga-

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ção de algumas disposições do decreto de 30 de outubro de 1868, quando aqui vier o bill de indemnidade. Insto porque venha quanto antes a respectiva proposta, porquanto não desejo que o governo permaneça em diciadura por mais tempo, na presença do parlamento.

Sr. presidente, no que o governo manifestou tambem falta de respeito pelas leis, foi na questão dos coroneis.

Esta questão dos coroneis é uma questão seria e grave, em que estavam já comprommettidos, quando opposição, os cavalheiros que se sentem n'aquellas cadeiras; a vistura, porém, foi o sr. João Chrysostomo, pelo seu cavalheirismo e abnegação. Eu vou mostrar como o governo, pelas opiniões de alguns dos actuaes srs. ministros, e pelos seus violentos discursos, estava altamente compromettido n'esta questão, sobre a qual tinha opinião formada de ha muito tempo. Um digno par que geriu honradamente a pasta da marinha fizera-se echo n'esta casa das doutrinas sustentadas com certa acrimonia na camara dos senhores deputados contra o sr. Fontes. Eu poderia ler aqui varios trechos d'aquelles celebres discursos, e fulminar com elles o governo. Prohibem-m'o os brios da minha dignidade. Não vão, pois, muito longe os tempos em que o sr. Fontes em ambas as casas do parlamento era atacado com violencia por ter gasto sommas enormes com o exercito, por ter dado reformas em grande escala. Fallava-se lhe na conta velha e na conta nova, nos quadros das differentes armas pejados de officiaes supranumerarios, na anarchia da legislação, nas commissões de codificações, que nada tinham feito, na parcialidade e protecção dada ás armas especiaes, no desfavor para com a arma de infantaria, injustamente aggravada pelas preterições successivas. Fallava-se-lhe em quantas faltas se podem imaginar, affirmando-se que s. exa. tinha introduzido a anarchia na legislação militar, que conservava por um simples aviso suspenso o decreto de 10 de dezembro de 1868, do sr. marquez de Sá, sobre promoções; emfim, que o sr. Fontes queria governar arbitrariamente, e não ter outra lei mais que a sua vontade.

Acrescentava-se que havia antinomia entre os decretos de 30 de outubro de 1868 do sr. Calheiros, e o decreto de 13 de dezembro de 1869 do sr. Maldonado, ambos com força de lei, e ambos em vigor hoje em virtude do decreto de 26 de janeiro de 1870, que revogou o decreto de 18 de dezembro de 1869 do sr. Lobo d'Avila, conde de Valbom, organisando a engenheria civil; e que o sr. Fontes queria esta confusão de legislação toara fazer promoções a sua vontade.

Eram estas as accusações feitas ao ministro da guerra do partido regenerador com a maxima acrimonia e violencia. E que fez o actual governo que o substituiu? Eu que tinha tambem a minha opinião compromettida, e que fazia parte d'essa cruzada, entendi que devia obrigar o governo a pôr em pratica as idéas com que fora combatido o sr. Fontes; e chamei, apenas o actual gabinete tomou posse d'aquellas cadeiras, a sua attenção para resolver a questão militar. Exigiram-no as conveniencias do exorbito e a propria coherencia. Havia antinomia entre e decreto de 30 de outubro de 1868 e o de 13 de dezembro de 1869, que lançavam confusão na legislação militar?

Porque não os revogaram logo, mesmo em dictadura, já que a tinham assumido para cousas insignificantes? Porque não revogaram o decrete de 22 de junho de 1870 que tinha trazido aquella confusão, ou querendo que ficasse em vigor, o decreto de 30 de outubro de 1868, porque não revogaram o de 13 de dezembro de 1869?

Tudo isto era facil; facilimo; era dever do governo fazel-o, porque a legislação de 1868 é dos reformistas, e a de 1869 dos historicos, hoje fundidos, e porque a opinião dos actuaes ministros estava compromettida a fazel-o.

Não se fez, pois, porque lhes convinha a anarchia na legislação para fazerem em grande escala tudo que tinham accusado no sr. Fontes.

Para que se conheçam bem as duvidas e as difficuldades que existiam, será bom fazer a historia d'aquelles decretos que hoje estão em vigor, lançando a confusão e a desordem na legislação que rege a arma de engenheria.

Em 1868, o ministerio de então era presidido pelo sr. marques de Sá da Bandeira, e o sr. Calheiros, ministro das obras publicas, reformou a engenheria militar pelo decreto de 30 de outubro de 1868 deixando a engenheria civil entregue aos districtos.

Este ministerio foi substituido em 1869 por outro presidido pelo sr. duque de Loulé. Esse ministerio querendo revogar o decreto de 30 de dezembro de 1868, fel-o por dois outros que se completavam, o decreto de 13 de dezembro organizando a engenheria militar, e o de 18 do mesmo mez organizando a engenheria civil. Seguiu-se a dictadura do sr. duque de Saldanha, que revogou logo o decreto de 18 de dezembro, sem revogar o de 13 do mesmo mez e anno. Como estes dois decretos se completavam, fica evidente que a publicação do decreto de 22 de junho de 1870 tinha trazido n'aquella legislação certa desordem e confusão, que era mister promptamente remediar. Que fez, pois, o governo actual a esta desordem, apesar de eu lhe chamar a attenção para ella?

Esta arma como se vê não era mais do que um artificio para derrubar o governo transacto.

Estava suspenso o decreto de 10 de dezembro de 1868 do sr. marquez de Sá sobre promoções? Estava suspenso esse decreto por um simples aviso publicado na ordem do exercito de 15 de janeiro de 1869? Accusavam o sr. Fontes de deixar suspenso por um simples aviso, aquelle decreto com força de lei, que continha os principios os mais luminosos, as disposições as mais sabias e a doutrina a mais justa e moral? Porque não o puzeram em execução? O que fez este governo, apesar de eu lhe lembrar as suas opiniões e compromissos? Deixou subsistir o aviso que o suspendia e fez promoções ás fornadas, sem se importar com o decreto suspenso, nem tão pouco com a contradicção das suas opiniões e incoherencia de seu proceder!

Sr. presidente, por este simples esboço historico vêem v. exa. e a camara que o governo tinha estudado a questão militar, tinha opinião firme e assentada, sabia de ha muito que a arma de infanteria estava altamente prejudicada; e conferenciando com o sr. ministro da guerra para fazer áquella arma a justiça que lhe era devida, tudo o que se seguiu foi resultado d'essa conferencia.

