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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N. 13

EM 29 DE OUTUBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta.- Expediente. - É lido na mesa um telegramma do presidente do comicio realizado em Villa Real de Trás-os-Montes, pedindo a approvação da proposta do Governo relativa á crise do Douro. - O Sr. Presidente participando á Camara o fallecimento do Digno Par Firmino João Lopes, propõe que se lance na acta um voto de profundo pesar e que em seguida seja levantada a sessão. Associam-se a esta proposta o Sr. Ministro da Justiça e os Dignos Pares Sebastião Telles, Pimentel Pinto, Sebastião Baracho, Eduardo de Serpa, José de Alpoim; Luciano Monteiro e João Arroyo. - A proposta é approvada por unanimidade. - O Sr. Presidente, dando para ordem do dia da seguinte sessão a que estava dada para hoje e mais o projecto de resposta ao Discurso da Corôa, levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada verificou-se estarem presentes 24 Dignos Pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Tres officios do Ministerio da Marinha acompanhando documentos requeridos pelos Dignos Pares Pimentel Pinto, Teixeira de Sousa e Visconde de Monte-São.

O Sr. Presidente: - Acha-se sobre a mesa um telegramma aue vae ser lido.

Leu-se na mesa:

«Villa Real, 28-10-1906. - Presidente Camara Pares. - Lisboa. - Povos d'este concelho e de outros da região duriense, reunidos hoje em comicio n'esta capital do districto, pedem intervenção de V. Exa. para immediata discussão propostas do Governo pendentes Parlamento e relativas crise vinicola, como reclama o estado afflictivo da viticultura. = Presidente do comicio, Augusto Guilherme Botelho de Sousa.»

A commissão de fazenda.

O Sr. Presidente: - V. Exas. já decerto conhecem a triste noticia do fallecimento do nosso collega o Digno Par Sr. Firmino João Lopes, a quem uma pertinaz doença privou de tomar assento n'esta Camara.

Tem sido praxe constante n'esta casa do Parlamento, e é dever nosso, prestar homenagem á memoria dos que foram nossos collegas, principalmente quando honraram a patria com as suas virtudes e os seus serviços, o que succede com aquelle cuja morte hoje deploramos.

Na sua larga carreira publica, Firmino João Lopes deu constantes provas de ser um funccionario intelligente e zeloso, um juiz illustrado e integerrimo, um cidadão prestante e dedicado ao bem do paiz.

Creio, pois, que interpreto os sentimentos da Camara propondo que se lance na acta um voto de profundo pesar e, em seguida, se levante a sessão em homenagem á memoria do illustre extincto. (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Sr. Presidente, pedi a palavra para me associar, em nome do Governo, á piedosa homenagem de saudade e condolencia que V. Exa. acaba de propor pelo fallecimento do Digno Par Firmino João Lopes.

É tão justa a proposta de V. Exa. quanto o será a manifestação da Camara, porque Firmino João Lopes bem mereceu da patria que dedicadamente serviu.

Como governador civil elle soube proceder de forma a honrar plenamente a confiança dos Governos que o escolheram para esse cargo.

Como Deputado da Nação foi incansavel no zelo com que defendia os interesses dos povos que o elegeram e com que se devotava a todos os assumptos relacionados com o bem estar geral do paiz.

Como magistrado judicial, affirmou na sua larga carreira altas qualidades de intelligencia, de bondade, de saber e de integridade.

No seu trato particular, cheio de sinceridade e singeleza, elle captivava á primeira approximação.

Assim, pois, Firmino João Lopes, se na vida publica, que exerceu por muitos annos, teve repetidas occasiões de revelar o aprumo do seu caracter e a alvura da sua consciencia, como chefe de familia e como amigo leal mereceu a estima, a consideração e respeito de todos os que o conheceram de perto.

Associo-me, repito, em nome do Governo á manifestação de sentimento proposta por V. Exa., e profundamente lamento a perda de um homem que tanto honrou a magistratura, a politica, portuguesa, e o partido regenerador-liberal, a que muitos e valiosos serviços prestou.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Telles: - Em nome do partido progressista, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pela morte do Digno Par

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Firmino João Lopes e acompanho o partido regenerador-liberal na sua magna.

Concordo tambem em que seja levantada a sessão.

O Sr. Pimentel Pinto: — O Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro incumbiu-me de participar a V. Exa. e á Camara que, por motivo justificado, não podia comparecer á sessão de hoje.

Na sua ausencia, cabe-me a honra de, em seu nome e em nome da opposição regeneradora d'esta Camara, me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa. e ás palavras de pesar proferidas pelo Sr. Ministro da Justiça e pelo Digno Par Sr. Sebastião Telles, em commemoração de respeito e saudade pelo fallecimento do nosso collega Firmino João Lopes.

