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DIARIO DA GAMAM DOS DIGNOS PARES DO REINO 81

que sempre experimento quando fallo perante esta assembléa, preoccupa-me ainda mais o animo, deprime-me o espirito, porque me prezo de apreciar, como os que melhor a apreciam, a alta responsabilidade das palavras proferidas n'este recinto, sobretudo quando emanam de um membro do poder executivo. Vejo aqui representados alguns dos nomes mais illustres da nossa aristocracia, de entre aquelles que recordam feitos memoraveis inscriptos e para sempre conservados nos honrosos annaes da nossa historia patria; vejo estadistas eminentes, encanecidos no serviço publico; contemplo vultos venerandos, representando a igreja, as letras e as armas; vejo professores illustradissimos que, na regencia das suas cadeiras, têem dado exuberantes provas do seu alto valor intellectual e do largo alcance scientifico com que sabem ministrar ás gerações que se vão succedendo nas escolas e nas academias uma solida instrucção firmada no que possa ter de salutar o moderno espirito scientifico, e com ella os elementos todos que vão tornando essas gerações aptas para concorrer, nas diversas espheras da actividade social, em beneficio do desenvolvimento e da civilisação do nosso paiz; vejo, a par d'esses professores, magistrados, que conservam as tradições de integridade e de illustração dos tribunaes portuguezes; vejo, finalmente, outros funccionarios publicos que, no exercicio dos seus logares, todos os dias dão prova do conhecimento dos negocios e do zêlo pelos interesses do estado; em taes circumstancias e perante uma tal assembléa eu desejaria, repito, não ter que proferir uma palavra sequer que podesse deixar de ser do agrado de toda a camara.

Chamado, porém, ao terreno da defeza dos actos do gabinete de que tenho a honra de fazer parte, chamado ainda e a par disso a um campo de lucta, em que preferiria não ter de entrar, releve-me v. exa. e releve-me a camara toda, se, no decurso d'esta oração e excitado pela lembrança da vehemencia com que fomos accusados, eu siga resoluta, animosamente o illustre parlamentar a que vou responder, me veja, obrigado a entrar, rebatendo insinuações que, sem quebra da sua dignidade, o governo não póde nem deve deixar passar sem correctivo.

Hei de argumentar com os factos, e peço desculpa á assembléa se mais uma vez, e agora sem que o justifique uma elevada conveniencia publica, eu tenha ainda de fazer historia retrospectiva: fomos acremente atacados; é necessario que nos defendamos restabelecendo á verdade dos factos, que são de hontem, e apesar d'isso tão esquecidos parecem andar na memoria de muitos.

Sr. presidente, declarou-nos o sr. Antonio de Serpa que pedira a palavra ao ouvir o sr. ministro do reino, como que invocar a benevolencia d'esta camara para com um governo que, tendo mettido hombros á difficil empreza de reorganisar a fazenda publica, sacrificava a sua popularidade n'esse empenho, vendo-se forçado a aggravar os impostos existentes, a lançar contribuições novas, a exigir sacrificios á nação para occorrer ás instantes necessidades do thesouro, para satisfazer religiosamente os compromissos tomados em epochas anteriores: foi n'esta occasião, quando o sr. ministro do reino se referia a estas circumstancias, que s. exa. entendeu dever pedir a palavra; porque, embora não julgasse este o momento mais opportuno para tratar a questão financeira, era precisamente em nome d'ella que o digno par pretendia intimar o governo a que abandonasse estas cadeiras, e se apressasse a resignar um logar, que mais digna, mais proveitosamente para a causa publica, a outrem cumpria occupar.

E na sua ordem de idéas, exclamou s. exa.: "Que situação tão bem preparada, que monção tão favoravel não foi aquella em que o governo actual subiu ao poder!"

"Nenhum outro ministerio" acrescentava ainda s. exa., encontrou até hoje elementos de tamanho valor, como este para resolver de vez a difficil questão financeira, que a tantos estadistas notaveis tem preoccupado sem que para ella podessem até agora encontrar solução."