O governo podia por um simples aviso suspender tambem o effeito do aviso sobre o decreto de 10 de dezembro de 1868, e ter assim em vigor uma lei de promoções que tanto elogiava. Não o faz porque entendeu que com a confusão e a desordem poderia fazer mais favores. O governo sabia e conhecia bem o alcance do decreto da reforma do coronel Affonso de Campos; se se recusou, se não quiz tomar a responsabilidade d'elle é porque achou um ministro altamente cavalheiroso, que se fez espoataneamente victima para salvar esse ministerio pusilhamine, que para ahi está sem convicções, nem systema, O ministerio que sabia evidentemente o alcance que ha de ter aquelle decreto, porque o sr. João Chrysostomo lh'o tinha dito, o ministerio que não tinha feito uma lei de promoções, mas que queria indemnisada a arma de infanteria dos prejuizos que tem soffrido, o ministerio que sabia que o decreto do coronel Affonso de Campos aproveitaria a mais vinte coroneis, segundo as declarações do sr. João Chrysostomo, logo que viu que a imprensa se pronunciava contra, similhante medida, atirou ás feras o honrado ministro da guerra, consentindo até que elle fosse invectivado na sua propria imprensa.

É muito, e de mais! O sr. João Chrysostomo deve estar satisfeito, vendo que todos apreciam a sua honradez, probidade o abnegação, ao passo que censuram a falta de lealdade do governo para com s. exa., politica acanhada e pusilanimo dos seus desleaes ex-collegas. O sr. João Chrysostomo devo estar satisfeito, porque emquanto todos apre-

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ciam a generosidade com que s. exa. tratou o ministerio, olham com dissabor para a afronta que se pretendeu fazer ao seu caracter, com a offerta dos arminhos de par. Como se o homem de bem, o homem honrado, carecesse de recompensas por ter cumprido o seu dever.

Em taes circumstancias aquella offerta foi uma verdadeira afronta ao honrado caracter do sr. João Chrysostomo.

Sr. presidente, a verdade é que o governo sabia o alcance do decreto que dava certa antiguidade ao coronel Affonso de Campos. A verdade é que o sr. João Chrysostomo lhe tinha dito que aproveitava a mais vinte coroneis; a verdade é que o sr. João Chrysostomo foi expulso do ministerio por ter satisfeito a opinião dos seus collegas, indemnisando a arma de infanteria; a verdade é que os decretos em que se applicavam a vinte coroneis as disposições do decreto que se referia á antiguidade contada ao coronel Affonso de Campos, foram suspensos porque o governo os considerava illegaes; a verdade é que a suspensão d'esses decretos foi levantada.

N'este estado de cousas, pergunto ao - sr. ministro da guerra, como é que s. exa. se prestou a evoluções tão pouco decorosas para um homem que tem o nome respeitado do sr. Castro? Como é que s. exa., nesta conjunctura, entrou, para o ministerio? Qual a sua opinião ácerca do assumpto? Considerava s. exa. legaes ou illegaes aquelles decretos? Espera que s. exa. responderá a estas perguntas sem subterfugios nem evasivas. S. exa. tem obrigação de definir precisamente a sua situação, sem lhe importar com as conveniencias particulares, para salvar a sua honra e a sua dignidade, que estão muito acima d'ellas.

Diga-nos, pois, s. exa., para que entrou para o ministerio, e qual a sua opinião sobre a legalidade dos decretos? Responda á camara precisando bem a questão, mas sem as banalidadades já sedicas: de que o exercito precisa de que olhem por elle, que está pouco adiantado, que o quer reformar de modo a poder estar na altura em que a civilisação o exige; e muitas outras cousas com que se póde gastar tempo e distrahir o publico, mas que de nenhuma fórma elucidam a questão que se debate.

O governo deve ter sempre opinião definida sobre os seus actos, e é altamente estranhavel, que não saiba ainda se certo e determinado acto seu foi ou não legal!

Sr. presidente, estou bastante cansado. Não obstante, preciso tocar outros pontos: e agradecendo á camara a attenção com que me tem escutado, peço-lhe que me releve tomar-lhe mais algum tempo.

Asseverou este governo aqui que tinha feito economias na importancia de tres mil e tantos contos de réis. Eu não vi os relatorios dos ministros respectivos, que demonstram e explicam quaes foram essas economias; mas o que posso affirmar á camara, sem receio de me enganar, é que aquella asseveração não é exacta, e hei de demonstrar isto com documentos que não podem ser suspeitos para o governo nem para a camara. Esses documentos são os relatorios do sr. ministro da fazenda. Disse s. exa. no seu relatorio do anno passado, no relatorio de 14 de janeiro de 1880, que o deficit do anno economico de 1879-1880 era de 7.200:000$000 réis, mas que, fiscalisando as despezas com bastante economia, esse deficit podia ser reduzido a 7.000:000$000 réis. No relatorio deste anno, de 10 de janeiro, diz o illustre ministro que o deficit excede 8.100:000$000 réis. Já se vê que eram errados os calculos do sr. ministro da fazenda. O deficit de 1879-1880 excedeu o algarismo previsto, apesar da boa fiscalisação que s. exa. tinha promettido. Portanto, o deficit foi superior a 8.100:000$000 réis. Tambem o sr. ministro, no seu relatorio do anno passado, diz que o deficit previsto para 1880-1881 é de 5.150:000$000 réis, e no relatorio d'este anno affirma que esse déficit assumirá a cifra de 6.538:000$000 réis, e é provavel que no ajuste de contas ainda se eleve a mais.

Em vista dos documentos officiaes, documentos escriptos pelo proprio sr. ministro, conclue-se que os calculos de s. exa. não têem valor nem significação alguma.

Declara tambem o sr. ministro da fazenda que o deficit previsto para 1881-1882 é de 5.900:000$000 réis; mas que, attendendo á receita creada e á economica fiscalisação, esse deficit póde ser reduzido a 4.500:000$000 réis.

Já vêem v. exa., sr. presidente, e a camara, que se o deficit d'este anno fosse como o sr. ministro da fazenda affirmava, abatendo d'elle os 3.000:000$000 réis de economias que o governo declara ter feito, e mettendo em linha de contado augmento de receita, o deficit de 1881-1889 ficaria reduzido a cerca de 1.000:000$000 réis e não a 4.500:000$000 réis como promette o ultimo relatorio do sr. ministro.