Não é só o partido regenerador-liberal que recebe pesames pelo passamento d'esse homem austero, mas bondoso, que era um dos seus membros mais illustres; recebe-os tambem o partido regenerador pela perda de um seu antigo companheiro de armas, que muitos e valiosos serviços lhe prestou quando militava nas suas fileiras; e que, mesmo depois de nos deixar, mereceu sempre a nossa sympathia pela perfeita correcção com que sempre procedeu para com os seus antigos correligionarios.

Recebe-os a magistratura judicial portugueza que n'elle perdeu um dos seus ornamentos mais distinctos.

Sr. Presidente: ainda hontem um dos antigos collegas de Firmino João Lopes no foro me dizia: «Se nas causas civeis elle affirmou sempre, alem de uma consciencia sã e esclarecida, o perfeito conhecimento das leis, nas causas crimes deixou sentenças verdadeiramente modelares».

E accrescentava que, embora velho, era elle um juiz moderno.

A hereditariedade, o temperamento do accusado, e o motivo que o levara á pratica do crime, o seu estado de alma no momento de o praticar, essas circumstancias em que muitos não attentam, eram sempre cuidadosamente estudadas por Firmino João Lopes, que no agente do crime, por mais grave que este fosse, via sempre um infeliz digno de dó e muitas vezes um miseravel que a falta de piedade arrastaria definitivamente para o mal e que o perdão podia regenerar.

Sr. Presidente: recebe pesames tambem esta Camara, porque perdemos um collega que a havia de honrar com o seu espirito esclarecido e ponderado.

Recebe-os o paiz, porque perdeu um cidadão prestante, que dedicadamente o servia e lealmente o amava.

Por todas estas razões a opposição regeneradora associa-se á proposta de

V. Exa., bem como a quaesquer outras demonstrações de pesar e de respeito pela memoria da illustre extincto, que foi na magistratura, na politica, na vida publica e particular, um homem de bem, digno do respeito e da saudade de todos os seus concidadãos.

O Sr. Sebastião Baracho: — Aproveito a occasião para mandar para a mesa o seguinte requerimento:

« Por officio do Ministerio do Reino de 20 do corrente, fui informado de que, em policia preventiva, não se gastou mais, nos ultimos annos, pelo Juizo de Instrucção Criminal, do que a verba orçamental autorizada pelo decreto de 19 de setembro de 1902, isto é, réis 1:800$000 em cada anno. Sendo, porem, a verba geral inscripta no orçamento, destinada a retribuir esse serviço, de 36:000$000 réis annuaes, requeiro, com urgencia, pelo mesmo Ministerio :

Que me seja indicada, por annos economicos, a distribuição dos réis 34:200$000 restantes, pelas autoridades que a despenderam, no periodo que decorre de 1901 até 1906 inclusive. = Sebastião Baracho».

Attento o fim a que é destinada esta sessão, não farei considerações de especie alguma, justificativas da legitimidade do meu pedido.

Limito-me apenas a reclamar a maxima brevidade no fornecimento dos esclarecimentos que solicito, porque careço d'elles para quando usar da palavra na resposta ao Discuro da Corôa, que está dada para ordem do dia.

Dito isto, recordarei que Firmino João Lopes foi um dos membros reputados do antigo partido regenerador. Esta circumstancia impera naturalmente no meu espirito para desfolhar sobre a sua campa algumas saudades.

Eu sou da mesma procedencia, e não o esqueço em ocasiões, como esta, a despeito de me encontrar completamente desligado de partidos e homens politicos.

Firmino João Lopes foi um cidadão modelar, um juiz para ser seguido como exemplo, e um politico desinteressado.

Como cidadão, todos que lhe cultivaram as relações fazem justiça á nobreza do seu caracter.

Como juiz, sob o seu feitio brusco, sabia amoldar-se integralmente ao cumprimento da lei e dos codigos, e tinha por vezes o dito humoristico apropositado, que constituia uma synthese de apreciação e bom senso.

Na sua qualidade de politico, conheci-o intransigente, como é indispensavel que se seja para a boa controversia parlamentar, e para que a util fiscalização reciproca dos partidos não seja uma visualidade.

Desgostos, que lhe sobrevieram do cultivo da politica local brigantina, afastaram-no da acção vigorosa no partido regenerador, que só mais tarde abandonou para se encorporar no novo ramo d'aquelle mesmo agrupamento, appelidado de liberal.

Durante o seu ocio politico, dedicou-se especialmente ao exercicio das suas funcções de magistrado; e, nas horas vagas, cultivava flores. Era um ardente apaixonado das rosas.

Não pode ser mau quem por esta forma desanuvia o espirito, no enlevo de uma das melhores producções da terra que nos é mãe.

Reintegrado na politica militante, orientou-se pelas suas authenticadas tradições de desinteresse.

Nada lucrou em haveres, nem em honrarias, com a sua vida de homem publico.

No pariato, que lhe foi recentemente concedido, teve apenas a recompensa e galardão dos seus serviços ao paiz.

Como cidadão, como juiz e como politico, cumpriu o seu dever, legando bom exemplo aos que ainda ficamos mourejando n'este mundo sublunar.