Ora examinemos pausadamente qual era essa situação tão favoravel, e tão prudente e cautelosamente preparada de antemão, que terreno era esse tão completamente arroteado por s. exa. e em que só nos cumpria colher, como fructo de sementeira que não fizeramos, a final resolução da questão de fazenda, que s. exa., apesar dos seus esforços, nunca poderá resolver. Antes, porém, de encetarmos esse exame, permitta-me o digno par que eu lhe dirija uma singelissima pergunta, que eu peça a s. exa., ou ao sr. Fontes, que nos revelem por que é que em condições tão favoraveis de administração s. exas. se resolveram a abandonar o poder? Pois s. exas. que tinham preparado de antemão e previdentemente o terreno consentiram por simples condescendencia com um partido opposicionista, sem que nenhuma rasão constitucional apparente o justificasse, que outros viessem colher louros e gosar triumphos que de direito lhes cabiam?

Tinham s. exas. diante de si essas perspectivas tão afortunadas e deixaram de as aproveitar quando contavam com uma enorme maioria na camara dos senhores deputados, com o apoio quasi unanime d'esta casa do parlamento, com a plena confiança da corôa, podendo conseguir o suspirado equilibrio financeiro e dar por fim o golpe fatal n'esse deficit chronico, que é o cancro que está constantemente definhando- as forças do paiz?

Ouve-se isto, e não se dá credito ao testemunho dos sentidos. Pois é possivel que de um anno para o outro a historia dos factos contemporaneos possa apresentar-se sob um ponto de vista tão diverso! Sr. presidente, por minha parte assevero a v. exa. que, relatando o estado da fazenda publica ao paiz tal qual elle se achava em janeiro passado, julgava e julgo haver-lhe prestado um serviço, porque lhe fallei a verdade, porque lhe inspirei a convicção da necessidade do imposto, porque vi confirmadas as previsões que fizera, e posso sustentar hoje com igual convicção todas as apreciações que então formulei.

Declarei francamente que era chegado o momento de appellar para o paiz; mas este appello só poderia ser correspondido se lhe expozesse a inteira verdade; se lhe descrevesse as difficuldades com que luctava; os perigos que nos envolviam; e, pondo o remedio a par do mal, lhe indicasse os sacrificios que eram necessarios, e deviam realisar-se sem demora, para debellar essas difficuldades, vindo os contribuintes em auxilio do thesouro, por fórma que os compromissos d'este podessem ser satisfeitos.

Mas se tal era então, como continua sendo hoje, a minha convicção inabalavel, se essa convicção póde ser compartilhada pela grande maioria do paiz, como acontece, que em tão pequeno intervallo de tempo, qual o que medeia entre a subida ao poder de um partido que tinha sido combatido sem treguas, que se havia querido votar ao mais affrontoso ostracismo e actualmente, tudo se ache transformado por fórma, que seja possivel asseverar hoje, em pleno parlamento, terem sido, como nunca, favoraveis as circumstancias do thesouro e do paiz quando o governo subiu ao poder? Como poderá asseverar-se que só pela impericia do governo, pela incapacidade do ministro da fazenda é que se viam hoje desaproveitados, talvez perdidos esses elementos de regeneração tão cuidadosa, tão prudentemente preparados pelo gabinete que nos precedeu?

Não estará tudo isto exigindo que de novo examinemos os factos, que mais uma vez comprovemos com os algarismos o que são, e o que valem as apreciações do digno par, para que de tudo se infira se s. exa. apresentou, ou não, a historia verdadeira d'esses mesmos factos a que alludiu?

Sr. presidente, o que este governo encontrou quando subiu ao poder, disse-o á camara o sr. Serpa, vendo os factos atravez do prisma das suas apreciações partidarias; mas eu vou por meu lado aprecial-o á luz serena de documentos officiaes, que fazem fé, que foram officialmente communicados a esta camara.