Como é, pois, que o déficit fica em 4.000:000$000 réis, apesar das economias, das reformas e do augmento de receita?

Creio que uma das cousas que o governo considera como economias é o ter deixado de fazer as despezas que têem estado descriptas no orçamento, e que eram destinadas a obras publicas, que já acabaram, como as do caminho de ferro do Minho e Douro.

Isso não são economias, são despezas que cessaram, porque tinham de cessar.

O que é certo, sr. presidente, é que a nossa situação financeira é hoje muito peior do que antes do governo progressista subir, ao poder.

Hoje é que podemos dizer o que em outras epochas dizia a imprensa progressista: ou 4.000:000$000 réis de impostos ou a bancarota.

Não quero alongar-me mais sobre este assumpto, e só direi que, apesar do monstruoso emprestimo que se fez ha pouco, ainda temos uma divida fluctuante de réis 3.352:000$000.

Esta malfadada divida fluctuante é como a solitaria, que renasce de qualquer pequeno fragmento.

Sr. presidente, fiz estas simples e singelas reflexões ácerca da questão de fazenda para protestar contra uma asserção do governo que, a meu ver, não era verdadeira. Deixo essa questão a pessoas mais competentes, reservando-me tambem para a tratar em melhor e mais opportuna occasião.

Mal diria eu, quando combatia ao lado dos actuaes srs. ministros o partido regenerador pelos seus erros e faltas, pela sua administração sem economia, pelas reformas e aposentações successivas, pelos supranumerarios nos quadros, etc., que hoje havia de estar ao lado d'esses cavalheiros para combater os progressistas por faltas e erros da mesma natureza, mas em maior escala!

Mal diria eu, sr. presidente, que me illudia quando, com o partido progressista, combatia o governo transacto. Possuido de convicções, cheio de crenças vivas, persuadia-me e imaginava que o partido progressista se tinha retemperado na adversidade, que tinha aprendido na desgraça com o tempo, com a observação e com a experiencia, e que, subindo ao poder em nome da economia e do respeito á lei, manteria religiosamente as suas promessas, cumpriria o seu programma, e daria provas da sua coherencia fazendo serias economias e acatando a lei.

Sr. presidente, triste desillusão! Nem as economias foram observadas, nem a lei foi acatada!

Mal diria eu, sr. presidente, que os abusos e os desvarios do actual governo haviam de ser tantos, e de tal ordem, que eu e o partido a que tenho a honra de pertencer, haviamos de nos ver forçados a fazer-lhe uma opposição energica, para o combater como um flagello dos mais perniciosos para o paiz. Dolorosa decepção!

Sinto pezar de haver combatido o governo transacto, cuidando, eu e os meus correligionarios politicos, que prestavamos um alto serviço ao paiz. Na verdade, foi o maior dos desserviços a substituição por aquelle ministerio.

A responsabilidade para o partido constituinte é grande,

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porque foi essa partido, embora pequeno, que conquistou o poder para o partido progressista, que, teria talvez morrido, se não fôra o nosso leal e desinteressado esforço.

Valia mais que, quando o partido progressista, nas horas da amargura e da desgraça, prestos a dissolver-se e já nas vascas da morte, lançava olhos piedosos para nós, e dos pedia amparo e conforto, valia mais, sr. presidente, que nós, constituintes, membros de una partido aliás tão pequeno, em vez de nos sacrificarmos por elle com toda a abnegação, o deixassemos morrer envolto nos artigo da sus imprensa, que investia contra a constituição e injuriava a pessoa do Rei.

Na hora de amargura, esse partido desanimado, sem alento, dirigindo-se então aos constituintes, não havia proposta que não lhe fizesse, sem excluir a direcção, o commando partido. E nós, com o maior desinteresse, com a maior abnegação, recusámos tudo, porque não tinhamos outro empenho nem outra aspiração que não fosse servir lealmente o paiz.

Infelizmente o paiz não lucrou com a substituição, antes perdeu. Os gastos excessivos continuara, pedindo-se novos e mais onerosos sacrificios ao contribuinte, sem se lhe dar uma esperança de allivio futuro. A questão de fazenda continua na mesma ou mais aggravada ainda porque se têem já esgotado abundantes fontes de receita, N'esta prespectiva não valia a pena substituir por aquelle o ministerio presidido pelo sr. Fontes. Não valia, a pelo sr. presidente, substituir o ministerio presidido pelo sr. Fontes, por essa ominosa administração que ahi está illudindo as esperanças do para e enganando a corôa.

Não valia a pena substituir o ministerio do sr. Fontes, por uma administração, que com enormes defeitos e erros sucessivos tem esfarrapado a gloriosa bandeira do partido progressista. Ao menos o sr. Fontes, a par dos seus defeito; (e quem ha que os não tenha?) tem eminentes qualidades. Ao menos o sr. Fontes, se foi prodigo na administração da fazenda publica, se se não prendeu com as economias, deixou um rasto luminoso na sua passagem pelo poder, vinculando o seu nome aos melhoramentos publicos á viação accelerada.

Todos os caminhos de ferro d'este paiz, excepto o de Torres, são da sua iniciativa. Eu que combati a sua administração com energia, com violencia até, folgo de lhe fazer justiça, repetindo aqui perante o parlamento palavras que já tive ensejo de pronunciar n'outra sessão.

É necessario fazer justiça a todos! Não me cega a paixão partidaria. Reconheci grandes faltas, grandes erros no ministerio regenerador, combati-o como pude; mas ao mesmo tempo não posso deixar de dizer que da sua estada no poder resultaram obras publicas das mais importantes e differentes caminhos de ferro, com que o paiz sempre lucra.

Este ministerio, porém, o que fez, o que nos lega? O negocio de Torres Vidras e um emprestimo monstruoso, com commissões, fabulosas.

Quando um partido affirma no poder idéas contrarias ás que sustentou na opposição; quando um governo defende doutrinas e principios que sempre condemnou, como contrarias ao seu credo politico; esse governo esquece os seus compromissos de honra, falta á sua palavra, renega a historia gloriosa, do seu partido, despreza as suas tradições nobres e o seu illustre passado, illudo as esperanças no paiz e engana completamente a corôa.

Sr. presidente, nutri a doce illusão, quando o actual ministerio subiu ao poder, de que elle realisaria parte das aspirações do paiz; mas desenganos sobre desenganos succederam a essa illusão!