(O Digno Par não reviu).

Leu-se na mesa o requerimento que o Digno Par Sr. Sebastião Baracho apresentou e foi mandado expedir.

O Sr. Eduardo de Serpa: — Sr. Presidente: permitta-me V. Exa. e a Camara que tome parte nesta demonstração de pesar pelo fallecimento do nosso collega Sr. Firmino João Lopes»

Eu era duplicadamente seu collega: no Parlamento e na magistratura judicial.

Por isso entendi que não devia nesta occasião deixar de tomar' a palavra para me associar, directamente, á demonstração de sentimento que a Camara vae decerto votar.

Sr. Presidente: todos reconheciam em Firmino João Lopes um juiz recto, um espirito claro, um homem trabalhador, mas alem d'essas qualidades elle ainda possuia outra: não tinha medo, era um homem valente e corajoso.

Oocorre-me referir á Camara um facto de que tive conhecimento quando elle era delegado do Procurador Régio na comarca de Villa Pouca e eu visitava o districto de Villa Real como governador civil.

Houvera um motim contra o escrivão de fazenda, fôra incendiada a respectiva repartição e estava em risco de ser victima da ira popular a vida do proprio funccionario.

Firmino João Lopes habitava uma

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casa contigua ao edificio da repartição de fazenda.

No momento do conflicto, elle saiu á rua, abriu a camisa e mostrou o peito, dizendo aos amotinados : — «Se quereis saciar a vossa cólera num homem, aqui tendes o meu peito; mas lembrae-vos que o escrivão de fazenda é chefe de familia — tem filhos».

Estas palavras, este acto de abnegação e coragem produziram effeito na multidão, cujas iras se acalmaram logo.

Portanto, Sr. Presidente, Firmino João Lopes, alem da sua reconhecida competencia como magistrado, e das suas notorias qualidades de caracter, possuia a de não ter medo, qualidade que este facto torna evidente.

É uma recordação que não se me apagou nunca do espirito; que honra a memoria de Firmino João Lopes; e que no momento actual tem uma triste opportunidade.

Por isso a mencionei perante a Camara.

Sr. Presidente: com profunda magua associo o meu voto ao dos meus illustres collegas.

Aproveito a occasião para declarar a V. Exa. que, por motivo justificado, não compareci a algumas sessões, e que tendo estado fora de Lisboa não pude cumprir o officio da Presidencia de V. Exa. para comparecer no funeral do illustre extincto.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. José de Alpoim: — Pedi a palavra para dizer que me associo a todas as manifestações da Camara, e portanto á proposta de V. Exa. para que se levante a sessão em signal de sentimento pela morte do Conselheiro Firmino João Lopes.

O Sr. Luciano Monteiro: — Sr. Presidente: em nome do partido regenerador-liberal, associo-me enternecidamente ás manifestações de condolencia que V. Exa. propôs pela morte do nosso chorado collega o Conselheiro Firmino João Lopes.

Não disponho de dotes oratorios nem de eloquencia para cammemorar dignamente a morte de tão prestimoso collega ; mas ainda que eu possuisse esses dotes, a minha commoção só permittiria que me associasse á proposta de V. Exa.

De mais, o elogio do Conselheiro Firmino João Lopes, d'esse distinctissimo magistrado, d'esse cidadão exemplar, d'esse bom e honrado correligionario meu, está feito por todos os oradores que me precederam e eloquente e sentidamente se associaram ás palavras de profundo pesar pronunciadas por V. Exa.

Conheci intimamente Firmino João Lopes; mantive com elle estreitas relações de amizade; e tive muitas occasiões de aquilatar a lucidez do seu espirito e a bondade do seu coração.

Todos aquelles que, como eu, já contam meio seculo de existencia, todos aquelles que, como eu, já passaram a idade das illusões, pungentemente olham para o caminho percorrido que se nos afigura uma vasta alameda, ensombrada funebremente de cyprestes, que deixam cair a sua melancolica sombra sobre as lousas em que se lêem os nomes de tantos parentes nossos, de tantos amigos e companheiros que estimamos e por quem fomos estimados.

N'este momento abre-se mais uma campa, inscreve-se mais um nome na lousa funeraria: é o de um amigo, de um companheiro leal.

O meu coração estremece de dor, a minha palavra enternece-se de commoção.

Não tenho n'este momento coragem senão para desfolhar as flores da minha saudade sobre a sepultura que hontem se fechou.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar muito sentidamente á proposta de V. Exa.

O Sr. Presidente: — Como não ha mais ninguem inscripto, e tendo a Camara manifestado a sua adhesão á minha proposta, considero a approvada.. (Apoiados geraes).

A seguinte sessão será ámanhã e a ordem do dia a que vinha para hoje e mais a discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Está levantada a sessão.

Eram 3 horas da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 29 de outubro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Conde do Cartaxo; Viscondes: de Monte-São, de Pindella; Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Vellez Caldeira, Serpa Pimentel, Francisco Machado, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBEETO PIMENTEL

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