Nem uma aspiração só foi realisada, nem uma unica promessa foi cumprida.

Sr. presidente, um governo assim é como os flageilos que Deus manda a um paiz quando o quer castigar.

Composto de homens embora apreciaveis na vida particular, mas detestaveis como ministros, eu considero-os como o instrumento que Deus escolheu para castigar esta infeliz nação.

A hora final, que está prestes a soar, ha de ver como cáe um governo, arrastando o partido nos farrapos do seu programma.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio que veiu do ministerio dos negocios estrangeiros.

Leu-se na mesa, é do teor seguinte:

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 100 exemplares de um volume do Livro branco, contendo documentos relativos á negociação de algumas modificações nas disposições do tratado de 30 de maio de i879 entre Portugal e a Gran-Bretanha, que se acha submettido á approvação das côrtes.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Pires de Lima: - Usou da palavra sobre a ordem.

(O discurso do digno par será publicada quando s. exa. o devolver.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, peço a palavra para uma explicação, visto tratar-se de uma questão pessoal.

O sr. Presidente: - Está inscripto para uma explicação, no fim da sessão, o sr. visconde de Chancelleiros, que pediu tambem a palavra sobre a ordem. Como não se póde pedir a palavra sobre a ordem sem se apresentar uma moção, peço ao digno par que comece o seu discurso mandando para a mesa a mesma moção.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Mandou para a mesa a sua moção.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.}

Leu-se na mesa a moção de ordem apresentada pelo sr. visconde de Chancelleiros, que. é do teor seguinte:

Para que ao paragrapho da resposta que começa "A camara dos pares collaborando com o governo de Vossa Magestade, etc." se juntem as palavras: "sem distincção de partido."

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Esta moção, que é effecttvamente um additamento, fica em discussão com a materia principal, e será submettida á votação depois de votado o projecto de resposta ao discurso da corôa.

O sr. Serpa Pimentel: - Pedi a palavra, sr. presidente, na occasião em que o sr. ministro do reino, que sinto não ver presente, invocando o interesse publico, pediu a benevolencia da camara, para que deixasse o governo, n'esta occasião difficil em que nos encontramos, tratar de resolver a questão financeira.

Pois a questão financeira cão está já resolvida?

Pois nós temos ainda uma questão financeira?

Pois este governo, que está ha vinte mezes no poder, que trazia um programma para resolver todas as difficuldades financeiras, que viu approvadas pelo parlamento todas as suas medidas salvadoras, e que apresentou já o orçamento para o terceiro anno da sua gerencia, tem ainda que resolver a questão de fazenda?

Esta, sr. presidente, não é de certo a occasião mais propria para discutir a questão financeira, mas permitta-se-me que eu estranhe a reflexão do sr. ministro, que não está presente, pois a questão financeira é exactamente uma d'aquellas que mais contribuem para o descontentamento publico, e para que os srs. ministros não possam infelizmente continuar por muito tempo a sentar-se n'aquellas cadeiras.

Como muito bem disse o sr. visconde de Chancelleiros, esse governo entrou para a gerencia dos negocios publicos nas circumstancias as mais favoraveis para poder resolver a questão de fazenda.

É verdade que o governo actual encontrou no deficit e uma divida fluctuante; mas qual é o governo n'este paiz

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que não encontrou, entrando para o poder, um grande deficit e uma grande divida fluctuante?

Eu não quero cansar a attenção da camara fazendo uma larga historia retrospectiva, e recorrendo a epochas remotas; basta apenas que me refira aos doze ultimos annos.

Seriam mais felizes as circumstancias. em que se encontrou o governo a que presidia o nobre duque de Loulé, quando em 1869 entrou para o ministerio, achando o credito tão arruinado e o thesouro em circumstancias tão difficeis, que no proprio dia em que entrou lhe perguntaram em uma das casas do parlamento se nas arcas do thesouro, ou no credito nacional, havia recursos para pagar uma letra de algumas mil libras que se vencia n'esse dia?

Seriam estas circumstancias mais auspiciosas?

Seriam mais auspiciosas as circumstancias em que entrou para o poder o gabinete presidido pelo sr. duque d'Avila, nosso digno presidente, depois do ministerio historico e de 19 de maio, encontrando o credito arruinado, os fundos a 30 por cento, e um grande emprestimo emittido e em grande parte por collocar por não ter achado tomadores nas praças estrangeiras?

Seriam mais auspiciosas as circumstancias em que encontrou o paiz o ministerio que se lhe seguiu, presidido pelo sr. Fontes, em que a situação do thesouro e o credito publico, apesar de terem melhorado durante a ultima gerencia, estavam ainda em estado de que os nossos fundos não chegavam a 40, e de que o emprestimo a que me referi não tinha podido ser de todo collocado?

Este governo encontrou é verdade um grande déficit e uma grande divida fluctuante; mas encontrou tambem o credito do paiz perfeitamente consolidado e firme, e elevado a uma altura a que poucas vezes tinha chegado nas melhores epochas anteriores; encontrou nos cofres do thesouro; em vez, de exhaustos e vasios, como succedia quasi sempre aos seus antecessores, sommas consideraveis, na importancia de mais de 4.100:000$000. réis em dinheiro corrente e especies metallicas; encontrou aberto um credito de 25.000:000 de francos n'um estabelecimento dos mais importantes do mundo;. encontrou uma instituição que não tiveram os seus antecessores, a qual tinha sido creada havia apenas um anno, e que podia já então fornecer ao governo mais de 2.000:000$000 réis por um preço minimo: refiro-me á caixa geral de depositos, que alem d'aquelle preço modico por que empresta o dinheiro, não tem as exigencias dos outros prestamistas; encontrou essa crise dolorosa de 1876 quasi debellada, como confessa o sr. ministro da fazenda no. seu relatorio, crise que tinha sido a causa principal do déficit dos ultimos annos, pois fôra necessario fazer despezas importantes, ao passo que as receitas haviam diminuido, tendo afrouxado consideravelmente o movimento commercial do paiz, como tambem confessa o sr. ministro da fazenda no seu ultimo relatorio; encontrou emfim certas obras importantes, taes como os caminhos de ferro do Minho e Douro, os caes e Apontes da alfandega, a penitenciaria, e outras que exigiam muito dispendio, a ponto de se concluirem,, de maneira que esse facto permittiu logo no anno seguinte uma diminuição de despeza importantissima, e é a essa natural cessação de despeza que o governo chamou economia de 2.500:000$000 réis por elle realisada. (Apoiados.}

Foi n'estas circumstancias vantajosas que este ministerio subiu ao poder.

Mas ha mais ainda. O governo encontrou vencida a terrivel crise industrial que durante alguns annos tinha alastrado .as praças da Europa de prejuizos incalculaveis, de sorte que os vinte mezes de gerencia do ministerio actual coincidem com um periodo de prosperidade financeira, talvez o maior que desde muitos annos tem havido na Europa; por outro lado encontrou tambem debellada a crise do Brazil, que durante annos impediu a remessa de importantes quantias resultantes do rendimento de capitaes portugueses alicollocados.

E sobre tudo isto encontrou as dua seasas do parlamento promptas a votarem-lhe todas as medidas para restabelecer o equilibrio financeiro no nosso orçamento. E essas medidas creio que eram tão completas, que este governo apenas propõe n'esta sessão tres projectos de fazenda insignificantissimos debaixo do ponto de vista financeiro, porque não podem servir para augmentar a receita publica, nem para diminuir o deficit. Entretanto, depois de todas as condições vantajosas, tendo encontrado dinheiro e credito, que o livraram de todos os embaraços do momento, tendo encontrado a facilidade de poder no anno seguinte, o primeiro da sua gerencia, diminuir, como diminuiu em mais de 2.000:000$000 réis, a despeza do estado, tendo visto approvadas pelo parlamento todas as suas medidas secundarias, ainda no orçamento para o anno economico de 1881-1882, que será o terceiro da sua gerencia, ainda apparece um déficit de 5.695:000$000 réis! deficit, que o sr. ministro pretende reduzir a 4.500:000$000 réis. Em virtude do que? Em virtude do crescimento espontaneo da receita publica, crescimento que foi real no tempo do ministerio passado, por isso que durante a sua gerencia subiram cerca de 6.000:000$000 réis as receitas do thesouro, que então se não queria admittir para os calculos do deficit futuro, e que se invoca n'este momento, quando esse crescimento espontaneo é nullo ou insignificante.

Mas, se os calculos forem tão exactos e bem succedidos como os que o sr. ministro apresentou com referencia ao actual anno economico, o deficit não só ha de chegar aos 5.695:000$000 réis, mas ainda exceder muito esta somma.

Tendo entrado o governo n'estas circumstancias que indiquei, teve tambem a seu favor, e nas duas casas do parlamento, maioria e opposição, porque os meus amigos politicos, em estando no ministerio, propõem impostos, se os julgam necessarios, mas, em estando fóra do poder, votamos sem difficuldade aos ministros que os propõem. Não acontece o mesmo com o partido progressista. Quando está no governo, pede impostos; quando está na opposição, vota contra todos elles, provoca no paiz repugnancia ao imposto, e promove representações n'essa conformidade.

Referir-me-hei a 1871-1872, epocha em que as circumstancias eram muito mais difficeis, e em que as propostas de impostos apresentadas pelo meu collega, o sr. Fontes, eram tão salvadoras que, sem queixas nem vexame dos contribuintes, produziram o resultado de que a receita publica augmentasse consideravelmente no ultimo periodo de sete a oito annos. Então fazia-se propaganda contra os impostos; então dizia-se ao povo que não pagasse; e hoje, com tanto favor dos proprios adversarios, com tantas facilidades para poder resolver a questão de fazenda, tendo-se-lhe votado, todas as medidas que propozeram, não tendo mais nada a propor para- resolver a questão de fazenda, porque n'este anno só nos trazem tres propostas de lei sem importancia financeira, apresentam para o terceiro anno da sua gerencia um deficit de 5.695:000$000 réis!

Sr. presidente, disse hontem aqui o sr. ministro do reino que o governo tinha cumprido o seu programma e realisára grandes economias, importando em 100:000$000 réis as que obteve com o decreto relativo a gratificações. Onde é que está essa diminuição de despeza, que não apparece nas contas, pergunto eu agora? Esses 100:000$000 réis entravam nas despezas ordinarias dos ministerios; mas porventura diminuiu a despeza ordinaria dos ministerios da guerra, da marinha, da justiça, da fazenda, das obras publicas e dos negocios estrangeiros? Onde estão as economias?

Foram 2.000:000$000 réis, dizem. Mas essa quantia resulta das verbas destinadas para a construcção da penitenciaria, dos caminhos de ferro do Minho e Douro, das pontes das alfandegas e de outras obras que o ministerio achou felizmente quasi concluidas. Onde apparece o resultado dá economia desses 100:000$000 réis de gratificações se a despeza ordinaria dos ministerios, em vez de diminuir, cresceu?

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A questão de fazenda é uma das causas por que a opinião publica tem abandonado este governo,; mas não é essa a principal. Questões de finanças nunca chegam bem ao conhecimento da grande massa do povo, são apenas para uma certa classe um pouco mais illustrada, que póde examinar estas questões, estudar o orçamento e ler os relatorios do ministerio da fazenda. O nosso povo, ainda infelizmente pouco instruido, só conheço a questão de fazenda quando se lhe pede o augmento cio imposto. Mas o que o povo sabe é que o governo tem faltado completamente a todos os principios do seu programma; reina por toda a parte a decepção e o desengano. O descontentamento é grande, e sobretudo nas localidades onde o povo estava acostumado á tolerancia, não direi excessiva, mas larga e intelligente do meu antigo collega o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, e que caiu por uma transição rapida nas mãos do sr. José Luciano de Castro. O sr. ministro do reino, que no seu programma e nos seus discursos tinha proclamado as mais amplas idéas de descentralização, que levava os seus escrupulos em materia de interferencia politiza nos actos de administração locai até ao ponto de não querer que o executivo tivesse o direito de dissolver as camaras municipaes, nem que os governadores civis tivessem a tutela dos estabelecimentos locaes de beneficencia, tem passado a sua vida ministerial a dissolver camaras municipaes e a consentir ou a ordenar que os seus governadores civis dissolvam as administrações das misericordias e confrarias; e isto não no intuito elevado de melhorar a administração d'estes corpos municipaes e locaes, mas no intuito mesquinho de expulsar d'estas administrações os homens que seguem uma politica contraria á do governo, no intuito de satisfazer odis de localidade e conveniencias eleitoraes.

O sr. ministro do reino tinha asseverado no seu programma e nos seus discursos que queria emancipar os eleitores da influencia da auctoridade, e em vez d'isto, esquecendo-se da tolerancia, que é o timbre e gloria do partido regenerador, que com grande vantagem publica a inaugurou ha trinta annos, da tolerancia, que é a grande e fecunda virtude dos tempos e da civilização moderna, não tem feito senão demittir e transferir empregados, não já sómente os empregados de confiança politica, mas até os empregados de instrucção publica, os professores, os reitores dos lyceus, os empregados do ministerio publico, os empregados de fazenda, renovando precedentes ominosos, que pelo desuso já estavam esquecidos.

Eu, sr. presidente, não quero exagerar. Graças á amplissima liberdade de imprensa, que tambem faz em grande parte a honra de um dos partidos d'esta terra, não são possiveis hoje os excessos de outros tempos. Não quero dar ao sr. ministro do reino aã proporções do um tyranno. Nesta epocha já não póde haver tyrannos. Mas póde haver tyrannetes. Não quero exagerar, e dizer que voltámos aos tempos de D. Miguel. O sr. ministro do reino é apenas um conde de Basto em miniatura.

Mas, sr. presidente, eu disse que o governo fallando constantemente ao seu programma tem incorrido n'um certo desagrado geral, e por isso me convenço de que o governo está gasto, que se gastou mais depressa do que nunca se gastou nenhum outro governo em tão curto periodo de tempo, que não tem força para viver politicamente, que não tem força para governar. E quem não tem força para governar, não governa.

Apontarei um facto, a questão dos coroneis.

O illustre ex-ministro da guerra, o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, no intuito de favorecer a arma de infanteria, que estava prejudicada no seu accesso, invocou uma antiga consulta do concelho d'estado, e reformou em general de divisão o coronel Affonso de Campos. Mas tomando essa medida sob sua exclusiva responsabilidade, communicando-a aos seus colegas, e fazendo lhes ver qual o seu alcance legal e financeiro, e até qual a somma que essa medida faria despender a mais. Sabiam-no, pois, todos os srs. ministros e tomaram a responsabilidade do acto. Mas quando appareceram mais tarde os decretos que applicavam a mesma medida a outros coroneis, o que elles sabiam que havia de acontecer, alguns jornaes do governo começaram a censurar aquelles decretos. Quiz o sr. João Chrysostomo defender-se nos jornaes do governo, e não lh'o consentiram.

Os srs. ministros renegaram a responsabilidade que tinham completa nos actos do seu collega, e o sr. João Chrysostomo teve que sair do ministerio. Os jornaes amigos do governo (permitta-me a camara a phrase que vou empregar) intimaram a s. exa. mandado de despejo. E note-se que não era a primeira vez que esses jornaes investiam com o sr. João Chrysostomo; já o tinham feito noutra occasião, ha perto de um anno, e cousa notavel! foram então os jornaes da opposição quem defenderam o nobre ministro da guerra. O sr. João Chrysostomo, caracter elevado e austero, não se curvava a certas influencias, nem obedecia a certas pressões. Saiu pois o sr. João Chrysostomo, abandonado pelos seus collegas. Mas uma cousa que se chama a lógica fez dizer ao publico e á imprensa que se o sr. João Chrysostomo tinha saído do ministerio, por ter publicado decretos illegaes ou inconvenientes, não bastava que elle saísse, e era necessario que aquelles decretos fossem revogados. O governo que tinha cedido ás exigencias dos seus amigos, demittindo o sr. João Chrysostomo, cedeu ás intimações da imprensa, e suspendeu os decretos. Suspendeu-os, note-se bem, para serem ouvidas as estações competentes, as estações no plural. Comtudo, não se ouviu mais do que uma estacão, que foi a procuradoria geral da corôa; o que prova que o governo, confundindo o singular com o plural, não está mais adiantado em grammatica do que em politica. Aconteceu então que os officiaes do exercito da arma de infanteria, quando viram os seus interesses ameaçados, começaram a manifestar o seu descontentamento, e o governo que primeiro havia cedido aos seus amigos politicos, depois á imprensa, teve de ceder ao descontentamento do exercito, e revogou o decreto que tinha suspendido os decretos anteriores. Será isto serio?

Sr. presidenta, quando os governos assim procedem, não têem força para governar, e por isso eu disse que não podia conservar-se por muito tempo n'aquellas cadeiras. Mas digo-o em desprazer e com sentimento, porque intendo que no systema representativo, os governos, sobretudo os governos que representam um partido, devem conservar-se por tempo sufficiente no poder, para se conhecer e consolidar algum bem que possam ter feito, ou para se demonstrar a todas as intelligencias, ainda as mais tardias, de uma maneira formal, evidente e inequivoca, a sua completa incapacidade, ou a inanidade do seu programma, ou a sua impotencia de o realisar.

Este governo tem vinte mezes de existencia, e uma das medidas mais importantes que apresentou foi o imposto de rendimento.

D'esta medida ainda se não podem conhecer os resultados praticos, porque a sua applicação completa á maioria dos contribuintes, aos lavradores, aos proprietarios, aos commerciantes e aos industriaes só ha do realisar-se depois do proximo mez de agosto.

Uma das medidas que foi mais combatida nesta camara, a resurreição do arrematante do real de agua, ainda não está praticamente em execução.

Das novas taxas do sêllo. como ainda até hoje não se publicaram os regulamentos, ha algumas e das mais vexatorias que não estão ainda em execução.

Portanto, era conveniente que o governo não saísse do poder sem que se reconhecessem de uma maneira completa os resultados praticos das suas medidas.

Mas de certo não deponde de mira que elle se conserve n'aquellas cadeiras, e eu vejo approximar-se rapida a hora em que tem de abandonal-as.

Eu bem sei que o governo, ou pelo menos os seus amigos,

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os seus oradores e se seus jornaes, dizem que o actual gabinete tem maioria na outra casa do parlamento, e que a maioria d'esta casa pouco importa, porque, apesar de qualquer votação d'esta camara, elle Continuará a governar.

Invocando umas velhas theorias de direito publico constitucional, a respeito da importancia d'esta casa do parlamento, dizem que ella nada vale, porque é filha do privilegio, é filha do acaso do nascimento ou da nomeação real.

E dizem isto, sr. presidente, os homens que se reputam e dizem pertencer ao partido mais avançado, e que se proclamam sectarios da philosophia positiva.

E não sabem elles que essa philosophia exclue as theorias metaphysieas, que segundo essa philosophia só os factos e as leis derivadas d'elles são a base de toda a sciencia social?

E o que nos dizem os factos e não as theorias?

Nas nossas actuaes circumstancias, a camara dos pares, mesmo hereditaria, mesmo filha do acaso do nascimento, ou da nomeação real, tem grande importancia é ha de continuar a tel-a!...

Sr. presidente, em um paiz, em que, infelizmente, o nivel dá instrucção publica está tão baixo e os nossos costumes estão tão pouco adiantados (e com isto não faço censurei ao actual governo, porque os factos derivam de causas mais complicadas e remotas e de diversa ordem); n'um paiz, repito, em que a instrucção está tão pouco adiantada e os costumes publicos tão atrazados, que, na maioria dos circulos eleitoraes, se vota inconscientemente, á ordem ou a pedido dos regedores e dos cabos de policia; (Apoiados.) n'um paiz em que um governador civil tem a audacia de dizer officialmente: "querem obras no districto, querem obras importantes e necessarias para o augmento da vossa riqueza, querem uma obra hydraulica, que é essencial para a irrigação dos vossos campos, querem estradas, o dinheiro já ahi vem; mas é necessario que votem no candidato do governo", e em que este governador civil não é demittido no dia seguinte; num paiz em que em muitos circulos os povos votam nos candidatos do governo, não porque os conheçam, não porque lhes importe a politica d'elles, mas porque unicamente sabem que sendo candidatos do governo elles hão de poder obter a sua estrada, o concerto da sua igreja, da sua ponte, emfim aquelles bens ma-teriaes de que precisam; n'um paiz em que as leis administrativas estão ainda tão pouco adiantadas, que o governo póde repartir esses beneficios a seu talante, não conforme ás conveniencias do paiz. mas conforme os interesses eleitoraes; n'um paiz em que um jornal do governo, é este facto é de ha poucos dias, reprehende nominativamente um deputado por votar contra o governo, dizendo que aquelle deputado não conhecia uma só pessoa no circulo que o elegeu, que é o mesmo que dizer que não era representante eleito pelo povo mas feito pelo governo; n'um paiz que sé acha n'estas condições, esta camara, pelo simples facto da inamobilidade dos seus membros, e da sua independencia do poder executivo, ha de ter sempre grande importancia.

Isto é o que nos diz a historia do systema representativo não só entre nós, mas tambem nos outros paizes, que os srs. ministros teriam feito bem se tivessem estudado.

Em França, no tempo da restauração, havia uma camara que era, como esta, hereditaria, como esta de livre nomeação real. Durante os quinze annos da restauração, epocha memoravel, porque foi uma lucta continuada entre o antigo regimen e as novas idéas, lucta na imprensa e na tribuna, a camara dos pares da França teve sempre maior influencia do que a outra camara. A camara hereditaria foi a que ali resistiu sempre ás demasias do poder, e soube manter o respeito aos principios liberaes. Foi n'essa camara que naufragou a lei sobre a liberdade de imprensa, a lei chamada do sacrilegio, e que naufragou igualmente a lei das primogenituras.

Aquella camara, embora filha do acaso do nascimento, ou do acaso da nomeação regia, como hoje se diz, representava a liberdade e o progresso, porque pela inamobilidade dos seus membros, pela sua independencia do poder executivo, representava a opinião publica, emquanto a camara dos deputados, filha das fraudes eleitoraes, do atraso dos costumes publicos, e da ingerencia das auctoridades, só representava a vontade do governo.

Atravessemos agora o canal da Mancha. Do outro lado está a Inglaterra. Ahi dá-se exactamente o contrario. A camara dos communs tem muito maior importancia politica do que a camara dos lords; e note-se, que a camara dos lords representa as mais nobres tradições da velha Inglaterra, e representa sobre tudo a grande propriedade, que é um importante elemento politico. Pois apesar d'isso tem menos importancia do que a camara dos communs. E porque é isso? É porque a camara dos communs é verdadeiramente eleita pelo paiz, representa a vontade livre dos eleitores, e é a representação exacta e fiel da opinião publica.

É por isso que a camara dos lords tem menos influencia, e que só exerce a sua acção politica nas occasiões excepcionaes em que é necessario impor uma certa e salutar resistencia a algum desvairamento momentaneo da opinião, ou a certa anciã de progresso, ás vezes demasiadamente accelerada.

Nós estamos mais no caso em que estava a França no tempo da restauração, do que no da Inglaterra de hoje.

Mas não é necessario, para provar o que digo, recorrer á historia dos outros paizes, basta que vejamos a nossa.

Porventura não tem sido esta camara que, por mais de uma vez, se tem opposto ás leis demasias do poder? Não é ella que se tem opposto ás leis menos liberaes, ou que tem corrigido as que n'este sentido aqui têem vindo, approvadas pela outra camara?

Quando um governo julgou necessario fazer uma lei repressiva da liberdade de imprensa, essa lei foi approvada pela camara dos deputados, pelos que se dizem representantes0 do povo, mas foi aqui que ella foi corrigida e modificada.

Quando se tratou da desvinculação da terra,, partiu desta camara a iniciativa "& a medida capital. Eis o que lhe dá importancia. E esta importancia e o seu modo de proceder vem-lhe da sua independencia.

E fallaes na hereditariedade? Esta hereditariedade já quasi não existe, não por iniciativa de reforma que viessem da camara popular, mas por duas leis, a de 1855 e a de 1878, da sua propria iniciativa.

Portanto, sr. presidente, o governo illude-se quando imagina que póde viver sem o apoio d'esta camara, e que ella não tem importancia.

O governo, pelos erros que tem commettido, pela maneira por que tem dirigido os negocios, pelo modo por que tem faltado ao cumprimento de todos os artigos do seu programma, perdeu, como eu disse, a confiança publica. É um facto que eu lamento, mas como estou certo disso, não desejo vel-o desapparecer d'aquellas cadeiras, sem chamar a attenção da camara, e sem pedir contas aos ministros de um dos actos mais importantes e mais caracteristicos da sua gerencia. Refiro-me ao inquerito ás secretarias d'estado.

Sr. presidente, este governo fez o que não tinha feito governo nenhum depois que ha governo constitucional neste paiz, e mesmo nos paizes estrangeiros. Este governo abriu devassa sobre os actos dos seus antecessores. Nomeou uma commissão de inquerito para examinar os actos dos ministros que o precederam, e isto com o commentario dos seus jornaes, que diziam que se tinham commettido crimes, roubos e malversações, e nomeando para a commissão de inquerito os redactores d'esses jornaes, accusadores e juizes ao mesmo tempo.

D'esse inquerito appareceram resultados parciaes e insignificantes, e quando se permittiu aos deputados que fos-

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76 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNGS PARES DO REINO

sem examinar os archivos das secretarias, não só do tempo do ministerio passado, mas de todos os ministerios anteriores, reconheceu-se que se havia vestigios de documentos que tivessem de envergonhar alguem, não era de corto o ministerio passado nem os seus amigos. (Apoiados.)

Depois d'isto nunca mais se fallou em inqueritos ás secretarias.

Mas, tendo havido inqueritos parciaes em varias secretarias de estado, nunca appareceu nenhum resultado do inquerito á secretaria da fazenda, e sobre este ponto chamo eu a attenção da camara. Quando se trata da gerencia dos dinheiros publicos, ninguem dirá que a secretaria da fazenda não é a mais importante. É ali que se arrecada toda a receita do estado, é dali que sáe o dinheiro para teclas as despezas. É ali que se fazem annualmente operações de muitos e muitos milhares de contos de réis.

Que! Pois accusam-se homens publicos, fazem-se as riais graves insinuações, proferem-se as palavras crime, roubos, malversações, fazem-se inqueritos ás secretarias, e não se publica o resultado do inquerito á secretaria da fazenda! Abrem devassa ácerca da gerencia dos seus antecessores, e em vez de trazerem a publico o resultado d'essas devassas, calam-se! ...

Isso não póde ser. (Muitos apoiados.) Lança-se o descredito e as insinuações mais atrozes a homens publicos, mandam inquerir dos seus actos, e depois nem uma palavra sobre o resultado d'essas inquerições!...

Sr. presidente, isto é muito serio. (Apoiados.) Tragam para aqui o resultado do inquerito á secretaria da fazenda, digam os crimes e as malversações que lá encontraram, ou acceitem o epitheto de cumplices dos calumniadores. (Apoiados.) Tragam para aqui o inquerito, srs. ministros!

Vozes: - Muito bem.

sr. Mendonça Cortez: - Peço a palavra antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Á penitenciaria ao menos fez-se um inquerito publico, todos foram chamados a depor, e uma commissão de engenheiros, de homens technicos e impareiaes achou que o preço que valiam as obras feitas era ainda superior em alguns contos de réis á despeza que effectivamente tinham custado.

Tanto se fallou nos roubos da penitenciaria; mas es homens competentes, imparciaes declararam, depois de um minucioso exame, que o valor d'aquellas obras era superior ao que tinham custado effectivamente ao thesouro. É preciso que isto fique bem registado.

Entretanto o desgraçado engenheiro Ricardo Ferraz, homem pouco afeito ás lides politicas, espirito timorato, succumbia sob o peso das accusações, e lá está debaixo da campa, tendo deixado a miseria á sua familia, o a um remorso indelevel e eterno na consciencia dos seus assassinos.

Sr. presidente, foi para pedir ao governo que trouxesse aqui o resultado dos inqueritos á secretaria da fazenda, que eu, receiando ver saír em breve os srs. ministros d'aquellas cadeiras, pedi a palavra na discussão da resposta ao discurso da corôa. Não foi para mortificar os meus adversarios, que eu não gosto de mortificar ninguem; não foi para lhes lançar em rosto as suas contradicções, e a falta do cumprimento do seu programma, nem tão pouco foi para me queixar d'esse systema de injuria e de insulto que se adoptou como arma politica. Não me queixo d'esse, nem tenho o direito de me queixar.

Quando essa injuria e esse insulto em phrase baixa e grosseira, não só a censura aos actos politicos, mas a injuria pessoal, e até relativa aos actos da vida, publica, e particular; quando essa, injuria e esses miseraveis insultos foram não só dirigidos contra 05 ministros da situação o passada, mas até contra o proprio chefe do estado, e quando ha pouco este systema foi publicamente applaudido, glorificado e adoptado pelo partido inteiro, tenho eu, porventura, o direito do me queixar? (Muitos apoiados.)

O sr. Mendonça Cortez: - O systema da calumnia não é apoiado pelos homens de bem.

O Orador: - Sr. presidente, sou eu quem tem a palavra.

(Novo aparte do sr. Mendonça Cortez. Apartes simultaneos dá outros dignos pares.)

O sr. Presidente: - Se a sessão continua d'este modo vejo-me obrigado a levantal-a.

O Orador: - Repito a phrase, porque ella é exacta, porque é verdadeira. Quando a injuria e o insulto em phrase baixa e grosseira, o insulto pessoal, e até sobre os actos da vida particular, são dirigidos não só aos membros do ministerio transacto, mas até ao chefe do estado, e isto como systema; e quando este systema foi ainda ha pouco applaudido, glorificado, tenho eu o direito de me queixar? Eu não desejava que es srs. ministros saíssem d'aquellas cadeiras (indicando es do ministerio), sem chamar a attenção da camara, e lhes pedir contas a elles por este facto caracteristico da sua passagem no poder.

Refiro-me ao inquerito da secretaria da fazenda. Sei que não m'as podem dar; mas s fique ao menos para sempre lavrado aqui este protesto, em nome da moralidade publica, contra o seu inqualificavel procedimento.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Acha-se sobre a mesa a carta regia que elevou ao pariato o sr. Antonio Pequito Seixas de Andrade.

Vae ser remettida á commissão de verificação de poderes.

Deu a hora.

A ordem do dia para sexta feira, 4 do corrente, é, na primeira parte, a discussão do parecer n.° 153, e, na segunda, a continuação da que fôra dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignes pares presentes na sessão do 18 de fevereiro de 1881

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Arcebispo de Evora; Condes, dos Areos, de Avilez, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Paraty, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom; Bispos, de Bragança, de Lamego, de Vizeu, eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, das Larangeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Barjona do Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Eugenio de Almeida, Sequeira Finto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Amaral, Mello e Gouveia, Horta, Mexia Salema, Luiz de Campos? Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires ds Lima, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira do Novaes, Seiça e Almeida, Costa Lobo.

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